Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 25/02/2013
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0008252-59.2007.4.03.6100/SP
2007.61.00.008252-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal MÁRCIO MORAES
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
APELADO : ANGELI MACHADO CARDOSO
PROCURADOR : MARCOS ANTONIO PADERES BARBOSA (Int.Pessoal)
ADVOGADO : ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 20 VARA SAO PAULO Sec Jud SP

EMENTA

CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA, MEDIANTE A CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO NA FINLÂNDIA, PARA REAVER GUARDA DE FILHO. JULGAMENTO ANTECIPADO PREMATURO. NECESSIDADE DE SER EMENDADA A INICIAL. DEMONSTRAÇÃO DO INTERESSE DE AGIR E DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA PARA REGULAR INSTRUÇÃO DO FEITO.
A tramitação do feito com documentos não traduzidos e juntados pela autoria fere nitidamente o princípio do contraditório, pois não permite à parte ré, como é curial, defender-se integralmente.
Tirante a relevante questão da existência de documentos em língua alienígena anexados aos autos sem a devida tradução, outro ângulo de análise autoriza a afirmação de que a apreciação deste curioso caso deu-se sem que, de fato, existissem subsídios suficientes à sua análise, é dizer, de forma açodada e às escuras.
Ressaltada à evidência a ocorrência de error in procedendo no atuar do juiz de Primeiro Grau, que deixou de adotar providência que seria altamente salutar nesse tipo de processo, qual seja facultar-se a emenda à inicial com vistas à demonstração da presença de duas condições da ação, tais sejam, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido.
Ante a prolação de sentença de mérito sem a antecedente fase instrutória específica, ficam em xeque a própria utilidade e eficácia da decisão exarada.
Demonstração de ter havido na Finlândia uma pendência judicial com relação à guarda do referido menor, na qual a autora restou perdedora em duas instâncias, sendo-lhe assinalados apenas dias para visitação ao filho, deixa dúvida quanto às reais chances jurídicas de ser revertida tal decisão. Soma-se a isso o total desconhecimento quanto à legislação daquele Estado a respeito do tema, cuja comprovação consubstancia encargo da parte.
Necessidade de emenda da inicial para comprovação do interesse de agir e da possibilidade jurídica do pedido.
Anulação do processo, ficando prejudicados o apelo e a remessa oficial.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, anular todo o processado, nos moldes propostos, ficando prejudicados o apelo e a remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 07 de fevereiro de 2013.
MARCIO MORAES


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0008252-59.2007.4.03.6100/SP
2007.61.00.008252-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal MÁRCIO MORAES
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
APELADO : ANGELI MACHADO CARDOSO
PROCURADOR : MARCOS ANTONIO PADERES BARBOSA (Int.Pessoal)
ADVOGADO : ANNE ELISABETH NUNES DE OLIVEIRA (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 20 VARA SAO PAULO Sec Jud SP

RELATÓRIO

Antes do mais, afasto o regime de segredo de justiça atribuído ao feito pelo MM. Juiz Processante no provimento de fls. 203/204. A nosso sentir, não incide à espécie o contido no art. 155, inc. II, do CPC, pois aqui não se discute a guarda propriamente dita de menor, mas, apenas, pretenso direito da requerente à disponibilização, pelo Estado Brasileiro, de assistência jurídica gratuita em território estrangeiro. A bem ver, a questão, em si, da guarda será ventilada na medida judicial que a demandante almeja ver agilizada perante a Justiça finlandesa.

Angeli Machado Cardoso, assistida pela Defensoria Pública da União, ajuizou ação ordinária, com pedido de tutela antecipada, contra a União Federal, objetivando compeli-la a lhe garantir assistência jurídica integral e gratuita, mediante a contratação de advogado na Finlândia, com vistas à adoção das providências jurídicas necessárias no intuito de lhe assegurar a guarda de seu filho menor, que, atualmente, reside naquele país em companhia de seu genitor, ex-consorte da demandante.

Narra, a inicial, que a demandante viveu, durante sete anos, na Finlândia com seu marido, e, como fruto dessa união, nasceu, em 29/8/1999, Simon Ali Cardoso Hassan, o qual, após a separação do casal decorrente de supostos maus tratos pelo esposo, reside, hoje, com o pai naquele país, em decorrência de decisão judicial emanada da Justiça daquele Estado, que outorgou ao pai a guarda definitiva do referido menor. Alega a autora que tal decisão adveio de um processo contaminado, instruído com informações falsas e manipuladas. Historia-se que, após receber assistência consular desde 2004, a demandante foi repatriada com outro de seus filhos, por meio de recursos da União, em 2006, sendo-lhe fornecida, pela Embaixada do Brasil, perspectiva otimista quanto à possibilidade de revisão do processo de guarda de seu filho Simon, nos termos de parecer elaborado por uma advogada particular, remunerada pela própria Embaixada, razão pela qual a suplicante formulou pedido administrativo perante o Ministério das Relações Exteriores para contratação de causídico, requerimento esse, contudo, pendente de resposta. Remarca a inicial a plausibilidade de custeio, pela União, das custas processuais e honorários de algum advogado finlandês, pois, no caso em debate, não se discutem meros interesses individuais, mas o dever estatal de proteção da criação e do adolescente, inclusive à luz do direito de convivência familiar e comunitária.

Requer-se, do expendido, a condenação da ré na contratação de advogado naquele país, a fim de que sejam tomadas as medidas judiciais cabíveis para reaver a guarda de seu filho, atribuindo-se ao profissional a confecção de relatórios mensais sobre o andamento do feito, a serem entregues na Embaixada do Brasil em Helsinque. Pede-se, ainda, a fixação de multa diária à requerida por eventual descumprimento, com determinação do seqüestro de verbas da Fazenda Pública para garantir a contratação do causídico e o pagamento de custas, em montante não inferior ao equivalente a vinte mil euros.

Apreciando a inicial, o MM. Juiz singular determinou-lhe a regularização no que concerne à juntada de documentos não vertidos ao vernáculo, em ofensa ao art. 157 do CPC. Intimada, a demandante remarcou ser beneficiária de justiça gratuita, razão pela qual pleiteou a designação de tradutor juramentado para efeito de cumprimento àquela disposição processual, pretensão denegada pela magistrada processante, ensejando a oferta de agravo de instrumento de minha relatoria, com pedido de atribuição de efeito suspensivo, pretensão por nós acatada a bem de que o Juízo monocrático solicitasse ao órgão de classe respectivo ou à própria Junta Comercial do Estado de São Paulo a indicação de profissional para proceder à tradução juramentada dos aludidos documentos.

Em cumprimento à decisão lançada no citado agravo, não se verificou a existência de tradutor juramentado, inscrito na Jucesp, do finlandês para o português, tendo a magistrada processante determinado a expedição de ofício ao Consulado Geral Honorário da Finlândia, para prestação de esclarecimentos sobre o conteúdo das peças acostadas aos autos. No tocante aos documentos lançados em inglês, foram vertidos ao vernáculo por tradutor juramentado, consoante se vislumbra dos documentos de fls. 271 e seguintes.

Contestado o pedido e oferecida réplica, e certificada a inocorrência de resposta ao ofício emitido ao Consulado da Finlândia, sobreveio sentença de parcial procedência da ação, submetida a reexame necessário, cuja parte dispositiva segue transcrita:


"Em vista do exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO, com resolução de mérito, declarando PROCEDENTE, EM PARTE, A AÇÃO e determinando à União que adote, de imediato, as providências cabíveis para a urgente contratação de advogado finlandês, através dos já comprovados bons préstimos da Embaixada do Brasil em Helsinque. Para isso, deverá a ré disponibilizar, de imediato, a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a ser convertida em Euros ao câmbio do dia e colocada aos cuidados de Sua Excelência o Embaixador do Brasil na Finlândia - o qual deverá, oportunamente, como de praxe, prestar as contas e solicitar qualquer complementação de numerário que, eventualmente, se faça necessária. Desacolho o pedido de aplicação de multa, formulado pela autora, pois não há, nos autos, indícios suficientes de que os i. representantes da União pretendam descumprir a ordem judicial. Deverá a i. representante processual da União, nestes autos, adotar as providências que se façam necessárias, junto aos órgãos governamentais competentes, para o pleno e pronto cumprimento da presente decisão, que se reveste da eficácia imediata da decisão concessiva da Antecipação da Tutela jurisdicional".

Inconformada, a União Federal agilizou embargos de declaração, rejeitados pelo MM. Juiz monocrático, e, após, a apelação sob apreciação, suscitando matéria preliminar (descabimento de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, inépcia da inicial e impossibilidade jurídica do pedido) e, no mérito, solicitando a reforma da sentença exarada, argumentando ser inviável o atendimento do pleiteado, eis que a outorga de assistência judiciária gratuita requer a demonstração de quadro de miserabilidade, e, de toda sorte, não há previsão legal quanto à sua prestação no território estrangeiro; a acolhida do requerimento autoral violaria o direito de guarda do pai da criança em questão, matéria decidida soberanamente no órgão jurisdicional da Finlândia e acobertada, atualmente, pelo manto da coisa julgada; os direitos fundamentais não são absolutos e carecem de verificação em cada caso concreto; e, por fim, seria lícito à proponente aforar ação de desconstituição da sentença estrangeira para alteração do direito de guarda perante a Justiça Brasileira, e, nesse âmbito, ser-lhe-ia assegurada assistência judiciária gratuita.

A apelação da União restou recebida em seus regulares efeitos.

Neste Tribunal, distribuídos os autos à minha relatoria e relatado, pela vindicante, o não-cumprimento, até aquela parte, do comando sentencial, o MM. Juiz Federal Convocado Rubens Calixto proferiu decisão, ressaltando, em síntese, que o recebimento do apelo da União deu-se apenas no efeito devolutivo, considerando a concessão da tutela antecipada rogada, de modo a fazer-se necessário o pronto atendimento do mandamento contido na sentença.

Irresignada, a União Federal interpôs agravo e, em juízo de retratação, reconsiderei aquele posicionamento, para suspender os efeitos da sentença recorrida até o exame do recurso interposto, sob a motivação de que o resultado da demanda poderia ficar comprometido se operacionalizada, de pronto, a sentença, acrescido do fato de que o recebimento do apelo "em seus regulares efeitos" propiciou à União Federal o vislumbre da suspensividade da execução da sentença, frustrando o manejo de agravo de instrumento a respeito.

Com vista dos autos, o ilustrado representante ministerial opinou pelo improvimento do recurso.

É o relatório.


VOTO

Eminentes pares. A demanda aqui em julgamento é, por certo, escoteira. Pretende-se, em resumo, debitar à conta da União Federal a contratação de um advogado na Finlândia, a fim de que este adote as providências jurídicas necessárias para assegurar à parte autora, brasileira, a guarda de seu filho menor que, por decisão da Justiça daquele país, em Primeira e Segunda Instâncias, lá reside com seu genitor, ex-consorte da autora e de nacionalidade finlandesa.

O presente feito foi processado com várias dificuldades. A inicial fez-se acompanhar de documentos firmados em idiomas estrangeiros - inglês e finlandês - e a busca das respectivas traduções pelo magistrado processante mostrou-se tormentosa: após diversas providências, apenas os documentos vazados em inglês foram vertidos ao vernáculo, e as peças lançadas em finlandês seguem nos autos na forma com que originalmente oferecidas, ou seja, na língua estrangeira. Sequer há notícia nos autos de eventual resposta do Consulado Geral Honorário da Finlândia, que foi expressamente instado pelo juiz a secundá-lo na questão da tradução.

Mesmo com percalços de tal ordem, o MM. Juízo a quo veio a sentenciar o feito, ex abrupto, sem oportunizar às partes a produção de provas, num momento processual, aliás, em que a Secretaria da Vara noticiava não ter sido respondido o ofício judicial que fora expedido ao Consulado da Finlândia, solicitando-lhe a tradução das peças dos autos no idioma daquele país. Em outras palavras, ao se deparar com dificuldade na obtenção da tradução referida, preferiu o Juízo, ao que tudo indica, considerar irrelevante a existência nos autos de peças em idioma não traduzido, como se o seu conteúdo não pudesse, ainda que por hipótese, conter informação relevante que confirmasse ou repelisse a pretensão da autora. Entendeu o decisório, assim, considerar, por mera presunção e em total confronto ao artigo 157 do CPC, impertinentes ou irrelevantes essas provas e sem que a sentença contivesse fundamentos explícitos e objetivos, justificadores dessa postura judicial.

Releva notar que essas provas documentais não traduzidas e, pois, desconsideradas em seu conteúdo pelo Juízo, parecem ter relação com as decisões judiciais tomadas pelos Tribunais da Finlândia, cuja possibilidade de modificação a autoria aponta como fundamento básico do seu pedido de assistência judiciária no estrangeiro. Ora, mas como saber-se da possibilidade legal de reversão dessas decisões das Cortes finlandesas, fundamento básico do pedido, repita-se, se nem o seu conteúdo é conhecido?

Ainda de se notar em relação a tais documentos não traduzidos, que o ônus da tradução é inequivocamente da autoria, como decorre do artigo 157 do CPC, e que, por óbvio, os benefícios da justiça gratuita não tem o condão, como parece crer a Defensoria Pública da União, de transferi-la ao Juízo.

E mais. A tramitação do feito com documentos não traduzidos e juntados pela autoria, fere nitidamente o princípio do contraditório, pois não permite à parte ré, como é curial, defender-se integralmente.

Tirante a relevante questão da existência de documentos em língua alienígena anexados aos autos sem a devida tradução, outro ângulo de análise nos autoriza a afirmar que a apreciação deste curioso caso deu-se sem que, de fato, existissem subsídios suficientes à sua análise, é dizer, de forma açodada e às escuras.

Deveras, ressalta à evidência a ocorrência de error in procedendo no atuar do juiz de Primeiro Grau, que deixou de adotar providência que seria altamente salutar nesse tipo de processo: facultar-se a emenda à inicial com vistas à demonstração da presença de duas condições da ação, tais sejam, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido.

Na realidade, ante a prolação de sentença de mérito sem a antecedente fase instrutória específica, ficam em xeque a própria utilidade e eficácia da decisão exarada.

Com efeito, compulsando os autos, vê-se que já houve na Finlândia uma pendência judicial com relação à guarda do referido menor e a autora restou perdedora em duas instâncias, sendo-lhe assinalados apenas dias para visitação ao filho. Assim, não se sabe se há reais chances jurídicas para que a autora venha a obter a guarda desse filho no Brasil. Verdadeiramente se desconhece, por completo, a legislação daquele Estado a respeito do tema e se consubstancia encargo da parte a comprovação a respeito, ônus de que não se desincumbiu nem tampouco foi instada a fazê-lo em sede de emenda à inicial ou na competente fase instrutória. O que temos nos autos é elemento que nos soa extremamente frágil, a dizer, peça vertida originalmente em inglês, datada de 04/04/2006, em que uma pessoa, supostamente advogada, de nome Jaana Koukkari, contratada pela Embaixada Brasileira, diz da possibilidade, em tese, de reabertura a qualquer tempo do feito de guarda do infante - sem mencionar quaisquer pressupostos legais - para em seguida, no mesmo documento, explanar inclusive sérias dúvidas acerca da reforma do pronunciamento da Justiça daquele País.

Confiram-se trechos desse parecer:


"O processo legal para reverter a guarda do menor Simon Ali Hassan poderá ser reaberto a qualquer tempo. Entretanto, com base nos entendimentos que tive com a Autoridade Assistencial, bem como de minhas observações no decorrer do caso em curso, parece-me muito improvável que a Autoridade Assistencial possa vir a preparar um relatório favorável a Angeli. Além disso, considerando o fato de que a decisão do Tribunal é ainda bastante recente e que não foi reformada pelo Tribunal de Segunda Instância em 2004, é muito possível que o Tribunal denegasse o pedido sem mesmo solicitar um segundo relatório à Autoridade Assistencial. A situação poderia ser diferente caso ocorresse alguma alteração substancial nas circunstâncias após o ano de 2004 ou se o pai se mostrasse incapacitado de cuidar do menor. Na realidade, não há indicação nenhuma de que a Autoridade Assistencial tenha mudado sua opinião sobre a superioridade do pai como guardião da criança. Pelo contrário, a interferência da Assistente Social nas providências para o direito de visita do menor, na forma de visitas supervisionadas e restringidas ao horário diurno, são uma forte indicação de que a posição de Angeli é bastante frágil no que respeita a sua possibilidade de conseguir a guarda do menor. Além disso, o pai tem o benefício do atual status quo, que seria abalado por qualquer nova situação. A concessão de guarda a Angeli poderia levar a uma situação em que o menor poderia ser levado para um país estrangeiro e separado de seu pai. No meu entender, Amir Hassan de maneira nenhuma estaria de acordo com isso. Nenhum Tribunal orientado pelo princípio do melhor interesse do menor aprovaria uma decisão que implicasse neste tipo de alteração dramática no relacionamento entre o progenitor e o menor, a não ser que prevalecessem razões de grande seriedade. (...) No transcorrer do caso em curso não foram apresentados quaisquer motivos razoáveis contra as restrições e providências especiais impostas pelos Assistentes Sociais ao direito de visita do menor. Tal fato poderia, de alguma maneira, confirmar a suspeita de Angeli contra seu caso (...) A meu ver, os assistentes sociais têm demonstrado pouco respeito pelo direito de Angeli à sua vida privada (...) No transcorrer do caso em curso, eu tenho tentado chamar a atenção do Tribunal para a importância da língua materna no desenvolvimento intelectual, emocional e social do menor. Domina-me a impressão de que, nem mesmo agora, essa questão ganhará a importância que merece. (...) Meus argumentos poderão ser apenas suficientes para que venha a ser confirmada a decisão de 2004 quanto ao direito de visita do menor. Entretanto, duvido da força desses argumentos ou de quaisquer outros, tais como o amor da mãe por seu filho, que venham a permitir uma nova ação pela guarda exclusiva do menor."

Há nos autos outro parecer da mesma profissional, lavrado em 14/06/2006, aparentemente mais otimista sobre a pretensão da demandante, verbis:

"Queiram encontrar, em anexo, cópia da decisão do Tribunal relativa à execução dos direitos de visita do menor Simon Ali Cardoso Hassan para com sua mãe Angeli Machado Cardoso (...) A decisão sobre direito de visita foi confirmada; entretanto, até 10 de Setembro de 2006 Simon poderá ver sua mãe todas as semanas, de sexta-feira às 12:00 horas até sábado às 12:00 horas. A partir de 11 de setembro de 2006 em diante os direitos de visita corresponderão à decisão original. Esta definição do direito de visita significa que (...) Simon poderá permanecer na companhia de sua mãe. Como originalmente definido na decisão original. Estou muito satisfeito com o resultado do processo porque, aparentemente, o Tribunal reconheceu, pela primeira vez neste caso (...) a importância da língua materna no desenvolvimento de uma criança. (...) O Tribunal entendeu que a redução do direito de visita do menor para um par de horas semanalmente já causou à habilidade linguística do mesmo. Nestas circunstâncias, poderíamos pensar em iniciar um novo processo, objetivando o prolongamento dos direitos de visita ou, até mesmo, restabelecer a custódia do menor".

Perceba-se: muito embora haja referência à possibilidade reabertura da discussão, em passo algum são indicados dispositivos processuais e mesmo de direito material sobre o assunto em debate. É, por assim dizer, completamente desconhecida a dinâmica da processualística local. Apenas há a opinião pessoal de uma profissional que vem a se manifestar sem apontar qualquer tipo de preceito legal da ordem positiva daquele país, e que, bem por isto, incide em vagueza. Sequer cuidou, a parecerista, de colacionar decisões dos Tribunais daquele país em casos assemelhados ao da demandante e que poderiam vir a robustecer sua postulação.

A espécie continua, nessa toada, a carecer da demonstração do que relevante seria: as normas do direito estrangeiro e a jurisprudência quiçá traduzida dos Tribunais daquele país, por exemplo, cuja trazida, conforme adiantamos, é ônus da parte autora, representada pela Defensoria Pública.

Trata-se, com efeito, de situação bastante parelha à veiculada no artigo 337 do CPC (a parte que alegar direito (...) estrangeiro (...) provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz). Com um agravante, por certo: aqui, não se cuida, apenas, de comprovação de direito estrangeiro, já que a demandante sequer aduziu dispositivo da legislação alienígena que, ainda quando em tese, viesse a amparar a pretensão de obtenção da guarda de seu filho menor.

A autora, ao não declinar a legislação de regência daquela nação, não comprovou as hipóteses em que é viável a reabertura do processo de guarda. Tampouco demonstrou, no juízo da instrução - que, aliás, não houve -, que seu específico caso se enquadraria em uma daquelas hipóteses. Nem o pressuposto do não trânsito em julgado das decisões do judiciário finlandês foram sequer referidas.

Assim, o que temos, neste momento, é a notícia de ocorrência de trânsito em julgado acerca do assunto contra o qual se vindica assistência jurídica integral e plena. E, de outra face, não temos, à luz do direito local, ou da jurisprudência que lá restou construída em casos parelhos, qualquer vislumbre de viabilidade jurídica acerca da reversão desse pronunciamento judicial. Condenar-se a União Federal a patrocinar um advogado nessas condições especialíssimas pode importar (demagogicamente, à custa de uma pretensa magnitude do direito constitucional, cuja magnitude não negamos) relegá-la a uma verdadeira aventura jurídica, sem que, ao certo, se saiba das consequências que daí poderão advir. Estando em jogo numerários públicos, a adoção de postura cautelosa é curial.

Em resumo, pede-se uma assistência jurídica gratuita às escuras, ou seja, sem lhe dar os devidos contornos. Sequer se sabe se a providência será tida por cabível ou não. São faltas que se atritam com o interesse de agir da demandante - na acepção da utilidade - e, até mesmo, com a possibilidade jurídica do pedido.

Adite-se, a esta parte, que tais aspectos, que se entrelaçam ao devido processo legal, não podem ser simplesmente menoscabados ante pretensa situação de premência que permeia a demanda.

Divorcia-se a sentença prolatada, assim, como já referido, dos seus pressupostos essenciais de utilidade/eficácia, para se transmudar, por assim dizer, numa carta de intenções, num estudo teórico-acadêmico.

E, ao assim proceder, resta tênue a linha que separa a propalada maximização do direito fundamental à assistência jurídica gratuita - de que, em tese, também comungamos - de uma cortesia custeada com dinheiro público, empregado em possível aventura jurídica internacional.

Remarque-se, por importante, que o nítido viés social da demanda não é de molde a arredar o zelo que há de existir quanto à utilidade da demanda e à oportunização à parte adversa de se defender adequadamente, mesmo porque não vislumbramos circunstância reveladora de urgência tamanha nesse sentido, uma vez que o infante está sob a guarda do próprio genitor, conforme decidido no processo que teve curso perante o Judiciário daquela nação, e os alegados maus tratos praticados pelo ex-consorte da autora não se afiguram retratados em documentos oficiais, como, por exemplo, num documento equivalente ao nosso Boletim de Ocorrência policial, a eles fazendo referência, apenas, missivas da própria autora, de há muito confeccionadas.

Nesse cenário, perguntamo-nos qual a providência mais curial à insólita espécie. Não nos parece pertinente a acolhida da matéria preambular trazida pela União Federal, com conseqüente extinção do processo sem resolução do mérito por um critério de justiça: é que, como remarcado, não foi propiciada à proponente a emenda à inicial, nem tampouco a fase instrutória própria. É noção cediça a de que a oportunização para emendar a inicial e apresentar provas, inclusive orais se for o caso, é direito subjetivo da parte autora. Não seria lídimo, agora, sacrificar a pretensão autoral em decorrência de error in procedendo do magistrado dirigente do processo e de eventuais falhas praticadas pela Defensoria Pública da União quanto aos requisitos substanciais da inicial e à iniciativa probatória.

Assim, considerando a garantia da efetividade processual, hei, de ofício, por se tratar de error in procedendo e de violação ao dogma constitucional do devido processo legal, em anular todo o processado, tornando os autos ao Juiz de Primeiro Grau, para que seja oportunizada à proponente a emenda à sua vestibular, sob os prismas do interesse de agir e da possibilidade jurídica do pedido, de maneira que se cumpram os estritos termos do art. 284 do CPC.

Há mais: a anulação permitirá que seja efetivada a devida instrução do feito, possibilitando, de um lado, à autora a comprovação da presença do direito vindicado nesta ação, e, de outro, ao magistrado a colheita dos elementos de convicção necessários a uma apreciação segura da questão, incluídos, aqui, os documentos constantes dos autos que se acham em idioma estrangeiro.

Ante o exposto, voto pela anulação de todo o processado, nos moldes acima propostos, ficando prejudicados o apelo e a remessa oficial.

É como voto.








MARCIO MORAES


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Signatário (a): MARCIO JOSE DE MORAES:10008
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Data e Hora: 13/02/2013 15:12:59