Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004391-50.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.004391-1/SP
RELATORA : Juíza Federal Convocada TÂNIA MARANGONI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ROBSON ADRIANO COPPOLA
ADVOGADO : GUILHERME AUGUSTO JUNQUEIRA DE ANDRADE (Int.Pessoal)
: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : ROBERVAL MUNHO
ADVOGADO : AUREA MARIA DE CARVALHO e outro
APELADO : JOSE VIEIRA DA SILVA
ADVOGADO : JAZON GONÇALVES RAMOS JUNIOR e outro
APELADO : OS MESMOS
CO-REU : HELIO FERREIRA DE CARVALHO
: CLAUDIO MARCOS DE CAMARGO
: VIVIAN DANUZA MUNHO LAGOA
: DANIELA DE OLIVEIRA SANTOS
: HELIO FERREIRA DE CARVALHO
: DILMA RODRIGUES DA SILVA
: MARIA DE FATIMA RODRIGUES CAPIOTO
: ALEXANDRE DE OLIVEIRA
: WASHINGTON BATISTA
: FATIMA ELIAS MASSELI DE SOUZA
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : AMILTON PIMENTA
No. ORIG. : 00043915020064036181 9P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL - PROCESSO PENAL - DELITO DE QUADRILHA OU BANDO - ESTELIONATO CONSUMADO E TENTADO - FURTO DE SINAL DE TELEFONIA - ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO POR VIOLAÇÃO A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS E AOS ARTIGOS DA LEI QUE REGULAMENTA A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA [ARTS. 6º, § 1º, 2º, INC. II E 5º DA L. 9.296/96] - INEXISTENTES - TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA - INAPLICABILIDADE - INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PREVISTA NO SEIO CONSTITUCIONAL E CONCEDIDA MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL - OBEDECIDO TODOS OS REQUISITOS PREVISTOS NA LEI 9.296/96 NÃO PADECENDO DE NULIDADE - PRELIMINARES DE NULIDADE REJEITADAS - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS - DOLO COMPROVADO - RECURSOS DAS DEFESAS DESPROVIDOS - DOSIMETRIA DAS PENAS - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS CONSIDERADAS PELO JUÍZO A QUO - REGIME PRISIONAL MANTIDO - CONDENAÇÃO EM CONTINUIDADE DELITIVA PELOS CRIMES DE ESTELIONATO MANTIDAS - RECURSO DO MPF A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO APENAS PARA CONDENAR TODOS OS RÉUS PELO CRIME DE FURTO DE SINAL DE TELEFONIA E O COAPELADO JOSÉ VIEIRA AO CRIME DE QUADRILHA OU BANDO.
1. Preliminares. Antes de adentrar ao mérito recursal, é dever tratar da preliminar arguida de nulidade do processo em decorrência das ilegalidades das interceptações telefônicas realizadas.
2. Não há que se falar em nulidade da ação penal, como quer a Defesa. As gravações interceptadas foram integralmente disponibilizadas à Defesa, que teve oportunidade de sobre elas se manifestar e fazer as impugnações que entendeu devidas, razão pela qual não se pode falar em cerceamento de defesa.
3. Ao contrário do que alega a Defesa, é despicienda a reprodução nos autos de inquérito policial do conteúdo integral das escutas telefônicas, revelando-se suficiente a degravação dos excertos dos diálogos mais importantes e necessários ao embasamento da denúncia, prevendo a lei 9296/96 inclusive a inutilização da gravação que não interessar à prova (artigo 9º). Precedentes do C. STF e do STJ.
4. Vê-se dos autos que o magistrado deferiu a medida após verificar o preenchimento de todos os requisitos do art. 2º, da Lei nº 9.296/96, vale dizer, por entender que havia indícios razoáveis da materialidade e autoria delitivas, que a prova não poderia ser feita por outros meios, bem como que o fato investigado constituía infração penal punível com pena de reclusão.
5. Analisando as decisões que deferiram a quebra de sigilo em relação ao ora apelante e aos demais investigados, verifica-se que o pedido estava fundamentado na necessidade de aprofundamento da linha investigativa e foi minuciosamente analisado pelo juízo a quo, que valorou a necessidade da medida, sopesando os direitos constitucionais envolvidos, deferindo-a por determinado prazo que sofreu prorrogações necessárias dado que as condutas investigadas não eram pontuais mas se prolongavam no tempo. No sentido da admissibilidade da prorrogação das interceptações telefônicas precedentes do STF e desta E. Corte Regional.
6. Não verificada, portanto, ilicitude da interceptação telefônica, não há que se falar na ilicitude das demais provas que dela decorreram. Na hipótese dos autos havia indícios suficientes da ocorrência do delito e do envolvimento das pessoas investigadas. A interceptação telefônica aqui mencionada, além de ter previsão no seio constitucional, foi determinada judicialmente e obedeceu a todos os requisitos previstos na Lei 9296/96, sendo que referido meio de prova não é descartado de nosso sistema jurídico, não padecendo de qualquer eiva de nulidade.
7. Mesmo assim, as gravações telefônicas não constituem o único material probante que embasa a acusação, havendo provas testemunhais e documentais que não foram obtidas por derivação das conversas telefônicas e que conversem no sentido da culpabilidade de ROSBON.
8. Preliminares rejeitadas.
9. Do mérito do recurso interposto pela DPU em favor do apelante Robson Coppola. Materialidade e autoria delitivas. A autoria e materialidade delitivas estão comprovadas pela farta prova documental juntada aos autos, em especial pela juntada de cópia dos Autos de Inquérito Policial - nº 14-0490/05 nos autos principais; Autos de Apresentação e Apreensão (fls. 80/82, 133/135, 139/141, 145, 149, 155, 168/171,176/177, 182/183, 188/189, 196/197, 204/205), Autos Circunstanciados do Processo Criminal Diverso 2005.61.81,009970-5 (fls. 127/132, 137/138, 143/144, 147/148, 151/154, 156/159,163/167, 173/175,179, 185/187, 191/195, 199/203), pelos Manuscritos juntados (fls.404/406, 478/524), pelos Cheques e demais documentos juntados (fls. 471/476 e 526/680), pelas cópias dos Laudos de Exame em Aparelho Eletrônico (fls. 1465/1532), pela cópia dos autos 2005.61.81.007092-2 - procedimento para interceptação telefônica contendo inúmeras mídias de armazenamento computacional (volumes 1 a 3), pelas diversas cópias e documentos juntados nos 41 volumes em apenso e pelos diversos depoimentos constantes dos autos principais.
10. A instauração de Inquérito Policial [autos nº14-0490/05] desencadeou uma investigação que culminou na instauração de diversos outros inquéritos e ações penais, por diversos crimes e envolvendo diversos autores.
11. No curso de investigação apurou-se que uma das pessoas que se identificava como auditor fiscal do INSS era o réu ROBSON COPPOLA que, juntamente com supostos assessores, mantinham contato telefônico com representantes de inúmeras empresas previamente escolhidas, solicitando-lhes determinada quantia em dinheiro a pretexto de não levar adiante suposta fiscalização na empresa que estaria listada como inidônea; para o encerramento da fiscalização, solicitavam o pagamento de uma pequena "contribuição" em dinheiro, cobrada conforme o tamanho da empresa, ficando comprovada sua participação no esquema através da quebra do seu sigilo telefônico e dos demais investigados, além da apreensão na residência de ROBSON de inúmeros aparelhos celulares, carimbos em nome de agentes fiscais, documentos como o TIAD's - Termos de Intimação para Apresentação de Documentos e Mandados de Procedimento Fiscal Especial, cartões de apresentação como "Auditor Fiscal do Tesouro Nacional", agenda com anotações dos números telefônicos dos demais investigados, entre outros documentos com o timbre do INSS e da Receita Federal [fls.1335/1340], todos objetos relacionados às atividades ilícitas do apelante e demais comparsas.
12. O resultado foi a revelação de que os delitos inicialmente investigados não eram fatos isolados, mas parte das atividades de uma organização criminosa especializada em extorquir empresas e falsificar documentos públicos com o timbre do INSS e da Receita Federal entre outros documentos, e que atuava há longo tempo, realizando diversos crimes com múltiplos autores.
13. E é de se destacar que as conversas telefônicas realizadas entre os diversos corréus denotam perfeitamente a ciência da ilicitude de suas condutas e conseqüentemente o dolo para o cometimento dos delitos, como é o caso das conversas telefônicas entre o apelante e as empresas nas quais ele se apresenta como "fiscal" e as ameaça com "processo de fiscalização" caso não depositem o valor estipulado. Veja-se que em muitos telefonemas gravados pela Polícia Federal o procedimento "padrão" era o corréu Roberval proceder às ligações, iniciando o contato com as empresas escolhidas, passando a ligação em seguida para Robson, que entabulava a "negociação" (gravações de áudios anexadas aos autos - autos em apenso).
14. Não restam dúvidas, pois, que o apelante intermediou e obteve vantagem ilícita de empresas previamente selecionadas, sob o pretexto de não iniciar ação fiscal, passando-se por "auditor fiscal".
O apelante não foi reconhecido pelas testemunhas porque permaneceu foragido durante toda a instrução processual. Ainda que assim não fosse, todavia, seria praticamente impossível esse reconhecimento dado que os membros da quadrilha não mantinham contato pessoal com as vítimas, pois a solicitação de contribuição em dinheiro sempre era feita via telefone e os nomes e documentos utilizados eram todos falsos.
15. Por outro lado, os diálogos gravados não deixam dúvidas sobre a responsabilidade penal do apelante. A interceptação telefônica foi realizada com autorização judicial, tendo como ponto de partida um número de telefone, único elemento disponível àquela altura e revelou que as ligações telefônicas criminosas partiram do apelante, bem como que ele e demais comparsas faziam do estelionato contra empresas o seu meio de vida, permanecendo durante longo período de tempo realizando ligações telefônicas contínuas, com intervalo de apenas alguns minutos, sempre na tentativa de extorquir empresas previamente selecionadas com ameaças veladas ou explícitas de supostas fiscalizações, fazendo-se passar por funcionários públicos federais do INSS ou da Receita Federal, sempre pleiteando obtenção de vantagem indevida.
16. Por exemplo, o apelante Robson, apresentando-se como Dr. Márcio Augusto Menezes, passando-se por "diretor de arrecadação da Previdência Social", em contínuas ligações, todas no dia 25 de julho de 2005, tentou convencer os gerentes da empresa "Auto Posto Serra do Mar Ltda" a fazerem uma "contribuição" pecuniária para "parar a fiscalização", restando o estelionato frustrado pela rispidez, ameaça ostensiva e insistência na "contribuição" em dinheiro solicitada por parte do réu. Confira-se este depoimento, prestado na fase judicial por um dos gerentes da empresa, Antônio Rojo Casas, uma das vítimas da tentativa de estelionato, constante às fls. 1244/1245 dos autos.
17. Em seu depoimento judicial (fls. 1250/1252), o diretor financeiro da empresa "Sitel do Brasil Ltda", Marcelo Luiz Guazzelli, também confirmou que uma pessoa lhe ligou, dizendo ser "auditor fiscal da Receita Federal" e encaminhou via fax dois mandados de procedimento fiscal especial falsos, ameaçando quebrar o sigilo bancário pessoal do depoente e da empresa, solicitando um pagamento para não prosseguir com a suposta "fiscalização". Desta vez o estelionato restou consumado, tendo o depoente efetuado contribuições em dinheiro aos estelionatários.
18. A evidenciar também a inquestionável responsabilidade penal do réu encontram-se ainda outros depoimentos colhidos nos autos prestados por testemunhas de acusação [fls. 1688/1689 e 1690/1692], também proprietários e funcionários de empresas escolhidas pela quadrilha para extorquir dinheiro, que relatam o mesmo "modus operandi" em sua empreitada delitiva, fazendo contato telefônico, sempre tendo o cuidado de jamais comparecer pessoalmente às empresas por ele selecionadas, utilizando nomes falsos, enviando documentos falsos emitidos por órgãos públicos às empresas, sempre apresentando a mesma história de que as empresas estariam sob investigação fiscal determinada por Brasília/DF, tentando convencer os proprietários destas empresas a fazerem uma contribuição em dinheiro para não levar adiante a fiscalização, utilizando para dar autenticidade à "armação criminosa" documentos com timbres oficiais de órgão públicos federais, carimbos em nome de servidores públicos, diversos cartões de apresentação de supostos servidores públicos federais, blocos de recibos de supostos órgãos públicos, todos falsos, para impressionar e ludibriar as empresas selecionadas como vítimas do esquema fraudulento, tendo sido todos estes documentos apócrifos apreendidos no interior da residência do réu ROBSON pela Polícia Federal, conforme se depreende de fls. 139/140.
19. Além da prova testemunhal, há nos autos farta prova documental que comprova a responsabilidade penal do apelante. Do mesmo modo, cumpre esclarecer que toda a prova documental coligida foi submetida ao crivo do contraditório, o que atesta a sua idoneidade. A única testemunha ouvida arrolada pela defesa do réu Robson Coppola nada acrescentou ao conjunto probatório, pois nada soube informar sobre os fatos descritos na peça acusatória, limitando-se a dizer basicamente que o réu, ora apelante, é pessoa honesta e bom pai de família, e que desconhece qualquer fato que desabone a sua conduta anterior (fls.1842/1843).
20. Vê-se, pois, que estão amplamente comprovadas pela prova testemunhal e documental produzida nos autos a responsabilidade penal do apelante pelos crimes de estelionato e formação de quadrilha, sendo de rigor o decreto condenatório.
21. Pedidos alternativos. Por fim, alternativamente, a Defesa requer a fixação da pena-base no mínimo legal, reconhecendo-se a primariedade e os bons antecedentes do apelante. Postula ainda a incidência da causa de diminuição de pena pela tentativa no patamar máximo legal [2/3] bem como o reconhecimento da continuidade delitiva para os crimes tentados e consumados.
22. Da pena-base. Resta claro, que a exacerbação da pena base não decorreu do reconhecimento dos maus antecedentes do réu; ao contrário, a MMa. Juíza sentenciante reconheceu acertadamente a primariedade e bons antecedentes do réu, majorando a pena-base em razão das graves conseqüências do crime. E no que toca as conseqüências do crime, de fato, consoante se verifica dos autos, o réu se fez passar por servidor público federal e crimes os por ele cometidos são graves porque atingem não só o Estado, titular da regularidade da atividade da administração pública, como também a pessoa submetida à coação pelo sujeito ativo. Pela análise das conversas interceptadas pela Polícia Federal, as vítimas eram coagidas a dar uma "contribuição" em dinheiro para encerrar suposta fiscalização de órgão público, tendo o réu usado indevidamente o nome e a imagem de instituições públicas como o INSS, Receita Federal e até mesmo Ministério Público Federal para lograr seu intento criminoso, maculando as carreiras públicas e a credibilidade da administração pública, que deve pautar-se pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, supremacia do interesse público sobre o privado, dentre outros princípios constitucionais muito caros e relevantes que não podem ser transacionados, corrompidos ou amesquinhados, o que justifica a maior reprovabilidade da conduta criminosa praticada pelo apelante Robson Coppola e seus comparsas.
23. Assim, justificada a fixação da pena-base acima do mínimo legal, pelo que improcede a irresignação da Defesa neste ponto. Justificada, ainda, a diminuição da pena pela tentativa no patamar mínimo legal já que não foi mínimo o "iter criminis" percorrido pelo apelante, dado que o crime de estelionato foi consumado com relação à empresa Sitel e apenas não se consumou quanto às demais porque as vítimas desistiram, no último instante, de depositar a "contribuição" em dinheiro solicitada.
24. Da continuidade delitiva. Quanto ao acréscimo resultante da incidência da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal) tem-se um quadro de estelionatos consumados e tentados, realizados em continuidade delitiva. Nada há por ser modificado, inclusive quanto ao grau de majoração em face do crime continuado, face ao elevado número de delitos. O aumento de 2/3 (dois terços) decorrente da continuidade delitiva apresenta-se compatível com o caso em tela, considerada a quantidade de crimes.
25. Prequestionamento. Invoca ainda, a combativa defesa do apelante, para fins de prequestionamento, violação a dispositivos legais e constitucionais citadas no bojo da apelação; observo, no entanto, não haver qualquer violação à lei federal (art. 386, VII, do CPP) ou constitucional (art. 5, LV e LVI da CF/88], pois as provas coligidas nos autos foram suficientes para a formação da livre convicção motivada do juiz, que adotou fundamentação adequada para impor ao réu o decreto de condenação.
26. Do recurso do coapelante Roberval Munho. Materialidade. A materialidade do delito restou amplamente comprovada, por meio da farta prova documental acostada aos autos, como acima explicitado.
27. Autoria. A autoria também é certa. Roberval restou foragido durante o procedimento inquisitório, compareceu em Juízo e em seu interrogatório (fls. 1.229/1.232) negou a prática delitiva; no entanto, a desmentir sua versão exculpatória, estão as demais provas coligidas nos autos, em especial os objetos apreendidos em seu poder ( cartas em letra de forma e em papel pautado, contendo telefones da Previdência Social e Receita Federal [fls.143/145]) além de outros documentos encontrados na residência de sua sobrinha Vivian Danúzio Munho Lagoa.
Restou apurado nestes autos que o coapelante ROBERVAL MUNHO integrava a organização criminosa, fazendo parte de uma associação bem estruturada com elevado número de integrantes ou participantes, que ao longo do tempo atuavam de forma orquestrada, com divisão de tarefas e de subgrupos que interagiam, trocavam informações sobre as empresas escolhidas e utilizavam linhas telefônicas espúrias e documentos falsos, apresentando-se como servidores públicos federais para assediar empresas, buscando auferir vantagem econômica com ameaça de suposta "fiscalização", havendo divisão de lucros entre a quadrilha.
28. Um dos núcleos da organização era formada pelo ora apelante Roberval Munho, sua sobrinha Vivian Danuza Munho, Robson Adriano Coppola [vulgo "Magrão"], Cláudio Marcos de Camargo [vulgo "Bola"], José Vieira da Silva, dentre outros. Ficou comprovado pela gravação dos áudios (1194289537_20050915153133 e 1191306822_20050729133910) que Roberval e Hélio, além de entrarem em contato direto com as empresas selecionadas pela quadrilha, também auxiliavam o trabalho dos demais. Havia divisão de tarefas, sendo que Robson Coppola e Roberval eram os responsáveis, além de Hélio, entre outros componentes do grupo [processados em outros autos - desmembramento do feito] eram os principais articuladores do grupo, responsáveis pelos contatos telefônicos com as empresas vitimadas, dando início ao golpe.
29. A prova oral e documental produzida pela acusação evidencia a responsabilidade penal do ora recorrente nos delitos cometidos com Robson Coppola, vulgo "Magrão", Hélio e os demais componentes do grupo. O esquema criminoso que utilizava sempre o mesmo modus operandi acima descrito também foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas de acusação, gerentes e funcionários das empresas vitimadas que narraram os contatos telefônicos que eram realizados pelo grupo [fls.1244/1246, 1247/1249, 1250/1253, 1688/1689, 1690/1692, 1712/1714, 1728 e 1795/1796]. Já as testemunhas arroladas pela defesa do coapelante Roberval Munho nada acrescentaram ao conjunto probatório, pois nada souberam informar sobre os fatos descritos na peça acusatória, limitando-se a dizer que o réu, ora apelante, é pessoa honesta, trabalhador e bom pai de família, e que desconhecem qualquer fato que desabone a sua conduta anterior [Depoimentos de Ernesto Capolupo - fls. 1844/1845, Celmo Vieira Araújo - fls. 1846/1847 e Viviane Ferruz - fls. 1848/1849].
30. Vê-se, pois que os diversos papéis e objetos apreendidos nas residências dos apelantes, que se consubstanciam em carimbos, agendas, recibos, registros bancários, documentos em nome de órgãos públicos, cartões de visitas e inúmeros aparelhos celulares, aliados aos depoimentos das testemunhas e aos registros das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas, demonstram com clareza o modo de agir dos apelantes nas várias investidas contra as empresas aleatoriamente escolhidas, com diversas tentativas e consumações de delitos de estelionato.
31. Assim, por todos os ângulos que se vê, é de rigor a manutenção da r. decisão condenatória.
32. Do recurso do MPF. I- Do furto de sinal telefônico. A acusação inicialmente requer a condenação de todos os réus pelo furto de sinal telefônico. A juíza sentenciante considerou a conduta dos réus atípica porque no seu entender: "(...) sinal de telefonia celular não é energia. Contém energia, mas o elemento teleológico da conduta é comunicação e não energia." [fl.1956].
33. Consta da denúncia que os denunciados Cláudio, Robson, Vivian, Roberval, Hélio, Dilma, Maria de Fátima, Alexandre, Washington, Fátima e José Vieira, no período de julho a novembro de 2005, agindo em concurso, subtraíram para eles impulsos telefônicos, energia eletromagnética.
34. Consta nos autos que José Vieira era o responsável por conseguir linhas de telefonia celular fraudadas, que posteriormente eram utilizadas pelos demais integrantes da quadrilha. Os réus, ora apelados, Robson Coppola e Roberval Munho, além de outros integrantes da quadrilha fizeram uso das linhas ilícitas obtidas pelo coapelado José Vieira, que mantinha tratativas com os integrantes do grupo [áudio 1191306822_20050726112357 e 1197296580_20050802164851].
35. Há inúmeros diálogos gravados em que os apelados e demais comparsas discutem detalhes sobre a compra de aparelhos e as dificuldades encontradas para a concretização das fraudes pela falta dos "diretinhos" e mudanças realizadas por uma das operadoras de telefonia celular, gerando obstáculos para execução do "trabalho" da quadrilha [áudio 1197296580_20050802164851_20050811081259 - diálogo entre Robson Coppola, vulgo "Magrão" e José Vieira].
36. Com efeito, há nos autos gravações de conversações telefônicas interceptadas pela Polícia Federal que evidencia o dolo de furtar sinais telefônicos com o fim de executar as ações criminosas e de utilizar-se das linhas para assediar empresas e mesmo para fins particulares, por parte dos acusados. Ademais, as próprias ligações telefônicas interceptadas estão a demonstrar que os celulares funcionavam e foram fraudados para a sua utilização pelo grupo criminoso.
37. Os integrantes da quadrilha viviam basicamente com o dinheiro obtido pelos estelionatos perpetrados, bem como tinham as linhas telefônicas furtadas como o principal instrumento de "trabalho". Assim, não restam dúvidas que os apelados obtinham linhas de telefonia celular fraudadas que eram essenciais para as atividades ilícitas por eles desempenhadas.
38. A condenação, portanto, era mesmo de rigor, com a nota de que o pulso telefônico deve, a teor do artigo 155, § 3º, do Código Penal, ser equiparado à energia elétrica, vez que possui valor econômico e pode ser apoderado.
39. Dosimetria da pena. Verifica-se que os apelados ROBSON ADRIANO COPPOLA, ROBERVAL MUNHO E JOSÉ VIEIRA não possuem registros criminais; por outro lado, a atuação deles na prática do estelionato por intermédio de impulsos telefônicos furtados demonstrou culpabilidade e reprovabilidade intensas, na medida em que utilizavam linhas fraudadas para assediar e chantagear empresários de forma contínua e indiscriminada. Assim, considerando que nem todas as circunstâncias judiciais são favoráveis aos réus, resta fixada a pena-base para todos eles um pouco acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos de reclusão, além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.
40. No que toca a elevação da pena em razão da continuidade delitiva, verifica-se que os réus praticaram a conduta delituosa de forma continuada por um longo período de tempo. Assim o percentual de aumento deve ser fixado em 1/4 (um quarto).
41. Procedido o aumento de 1/4 (um quarto) na pena-base impingida aos réus, perfazendo o montante de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a ser cumprido no regime inicial aberto, além do pagamento de 20 (vinte) dias-multa, sanções estas que torno definitivas.
42. Por fim, observa-se que a pena fixada é inferior a 04 (quatro) anos e o delito não foi cometido com utilização de violência ou grave ameaça. Por outro lado, os réus não são reincidentes e as circunstâncias previstas no artigo 44, inciso III do Código Penal indicam que a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos será suficiente.
43. Substituída a pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direito, ou seja, prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo e prestação pecuniária equivalente a 05 (cinco) salários mínimos, para cada um, em favor de instituições de caridade ou famílias carentes, com a indicação e sob a fiscalização do Juízo das Execuções Criminais, além de manter a pena pecuniária acima fixada.
44. II- Da participação do coapelado José Vieira na quadrilha ou bando. A acusação visa também a condenação do corréu José Vieira às penas do crime tipificado no artigo 288 do Código Penal repressivo. José Vieira foi absolvido da imputação descrita no artigo 288 do CP, pela douta juíza sentenciante sob o fundamento de que não há provas de seu envolvimento nos estelionatos praticado pelo grupo criminoso. No que diz respeito a tipificação do delito previsto no artigo 288 do Código Penal, a prova dos autos é toda nesse sentido. De fato, os réus agiam em associação criminosa complexa e estruturada, caracterizada pela habitualidade e pela permanência na conduta de assediar as vítimas, com atividade incessante de todos os membros do grupo criminoso voltados para o achaque, mediante fraude, às empresas, utilizando o nome de entes públicos federais para dar maior credibilidade às ameaças que lhes endereçavam, exigindo dinheiro para os livrar da fiscalização.
45. Resta clara a divisão de tarefas entre os integrantes da quadrilha, bem como sua divisão em duas células, que trocavam entre si informações sobre possíveis vítimas, em especial quando uma vítima concordava em efetuar o pagamento, o que era imediatamente comunicado à outra célula, para que tentasse um novo achaque. Outrossim, chama a atenção o fato de que, quando uma vítima demonstrava resistência em efetuar o pagamento, outro componente da quadrilha, a pedido do comparsa, reforçava as ameaças, o que afasta qualquer eiva de dúvida sobre a existência de uma quadrilha ou bando.
46. Havia dois subgrupos ou células delineadas, o intercâmbio entre os apelantes era constante e todos tinham pleno conhecimento das atividades ilícitas desenvolvidas por seus comparsas, desempenhando, cada um, papel específico visando atingir os fins da quadrilha. Os apelantes trabalhavam unidos, trocando informações, dividindo tarefas e repartindo o lucro com os estelionatos perpetrados, agindo em estrutura bem organizada e voltada para a concretização dos fins ilícitos do grupo.
47. É evidente, pois, a participação de José Vieira no delito de quadrilha, pois, de um lado estavam os corréus Robson Coppola [vulgo "Magrão] e Roberval Munho, além de Cláudio [apelido "Bola"], sua esposa Vivian, sua cunhada Daniela e Hélio Ferreira de Carvalho, processados em outros autos. Na outra célula desta complexa e bem estruturada organização criminosa estavam Dilma, Washington, Alexandre, Maria de Fátima e Fátima Elias [também processados em outros autos]. O ora apelado José Vieira da Silva, por seu turno, atuava com todos os integrantes da quadrilha, fornecendo as linhas telefônicas fraudadas que eram essenciais para as atividades ilícitas desempenhadas por eles.
48. Mesmo com essa divisão, a interligação entre as células era freqüente, o que afasta qualquer alegação de que José Vieira não tomasse parte e nem tivesse conhecimento dos estelionatos praticados pela quadrilha e nem da existência da própria quadrilha.
49. A verdade é que todos os integrantes trocavam informações sobre empresas vitimadas pelo golpe, repassando dados que permitiriam novas investidas por outros componentes da quadrilha. Também conversavam sobre a melhor forma de agir e como dificultar a descoberta das fraudes, havendo, ainda, a divisão de lucros da atividade ilícita e a contabilização de tudo que era recebido.
50. Destarte, a prova coligida nos autos é no sentido de que o ora apelado José Vieira integrava a associação criminosa , dado que os réus estavam cientes de que utilizavam linhas fraudadas fornecidas por ele, existindo diálogos captados em que os réus reclamam das "quedas" dos telefones (corte efetuado nas linhas quando descoberta a fraude pelas empresas de telefonia) e outros diálogos em que discutem como conseguir novos números de telefones para prosseguirem com sua atividade ilícita, sendo frequente a menção ao nome "Vieira" [áudios nsº 11971306822-20050726112357 - autos 2005.6181.007092-2, 1197296580-200581230230 e 1192301281-20050913094455], o que se conclui pela reforma da r. sentença absolutória.
51. Deve, portanto, ser provido o recurso ministerial também no que se refere à condenação de JOSÉ VIEIRA DA SILVA na pena prevista no artigo 288 do Código Penal.
52. Dosimetria da pena. Verifica-se que o apelado não possui antecedentes criminais, no entanto, ele e os demais comparsas agiam em associação complexa e bem estruturada, caracterizada pela habitualidade e pela permanência na conduta de assediar as vítimas, com atividade incessante de todos os membros do grupo criminoso voltados para o achaque, tendo as linhas telefônicas fraudadas fornecidas por José Vieira, como o principal veículo de comunicação com as vítimas, utilizando ainda, o nome de entes públicos federais para dar maior credibilidade as ameaças que lhes endereçavam por telefone, exigindo dinheiro para os livrar de uma suposta fiscalização, a justificar a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
53. Fixada a pena-base em 2 (dois) anos de reclusão em regime aberto, além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, arbitrados no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos. Não estando presente qualquer causa de aumento ou diminuição da pena, torna-se definitiva a pena de 02 (dois) anos de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, arbitrados no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.
54. Por fim, observa-se que a pena fixada é inferior a 4 (quatro) anos e o delito não foi cometido com utilização de violência ou grave ameaça. Por outro lado, o réu não é reincidente e as circunstâncias previstas no artigo 44, inciso III indicam que a substituição da pena corporal por penas restritivas de direitos será suficiente.
55. Substituída a pena privativa de liberdade acima fixada por duas penas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, a ser especificada pelo Juízo das Execuções Penais, além de prestação pecuniária equivalente a 10 (dez) salários mínimos, que reverterá em prol de entidade beneficente, a ser indicada pelo Juízo das Execuções Penais, além de manter a pena de multa fixada em 10 (dez) dias-multa, arbitrada no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos (artigo 44, § 2º - última parte, do Código Penal).
56. III- Da substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos aplicadas ao réu Roberval em primeiro grau e do regime inicial de cumprimento de pena. A acusação requer a revisão das penas alternativas aplicadas em primeiro grau em substituição a pena privativa de liberdade pelo regime inicial mais rigoroso, ou seja, o fechado, especialmente em face do dolo intenso e conduta reprovável, sendo que as circunstâncias judiciais são desfavoráveis ao réu, tal como reconhecido na própria sentença.
57. A juíza sentenciante sopesou as circunstâncias judiciais desfavoráveis na primeira fase da dosimetria da pena (artigo 59 do CP) e concluiu, fundamentadamente, pelo cumprimento da pena pelo regime menos gravoso (art. 44, III, do CP), não havendo qualquer reparo a ser feito nesse ponto.
58. O douto Procurador Regional da República, atuante em 2ª instância, opinou em seu parecer favoravelmente as penas fixadas em primeiro grau para os réus Roberval Munho e Robson Coppola, entendendo que o recurso ministerial deve ser provido apenas para que seja reconhecida a incidência de concurso material e não continuidade delitiva nos crimes de estelionato tentado [fl.2193].
59. IV- Do pedido de aumento da pena imposta a Robson, bem como o reconhecimento do concurso material de crimes e não a continuidade delitiva no que tange aos crimes de estelionato. Razão também não assiste ao Ministério Público quando pretende o aumento da pena-base do corréu Robson Coppola em razão das demais circunstâncias judiciais que lhe são desfavoráveis.Vê-se que a juíza sentenciante já fixou a pena-base do delito de estelionato em patamar bem acima do mínimo legal, considerando o dolo intenso e as graves conseqüências do crime, fixando-a em 03 anos de reclusão [fls.1958-verso e 1959 e verso], não havendo fundamento para exacerbá-la ainda mais, como pretende a Acusação.
60. Por fim, há que se entender pela habitualidade delitiva e, sim, pela continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal) tal como constou na sentença. A continuidade delitiva é ficção que beneficia o agente, porque os crimes posteriores são havidos como desdobramentos do primeiro, não incidindo o concurso material de delitos com soma de penas. No caso dos autos, o apelado fazia parte de um grupo criminoso organizado para a prática de condutas reiteradas e semelhantes [estelionatos contra empresas], mesmo modo de execução [ameaças de fiscalização através de contatos telefônicos utilizando linhas furtadas], e em breve intervalo de tempo entre uma conduta e outra.
61. Recursos de ROBSON ADRIANO COPPOLA e ROBERVAL MUNHO desprovidos e recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL parcialmente provido. Decisão de primeiro grau mantida quanto ao mais.


ACÓRDÃO


Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes os acima indicados, ACORDAM os Desembargadores da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, nos termos do relatório e voto da Senhora Relatora, constantes dos autos, e na conformidade da ata de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, por unanimidade, em negar provimento aos recursos dos réus ROBSON ADRIANO COPPOLA e ROBERVAL MUNHO e dar parcial provimento ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, apenas para condenar os réus ROBSON ADRIANO COPPOLA, ROBERVAL MUNHO e JOSÉ VIEIRA DA SILVA, como incursos no artigo 155, § 3º, c.c o art. 71, todos do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, para cada um dos réus, a ser cumprido no regime inicial aberto, além do pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor mínimo, substituindo, de ofício, a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, e também condenando o coapelado JOSÉ VIEIRA DA SILVA, como incurso no artigo 288 do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, substituindo, de ofício, a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.


São Paulo, 11 de março de 2013.
TÂNIA MARANGONI
Juíza Federal Convocada


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