D.E. Publicado em 17/06/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer o apelo apresentado pela advogada dativa e, como decorrência, declarar prejudicada a preliminar suscitada em contrarrazões, bem como conhecer em parte a apelação da União Federal e, na parte examinada, lhe dar provimento para condenar o réu à perda dos direitos políticos por oito anos e para proibi-lo de contratar com o poder público ou receber quaisquer incentivos por dez anos, inclusive como consequência do reexame necessário, por força do qual a multa civil é majorada para uma vez e meia a vantagem patrimonial ilicitamente obtida (R$ 30.271,72), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Apelações do réu Orlando Alves e da União Federal em ação civil pública com pedido de responsabilização por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal e que foi julgada procedente em parte, a fim de condenar o réu a ressarcir o ente público pelos danos materiais (R$ 20.181,15) e ao pagamento de multa civil equivalente a uma vez o aludido dano, bem como antecipou a tutela para determinar a indisponibilidade de seus bens, atém o montante da condenação.
Em seu recurso (fls. 265/272), a União Federal relata que o apelado se inscreveu na OAB em 09/07/81 (nº 61.146), porém, em 14/02/1984, foi suspenso por infração ao artigo 110, IV, do Estatuto daquele órgão de classe ("art. 110. A pena de suspensão é aplicável: ...IV- aos que incidirem em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional, e até que prestem nova prova de habilitação;"). Não obstante e sem prestar nova prova de habilitação, de 1997 a 2004 atuou como advogado dativo da 1ª Vara Criminal da Subseção Judiciária em São Paulo, pelo que recebeu pagamentos de honorários advocatícios que totalizaram R$ 20.181,15. Praticou, assim, ato de improbidade administrativa com consequente enriquecimento ilícito, nos termos do artigo 9º, inciso XI, da Lei nº 8.429/92, passível de sofrer as sanções do artigo 12, inciso I, da mesma lei (ressarcimento dos danos morais, suspensão dos direitos políticos, multa civil de até três vezes o acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios por dez anos).
Sustenta que:
a) na improbidade administrativa, a imposição de penalidade é imperativa e cumulativa, de forma cumpre ao magistrado impor ao responsável todo o conjunto de sanções arroladas nos incisos do artigo 12 da Lei nº 8.429/92 e só lhe resta discricionariedade quanto ao prazo e à base de cálculo;
b) a não aplicação da pena de perda dos direitos políticos pelo magistrado a quo por entender que é cabível somente para detentor de cargo público é equivocada, porquanto a capacidade de exercer mandato eletivo é apenas um de seus desdobramentos, entre os quais se inclui também o direito de ajuizar ação popular, votar, exercer cargo público etc. Assim, a não imposição da pena de suspensão dos direitos políticos implica a possibilidade de o réu ingressar no serviço público de qualquer das entidades federativas e voltar a praticar irregularidades;
c) igualmente equivocada a não aplicação da penalidade de proibição de contratar com o poder público, sob o argumento de que somente é imponível à pessoa jurídica ou aos concessionários de serviço público. A condenação fundou-se precisamente na celebração de um negócio jurídico com a Justiça Federal, em virtude do qual o réu recebeu remuneração pelos serviços de advocacia pública prestados aos necessitados. Imprescindível, pois, que seja proibido de fazê-lo, para impedir que proceda com outros órgãos da administração, inclusive do Poder Judiciário.
Pede, ao final, sejam impostas as penas de suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público, além da majoração da multa civil para o triplo dos danos causados.
À fl. 289, a magistrada a qua determinou a intimação do réu, pessoalmente, do teor da sentença e do recurso do ente público, bem como da advogada dativa que fora anteriormente nomeada.
Às fls. 301/303, a curadora especial do réu ofereceu seu recurso, no qual alega:
a) o ato de improbidade foi praticado sem intenção e com a conivência da União, que o aceitou como dativo sem fazer qualquer averiguação de sua habilitação profissional;
b) foi duramente penalizado com o bloqueio de seus bens para pagamento do valor a que foi condenado, talvez até com o comprometimento de sua subsistência;
c) acertada a não penalização com a multa máxima, com a perda dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público, pois não é funcionário público.
O Ministério Público Federal ofereceu contrarrazões às fls. 305/312, nas quais aduziu:
a) está demonstrado que Orlando Alves teve o exercício de sua atividade profissional suspenso pela Ordem dos Advogados do Brasil em decorrência de procedimento disciplinar realizado em 1984, nos termos do artigo 110, IV, do Estatuto da OAB então vigente (Lei nº 4.215/63), previsão repetida no atual em seu artigo 34, inciso XXIV, c.c. 37, § 3º;
b) como o recorrente não se submeteu a novas provas, é incontroverso que está, desde 1984, inabilitado para o exercício da advocacia, razão pela qual não prospera o argumento apresentado na defesa prévia de que a continuidade do pagamento das anuidades da OAB teria o condão de expurgar a penalidade;
c) mesmo sabendo de sua incapacitada postulatória, o apelante se inscreveu nos quadros de defensores dativos da Justiça Federal, o que torna patente sua má-fé;
d) como dativo, o réu auferiu indevidamente R$ 20.181,15 a título de honorários advocatícios, de forma que enriqueceu ilicitamente, circunstância agravada pelo fato de que o fez em detrimento da utilidade e do interesse público dessa atividade, que confere ao seu agente status público;
e) agente público, a teor do artigo 2º da Lei de Improbidade Administrativa, é todo aquele exerce, ainda que transitoriamente e sem remuneração, por qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em entidade pública. É inequívoco, pois, o enquadramento do apelante nessa categoria, bem como inegável o prejuízo que causou aos cofres públicos;
f) ex vi do artigo 1º da Lei nº 8.429/92, sujeito ativo da prática de improbidade é qualquer agente público, servidor ou não, e passivo a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos três poderes estatais;
g) ao exercer de maneira irregular atividade que o elevou ao status de agente público e que acarretou seu enriquecimento indevido, está tipificada a conduta do art. 9º, inciso XI, da Lei nº 8.429/92.
Pediu, assim, a manutenção do decisum.
A União Federal também apresentou contrarrazões às fls. 315/319 por meio das quais alega:
a) preliminarmente, inépcia da apelação, porquanto a peça apresentada pela defensora dativa não deixa claro se impugna a sentença ou o recurso anteriormente apresentado pelo ente público, como se fossem contrarrazões, o que dificulta a identificação dos pontos controvertidos;
b) no mérito, decorre do art. 37, §§ 4º e 5º, da Carta Magna o dever de ressarcir ao erário os valores indevidamente auferidos;
c) o recorrido, movido pela mais despudorada má-fé, apresentou-se como detentor de qualidade profissional que não possuía e tenta agora transferir sua torpeza ao poder público, a quem caberia prevenir-se de golpes, em flagrante desacordo com o disposto no artigo 422 do Código Civil (art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, o princípios da probidade e boa-fé).
Nesta corte, o Ministério Público Federal, às fls. 323/328, manifestou-se no sentido de que, como é parte autora desta ação, não pode assumir simultaneamente o papel de custus legis, razão pela qual devolveu o feito para inclusão em pauta, independentemente de oferecer parecer.
É o relatório. Encaminhe-se o feito à revisão.
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VOTO
1 - DOS FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO
O Ministério Público Federal ajuizou contra Orlando Alves ação civil pública com pedido de sua responsabilização por atos de improbidade administrativa. Narrou que réu teve sua inscrição na OAB - Seccional São Paulo (nº 61.146) suspensa em 14 de fevereiro de 1984 por infração ao artigo 110, inciso IV, do Estatuto então vigente do órgão de classe:
Quatorze anos depois de suspenso, em 22.04.99, e sem prestar nova de habilitação, o apelado formalizou pedido de inclusão no quadro de Defensores Dativos da 1ª Vara Criminal da Subseção Judiciária em São Paulo e, nessa condição, atuou nos processos nºs 98.100893-8, 1999.61.81.6840-8 e 95.0102693-0. Outrossim, o Núcleo Financeiro e Orçamentário da Justiça Federal informou que lhe foram feitos pagamentos a título de honorários advocatícios no valor de R$ 12.122,40, que monta a R$ 20.181,15, atualizado para a data da propositura da ação (maio de 2006).
Em decorrência, o Parquet entendeu configurado ato de improbidade, nos termos dos artigos 37, § 4º, da Carta Magna, em razão do enriquecimento ilícito por haver auferido vantagem patrimonial indevida como agente público (artigo 2º c.c. 9º, XI, da Lei de Improbidade Administrativa). Pleiteou sua condenação às penas cominadas no artigo nº 12, inciso I, da Lei nº 8.429/92 e, liminarmente, a indisponibilidade de seus bens em montante suficiente para assegurar o pagamento dos danos causados e da multa.
Instruiu a inicial com o procedimento administrativo instaurado pela Procuradoria da República em São Paulo em decorrência de representação do Procurador da República Roberto Antonio Dassié Diana (fl. 22), no qual se verifica:
- fl. 23 - o ofício da OAB/SP ao Juiz Federal substituto da 1ª Vara Federal Criminal em São Paulo em que noticia a suspensão do advogado Orlando Alves;
- fls. 24/27 - relação de processos em que consta como procurador (fls. 24/27);
- fls. 35/37 - ofício do Diretor da 1ª Vara Federal Criminal em São Paulo, no qual relaciona os feitos em que Orlando Alves atuou como dativo, esclarece que ele havia formalizado pedido de inclusão no cadastro de defensores dativos daquela vara em 22.04.98, junta consulta processual informatizada realizada em todas as varas federais da Capital (fls. 38/79), cópias de algumas peças por ele elaboradas (fls. 80, 92/97, 107/113, 132/133, 137/142) e de decisões nas quais, à vista da notícia de sua suspensão, foram declarados nulos os atos que praticou (fls. 81/90, 104, 121/122, 145/146);
- fls. 152/158 - ofício do Diretor do Núcleo Financeiro e Orçamentário com o levantamento dos pagamentos de honorários advocatícios feitos a Orlando Alves;
- fls. 168/170 - relação e atualização dos valores que foram pagos, elaborado por perito do Ministério Público Federal.
2 - DO ITER PROCESSUAL
Distribuída a ação civil pública em 11.05.06, foi determinada a citação do réu para respondê-la em 72 horas (fl. 172). O próprio Orlando Alves subscreveu sua defesa prévia (fls. 176/177), na qual reconheceu que foi disciplinarmente suspenso, porém entendeu que a pena havia se exaurido, na medida em que continuou a pagar as anuidades da OAB e, inclusive, lhe foi deferido o parcelamento da referente ao ano de 2001, além de participar de reuniões preliminares para a criação da Subcomissão e Grupo de Trabalho da Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatórios da OAB.
Às fls. 183/184, a magistrada a qua reconsiderou a decisão de fl. 172, recebeu a manifestação do réu como resposta do artigo 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92 e determinou nova citação para apresentar contestação, a fim de não prejudicar a defesa, bem como a intimação da União para os fins do § 3º do artigo 17 da referida lei e do Parquet para especificar os bens sobre os quais pretende a constrição liminar.
A nova citação foi devidamente cumprida em 12/07/06 (fl. 194) e o réu inclusive requereu vista dos autos (fl. 198), pedido sobre o qual a juíza despachou que, considerado o objeto da lide, deveria ser primeiramente constituído advogado, a quem antecipadamente deferiu o requerido por cinco dias (fl. 202).
A União Federal, às fls. 212/217, pediu seu ingresso como assistente litisconsorcial do Ministério Público Federal, o que foi deferido pela decisão de fl. 219, na qual foi também nomeada a advogada Sylvia Bueno de Arruda como dativa, à vista de não haver sido atendido o decisum anterior, relativamente à necessidade de que fosse constituído um procurador habilitado.
À fl. 223, foi juntada a defesa por negativa geral da curadora nomeada.
O Parquet manifestou-se em seguida (fls. 227/229), a fim de que fosse reconsiderada a nomeação da referida curadora, ao argumento de que somente é cabível nas hipóteses expressamente previstas no artigo 9º, incisos I e II, do CPC. Como não há notícia de que o réu padeça de incapacidade para os atos da vida civil, não está preso e foi citado pessoalmente, deveria ter sido decretada sua revelia, nos termos dos artigos 324 e 330, II, ambos do CPC, com o julgamento antecipado da lide, com o que concordou a União Federal à fl. 231.
Na sentença de fls. 234/247, primeiramente foi decretada a revelia do réu, pois, citado pessoalmente, deixou de apresentar contestação. Aduziu-se que não era mesmo o caso de nomeação de advogado dativo, pois o apelado não é incapaz, não está preso e tampouco em lugar incerto e não sabido. Passou-se assim ao julgamento antecipado. Após conceituar o ato de improbidade como todo aquele praticado por agente público e que ofende a moralidade pública, seguiu para o exame do caso dos autos. Mencionou que consta que Orlando Alves teve sua inscrição na OAB suspensa com fulcro no artigo 110, IV, do Estatuto daquele órgão de classe (atualmente, no artigo 34, XXIV, da Lei nº 8.906/94) até que fizesse nova prova de habilitação, a qual jamais foi realizada. Não obstante, está demonstrado que se inscreveu no quadro de defensores dativos da 1ª Vara Criminal Federal em São Paulo, atuou nos processos nºs 98.100893-8, 1999.61.81.6840-8 e 95.0102693-0 e, entre 1997 e 2004, lhe foram feitos pagamentos no montante de R$ 12.122,40. Assim, não apenas em virtude da revelia, mas também da prova documental acostada, restou inequívoco que praticou atos de improbidade administrativa e os honorários que recebeu importam enriquecimento ilícito, ex vi do artigo art. 9º, inciso XI, da Lei de Improbidade Administrativa. Em conseqüência, com esteio no inciso I do artigo 12 da referida lei, condenou o réu a ressarcir os danos materiais no valor de R$ 20.181,15, atualizados até o efetivo pagamento, bem como ao pagamento de multa civil de uma vez o valor do dano ao erário, considerado que não foi de grande monta e que o Judiciário Federal falhou ao não se informar junto à OAB acerca da situação dos dativos inscritos. Deferiu, outrossim, a antecipação da tutela, para tornar indisponíveis bens até o valor que satisfaça a condenação. Desacolheu, no entanto, os pedidos de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito a dez anos e de proibição de contratar com o poder público por dez anos, ao fundamento de que, a teor do parágrafo único do artigo 12 da Lei nº 9.429/92, o magistrado deve levar em conta o dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente, e que pode, conforme as circunstâncias, optar entre uma ou mais sanções. Sob tais aspectos, considerou que a punição de suspensão dos direitos políticos é aplicável, de regra, ao detentor de cargo eletivo, que não é o caso, e que a proibição de contratação ou recebimento de benefícios e incentivos fiscais também não cabe, eis que não firmou contratos ou beneficiou-se por outro modo.
Publicada a sentença (fl. 256), intimada a União (fl. 250) e ciente o MPF (fl. 252), sobreveio a apelação da União Federal (fls. 265/272), que foi devidamente recebida (fl. 273), ocasião em que também foi determinada a notificação do réu declarado revel e a vista ao Parquet.
O oficial de justiça não logrou intimar o réu (fls. 282/283). O Ministério Público Federal, após (fls. 285/287), indicou novo endereço para o ato, bem como pleiteou o bloqueio das contas correntes que especificou, nos termos da tutela antecipada deferida.
À fl. 289, ordenou-se a constrição por meio do BACENJUD das contas bancárias, até o montante de cinquenta mil reais, bem como a notificação do réu no novo endereço e também da advogada dativa anteriormente nomeada, para quem foram fixados honorários de quinhentos reais.
Cumpridas ambas as intimações da curadora especial (fl. 297) e do réu (fl. 300), foi então juntado o apelo de fls. 301/303, subscrito pela primeira.
Após a juntada das contrarrazões do MPF (fls. 305/312) e da União (fls. 315/319), os autos subiram a esta corte e foram remetidos ao Ministério Público Federal, que se manifestou às fls. 323/328.
3 - DO REEXAME NECESSÁRIO
Inicialmente, ressalte-se que se trata de caso de remessa obrigatória, embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, porquanto, por interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos conclui-se aplicável analogicamente o artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65), verbis:
Nesse sentido, a jurisprudência do S.T.J.:
4 - DOS RECURSOS
4.1 - DO RECURSO DO RÉU
Não conheço da apelação interposta pela curadora especial de Orlando Alves (fls. 301/303).
Dispõe o artigo 9º, incisos I e II, do CPC:
A designação de curador ao revel citado de forma ficta atende ao princípio constitucional do contraditório, dada a incerteza de que tenha concretamente tido ciência da demanda. Nesse sentido:
No caso dos autos, conforme explicitado no item anterior, o réu foi citado não uma, mas duas vezes (fls. 194 e 205), ambas pessoalmente. Não bastasse, foi também notificado pessoalmente da sentença (fl. 300). É inequívoco, portanto, que tinha plena ciência, não somente da existência da lide, mas da sentença condenatória. Descabida, em consequência a nomeação de curador especial, nos termos do dispositivo transcrito, como bem reconheceu o magistrado na sentença, à vista da qual, aliás, foi equivocado o item 2 da decisão de fl. 289, em que foi determinada a intimação da defensora dativa, eis não houve reconsideração - nem poderia - do quanto foi assentado na sentença:
Destaco jurisprudência a respeito do não cabimento de designação de curador especial quando não houve citação por hora certa, por edital ou quando a parte posteriormente comparece espontaneamente, ainda que deixe de contestar:
Por fim, para que não paire a impressão de que houve a condenação sumária do réu, cabe apenas mencionar que a juíza a qua, não obstante tenha decretado a revelia, examinou a prova dos autos, como se depreende da seguinte passagem:
4.2 - DA APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL
A União Federal pede que sejam impostas as penas de suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público, além da majoração da multa civil para o triplo dos danos causados. Em síntese, vale-se de três argumentos: a) que a imposição das penalidades previstas no inciso I do artigo 12 da Lei nº 8.429/91 é imperativa e cumulativa, de forma que cumpre ao magistrado impor ao responsável todo o conjunto de sanções arroladas e só lhe resta discricionariedade quanto ao prazo e à base de cálculo da multa; b) relativamente à perda dos direitos políticos, o magistrado a quo não a aplicou por entender que é cabível somente para detentor de cargo público, no entanto olvidou-se de que a capacidade de exercer mandato eletivo é apenas um de seus desdobramentos, entre os quais se inclui também o direito de ajuizar ação popular, votar, exercer cargo público etc; c) por fim, no que concerne à penalidade de proibição de contratar com o poder público, não foi aplicada sob o fundamento de que somente é imponível à pessoa jurídica ou aos concessionários de serviço público, porém a condenação fundou-se precisamente na celebração de um negócio jurídico com a Justiça Federal, em virtude do qual o réu recebeu remuneração pelos serviços de advocacia pública prestados aos necessitados.
Conheço parcialmente do apelo. Deixo de apreciar o pedido de majoração da multa para três vezes do valor do dano, porquanto não houve qualquer argumentação no recurso que o justifique, como exige o artigo 514, inciso II, do CPC. Não obstante, na medida em que o ente público restou vencido nesse aspecto, examiná-lo-ei ao final por força do reexame necessário.
Preambularmente, convém recordar que os ilícitos do artigo 37, § 4º, da CF, disciplinados nos artigos 9º a 11º da Lei de Improbidade Administrativa, não têm natureza penal. Veja-se o que leciona a Prof. Maria Sylvia Zanella de Pietro:
O Supremo Tribunal Federal, quando apreciou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.797, ocasião em que declarou inconstitucional a Lei nº 10.628/02, que havia acrescentado os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal para manter a competência de foro por prerrogativa de função mesmo após a cessação da função pública e para estendê-la às ações de improbidade, também deixou clara sua natureza civil:
(STF; ADI nº 2.797; Rel. Min. Sepúlveda Pertence; j. em 15.09.05)
4.2.1 - DA APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS PENALIDADES DO ARTIGO 12 DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Passo assim ao exame do primeiro argumento da apelação, o de que a aplicação das penalidades previstas no artigo 12 e seus incisos da Lei nº 8.429/92 são imperativas e cumulativas.
A Lei de Improbidade Administrativa distingue três modalidades de atos de improbidade: a) enriquecimento ilícito (art. 9º); b) lesão ao erário (artigo 10º); e c) atentado contra os princípios da Administração Pública (art. 11). Em correlação com essa classificação, o artigo 12 estabelece nos incisos I, II e III as sanções respectivamente aplicáveis. Especificamente para o enriquecimento ilícito, que é o caso dos autos, eis a redação original do dispositivo em comento:
(...)
São, portanto, aplicáveis as seguintes penalidades:
- perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;
- ressarcimento integral do dano, quando houver;
- perda da função pública;
- suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos;
- pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial;
- proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios por dez anos.
Houve, no entanto, importante divergência doutrinária entre os que entendiam que a legislação impunha a aplicação cumulativa dessas penas e aqueles para os quais era possível ao magistrado a dosimetria, com base no parágrafo único. Sobre esse aspecto, destaco:
Não obstante, assentou-se no Superior Tribunal de Justiça a orientação de que a aplicação não era necessariamente cumulativa:
Para eliminar qualquer dúvida, o legislador adotou a jurisprudência daquela corte superior e editou a Lei nº 12.120/09, por meio da qual deu ao caput do artigo 12 a seguinte redação:
Em conclusão, o argumento da apelante de que as penas do inciso I do artigo 12 devem ser necessariamente aplicadas de forma cumulativa está superado pela expressa disposição do caput de que "podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente", incluída pela Lei nº 12.120/09 em resposta ao debate que se estabelecera e em consonância com o entendimento do STJ.
4.2.2 - DA PERDA DOS DIREITOS POLÍTICOS
No que se refere à insurgência quanto à ausência de condenação à perda dos direitos políticos, o magistrado não a aplicou porque "o réu não ocupa cargo político, sendo despicienda tal penalidade" (fl. 244). A União argumenta que "a capacidade de exercer mandato eletivo é apenas um dos desdobramentos da cidadania, aferida pela fruição plena dos Direitos políticos, que se desdobram em capacidade de votar, de exercer modalidades de participação política direta, de ajuizar ação popular, de exercer cargo público, etc., e, finalmente, na capacidade de ser votado, e exercer mandato político". Aduz que a não imposição da pena implica a possibilidade de o réu ingressar no serviço público, em qualquer das entidades federativas, e voltar a praticar o mesmo tipo de irregularidade.
Sobre a abrangência dos direitos políticos, o Ministro Gilmar Mendes pontua que:
Equivoca-se, portanto, o apelante, ao atrelar o exercício de cargo público como direito político. É certo que perda deste impede aquele, mas como consequência, na medida em que se exige nos concursos públicos a regularidade da situação perante a Justiça Eleitoral, da mesma forma que a condenação em uma ação de improbidade, por si só, também obsta.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça assentou que a pena de perda de direitos políticos é a mais drástica dentre as previstas no artigo 12 da LIA, de modo que seu afastamento, em respeito aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, é viável quando o dano for pequeno, verbis:
No caso dos autos, entretanto, não se pode dizer que o prejuízo foi de pequena monta: superava os doze mil reais em valores históricos e passa dos vinte mil reais se atualizado. Restou demonstrado, outrossim, o enriquecimento ilícito (fls. 152/158). Mas a gravidade, in casu, não se restringe apenas ao valor e por ter resultado em pagamentos indevidos. Considerado que o motivo da suspensão do réu foi sua inépcia profissional, é obvio que a improbidade causou prejuízo para a defesa dos representados. Ademais, os atos praticados tiveram de ser anulados, o que configura dano processual, e todos em processos criminais, possivelmente com consequências até de prescrição, em prejuízo de toda a sociedade. Inequívoca, portanto, a adequação e a proporcionalidade da aplicação da pena em questão, a qual, não obstante, deve ser imposta em seu mínimo (oito anos, ex vi do artigo 12, inciso I, Lei nº 8.429/92), à falta de circunstâncias agravantes.
4.2.3- DA PROIBIÇÃO DE CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO
Quanto à penalidade de proibição de contratação com o poder público, deixou de ser aplicada em primeiro grau, pois "tecnicamente, o réu não tinha um contrato com o Poder Público (foi apenas nomeado como dativo - salientando-se, mais uma vez, que não haverá novas nomeações no âmbito da Justiça Federal) e nem recebia benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios" (fl. 245). O recorrente alega que "não interessa qual o termo usado para a assunção do mister de defensoria dativa (art. 112, CC), mas o fato é que foi celebrado um negócio com a Justiça Federal, pelo qual cabia a esta remunerar o apelado pelos serviços de advocacia pública prestados aos necessitados."
É dever do Estado prestar assistência judiciária aos hiposuficientes (art. 5º, LXXIV, CF). De regra, essa atribuição é das Defensorias Públicas estaduais ou federal. Há situações, no entanto, seja porque a demanda é maior do que o serviço público suporta, seja porque na localidade ele não existe, em que advogados são designados para esse fim, denominados dativos. Atuam como auxiliares da Justiça e desempenham um múnus público, mas não são propriamente servidores, verbis:
Assim, embora o dativo não seja um servidor, exerce uma função pública, o que o qualifica como agente público para os fins da Lei de Improbidade Administrativa (Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.).
No caso concreto, o réu formalizou um pedido de inclusão no cadastro existente na 1ª Vara Criminal de advogados interessados em exercer esse mister e, quando surgiram oportunidades, foi designado para atuar nos processos nºs 98.100893-8, 1999.61.81.6840-8 e 95.0102693-0. Sua nomeação como dativo, do ponto de vista da relação que estabeleceu com o poder público, embora não tenha sido formalizada em um documento, em sentido lato, constituiu um contrato de prestação de serviço celebrado com a Justiça Federal por meio do qual foi, inclusive, remunerado (Código Civil: art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição). Ademais, foi precisamente em razão desse pacto que o ato de improbidade se configurou, à vista da incapacidade profissional para desempenhá-lo. Assim, a proibição de contratar com o poder público ou receber incentivos fiscais é perfeitamente pertinente e mostra-se adequada não apenas como sanção, mas também para proteger e evitar que novamente proceda com a Justiça ou quaisquer outros entes públicos do mesmo modo que agiu na situação sob exame, ou seja, valendo-se de sua inscrição suspensa na OAB para obter vantagens indevidas. Outrossim, a argumentação acerca da gravidade da conduta explicitada anteriormente com relação à pena de suspensão dos direitos políticos é também válida para justificar a proibição em comento.
5 - DA MAJORAÇÃO DA MULTA CIVIL PELO REEXAME NECESSÁRIO
Cabível o reexame da sentença, relativamente à multa civil, que foi aplicada em seu mínimo, ou seja, correspondente a uma vez o acréscimo patrimonial (R$ 20.181,15).
Sobre a multa civil, a doutrina leciona que:
Considerado o escopo educativo dessa espécie de sanção e coerentemente com a gravidade do ato de improbidade praticado, conforme detalhado no item 4.2.2, que resultou em pagamentos indevidos em montante elevado, prejuízos ao erário e à defesa dos representados, além de danos processuais em processos criminais em virtude da anulação dos atos praticados, com possíveis reflexos na prescrição, entendo adequada a majoração para uma vez e meia a vantagem patrimonial ilicitamente obtida (R$ 30.271,72).
Ante o exposto, voto não seja conhecido o apelo apresentado pela advogada dativa e, como decorrência, declarada prejudicada a preliminar suscitada em contrarrazões. Quanto ao apelo da União Federal, voto seja conhecido em parte e, na parte examinada, provido para condenar o réu à perda dos direitos políticos por oito anos e para proibi-lo de contratar com o poder público ou receber quaisquer incentivos por dez anos, inclusive como consequência do reexame necessário, por força do qual majoro a multa civil para uma vez e meia a vantagem patrimonial ilicitamente obtida (R$ 30.271,72).
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