Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 20/05/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006481-89.2006.4.03.6000/MS
2006.60.00.006481-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : EDISON ALVARES DE LIMA
ADVOGADO : RICARDO TRAD e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00064818920064036000 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. LAVAGEM OU OCULTAÇÃO DE BENS. LEI N. 9.613/98. PRELIMINARES. DENÚNCIA. INÉPCIA. AUTONOMIA. CRIMES ANTECEDENTES. INDÍCIOS DE MATERIALIDADE. SUFICIÊNCIA. COMPETÊNCIA. CONEXÃO INSTRUMENTAL. MATERIALIDADE. AUTORIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA DEFINIDA COMO CRIME ANTECEDENTE. INOCORRÊNCIA. POST FACTUM IMPUNÍVEL. INOCORRÊNCIA. PERDIMENTO DE BENS. DOSIMETRIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA.
1. Para não ser considerada inepta, a denúncia deve descrever de forma clara e suficiente a conduta delituosa, apontando as circunstâncias necessárias à configuração do delito, a materialidade delitiva e os indícios de autoria, viabilizando ao acusado o exercício da ampla defesa, propiciando-lhe o conhecimento da acusação que sobre ele recai, bem como, qual a medida de sua participação na prática criminosa, atendendo ao disposto no art. 41, do Código de Processo Penal (STF, HC n. 90.479, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 07.08.07; STF, HC n. 89.433, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 26.09.06 e STJ, 5a Turma - HC n. 55.770, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17.11.05).
2. Para a configuração do delito de lavagem de dinheiro, basta a existência de indícios de materialidade dos delitos antecedentes. Não há, constrangimento ilegal contra a paciente tão somente pelo fato do crime antecedente aos delitos de lavagem de dinheiro processar-se em autos apartados, ainda pendentes de sentença condenatória, haja vista que o crime de lavagem de dinheiro é autônomo.
3. A conexão instrumental ocorre quando dois ou mais fatos apresentam uma relação de interdependência, motivada por uma profunda ligação de coisas ou situações que lhes sejam comuns.
4. Preliminares rejeitadas. Materialidade, autoria e dolo satisfatoriamente comprovados.
5. É desnecessária a previsão de crime de organização criminosa no ordenamento jurídico pátrio para que se aperfeiçoe a hipótese descrita art. 1º, VII, da Lei n. 9.613/98, bastando que seja cometido delito por organização criminosa. Nem mesmo a recente Lei n. 12.683/12 inaugurou a tipificação de crime de organização criminosa.
6. O crime de lavagem de dinheiro tem natureza autônoma em relação aos crimes antecedentes. Não caracteriza bis in idem a condenação por lavagem de capitais de réu já condenado pelo crime antecedente, tendo em vista que a Lei n. 9.613/98 tutela o Sistema Financeiro Nacional, prevenindo-o da ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos e valores provenientes de infração penal, não representando mero exaurimento do delito antecedente, que, no caso dos autos, atinge bem jurídico diverso.
7. A origem lícita dos bens existentes em território nacional, em nome do acusado, não foi comprovada nos autos, sendo certo que as medidas constritivas determinadas pelo MM. Magistrado a quo encontram amparo nas disposições do art. 4º e seguintes da Lei n. 9.613/98.
8. As argumentações elaboradas pelo Parquet quanto aos critérios do art. 59 do Código Penal dizem respeito a elementos inerentes ao tipo penal de lavagem de capitais, como bem consignou o Ilustre Procurador Regional da República (fl. 787).
9. Deve ser mantida a pena-base de 5 (cinco) anos de reclusão, tendo em vista o considerável volume de recursos "lavados" que transitou em conta bancária do acusado (mais de R$ 2.000.000,00, cfr. fls. 4/14 do Apenso I).
10. O regime inicial de cumprimento de pena deve ser o fechado, tendo em vista os gravosos reflexos da conduta delitiva para o Sitema Financeiro Nacional, em conformidade com o art. 33, § 3º, c. c. o art. 59, ambos do Código Penal.
11. Recurso de apelação do Ministério Público Federal parcialmente provido. Recurso de apelação da defesa desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao recurso de apelação do Ministério Público Federal e negar provimento ao recurso de apelação da defesa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 31 de março de 2014.
Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


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Data e Hora: 14/05/2014 14:37:24



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006481-89.2006.4.03.6000/MS
2006.60.00.006481-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : EDISON ALVARES DE LIMA
ADVOGADO : MS000832 RICARDO TRAD e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00064818920064036000 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

VOTO-VISTA

Trata-se de ação penal em cujo bojo foi imputado ao réu EDISON ALVARES DE LIMA o crime de lavagem de dinheiro, com fundamento no artigo 1º, inciso VII, c.c o § 1º, inciso I, da Lei nº 9.613/98, por ter ele adquirido bens no Brasil com o produto do crime de roubo perpetrado no Paraguai, por organização criminosa da qual, segundo a denúncia e a r. sentença "a quo", ele faria parte.


O MMº Juízo de primeiro grau condenou o acusado Edison Álvares de Lima a 5 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e a pagar 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 175,00 (cento e setenta e cinco reais), pela prática do delito do art. 1º, inciso VII, c. c. o § 1º, I, da Lei n. 9.613/98 (fls. 615/636).


A eminente Relatora, MMª Juíza Federal Convocada Louise Filgueiras, deu parcial provimento à apelação do "Parquet" Federal para fixar o regime inicial fechado, bem como negou provimento à apelação interposta pela defesa, no que foi acompanhada pela eminente Juíza Federal Convocada Eliana Marcelo.


Apesar do brilhante voto proferido pela eminente Relatora, pedi vista destes autos para melhor reflexão sobre as teses arguidas pela defesa, e, com a devida vênia de sua Excelência, entendo que o caso é de provimento à apelação defensiva, a fim de ser o réu absolvido da imputação que lhe foi feita na denúncia, restando, com isso, prejudicado o apelo ministerial.


Senão vejamos.


Consta da denúncia que o acusado EDISON ALVARES DE LIMA, após o roubo ocorrido no ano 2000, na cidade de Luque/Paraguai, do qual teria participado, angariou patrimônio significativo no Brasil, composto de alguns bens móveis e imóveis, muitos deles registrados em seu nome e adquiridos em época bastante próxima à prática daquele delito.


Segundo a acusação o apelante adquiriu no Brasil os seguintes bens:


a) Terras pastais e lavradias situadas na "Fazenda Rincão das Lagoas", registradas no 1º Tabelião Oficial do Registro de Imóveis de Ponta Porã/MS, com matrícula nº 8300, no valor declarado de R$ 545.434,99, pagos à vista, datado de 12 de dezembro de 2000 (f. 12, Apenso I);


b) Imóvel residencial de 600 m², registrado perante Tabelionato da Comarca de Dourados/MS, com a matrícula nº 22.547, no valor declarado de R$ 80.000,00, pagos à vista, adquirido em 21/12/2001 (f. 13, Apenso I);


c) Veículo GM, modelo Vectra GLS, ano de fabricação 1999, modelo 2000, cor prata, registrado no DETRAN/MS, placas HSF 2009, RENAVAM nº 722859970, chassi nº 9BGJK19H0YB103632, adquirido em 6/11/2001;


d) Motocicleta Yamaha, modelo XT 600 E, ano de fabricação 2000, modelo 2000, cor azul, registrado no DETRAN/MS, placas CTF 8060, RENAVAM nº 740064665, chassi 9C64MW00Y0012273, adquirida em 10/07/2003;


e) Veículo Ford, modelo F-250 XL L , ano de fabricação 2003, modelo 2004, cor prata, registrado no DETRAN/MS, placas HRY 9545, RENAVAM nº 814382843, chassi nº 9BFFF25L74B093526, adquirido em 3/6/2005.


Pois bem, brevemente sintetizados os fatos passo à análise das questões que entendo relevantes ao deslinde do caso.



DA TIPICIDADE POR ADEQUAÇÃO DA CONDUTA DO RÉU AOS VERBOS "OCULTAR" E "DISSIMULAR"


Questão que primeiramente merece ser refletida é se a conduta do acusado se amolda à figura típica da lavagem de dinheiro.


O artigo 1º da Lei nº 9.613/98, antes da redação da Lei nº 12.683/2012, estabelecia como lavagem a conduta de:


"Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: [...]"


Por ocultar entende-se a "ação de esconder ou de encobrir alguma coisa aos olhos ou conhecimento de outrem... A ocultação implica, em regra, na intenção de esconder a verdade sobre os fatos ou a realidade das coisas, a fim de que se atente contra princípio jurídico instituído ou se consigam resultados, que não se teriam, se conhecida a verdade ou aquilo que se ocultou." (Vocabulário Jurídico - De Plácido e Silva, 23ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2003 - pg. 975).


No entanto, "existem ocultações e ocultações. Fosse qualquer encobrimento apto a ensejar a lavagem de dinheiro, poucos crimes patrimoniais escapariam tal caracterização. Imagine-se um roubo, furto ou estelionato. Evidente que o agente tentará esconder o produto do crime de diversas formas. Esta ocultação somente caracteriza lavagem de dinheiro se for o passo inicial para uma posterior reinserção dos valores na economia formal, com aparência de licitude." (Em: http://www.conjur.com.br/2013-jul-23/direito-defesa-lavagem-dinheiro-corrupção-passiva-ap-470 - Consulta em: 10/02/2014) - grifei.


Dessa forma, no tipo objetivo do art. 1º da Lei nº 9.613/98, "caput", "a punição apenas se legitima ao se verificar modo peculiar e eficiente de dificultar a punição do Estado. Exige-se uma conduta (ação ou omissão) voltada especificamente à 'lavagem'. Haverá, assim, tão-só a prática do crime precedente quando a conduta de lavagem for considerada uma utilização ou um aproveitamento normal das vantagens ilicitamente obtidas. Do contrário, haveria verdadeiro bis in idem e punição inadequada do autor do fato antecedente por delito de lavagem de dinheiro" (Combate à lavagem de dinheiro: teoria e prática / Fausto Martins de Sanctis - Campinas, SP: Millennium Editora, 2008 - pg. 41)


Diante do evidenciado, infere-se que diversas condutas podem se amoldar ao tipo penal em questão. Assim sendo, a tipificação do crime de lavagem exige primeiro que o agente tenha ciência da proveniência ilícita dos bens, direitos ou valores provenientes do crime antecedente; segundo, que a conversão em ativo lícito seja feita com o objetivo de ocultar ou dissimular a utilização do produto do crime antecedente, que se busque conferir uma aparência lícita a toda operação, não se configurando, pois, a lavagem o mero uso do dinheiro ou do produto ilícito proveniente do crime antecedente, já que fase natural de qualquer delito em que se objetiva a obtenção de vantagem indevida.


Fazendo, assim, um aprofundamento maior na estrutura do delito, é usual "a referência às fases ou às etapas do crime. Seriam elas a colocação (placement), a dissimulação ou circulação (layering) e a integração (integration). Na primeira etapa, o produto do crime é desvinculado de sua origem material; na segunda, o numerário é movimentado por meio de diversas transações de modo a impedir ou dificultar o rastreamento, e pela terceira é reintegrado em negócios ou propriedades, com a simulação de investimentos lícitos." (Crime de lavagem de dinheiro / Sergio Fernando Moro. - São Paulo: Saraiva, 2010 - pg. 32)


Nessa segunda fase, existem inúmeros métodos a serem empregados. A simulação de rendimentos lícitos é um deles. "Nessa tipologia, o produto do crime não é ocultado em nome de pessoas interpostas ou identidades falsas. O criminoso não oculta a titularidade dos bens, direitos e valores provenientes do crime, mas dissimula a origem criminosa destes mediante a falsificação de fontes de rendimentos lícitas, como heranças, ganhos em jogos, doações, financiamentos, empréstimos etc." (Crime de lavagem de dinheiro / Sergio Fernando Moro. - São Paulo: Saraiva, 2010 - pg. 49).


Há também a "movimentação dos valores obtidos pela prática criminosa em fragmentos, em pequenas quantias que não chamem a atenção das autoridades (structuring ou smurfing), a conversão dos bens ilícitos em moeda estrangeira, seu depósito em contas de terceiros (laranjas)..." (Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012 / Pierpaolo Cruz Bottini, Gustavo Henrique Badaró - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012 - pg. 24).


Quanto ao bem jurídico protegido pela norma, tem-se a administração da Justiça. "A lavagem aqui é entendida como um processo de mascareamento que não lesiona o bem originalmente violado, mas coloca em risco a operacionalidade e a credibilidade do sistema de Justiça, por utilizar complexas transações a fim de afastar o produto de sua origem ilícita e com isso obstruir seu rastreamento pelas autoridades públicas. Macula-se o desenvolvimento satisfatório da atividade de potestade judicial." (Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com alterações da Lei 12.683/2012 / Pierpaolo Cruz Bottini, Gustavo Henrique Badaró - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012 - pg.53).


Feitas essas ponderações, e, atentando-se agora exclusivamente ao quanto narrado e efetivamente comprovado nestes autos, entendo que os fatos envolvendo Edison Álvares de Lima amoldam-se perfeitamente às condutas de "ocultar" e "dissimular", previstas no artigo 1º da Lei nº 9.613/98. Senão vejamos.


Consta que o apelante adentrou em território brasileiro no dia 29/11/2000 portando R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais) em espécie, conforme declaração de porte de dinheiro de fl. 194 dos autos nº 000039842.2006.403.6005, referente ao pedido de cooperação internacional.


Pode-se verificar nos autos que o roubo em território paraguaio do qual o apelante foi condenado aconteceu poucos meses antes dessa entrada em território brasileiro, em 04/08/2000.


Pois bem, após entrar no País, Edison adquiriu do casal Salim Derzi e Edy Marques Derzi, em 01/12/2000, a Fazenda "Rincão das Lagoas", situada no Distrito de "Lagunita", Município de Ponta Porã, Estado de Mato Grosso do Sul, com 683 (seiscentos e oitenta e três) hectares, o equivalente a aproximadamente 683 campos de futebol, tendo pago à vista o valor de R$ 545.434,99 (quinhentos e quarenta e cinco mil quatrocentos e trinta e quatro reais e noventa e nove centavos), conforme informações constantes da Escritura Pública de Compra e Venda do imóvel de fls. 163/164, registrada em seu nome.


No entanto, conforme destacado pelo MMº Juízo "a quo", o valor real pago pela fazenda giraria em torno de pouco mais de dois milhões de reais. Segundo alegado pelo acusado, ele teria pago R$ 797,00 (setecentos e noventa e sete reais) por hectare em 2000, mas afirmou posteriormente, quando interrogado em 15/09/2011, que o hectare naquela região giraria em torno, em 2011, de R$ 8.000,00. Ou seja, uma valorização de pouco mais de 900% (novecentos por cento) em pouco mais de dez anos.


Essa exacerbada e irreal valorização, o apelante justificou pela realização de benfeitorias, definidas por ele como algumas cercas e um barracão, e a transformação de pastagens em áreas de agricultura. Se assim fosse, conforme destacado pelo i. magistrado de primeira instância, "Mato Grosso do Sul, Estado fortíssimo em pecuária, e o resto do Brasil, mudariam o manejo para agricultura. Assim, dentro de 10 anos, os proprietários de terras teriam um ganho de mais ou menos 1.000%" (fl. 631)


Ainda como bem destacado na sentença, "Deflacionando os R$ 5.464.000,00, que são o valor (em setembro/2011) da propriedade, mediante a aplicação do índice inflacionário do período de 01.12.2000 a 30.08.2011, haverá o valor de R$ 2.292.453,00, que é, no mínimo, o que deve ter custado, para o réu, a Fazenda Rincão das Lagoas em 01.12.2000.

Na verdade, o hectare, na região, Distrito de Laguna Caarapã (ou Lagunita), região eminentemente agrícola e pecuária, deve valer, hoje, entre 10 e 15 mil reais. Este juízo tem sequestrados, naquela parte do Estado, vários imóveis rurais. A área do réu é muito bem localizada.

A única explicação está no ingresso de uma importância muito maior do que os R$ 550.000,00 objeto da declaração de fls. 256." (fl. 631)


Portanto, diante de tal contexto, percebe-se que após afastar-se do cenário do roubo, o apelante, ao entrar no Brasil, cindiu o dinheiro, trazendo uma parte declarada às autoridades fiscais, para não levantar suspeitas acerca da origem ilícita do numerário, e a outra, a parte mais significativa, ocultamente, sem declaração, prática essa que se caracteriza como uma das formas de lavagem de dinheiro (structuring ou smurfing), já que perpetrada com vistas a dificultar a apuração pelas autoridades acerca da origem do dinheiro sujo.


Edison trouxe, pois, o capital de forma física e parcelada, buscando ao máximo não chamar a atenção das autoridades brasileiras, delas omitindo, pois, a sua origem. E, depois de conferir ao capital essa aparência lícita - ao declará-lo parcialmente às autoridades, inclusive, em declaração à Receita Federal (fl. 255) -, o apelante investiu o numerário no mercado imobiliário, fazendo transação com valores simulados, certamente pagando pelas propriedades que adquiriu quantia escriturada a menor, pagando "por fora" o quantum faltante combinado com os vendedores, de modo a conseguir justificar a origem do capital fornecido para a compra e dificultar a identificação da ilicitude do dinheiro.


Deve-se ressaltar que "a lesividade do crime não desaparece em razão do acatamento às normas tributárias. Aquele que emite duplicata sem lastro e obtém vantagem ilícita em face de terceiro de boa-fé até pode pagar os impostos inerentes ao negócio jurídico simulado, entretanto, ninguém vai dizer que a ofensa ao bem jurídico, 'patrimônio', desapareceu com o adimplemento da obrigação com o fisco" (Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente / Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003 - pg. 92), ou seja, pouco importa ter o réu feito declaração formal às autoridades, já que somente o fez como estratagema voltado a justificar a origem ilícita do numerário.


Portanto, vê-se claramente que Edison Álvares agiu de modo a mascarar o capital procedente da infração penal que cometeu no Paraguai, não meramente usufruindo do dinheiro. Ele buscou, sabendo da ilicitude dos valores que portava, imprimir a todos os seus atos, após entrada em território brasileiro, uma aparência lícita, de modo a dissimular sua origem, lesionando o bem jurídico protegido, incorrendo, portanto, nas condutas de "ocultar" e "dissimular", previstas no tipo penal em questão.


A corroborar essa conclusão, foi apurada a existência, entre os anos de 2002 e 2006, de diversos registros de movimentações de depósitos bancários pelo acusado, no Brasil, de mais de dois milhões de reais (fl. 627), dinheiro esse que ele não justificou e que, evidentemente, foi sendo movimentado ao longo dos anos, e aos poucos, em suas contas bancárias a fim de não despertar a atenção das autoridades, fato que, por óbvio, caracteriza-se como etapa final do procedimento da lavagem.


Ademais, no tocante à residência adquirida pelo réu no ano de 2003, em Dourados/MS, num terreno de 600 m2, consta da escritura que ele teria pago R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), enquanto na verdade foi avaliado pela Justiça Federal nos autos do sequestro nº 0005171-72.2011.403.6000 em quase R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), circunstância que também demonstra a dissimulação em que incorreu o acusado.


Ainda, a r. sentença também discorre acerca de declarações de imposto de renda pessoa física apresentadas pelo acusado, declarando altíssimas quantias por ele recebidas à título de doações, heranças, etc, nada, porém, efetivamente por ele comprovado, técnicas conhecidas para a lavagem de dinheiro por meio também de simulação, tendo ele, como dito, movimentado em sua conta-corrente no Brasil mais de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), sem a necessária comprovação da origem desse numerário.


Como bem exposto por sua Excelência, esse dinheiro todo não pode ter vindo de produção agrícola nas terras por ele adquiridas, pois não fez prova de ser pecuarista, tampouco de venda de cereais ou de gado, enfim, não comprovou possuir lastro financeiro para o patrimônio que apresentou.


Por todas essas razões, demonstradas as condutas de "ocultar" e "dissimular" a origem do dinheiro utilizado pelo apelante para as aquisições que realizou no Brasil, utilizando-se de forma clara de simulações com vistas a garantir a vantagem patrimonial por ele auferida como produto do roubo do qual participou no Paraguai, entendo plenamente caracterizado, sob o aspecto formal, o crime de lavagem de dinheiro, nos exatos termos da r. sentença "a quo".



DO ESVAZIAMENTO DA TIPICIDADE DA CONDUTA POR INEXISTÊNCIA, À ÉPOCA DO FATO, DO CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA


Como já visto, por ter o acusado adquirido, por meio de procedimentos escusos e fraudulentos (ocultação e simulação), os bens imóveis e móveis supracitados, com o dinheiro do roubo do qual participou no Paraguai, o "Parquet" Federal imputou ao acusado o crime de lavagem de dinheiro, exclusivamente, com base no inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613/98 (crime praticado por organização criminosa), elemento objetivo do tipo ao qual se vincula também o § 1º, inciso I, daquele mesmo artigo.


Como é cediço, questão há muito debatida tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátrias é se há no Brasil o conceito de "organização criminosa", e se seria tal instituto equiparado à quadrilha ou bando do Código Penal (art. 288) ou à associação criminosa, prevista no artigo 35 da Lei Antidrogas (Lei 11.343/2006).


Debateu-se, ademais, se o conceito de "organização criminosa" foi estabelecido pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo -, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004.


Pois bem, em discussão recente sobre tais temas perante o Supremo Tribunal Federal, a Primeira Turma daquela Colenda Corte, em julgamento realizado em 12/06/2012, nos autos do habeas corpus nº 96007/SP, decidiu, por unanimidade de votos, determinar o trancamento da ação penal originária, em cujo bojo se imputava aos réus o crime de lavagem de ativos com a mesma base jurídica destes autos (art. 1º, inciso VII, da Lei 9.613/98), sob o fundamento de o crime de quadrilha ou bando não se confundir com organização criminosa, e que este instituto não possui ainda definição no Brasil, ao menos até a data daquele julgamento, realizado antes da entrada em vigor da Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013, que finalmente externou o conceito de organização criminosa em seu artigo 1º, § 1º, verbis:


"Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional".


Em seu voto, o eminente Relator, Ministro Marco Aurélio, consignou que até então inexistia no Brasil conceituação expressa e clara do que se pudesse compreender por organização criminosa, assim também que a Convenção de Palermo, por não se tratar de lei em sentido estrito, mas de Convenção Internacional, inserida no ordenamento pátrio por meio de Decreto Presidencial, não pode definir crime, ainda que ingresse em nosso ordenamento jurídico com força de lei ordinária, sob pena de ferimento a cláusulas pétreas da Carta da República, tais como o princípio da reserva legal, previsto no artigo 1º do Código Penal e no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, verbis:


"XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". (grifo nosso).


Para melhor ilustrar meu pensamento, transcrevo o voto de sua Excelência na parte que interessa:


"[...] Conforme decorre da Lei nº 9.613/98, o crime de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente de crimes depende do enquadramento, quanto a estes, em um dos previstos nos diversos incisos do artigo 1º. É certo que o evocado na denúncia - VII - versa crime cometido por organização criminosa.

Então, a partir da óptica de haver a definição desse crime mediante o acatamento à citada Convenção das Nações Unidas, diz-se compreendida a espécie na autorização normativa.

A visão mostra-se discrepante da premissa de não existir crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal - inciso XXXIX do artigo 5º da Carta Federal. Vale dizer que a concepção de crime, segundo o ordenamento jurídico constitucional brasileiro, pressupõe não só encontrar-se a tipologia prevista em norma legal, como também ter-se, em relação a ela, pena a alcançar aquele que o cometa.

Conjugam-se os dois períodos do inciso XXXIX em comento para dizer-se que, sem a definição da conduta e a apenação, não há prática criminosa glosada penalmente.

Por isso, a melhor doutrina sustenta que, no Brasil, ainda não compõe a ordem jurídica previsão normativa suficiente a concluir-se pela existência do crime de organização criminosa. Vale frisar que, no rol exaustivo do artigo 1º da Lei nº 9.613/98, não consta sequer menção ao de quadrilha, muito menos ao de estelionato, cuja base é a fraude.

Em síntese, potencializa-se, a mais não poder, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado para pretender-se a persecução criminal no tocante à lavagem ou ocultação de bens sem ter-se o crime antecedente passível de vir a ser empolgado para tal fim. Indago: qual o crime, como determina o inciso XXXIX do artigo 5º da Carta da República, cometido pelos acusados se, quanto à organização criminosa, a norma faz-se incompleta, não surtindo efeitos jurídicos sob o ângulo do que requer a cabeça do artigo 1º da mencionada lei, ou seja, o cometimento de um crime para chegar-se à formulação de denúncia considerada prática, esta sim, no que completa, com os elementos próprios a tê-la como criminosa, em termos de elementos de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores?

Nota-se, em última análise, que, não cabendo a propositura da ação sob o aspecto da Lei nº 9.613/98, presente o crime de estelionato, evocou-se como algo concreto, efetivo, o que hoje, no cenário nacional, por falta de previsão quanto à pena - fosse insuficiente inexistir lei no sentido formal e material -, não se entende como ato glosado penalmente ? a organização criminosa do modo como definida na Convenção das Nações Unidas.

Não é demasia salientar que, mesmo versasse a Convenção as balizas referentes à pena, não se poderia, repito, sem lei em sentido formal e material como exigido pela Constituição Federal, cogitar-se de tipologia a ser observada no Brasil. A introdução da Convenção ocorreu por meio de simples decreto!

A não se entender dessa forma, o que previsto no inciso em comento passa a ser figura totalmente aberta, esvaziando o caráter exaustivo do rol das práticas que, fazendo surgir em patrimônio um dos bens mencionados, conduzem, estas sim, porque glosadas no campo penal, à configuração da lavagem definida.

Toda e qualquer prática poderá ser tomada como a configurar crime, bastando que se tenha o que definido na Convenção como organização criminosa e que se aproxima de quadrilha nela não prevista.

Concedo a ordem para trancar a ação penal. Estendo-a aos demais réus, a saber: Leonardo Abbud, Antonio Carlos Ayres Abbud e Ricardo Abbud.

É como voto na espécie". - grifo nosso.



O julgado em questão foi assim ementado, verbis:


"TIPO PENAL - NORMATIZAÇÃO.

A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material.

LAVAGEM DE DINHEIRO - LEI Nº 9.613/98 - CRIME ANTECEDENTE.

A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo.

LAVAGEM DE DINHEIRO - ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA.

O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria". - grifo nosso.



Ademais, de extrema importância ressaltar que nesse mesmo e exato sentido foi como mais recentemente decidiu a Primeira Turma daquela Colenda Corte no julgamento do habeas corpus nº 108.715, julgado em 24/09/2013, portanto, após já concluído o julgamento da Ação Penal nº 470 - "Caso Mensalão" -, conforme noticiado no sítio daquele Tribunal em 27/09/2013, verbis:


"A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão realizada na terça-feira (24), decidiu arquivar ação penal relativa ao crime de lavagem de dinheiro, instaurada a partir de fatos apurados pela Polícia Federal na Operação Negócio da China, em 2008. A decisão se deu no julgamento de Habeas Corpus (HC 108715) impetrado pela defesa de R.D., uma das denunciadas. A Turma, à unanimidade, extinguiu o Habeas Corpus por entender inadequada a sua impetração para solucionar a questão, mas, por maioria, concedeu a ordem de ofício para arquivar ação penal quanto à imputação de lavagem de dinheiro, que tinha como antecedente organização criminosa, e estendeu a decisão a todos os demais acusados.

Na sessão de terça-feira (24), o ministro Dias Toffoli apresentou voto-vista no sentido de acompanhar o relator, ministro Marco Aurélio. Ele lembrou que a questão também foi debatida no julgamento da Ação Penal (AP) 470, quando o Plenário entendeu ser necessária a existência de um tipo penal próprio para o crime de organização criminosa.

No início do julgamento, em agosto de 2012, o ministro Marco Aurélio votou pela inadequação do habeas, mas pela concessão da ordem de ofício. À época, ele citou como precedente o HC 96007, apresentado pela defesa dos líderes da Igreja Renascer (o casal Estevan e Sonia Hernandez). Nele, a Primeira Turma arquivou a ação penal tendo em vista que a denúncia imputava, como delito antecedente à lavagem, crime praticado por organização criminosa, conforme previsto no inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613/98, com a redação anterior à edição da Lei 12.683, de 2012. A Turma assentou que não havia ainda, na ordem jurídica, um tipo penal referente à organização criminosa.

"Penso que se impõe a concessão de ofício", afirmou. Para o relator, a organização criminosa é inconfundível com o crime de quadrilha, previsto no artigo 288 do Código Penal. "O legislador da Lei 9.613, ao disciplinar a lavagem, poderia ter cogitado desse crime antecedente, que seria o de quadrilha, mas não o fez", avaliou.

Após o voto do relator, o julgamento foi adiado por um pedido de vista do ministro Luiz Fux, que, em maio de 2013, acompanhou o relator apenas quanto à inadequação do HC como substitutivo de recurso ordinário, mas não concedeu a ordem de ofício. Já a ministra Rosa Weber seguiu o voto do relator na integralidade. Em seguida, o ministro Dias Toffoli pediu vista os autos e apresentou seu voto na terça-feira (24), concluindo o julgamento". - grifo nosso.


Esclareço que deixo de transcrever o inteiro teor da ementa de referido julgado tendo em vista não estar disponibilizada no sítio da Suprema Corte.


Por outro lado, destaco que mesmo no conhecido caso "Mensalão" - Ação Penal nº 470 -, a questão em debate apresentou-se bastante controvertida, tendo diversos réus sido condenados por lavagem de dinheiro, porém, pelo que consta expressamente da ementa, com fundamento somente nos incisos V e VI do artigo 1º da Lei 9.613/98, ou seja, tendo como antecedentes crimes contra a administração pública e contra o sistema financeiro nacional, e não pela incidência do inciso VII daquela Lei (vide nesse sentido fls. 51622, 51623, 51625, 51630/51634, 51639/51655 - a numeração das folhas citadas refere-se à ementa da Ação Penal nº 470 - "Caso Mensalão").


Ressalto que o Excelentíssimo Relator, Ministro Joaquim Barbosa, votou pela aplicabilidade do inciso VII do artigo 1º da Lei nº 9.613/98, sob o argumento de que não se trata de um crime antecedente, mas sim da forma como o crime é cometido. E concluiu: Daí por que não se faz necessária a existência de um tipo específico de organização criminosa, para a aplicação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/1998.


Sua Excelência asseverou, por fim, que a positivação das organizações criminosas não é uma inovação no cenário jurídico brasileiro. Com efeito, a Lei 9.034/1995, alterada pela Lei nº 10.217/2001, dispõe justamente 'sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas' (original sem destaque)', concluindo, ao final, pela condenação de diversos réus com fundamento na norma em questão.


De outro lado, em sentido diverso, transcrevo, na parte que interessa, o voto divergente da Exma Ministra Rosa Weber (fls. 52820/52828 e 52874/52875 da AP 470) - a numeração das folhas citadas refere-se à Ação Penal nº 470 - "Caso Mensalão":


"[...] A afirmação do Ministério Público Federal, acima transcrita, de que os dirigentes do Banco Rural sabiam ter o dinheiro origem nas atividades de uma organização criminosa propõe, à luz da lei de regência à época dos fatos, questão teórica de relevo: nessa hipótese incidiria o inciso VII do artigo 1º da Lei nº 9.613/98, na redação anterior à Lei 12.683/2012?

Todo e qualquer crime seria antecedente para a lavagem se praticado por organização criminosa?

Surge, então, a pergunta: o que é organização criminosa?

Sustenta o parquet em suas razões finais que a norma penal em branco seria preenchida pelo conceito constante da Convenção de Palermo, incorporada ao direito pátrio pelo Decreto 5015, de 12 de março de 2004:

"Art. 1oA Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova York, em 15 de novembro de 2000, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém."

Lê-se no artigo 1, letras a e b, da referida convenção:

"Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;"

Dita convenção já havia sido aprovada por decreto legislativo (Dec.

Leg. nº 231 de 29.5.2003):


"DECRETO LEGISLATIVO

Nº 231, DE 2003(*)

Submete à consideração do Congresso Nacional o texto da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e seus dois Protocolos, relativos ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea e à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, celebrados em Palermo, em 15 de dezembro de 2000.

O Congresso Nacional decreta:


"Art. 1º Fica aprovado o texto da "Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional" e seus dois Protocolos, relativos ao "Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea" e à "Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças", celebrados em Palermo, em 15 de dezembro de 2000.

Parágrafo único. Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção e Protocolos Adicionais, bem como quaisquer ajustes complementares que, nos termos do inciso I do art. 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Senado Federal, em 29 de maio de 2003"


Diz o acusador:


"528. A questão da tipificação do crime de lavagem praticado por organização criminosa é questão que tem suscitado discussões doutrinárias e jurisprudenciais, inclusive nessa Corte.

529. Contudo entende Ministério Público que o conceito positivado na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) deve ser aplicado ao presente caso."


O decreto legislativo implica o reconhecimento pelo Brasil da validade do tratado internacional. Todavia, sua eficácia depende do decreto presidencial. O decreto presidencial, no caso em questão, é datado de 12 de março de 2004 e entrou em vigor na data de sua publicação (art. 3º), 15.3.2004 (DOU). Portanto, já de início haver-se-ia de objetar à tese de acusação que a regra definidora de organização criminosa da Convenção de Palermo no mínimo não seria aplicável a todas as ações desenvolvidas antes de março de 2004, que foram muitas neste processo.

Esta Suprema Corte não tem referendado a tese do órgão acusador, à compreensão de que a incidência do tipo previsto no artigo 1º inciso VII da Lei n 9.613/98, na redação anterior à Lei 12.683/2012, tinha como pressuposto a aprovação de uma lei que definisse a expressão organização criminosa.

[...]

Tal viés na interpretação dessa questão jurídica, a meu juízo, merece ser prestigiado, com a devida vênia dos que entendem em contrário.

Destaco, por oportuno, que a Lei 12.683, de 2012, também não conceitua o que seja organização criminosa. Revogado o inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613, de 1998, no que fixava, como crime antecedente da lavagem, o delito praticado por organização criminosa - até porque consagrada em seus ditames, como se viu, a infração penal como antecedente da lavagem -, o cometimento dos crimes "por intermédio de organização criminosa" passou a ser previsto como causa de aumento da pena (parágrafo quarto do mesmo artigo primeiro. Apenas a recente Lei 12.694, de 24 de julho de 2012, com vacatio legis de noventa dias, veio a definir em nosso ordenamento jurídico positivo, em seu art. 2º, a organização criminosa, nos seguintes termos:


"Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional."


Retornando ao exame da tese defendida pelo parquet, digo que a Convenção de Palermo, a meu juízo, pretendeu o combate às organizações criminosas no âmbito da macrocriminalidade, especialmente no que diz com o tráfico internacional de entorpecentes, de armas, de órgãos humanos etc. O conceito bastante abrangente nela adotado busca obstar o trânsito da criminalidade internacional, não me parecendo oportuna a imposição de igual tratamento internamente no sistema normativo do Brasil, até pela possibilidade de situações draconianas.

A regra do inciso VII do artigo 1º da Lei n 9.613/98, tal como redigida antes da Lei 12.683/2012, constituía, repito, uma norma penal em branco.

Ensina Claus Roxin, quanto aos elementos normativos contidos nas regras penais, exemplificando com dispositivos do Código Penal alemão:


"En los elementos normativos se pueden hacer ulteriores distinciones, sobre todo entre elementos con valoración juridica ("ajeno", par. 242, " funcionario en el exercicio de su cargo, par. 331 ss., " documento público", par. 348) y elementos con valoración cultural (acciones sexuales de cierta relevancia, par. 184 c)." (Derecho Penal, parte general, tomo I, ed. Civitas, Madri, 1997, p. 306)


Sem dúvida, entre os elementos normativos do tipo existem conceitos com base no senso comum (no exemplo, o termo "obsceno"), mas outros são dependentes de outras regras contidas no próprio Direito Penal ou em outros ramos do direito. Estas costuma-se chamar de normas penais em branco. As normas que realizam esses elementos no tipo regulam fatos ou conceitos jurídicos. A primeira hipótese pode ser exemplificada com o crime de tráfico de entorpecentes. A análise científica especializada da droga faz com que a autoridade administrativa coloque a proibição de circulação da mesma em uma portaria. Exemplo da segunda espécie é o conceito de alheio contido em regra que regula a propriedade no Direito Civil.

Certos conceitos ganham tamanho relevo no Direito Penal que exigem regramento próprio. É o caso do conceito de funcionário público, muito mais amplo do que no Direito Administrativo, como se vê do artigo 327 do Código Penal.

Exatamente a mesma coisa acontece com a conceituação de organização criminosa. É a disciplina de um fato, isto é, o que caracteriza essa realidade. Daí o entendimento de que apenas uma lei penal poderia definir a organização criminosa para o efeito de incidência do inciso VII do artigo 1º da Lei nº 9.613/98 na redação pretérita, tanto que em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 6.578, de 2009, com tal desiderato.

Nesses termos, sem viabilidade jurídica, data venia, a imputação aos acusados da formação de organização criminosa, para os efeitos do hoje revogado inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613/98". - grifo nosso.


No mesmo sentido do voto da Ministra Rosa Weber, foi como decidiram os Ministros Marco Aurélio (fls. 54030/54075), Ricardo Lewandowski (fls. 55358 e 57478/57480), Celso de Mello (fls. 54062/54064) e Gilmar Mendes (fls. 55020/55021 e 54126/54127) - a numeração das folhas citadas é da Ação Penal nº 470 - "Caso Mensalão".


Em sentido contrário, votaram expressamente pela possibilidade de incidência da norma do inciso VII do art. 1º da Lei nº 9.613/98 os Ministros Joaquim Barbosa (Relator), Carmem Lúcia (fls. 53685/53694), Luiz Fux (fls. 53124/53133) e Dias Toffoli (fls. 54883/54888) - a numeração das folhas citadas é da Ação Penal nº 470 - "Caso Mensalão".


Quanto ao voto dos demais Ministros, a fundamentação restou lastreada exclusivamente nos incisos V e VI do artigo 1º da Lei nº 9.613/98, ou ainda pela absolvição de alguns réus, ao considerar que a lavagem retratada configurou mero exaurimento do crime antecedente, ou seja, utilização natural do proveito do ilícito perpetrado, sem ocultação fraudulenta ou dissimulação, considerando-a um post factum impunível, com aplicação do princípio da consunção.


Importante ainda, mais uma vez, ressaltar que mesmo depois do julgamento da Ação Penal nº 470, a Primeira Turma do E. Supremo Tribunal Federal, ao julgar o habeas corpus nº 108.715, em 24/09/2013, determinou, por maioria de votos, o trancamento da ação penal em que se imputava o crime de lavagem de dinheiro, que tinha como antecedente o inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613/98.


Interessante notar que o Ministro Dias Toffoli, que no caso do "Mensalão" votou pela aplicabilidade daquela norma, apresentou voto-vista naquele writ no sentido de acompanhar o relator, Ministro Marco Aurélio, e, inclusive, lembrou que a questão também foi debatida no julgamento da Ação Penal (AP) 470, quando o Plenário entendeu ser necessária a existência de um tipo penal próprio para o crime de organização criminosa. (cf. notícia veiculada no sítio do Supremo Tribunal Federal de 27/09/2013).


Portanto, como visto, verifica-se que a jurisprudência majoritária do Supremo Tribunal Federal (ao menos seis ministros) vem se inclinando no sentido de não reconhecer a aplicação da norma do inciso VII do artigo 1º da Lei nº 9.613/98, por considerar inexistir no ordenamento jurídico brasileiro conceito legal do que seja organização criminosa, ao menos até a entrada em vigor da Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013, ferindo-se, assim, os princípios da estrita legalidade ou reserva legal e da taxatividade da lei penal.


No caso específico destes autos, como já esclarecido, as aquisições de bens móveis e imóveis, bem como as movimentações financeiras do apelante, perpetradas de maneira escusa e fraudulenta, ocorreram em períodos quando ainda inexistia no Brasil definição jurídica e legal de organização criminosa (lei em sentido estrito), o que somente veio à lume quando da entrada em vigência da Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013.


No tocante ao argumento de que a Convenção de Palermo, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, teria trazido o conceito de organização criminosa, o que vem, inclusive, sendo acolhido pelo C. Superior Tribunal de Justiça, tenho que referido posicionamento, com a devida vênia, não se coaduna com a melhor interpretação, à luz da Constituição Federal.


É que, como é cediço, os Tratados e as Convenções Internacionais, apesar de ingressarem no Brasil com status de lei ordinária, ou, em alguns casos, até mesmo como normas de amplitude supralegal ou constitucional - tratados de direitos humanos aprovados, respectivamente, pelo rito ordinário ou com quorum de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF/88) -, traduzem-se apenas como diretrizes a serem evidentemente seguidas pelas nações que a eles aderiram, mas jamais podem criar leis de caráter criminal, atribuição constitucional afeta tão somente ao Poder Legislativo de cada País.


Pensar o contrário seria o mesmo que possibilitar que o simples ato de ratificação de um tratado, automaticamente, fizesse surgir normais penais incriminadoras, ou mesmo explicativas, no ordenamento jurídico interno, sem a amplitude de debate pelo órgão legislativo competente, imprescindível à sua concretização, com ferimento ao princípio da reserva legal.


Com efeito, como é cediço, a norma prevista no art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal -, é cláusula pétrea, somente podendo ser alterada mediante manifestação do Poder Constituinte Originário, e não Derivado, sendo certo que os tratados e convenções internacionais que ingressam no Brasil com status de norma constitucional - únicos que poderiam, pois, alterar a Constituição -, restringem-se àqueles que prevêem em seu bojo normas de direitos humanos (art. 5º, § 3º, da CF/88), o que não é o caso de normas penais incriminadoras.


Dessa forma, conclui-se que mesmo ingressando no ordenamento jurídico brasileiro com status de norma constitucional, inexiste qualquer possibilidade de um tratado ou convenção internacional modificar a norma de higidez prevista no artigo 5º, inciso XXXIX, da Carta Federal, porquanto cláusula pétrea, tampouco de criar crimes ou de definir normas explicativas criminalizadoras, sendo necessário para tal mister de lei penal em sentido estrito.


No caso em questão, a Convenção de Palermo, como visto, foi introduzida no ordenamento brasileiro com status de lei ordinária, não podendo, assim, afrontar uma cláusula pétrea constitucional - art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal -, a ponto de definir crime, de maneira que a conclusão mais acertada, a meu ver, é a de que referida norma internacional não tem o condão de conceituar organização criminosa, o que somente pode se dar mediante lei em sentido estrito, por se tratar tal conceito de elementar normativa do tipo do art. 1º, inciso VII, da Lei nº 9.613/98.


Por fim, ainda que se argumente que referido conceito poderia ser veiculado por outras espécies normativas, tal como os tratados internacionais, já que o art. 1º, inciso VII, da Lei nº 9.613/98, é norma penal em branco, tenho por equivocada essa conclusão, pois o ordenamento brasileiro vem buscando combater as organizações e associações criminosas desde a edição da revogada Lei nº 9.034/95, cujo artigo 1º deixava claro haver distinção entre quadrilha ou bando, associações criminosas e organizações criminosas, verbis:


"Art. 1º. Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações criminosas ou associações criminosas de qualquer tipo".


Dessa forma, considerando que os crimes de quadrilha ou bando e de associação criminosa estão expressamente previstos, respectivamente, nos artigos 288 do Código Penal e 35 da Lei nº 11.343/2006 (leis ordinárias), resta evidente que tanto o crime de organização criminosa quanto o próprio conceito desse instituto somente podem ser fornecidos por lei ordinária em sentido estrito, tal como se dá para os dois delitos citados.


Há de ser refletido, ainda, o fato de que a Convenção de Palermo prevê definição de organização criminosa divergente à da Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013, a demonstrar a relevância do debate legislativo na criação de normas internas criminais, à luz da norma internacional.


Senão vejamos.


Dispõe o artigo 2º da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional:


"Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:


a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;


b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior".


Já o § 1º do art. 1º da Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013, assim dispõe:


"§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional".


Como se verifica, além do número mínimo de agentes ser diferente entre os dois conceitos (mínimo de três pela Convenção e mínimo de quatro pela Lei), a vantagem indevida na Convenção de Palermo deve ser de natureza econômica ou material, enquanto pela Lei nº 12.850/2013 pode ela ser de qualquer natureza.


Tais circunstâncias, por si sós, revelam a necessidade de a Convenção e do Tratado Internacional somente serem veiculados no ordenamento jurídico pátrio por meio do Poder Legislativo Federal, observado o quorum previsto na Constituição Federal, principalmente, quando se tratar de criação de normas de natureza penal.


Outrossim, observados esses aspectos, adoto o entendimento emanado da posição majoritária da Colenda Suprema Corte, no sentido de que a citada Convenção de Palermo não tem o condão de trazer à lume o conceito jurídico de organização criminosa, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal - art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, verbis:


"XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". (grifo nosso).



CONCLUSÃO


Dessa forma, à luz dos importantes precedentes citados, do C. Supremo Tribunal Federal, entendo que o caso é de absolvição do acusado, por atipicidade de sua conduta ao tempo do fato, com fundamento no artigo 386, inciso III, do CPP.


Ante todo o exposto, divirjo da eminente Relatora, e, pelo meu voto, dou provimento à apelação defensiva para absolver o apelante Edson Álvares de Lima, com fundamento no artigo 386, inciso III, do CPP (atipicidade da conduta), e, com isso, julgo prejudicada a apelação ministerial.


É como voto.


LUIZ STEFANINI


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Data e Hora: 11/03/2014 16:37:46



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006481-89.2006.4.03.6000/MS
2006.60.00.006481-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : EDISON ALVARES DE LIMA
ADVOGADO : RICARDO TRAD e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00064818920064036000 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pela defesa de Edison Álvares de Lima contra a sentença que o condenou a 5 (cinco) anos de reclusão, regime inicial semiaberto, e 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 175,00 (cento e setenta e cinco reais), pela prática do delito do art. 1º, VII, c. c. o § 1º, I, da Lei n. 9.613/98 (fls. 615/636).

O Ministério Público Federal apela, em síntese, com os seguintes argumentos:

a) a pena-base deve ser majorada em 3 (três) anos, resultando a pena definitiva de 8 (oito) anos de reclusão;
b) é devida a fixação do regime inicial fechado;
c) considerando os critérios do art. 59 do Código Penal: quanto à culpabilidade, o acusado ocultou e dissimulou, de maneira consciente e voluntária, bens de sua propriedade que sabia serem provenientes, direta e indiretamente, de crime praticado por organização criminosa; quanto aos antecedentes criminais, o acusado foi condenado por roubo qualificado, em data posterior aos fatos, encontrando-se atualmente processado por falsificação de documento público, bem como pelo crime antecedente; quanto à conduta social, o acusado é rebelde contumaz, tendo em vista o descumprimento dos mandados da justiça paraguaia; quanto à personalidade do agente, o acusado tem personalidade dissimulada, também voltada à prática de crimes; quanto aos motivos do crime, o acusado tem a ambição de assegurar o patrimônio proveniente do roubo; quanto às circunstâncias do crime, o acusado utilizou-se de complexo modus operandi na reciclagem dos ativos do crime, com grande variedade e quantidade de bens envolvidos na investigação, em país diverso do crime antecedente; e quanto às consequências do crime, a lavagem de capitais desencadeia outras condutas ilícitas, como a sonegação fiscal, a evasão de divisas, etc.;
d) deve ser sopesada a gravidade do delito antecedente, consistente no roubo de US$ 11.132.100,00 (onze milhões, cento e trinta e dois mil e cem dólares), bem como a constatação de movimentação financeira no valor de R$ 2.056.384,16 (dois milhões, cinquenta e seis mil, trezentos e oitenta e quatro reais e dezesseis centavos) pelo acusado, nos anos seguintes, sem comprovação de origem lícita;
e) trata-se de reciclagem de vultosa quantia, decorrente de elaborado delito de roubo qualificado, praticado por organização criminosa, envolvendo o transpasse de fronteira e articulados artifícios para dissimulação do proveito do crime (fls. 639/643).

A defesa apresentou contrarrazões (fls. 651/662).

A seu turno, a defesa de Edison Álvares de Lima apela, em síntese, com os seguintes argumentos:

- preliminarmente, deve ser declarada a nulidade ab initio do feito por inépcia da denúncia e incompetência da Justiça Federal:
a) a denúncia é manifestamente inepta, tendo em vista que a acusação quanto ao delito de lavagem de dinheiro fundou-se apenas em que " 'Edson Alvares... adentrou em território brasileiro portando R$ 550.000,00 em espécie no dia 29/11/2000, três meses após o roubo no aeroporto de Luque (04/08/2000)'" (destaques originais, fl. 676);
b) o Parquet não afirmou na denúncia que o acusado foi condenado definitivamente pela Justiça Paraguaia;
c) não foi descrito nexo entre o delito de roubo praticado no Paraguai e o acusado;
d) a imputação pelo delito de lavagem de capitais encontra-se fundada apenas no Pedido de Cooperação Judiciária Internacional da República Paraguaia;
e) a Justiça Federal é incompetente, tendo em vista que o bem jurídico atingido com a lavagem de capitais não se encontra expresso no art. 2º, III, a, da Lei n. 9.613/98 e o crime antecedente está sendo processado perante o MM. Juízo Estadual da 2ª Vara Criminal de Campo Grande (MS);
- no mérito, o acusado deve ser absolvido pela atipicidade do fato e por falta de provas:
f) é atípica a conduta definida como crime antecedente, tendo em vista que a legislação brasileira não tipificava o crime de organização criminosa, na época dos fatos, de acordo com o entendimento expresso no HC n. 96.007 do Supremo Tribunal Federal;
g) a ausência de previsão no ordenamento jurídico pátrio do crime de organização criminosa, crime antecedente da lavagem de dinheiro referido na denúncia, conduz à flagrante atipicidade do fato;
h) não obstante o Pleno do Supremo Tribunal Federal tenha entendido, por maioria de votos, que o Decreto Presidencial n. 5.015/2004 seria suficiente para conceituar organização criminosa para fins de aplicação da Lei n. 9.613/98, o próprio Supremo Tribunal Federal desconsiderou este entendimento nos autos do Habeas Corpus n. 96.007;
i) o Decreto Presidencial n. 5.015/2004 incide para crimes praticados em data posterior ao início de sua vigência e a denúncia narra que o crime antecedente teria sido praticado no ano de 2000, não podendo retroagir para alcançá-lo;
j) não obstante a Lei n. 12.683, de 09.07.12 tenha alterado a Lei n. 9.613/98, suprimindo os incisos do art. 1º que previam os crimes antecedentes do crime de lavagem de dinheiro, vigia à época dos fatos a antiga redação, que os enumerava;
k) a aplicação da Lei n. 12.683/12 ao caso dos autos, em prejuízo do acusado, implicaria em indevida novatio legis incriminadora;
l) não ficou comprovado que o acusado tenha participado do roubo ocorrido em Luque (Paraguai), ou ocultado a origem ilícita dos valores que ingressaram em território nacional, daí decorrendo a improcedência da acusação pelo crime de lavagem de capitais;
m) a existência do crime antecedente não foi provada durante a instrução: a acusação refere à condenação do acusado no Paraguai, "mas a própria sentença põe em dúvida a existência dessa sentença" (fl. 695);
n) o embasamento da condenação em sentença estrangeira, de existência duvidosa, que sequer foi homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (Constituição da República, art. 109, I, i), constitui ofensa à soberania nacional;
o) não há provas para embasar validamente a condenação pelo crime de lavagem de capitais;
p) a única testemunha de acusação, Delegado de Polícia, relatou que " 'não houveram diligências' " (fl. 697), "tendo o delegado afirmado que se configurou apenas com base na suposta sentença estrangeira e com as peças enviadas para justiça brasileira, não tendo sido realizada nenhuma diligência e nem produzida nenhuma prova com relação a ocorrência do crime antecedente" (destaques originais, fl. 698);
q) quando indagado sobre o conhecimento de ocupação lícita exercida pelo acusado, o Delegado de Polícia disse que o acusado afirmou que era agricultor, não sendo efetuadas diligências sobre a compra de 1 (uma) fazenda por ele;
r) quando indagado sobre a existência de sentença condenatória paraguaia, o Delegado de Polícia afirmou que sabe apenas sobre o pedido de cooperação internacional;
s) não foram produzidas provas que comprovassem a origem ilícita do dinheiro que o réu introduziu no País, havendo mera coincidência, pela proximidade de períodos, entre suas transações patrimoniais e o roubo na cidade de Luque (Paraguai);
t) não se pode afirmar que o acusado tenha se mudado para o Brasil clandestinamente, sem declarar nenhum valor, sendo certo que adentrou o País em 2000, tendo declarado à Receita Federal o porte de R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais), decorrentes da alienação de comércio no Paraguai;
u) no dia do roubo na cidade de Luque (Paraguai), o acusado estava prestando depoimento na Delegacia de Polícia de Ponta Porã (MS), conforme compra o documento juntado à fl. 262, não se sustentando tenha forjado acidente de trânsito para servir como testemunha naquela data;
v) a ocultação ou dissimulação do produto do crime pelo próprio autor do crime antecedente constitui post factum impunível, não havendo de se imputar àquele que praticou o crime antecedente também o crime de lavagem de capitais;
x) o crime de lavagem de dinheiro praticado pelo acusado é mero exaurimento do primeiro crime, "a ação típica que ocorra após o delito e unicamente pretenda assegurar , aproveitar ou materializar o ganho obtido pelo primeiro fato, resta consumida quanto não se lesiona nenhum outro bem jurídico e o dano não se amplia quantitativamente para além do ocasionado" (sic, fl. 708);
z) "o indivíduo quando tipificado na 'Lei de Lavagem de dinheiro ou de Capitais', está direcionado à conversão de valores e bens ilícitos em capitais lícitos (...) não poderia o mesmo agente ser novamente punido pela conduta de 'converter os ativos ilícitos em lícitos', conforme denunciou o Ministério Público, quanto à segunda tipificação no § 1º, inciso I, artigo 1º da Lei supramencionada" (fl. 711);
a') "a Lei de lavagem de dinheiro classifica como condutas típicas o ocultar ou transformar (dando ao dinheiro ilícito a aparência de lícito pela dissimulação de sua natureza, origem ou movimentação), a conversão de ativos ilícitos em lícitos não se dá com a mera aquisição de bens com o produto do crime anterior... E mais, a conduta do § 1º, inciso do art. 1º, é simples exaurimento da primeira conduta" (destaques originais, fl. 712);
b') é devida a absolvição, ou, subsidiariamente, a condenação do acusado apenas quanto ao art. 1º, caput, VII, da Lei n. 9.613/98;
c') o pedido de perdimento de bens formulado pelo Ministério Público Federal não encontra amparo na prova dos autos;
d') não obstante a defesa não tenha alegado a atipicidade da conduta, a apreciação da matéria é abarcada pelo efeito devolutivo do recurso de apelação;
e') caso seja mantida a condenação, é devida a redução da pena ao mínimo legal (fls. 647/648 e 674/716).

Foi elaborado parecer pelo Advogado Criminalista Roberto Delmanto Junior (fls. 719/759).

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões (fls. 764/780).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Pedro Barbosa Pereira Neto, manifestou-se pelo desprovimento do recurso da defesa e pelo provimento parcial do recurso do Ministério Público Federal, apenas para fixar o regime inicial fechado (fls. 782/788).

Foi juntado aos autos acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n. 105.905/MS que afastou ato de constrição implementado pelo Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul (MS), que deferiu pedido de sequestro de bens formulado pelo Governo paraguaio, nos autos do Processo n. 2006.60.05.000398-8 (fls. 789/796).

Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006481-89.2006.4.03.6000/MS
2006.60.00.006481-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : EDISON ALVARES DE LIMA
ADVOGADO : RICARDO TRAD e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00064818920064036000 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

VOTO

Imputação. Edison Álvares de Lima foi denunciado pela prática do delito do art. 1º, VII e § 1º, I, da Lei n. 9.613/98, pelos seguintes fatos:


FATOS DENUNCIADOS
1. Apurou-se no incluso inquérito policial que EDISON ALVARES DE LIMA ocultou e dissimulou a origem espúria de valores provenientes de um roubo milionário ocorrido no ano 2000, no Aeroporto Internacional da cidade de Luque/Paraguai, praticado por uma organização criminosa da qual era integrante. Restou demonstrado que EDISON, aproveitando-se da condição de brasileiro nato, disfarçou e encobriu, no Brasil, a origem de parte do dinheiro advindo deste roubo, dificultando, assim, o rastreamento dos valores pelas autoridades paraguaias.
1. CRIME ANTECEDENTE: ROUBO PRATICADO POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
2. De acordo com os documentos de f. 34-71, no dia 4/8/2000, cinco integrantes uma organização criminosa (EDISON ALVARES entre eles) invadiram as dependências do Aeroporto Internacional "Silvio Pettirossi", na cidade de Luque/Paraguai, e subtraíram, mediante violência e grave ameaça, US$ 11.132.100,00 em espécie pertencentes a diversas instituições bancárias da capital, Assunção.
3. Apurado o caso e identificados os responsáveis, o Ministério Público Paraguaio ofereceu denúncia (ação penal A.I Nº 12) contra nove integrantes da organização, inclusive EDISON, pela prática dos crimes de roubo qualificado e associação criminosa (alguns também responderam por lavagem de capitais). Instaurada a ação penal e transcorrida a instrução, no final, todos foram condenados, com decisão já transitada em julgado. Todavia, EDISON, porque se evadiu daquele país, não foi encontrado pelas autoridades paraguaias para responder às acusações imputadas, de modo que o processo criminal transcorreu à sua revelia (é considerado foragido da justiça paraguaia).
4. Considerando que EDISON é brasileiro nato e possui endereços registrados nas cidades de Dourados/MS e Ponta Porã/MS (a probabilidade de que este se encontrasse no Brasil era grande), a República do Paraguai expediu ordem e captura internacional (via INTERPOL) e formulou, perante a Justiça Brasileira, um pedido de Cooperação Judiciária Internacional, requisitando a entrega de EDISON às autoridades paraguaias. Informada sobre a vedação, pelo ordenamento jurídico brasileiro, da extradição de seus nacionais (nos termos do art. 5º, LI, da Constituição Federal), a Justiça Paraguaia solicitou que o Brasil tomasse as providências cabíveis para que EDISON ALVARES respondesse criminalmente pelo roubo ocorrido no Paraguai.
5. Embora se tenha notícia de que já há decisão condenatória contra o denunciado pela prática de roubo e associação para o crime, atualmente EDISON responde a uma ação penal interposta na 2ª Vara Criminal de Campo Grande/MS, que apura seu envolvimento no roubo ao Aeroporto de Luque/PY (autos nº 0041239-64.2006.8.12.0001 - extrato em anexo).
2. DA LAVAGEM DE DINHEIRO TRANSNACIONAL
6. A partir de levantamento feito em face do pedido de Cooperação Judiciária Internacional da República do Paraguai, constatou-se que EDISON ALVARES, após o roubo ocorrido naquele país, angariou patrimônio significativo no Brasil, composto de alguns bens móveis e imóveis. Muitos destes bens (registrados em seu nome) foram adquiridos em época bastante próxima ao caso de Luque, como se pode observar:
a) Terras pastais e lavradias situadas na "Fazenda Rincão das Lagoas", registradas no 1º Tabelião Oficial do Registro de Imóveis de Ponta Porã/MS, com matrícula nº 8300, no valor declarado de R$ 545.434,99, pagos à vista, datado de 12 de dezembro de 2000 (f. 12, Apenso I);
b) Imóvel residencial de 600 m², registrado perante Tabelionato da Comarca de Dourados/MS, com a matrícula nº 22.547, no valor declarado de R$ 80.000,00, pagos à vista, adquirido em 21/12/2001 (f. 13, Apenso I);
c) Veículo GM, modelo Vectra GLS, ano de fabricação 1999, modelo 2000, cor prata, registrado no DETRAN/MS, placas HSF 2009, RENAVAM nº 722859970, chassi nº 9BGJK19H0YB103632, adquirido em 6/11/2001;
d) Motocicleta Yamaha, modelo XT 600 E, ano de fabricação 2000, modelo 2000, cor azul, registrado no DETRAN/MS, placas CTF 8060, RENAVAM nº 740064665, chassi 9C64MW00Y0012273, adquirida em 10/07/2003;
e) Veículo Ford, modelo F-250 XL L , ano de fabricação 2003, modelo 2004, cor prata, registrado no DETRAN/MS, placas HRY 9545, RENAVAM nº 814382843, chassi nº 9BFFF25L74B093526, adquirido em 3/6/2005;
7. Neste contexto, a Justiça do Paraguai, no mesmo pedido de Cooperação Internacional, requereu a decretação do sequestro de todos os bens encontrados no Brasil em nome do denunciado. O pedido foi deferido nos autos nº 2006.60.05.000398-8 (f. 91-8).
8. Foram feitas diligências no intuito de averiguar a compatibilidade do patrimônio identificado com a renda declarada pelo denunciado, através da quebra dos sigilos fiscal e bencário (f. 110-5 e Apenso I). Dos dados obtidos, ressaltam-se algumas informações:
a) EDISON movimentou quantias expressivas entre os anos de 2002 e 2006, como se observa na tabela situada à f. 282, reproduzida abaixo:
(...)
b) Na Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física do exercício de 2001, EDISON informou que teria recebido a título de transferências patrimoniais (doações, herança, dissolução de sociedade conjugal ou unidade familiar) o valor de R$ 700.000,00 (f. 34, Apenso I)
9. Ouvido às f. 220 - 1, EDISON afirmou que adquiriu a Fazenda "Rincão das Lagoas" com valores advindos da venda de um comércio que possuía no Paraguai e também contou a ajuda financeira de sua esposa, Justina Roman (nacional paraguaia). Alegou que nunca recebeu qualquer quantia a título de doação ou herança (contrariando o que ele mesmo declarou no DIRPF de 2001). Afirmou que, quando ingressou em território brasileiro, declarou à Receita Federal a quantia de R$ 550.000,00 (apresentou Declaração de Porte de Valores à f. 256, embora os dados constantes no documento estejam praticamente ilegíveis) e que já estaria no Brasil desde abril do ano 2000, tendo alugado uma casa na cidade de Ponta Porã/MS. Quanto à atuação no roubo ocorrido em Luque/PY, negou ter participado do caso, dizendo que na data do ocorrido (4/8/2000) estava em Ponta Porã/MS prestando depoimento perante a Polícia Civil como testemunha de um acidente de carro, e que seu envolvimento no roubo teria se dado em razão de "circunstâncias que envolviam corrupção da polícia paraguaia que vinha exigindo pagamento de subornos ao declarante" (f. 253-4).
10. Os documentos de f. 260-2 registram que o denunciado esteve perante o 2º Distrito Policial de Ponta Porã/MS no 4/8/2000 prestando esclarecimentos. Porém, importante frisar que, de acordo com a Ordem de Serviço contante à f. 257, EDISON deveria ter comparecido àquela delegacia no dia 24/7/2000, às 14:30h (f. 257), para prestar seus esclarecimentos. Convenientemente, o denunciado só compareceu perante aquela autoridade policial no dia 4/8/2000 (f. 262), o que deixa claro o intento de forjar um álibi.
11. Do exposto, podem-se resumir as ações de EDISON ALVARES da seguinte forma:
a) Adentrou em território brasileiro portando R$ 550.000,00 em espécie no dia 29/11/2000, três meses após o roubo no aeroporto de Luque (4/8/2000). A movimentação física de dinheiro em espécie denota um alto risco à segurança pessoal não justificável pelos fatos apurados, o que revela a intenção do denunciado em efetuar transações financeiras marginais, que não deixassem vestígios passíveis de revelar a origem ilícita do montante;
b) Antes de declarar a entrada dos R$ 550 mil, EDISON esteve no Brasil prestando depoimento perante a Polícia Civil de Ponta Porã/MS e já tinha alugado uma casa na cidade de Ponta Porã/MS. Com isso, percebe-se que o denunciado transitava com frequência entre o Brasil e o Paraguai;
c) Adquiriu diversos bens móveis e imóveis no Brasil. Pela data de aquisição destes bens, verifica-se que foram comprados em datas muito próximas à do assalto ocorrido no Paraguai (a Faenda "Rincão das Lagoas" foi comprada apenas dois dias depois o denunciado efetuar a declaração de porte de valores perante a Receita Federal);
d) Movimentou valores expressivos em contas bancárias entre os anos de 2002 e 2006 e declarou valores perante a Receita Federal, cuja origem o próprio denunciado desmentiu em depoimento (caso dos R$ 700.000,00 declarados sob a rubrica Transf. Patrimoniais-Doações, Herança e Dis. Soc. Conjugal ou Unid. Familiar);
e) O denunciado não juntou qualquer prova, nem soube dar explicações plausíveis sobre a origem dos valores utilizados na aquisição dos bens registrados em seu nome;
f) Forjou um álibi no Brasil, numa tentativa de desvincular sua participação no roubo ocorrido no Paraguai.
12. Assim, restou claro o propósito de EDISON em ocultar e dissimular a origem criminosa de valores provenientes de roubo praticado por organização criminosa da qual participava. Para tanto, utilizou-se da qualidade de brasileiro nato, não só para se furtar à responsabilidade de responder perante a justiça paraguaia pela prática do roubo, como ainda refugiar e aqui o proveito do crime, onde adquiriu vasto patrimônio. Em nenhum momento o denunciado comprovou ser lícita a origem dos valores utilizados na aquisição destes bens, a par de todo o alegado perante a autoridade policial, o que deixa ainda mais evidente a intenção criminosa. De resto, o denunciado agiu de forma livre, voluntária e com plena ciência da ilicitude de sua conduta.
CLASSIFICAÇÃO
Agindo assim, o denunciado incorreu na prática do crime tipificado no art. 1º, VII e § 1º, I, da Lei nº 9.613/98 (...) (destaques originais, fls. 288/293)

Denúncia. Inépcia. Para não ser considerada inepta, a denúncia deve descrever de forma clara e suficiente a conduta delituosa, apontando as circunstâncias necessárias à configuração do delito, a materialidade delitiva e os indícios de autoria, viabilizando ao acusado o exercício da ampla defesa, propiciando-lhe o conhecimento da acusação que sobre ele recai, bem como, qual a medida de sua participação na prática criminosa, atendendo ao disposto no art. 41, do Código de Processo Penal:


AÇÃO PENAL. Denúncia. Aptidão formal. Reconhecimento. Apropriação indébita previdenciária. Descrição dos fatos que atende ao disposto no art. 41 do CPP.
(...).
Não é inepta a denúncia que descreve os fatos delituosos e lhes aponta os autores.
(STF, HC n. 90.749, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 07.08.07)
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PEDIDO INDEFERIDO.
A denúncia descreve os fatos imputados à paciente e aponta o fato típico criminal, atendendo ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal. Conduta suficientemente delineada e apta a proporcionar o exercício da defesa.
Habeas corpus indeferido.
(STF, HC n. 89.433, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 26.09.06)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES FALIMENTARES. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO ESTATUTO PROCESSUAL. CRIME SOCIETÁRIO. DESNECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MINUCIOSA DA CONDUTA DE CADA DENUNCIADO. ORDEM DENEGADA.
(...).
2. Não há falar em inépcia da denúncia se a peça acusatória satisfaz todos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, sendo mister a elucidação dos fatos em tese delituosos descritos na peça inaugural à luz do contraditório e da ampla defesa, durante o regular curso da instrução criminal.
(...)
4. Ordem denegada.
(STJ, 5a Turma - HC n. 55.770, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 17.11.05)

Lavagem de dinheiro. Crimes antecedentes. Indícios de materialidade. Suficiência. Para a configuração do delito de lavagem de dinheiro, basta a existência de indícios de materialidade dos delitos antecedentes:


PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. (...). AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO CRIME ANTECEDENTE. INOCORRÊNCIA. (...).
IV - Para a configuração do crime de lavagem de dinheiro, não é necessária a prova cabal do crime antecedente, mas a demonstração de "indícios suficientes da existência do crime antecedente", conforme o teor do §1º do art. 2º da Lei 9.613/98. (Precedentes do STF e desta Corte) (...).
(STJ, REsp n. 1133944, Rel. Min. Felix Fischer, unânime, j. 27.04.10)
PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. LAVAGEM DE CAPITAIS. CRIME ANTECEDENTE. RECEBIMENTO, OCULTAÇÃO E MOVIMENTAÇÃO DE GRANDE QUANTIDADE DE DINHEIRO EM ESPÉCIE. CRIME PERMANENTE. (...).
II - Ex vi do princípio da alternatividade, caso o agente tenha praticado mais de uma das condutas previstas no art. 1º, § 1º, II, da Lei nº 9.613/98 incorrerá somente em uma pena. Trata-se de tipo autônomo e complexo, que não exige nem a participação do agente, nem a comprovação material dos crimes antecedentes e conexos previstos em rol taxativo (caput do art. 1o), bastando a demonstração de um deles ao menos em termos de indícios (...).
(TRF da 2ª Região, ACr n. 200451014900212, Rel. Des. Fed. Maria Helena Cisne, unânime, j. 22.11.06)

Do caso dos autos. A defesa sustenta que a denúncia é manifestamente inepta, tendo em vista que a acusação quanto ao delito de lavagem de dinheiro fundou-se apenas em que " 'Edson Alvares... adentrou em território brasileiro portando R$ 550.000,00 em espécie no dia 29/11/2000, três meses após o roubo no aeroporto de Luque (04/08/2000)'" (destaques originais, fl. 676). Argumenta que o Parquet não afirmou na denúncia que o acusado foi condenado definitivamente pela Justiça Paraguaia, tampouco descreveu o nexo entre o delito de roubo praticado no Paraguai e o acusado. Aduz que a imputação pelo delito de lavagem de capitais encontra-se fundada apenas no Pedido de Cooperação Judiciária Internacional da República Paraguaia.

Não procedem tais alegações.

A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal. Narra os fatos e as circunstâncias dos crimes antecedente e de lavagem de capitais, possibilitando ao acusado o amplo exercício do contraditório e da ampla defesa. Expõe satisfatoriamente a prova da materialidade e os indícios de autoria delitiva.

O processo e o julgamento do acusado pelo delito de lavagem de capitais prescinde de sua condenação definitiva perante a Justiça Paraguaia pelo crime antecedente, a teor do que dispõe o art. 2º, II, § 1º, da Lei n. 9.613/98:


Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
(...)
II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 1  A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente.(Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

Não obstante seja suficiente que a denúncia pelo delito de lavagem de capitais consigne apenas indícios da prática do crime antecedente, há nos autos prova cabal de sua existência, conforme decisão da Justiça Paraguaia na Causa "EDISON ALVARES DE LIMA, OSCAR CELESTINO OJEDA, ROBERTO BACHILLET GONZÁLEZ, JUAN PABLO ORTIGOZA SAMUDIO, ANDRES QUINTIN MEDINA, CARLOS MORINIGO PAREDES, ADRIANA ACOSTA ALEGRE, WILFRIDA BEAUFORT Vda. De OJEDA, JUSTINA ROMAN Vda. De ACEVEDO, S/ ROUBO AGRAVADO, LAVAGEM DE DINHEIRO E ASSOCIAÇAO CRIMINAL. LUQUE A.I. Nº 12" (fl. 57) e extrato de movimentação processual do feito n. 0041239-64.2006.8.12.0001, que tramita perante o MM. Juízo Estadual da 2ª Vara Criminal de Campo Grande (MS), em que o acusado foi denunciado pela prática do roubo em Luque (Paraguai), o qual aponta o alcance da fase da defesa preliminar (16.08.10) (fls. 57/69 e 295/300).

Decorre da independência entre os processos a dispensabilidade da homologação de eventual sentença condenatória estrangeira pelo crime antecedente para viabilização do julgamento pelo crime de lavagem de capitais.

Nesse sentido, manifestou-se o Ilustre Procurador Regional da República:


A acusação descreveu com bastante detalhe o eixo fundamental do crime de lavagem de dinheiro: a existência de um crime antecedente com a participação do apelante e a posterior movimentação de recursos e aquisição de bens sem causa aparente, no que exsurgindo a perspectiva da proveniência criminosa dos bens. Era o suficiente. Se de fato as coisas aconteceram como descrito na imputação é matéria de mérito, não se ressentindo a denúncia do vício apontado.
Com relação ao tema da cooperação penal internacional o recurso de apelação defende uma visão bastante retrógrada do estágio atual da matéria, chegando ao ponto de dizer que para o reconhecimento do crime antecedente no exterior seria necessário submeter a respectiva sentença paraguaia ao procedimento de homologação de sentença estrangeira! Ora, o que afeta a soberania dos países não é a equivocada suposição de uma interferência da justiça estrangeira em assuntos domésticos, mas sim a enorme dificuldade que os países, todos os países, tem de fazer frente à criminalidade transnacional (...). No caso dos autos, aliás, se tratou apenas de informar a República brasileira da existência de um processo criminal no exterior contra o apelante, o que dispensava, pela própria natureza da informação, qualquer outra formalidade. É o que reza aliás o Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais ajustados entre o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Dispõe o art. 25: "Os documentos emanados de autoridades judiciais ou do Ministério Público de um Estado Parte, que devem ser apresentados ao território de outro Estado Parte, que devem ser apresentados ao território de outro Estado Parte, e tramitem por intermédio das Autoridades Centrais, ficam dispensados de toda a legalização ou outra formalidade análoga". O presente instrumento foi internalizado através do Decreto 3.468, de 17 de maio de 2000 (fls. 68/80, vol. I, Inquérito Policial). Em consequência tem plena validade as informações vindas do Poder Judiciário Paraguaio sobre a participação do apelante no crime ocorrido no Aeroporto Internacional "Silvio Pettirossi", em 04 de agosto de 2000, na cidade de Luque, naquele país, conforme descrito no documento de fls. 51/64 do Vol, do Inquérito Policial.
É importante anotar, ademais, que a circunstância de não haver notícia da condenação definitiva do apelante pelo roubo ocorrido no Paraguai não constituía qualquer óbice para o processamento da presente ação penal, visto que o art. 2º, II, da Lei 9613/98, na sua redação originária, dispunha que o processo e o julgamento do crime de lavagem de dinheiro "independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país" (fls. 783v./785)

Preliminar que se rejeita.

Competência. Justiça Federal. Conexão instrumental ou probatória. A competência será determinada pela conexão probatória ou instrumental quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração (CPP, art. 76, III).

A conexão instrumental ocorre quando dois ou mais fatos apresentam uma relação de interdependência, motivada por uma profunda ligação de coisas ou situações que lhes sejam comuns:


EMENTA: 'HABEAS CORPUS' - PROCESSO PENAL - ROUBO QUALIFICADO E MOEDA-FALSA - CONEXÃO INSTRUMENTAL - CRIMES SUBMETIDOS À COMPETÊNCIA DE JUSTIÇAS DIVERSAS - JUSTIÇA FEDERAL E ESTADUAL - NATUREZA ESPECIAL DA JUSTIÇA FEDERAL - ARTIGO 76, III, DO CPP - APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 122 DO STJ - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PRORROGADA PARA O JULGAMENTO DO CRIME DE ROUBO QUALIFICADO - ORDEM DENEGADA.
1. Uma vez que a prisão em flagrante do paciente, pela prática do crime de moeda falsa, encontra-se intimamente ligada à prova da materialidade do crime de roubo que lhe foi irrogado, supostamente cometido dias antes de sua prisão, conclui-se que há conexão instrumental entre as condutas delituosas.
2. Conforme se extrai dos elementos coligidos nos autos, foi em abordagem realizada por policiais militares paulistas - através da qual se logrou surpreender o paciente portando 03 (três) cédulas falsas de R$ 10,00 (dez reais) - que também se descobriu, no forro de sua jaqueta, prova relativa à materialidade do roubo registrado junto ao 10º Distrito Policial desta Capital.
3. A conexão instrumental se verifica quando dois ou mais fatos apresentam um liame de dependência recíproca, em razão de uma sensível intersecção de coisas ou situações que lhes sejam comuns. Em virtude da magnitude deste elo, entende o legislador ser necessário que os crimes conexos sejam submetidos a julgamento em um mesmo processo, sob o comando de um único magistrado, a fim de que restem preservadas a segurança e a estabilidade jurídica dos pronunciamentos jurisdicionais.
4. E é este o caso dos autos, pois a separação dos crimes para processamento e julgamento perante esferas jurisdicionais distintas, além de se mostrar contraproducente sob o aspecto da eficácia das provas a serem apresentadas, rende ensejo ao advento de sentenças contraditórias, o que acarretaria situação de indisfarçável insegurança jurídica.
5. Por tais motivos, o paciente deve ser julgado pelo crime de roubo perante a Justiça Federal, prorrogando-se excepcionalmente sua competência, em virtude do caráter especial que possui em relação à Justiça Estadual. Aplicação da Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça. 6. Ordem denegada.
(TRF da 3a Região, 5ª Turma, HC n. 2002.03.00.052628-4-SP, Rel. Des. Federal Ramza Tartuce, por maioria, j. 18.08.03, DJ 17.09.03, p. 514)

Do caso dos autos. A defesa sustenta que a Justiça Federal é incompetente para processar e julgar o presente feito, tendo em vista que o bem jurídico atingido com a lavagem de capitais não se encontra expresso no art. 2º, III, a, da Lei n. 9.613/98 e o crime antecedente está sendo processado perante o MM. Juízo Estadual da 2ª Vara Criminal de Campo Grande (MS).

Não lhe assiste razão.

O crime antecedente do delito de lavagem de dinheiro restou esclarecido como sendo aquele que o art. 1º, VII, da Lei n. 9.613/98, na redação anterior à Lei n. 12.683/12, indicava:


Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
(...)
VII - praticado por organização criminosa.

No presente caso, a prática pela organização criminosa, integrada pelo acusado, do delito de roubo na cidade de Luque (Paraguai) tem evidente conexão com a ocultação dos valores provenientes do crime no Brasil.

O art. 2.º, III, a e b, da Lei n. 9.613/98 dispõe sobre a competência da Justiça Federal nos crimes de lavagem de capitais:


Art. 2º. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei:
(...)
III- são da competência da Justiça Federal:
a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas;
b) quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça Federal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

A lavagem transnacional de capitais relatada nestes autos é matéria afeta aos interesses da União, sendo, portanto, da competência da Justiça Federal, conforme estabelece o art. 109, IV e V, da Constituição da República de 1988:


Art.109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente.

O interesse da União, nesse caso, é ainda revelado por diversos atos internacionais firmados pelo Brasil para repressão da lavagem de capitais, conforme ressaltou o MM. Magistrado a quo:


a) Convenção de Palermo, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12.03.04;
b) Convenção de Viena, promulgada pelo Decreto n.º 154, de 26.06.91;
c) Convenção de CODE (Conselho da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento), promulgada pelo Decreto n.º 3.678, de 30.11.2000 (Corrupção Internacional);
d) Convenção de Mérida, também sobre corrupção internacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.687, de 31.01.06 (fl. 620v.)

Nesse sentido, manifestou-se o Ilustre Procurador Regional da República:


Da alegação de incompetência da justiça federal: o crime de lavagem de dinheiro possui uma estrutura complexa por que dependente da existência de um crime antecedente cujos recursos são objeto do processo de "branqueamento de capitais". Visto por essa ótica o crime objeto dos autos na sua unidade conceitual é inequivocadamente de natureza transnacional já que o delito de lavagem de dinheiro é o produto mais bem acabado da chamada internacionalização do direito penal (Convenção de Viena, Convenção de Palermo, Convenção de Mérida), atraindo portanto a competência da justiça federal, como previsto no art. 109, V, da CF.
(...)
Daí não poder prevalecer a tese defendida no apelo de que em razão do crime antecedente (roubo) ser da competência da justiça estadual, a mesma seria competente para o processo de lavagem de dinheiro. Poderia eventualmente assistir alguma razão à apelação se o delito tivesse sido praticado em território brasileiro, mas na medida em que o processo de lavagem concretizado nestes autos revela uma evidente natureza transnacional impõe-se a competência da justiça federal como determina a Constituição da República (fls. 784v./785)

Preliminar que se rejeita.

Materialidade. A materialidade do delito encontra-se devidamente demonstrada pelos seguintes documentos:

a) dossiê integrado da Secretaria da Receita Federal, elaborado em 19.09.06, descritivo das movimentações financeiras e transações imobiliárias em nome do acusado, apurado o seguinte:
Total das movimentações financeiras:
Ano 2002: R$ 48.005,23 (quarenta e oito mil, cinco reais e vinte e três centavos);
Ano 2003: R$ 328.623,63 (trezentos e vinte e oito mil, seiscentos e vinte e três reais e sessenta e três centavos);
Ano 2004: R$ 636.994,69 (seiscentos e trinta e seis mil, novecentos e noventa e quatro reais e sessenta e nove centavos);
Ano 2005: R$ 810.759,32 (oitocentos e dez mil, setecentos e cinquenta e nove reais e trinta e dois centavos);
Ano 2006: R$ 232.001,29 (duzentos e trinta e dois mil um reais e vinte e nove centavos)
Dados das Transações Imobiliárias:
Data: 01.12.00 - Valor: R$ 545.434,99 (quinhentos e quarenta e cinco mil quatrocentos e trinta e quatro reais e noventa e nove centavos) - Transação: aquisição - Forma de Pagamento: à vista - Tipo: Fazenda - Complemento: Rincão das Lagoas - Município: Ponta Porã (MS);
Data: 06.02.03 - Valor: R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) - Transação: aquisição - Forma de Pagamento: à vista - Tipo: Prédio residencial - Município: Dourados (MS) (fls. 4/14 do Apenso I)
b) Declarações de Imposto de Renda Pessoa Física do acusado, referentes aos anos 2001 a 2005 (fls. 15/34 do Apenso I), tendo a Autoridade Policial salientado que "das declarações de imposto de renda pessoa física, verificou-se que ele declarou que, no ano 2000 (ano em que foi adquirida a propriedade rural e outros bens), ele teve RENDIMENTOS ISENTOS E NÃO TRIBUTÁVEIS (TRANSFERÊNCIAS PATRIMONIAIS-DOAÇÕES, HERANÇAS, MEAÇÕES, E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONJUGAL OU UNIDADE FAMILIAR), no valor de R$ 700.000,00, valor esse que justificaria a aquisição de patrimônio de R$ 693.494,99 (R$ 545.434,99 - Fazenda Rincão das Lagoas; R$ 46.500,00 - Veículo Ford F-4000; e R$ 101.560,00 - disponibilidade em caixa)" (fl. 204);
c) escritura pública de compra e venda, datada de 01.12.00, referente à fazenda denominada Rincão das Lagoas, localizada em Ponta Porã (MS), pela quantia de R$ 545.434,99 (quinhentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e trinta e quatro reais e noventa e nove centavos), em que figurou como comprador Edison Alvares de Lima e vendedores Salim Derzi e Edy Marques Derzi (fls. 163/164).

Nos autos de Medidas Assecuratórias n. 2006.60.05.000398-8, a União requereu o sequestro dos bens do acusado encontrados em território brasileiro, a fim de atender à solicitação da Justiça paraguaia, com fundamento no Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais, assinado pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai (fls. 2/16). Nesse requerimento, foi informado o seguinte:


Encontra-se com trânsito em julgado perante a Justiça da República do Paraguai a causa criminal nº A.I. Nº 12, denominada "Edison Alvares de de Lima, Oscar Celestino Ojeda, Roberto Bachillet Gonzalez, Juan Pablo Ortigoza Samudio, Andrés Quintin Medina, Carlos Morinigo Paredes, Adriana Acosta Alegre, Wilfrida Beaufort Vda. De Ojeda, Justina Roman Vda. De Acevedo, com relação a roubo qualificado, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Os indigitados sujeitos foram condenados, com sentença transitada em julgado, pela justiça daquele país em razão de roubo perpetrado em 04 de agosto de 2000 no interior do Aeroporto Internacional "Silvio Pettirossi", na cidade de Luque, República do Paraguai, pelo qual os agentes, em comunhão de propósitos, mediante o emprego de armas de fogo, adentraram na área destinada ao carregamento de aeronaves e subtraíram, mediante grave ameaça, cinco das sete sacolas que estavam sendo transportadas pela firma transportadora de valores PROSEGUR S.A. para o interior da aeronave da empresa aérea TAM MERCOSUR.
Os referidos valores roubados, totalizando US$ 11.132.100,00 (onze milhões, cento e trinta e dois mil cem dólares americanos), eram provenientes dos bancos Continental, Aleman, ABN AMRO Bank, Amambay, Citibank, Sudameris e Banespa, todos localizados na cidade de Assunção, destinavam-se ao Banco HSBC localizado na cidade de Nova York, Estados Unidos da América.
(...)
Dentre os condenados pela prática do delito encontra-se o brasileiro EDISON ALVARES DE LIMA, o qual encontra-se foragido da justiça paraguaia, tendo contra si mandado de prisão preventiva expedida pelas autoridades judiciais daquele país.
(...)
Em razão de o decreto de prisão preventiva do acusado EDISON ALVARES DE LIMA todavia encontrar-se em vigor, foi expedida ordem de captura internacional via INTERPOL contra o indigitado sujeito (...).
Em razão da alta probabilidade de o acusado encontrar-se em território brasileiro, haja vista possuir residência nas cidades de Dourados e Ponta Porã, no Estado de Mato Grosso do Sul, foi informado à justiça paraguaia que a Constituição Brasileira veda a extradição de brasileiros natos, tornando inviável o pedido extradicional daquele país.
Diante da impossibilidade de extradição do condenado, foi solicitado pela justiça paraguaia que a referida sentença fosse submetida aos trâmites homologatórios no Brasil, a fim de que a ação criminosa não ficasse impune (...) (fls. 9/10).

Consta, ainda, de decisão proferida pela Justiça paraguaia:


(...) o imputado EDISON ALVARES DE LIMA já contaba com ordem de captura pendente do Ministério Publico Fiscal assim como a declaração de RÉU REBELDE E CONTUMAZ AOS MANDATOS DA JUSTIÇA PARAGUAIA (...) (fl. 65)

O MM. Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande (MS) ordenou o sequestro de todos os bens movéis e imóveis, veículos e semoventes, encontrados no Brasil, em nome do acusado (fl. 97).

O acusado propôs reclamação no Superior Tribunal de Justiça, à qual foi negado seguimento. Insurgiu-se contra essa decisão, sustentando a necessidade de concessão de exequatur e a impossibilidade de dar cumprimento à diligência ou à prática de atos requeridos por Estado estrangeiro com base apenas em Acordo de Cooperação Mútua Internacional, decorrendo daí a usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça (Constituição da República, art. 105, I, i). Foi deferida medida liminar para obstaculizar atos expropriatórios relativos aos bens do acusado (fls. 331/334).

A despeito do pedido de sequestro formulado pela Justiça Paraguaia, voltado à garantia dos prejuízos lá ocasionados pela prática do crime de roubo, entre outros (Medidas Assecuratórias n. 2006.60.05.000398-8), nestes autos, o Ministério Público Federal formulou pedido de sequestro de determinados bens do acusado, em decorrência da prática de lavagem de dinheiro em território brasileiro, com fulcro no art. 4º da Lei n. 9.613/98, sendo deferida a medida pelo MM. Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande (MS) (fls. 475/477).

Foi juntado aos autos acórdão proferido no Habeas Corpus n. 105.905/MS, em que o Supremo Tribunal Federal afastou ato de constrição implementado pelo MM. Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande (MS) (fls. 789/796).

Posteriormente, foi instaurado o IPL n. 310/06-SR/DPF/MS, perante o MM. Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande (MS), com o fim de apurar a prática do crime de lavagem de dinheiro pelo acusado, em relação ao qual foi distribuído por dependência o Pedido de Quebra de Sigilo de Dados n. 2006.60.00.006207-9, em que foi decretada quebra do sigilo bancário e fiscal do acusado, acolhida representação da Autoridade Policial (fls. 110/115).

Foi juntado aos autos do IPL n. 310/06-SR/DPF/MS termo de declarações do acusado perante o 2º Distrito Policial de Ponta Porã (MS), datada de 04.08.00, relacionadas ao testemunho de ocorrência de trânsito, na mesma cidade, com data de 29.06.00, envolvendo atropelamento de ciclista. Consta que o acusado não atendeu à primeira intimação para comparecimento na Polícia (fl. 261).

No Relatório do IPL n. 310/06-SR/DPF/MS, a Autoridade Policial assinalou os acontecimentos apurados cronologicamente:


a) o roubo dos US$ 11 milhões no país vizinho deu-se em 04/08/2000;
b) EDISON registrou a suposta entrada de R$ 550 mil em território nacional na data de 29/11/2000 (fl. 256). Ocorre que EDISON já encontrava-se no Brasil em abril de 2000 (fl. 254). Pode-se concluir que o investigado transitava com frequência entre o Brasil e o Paraguai;
c) dois dias após declarar a entrada dos R$ 550 mil, EDISON efetivou a compra da fazenda Rincão da Lagoas (01/12/2000), pela qual teria pago, à vista e em dinheiro, a exata quantia de R$ 545.434,99 (fls. 163/164);
d) EDISON deixou de apresentar-se à Polícia Civil de Ponta Porã, na data em que foi intimado à testemunhar sobre um acidente ocorrido em 29/06/2000 (fls. 260), e, de forma conveniente, teria se apresentado no exato dia em que ocorreu o roubo no Paraguai (fl. 262) (destaques originais, fls. 282/283)

A Secretaria da Receita Federal do Brasil informou não constar registro em sistema da Declaração de Porte de Valores referente à entrada de R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais) em nome do acusado (fl. 530).

A Seção de Administração Aduaneira - SAANA da Receita Federal do Brasil em Ponta Porã (MS) informou que "não consta Declaração de Porte de Valores no ano de 2009 para o Sr. EDISON ALVAREZ DE LIMA" (fl. 560).

A Delegacia da Receita Federal do Brasil em Campo Grande (MS) informou que "a Delegacia da Receita Federal do Brasil de Campo Grande não possui registros em papel de DPV (Declaração de Porte de Valores) da época requerida (29/11/1998 a 29/11/2002) e que o sistema informatizado de DPV teve início em 2008, portanto, não abrange o período citado" (fl. 566).

Autoria. A autoria delitiva está satisfatoriamente demonstrada.

Ouvido perante a Autoridade Policial, em 06.03.09, o acusado Edison Álvares de Lima declarou que adquiriu a fazenda Rincão das Lagoas, em Ponta Porã (MS), no ano de 1998 e desde então se dedica à agricultura no local. Afirmou que comprou referido imóvel pelo valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) de Salim Derzi. Aduziu que antes da transação, residia no Paraguai, onde se dedicava ao ramo de secos e molhados, além de comprar e vender gado. Aduziu que, nos últimos 10 (dez) anos, recebeu em média R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) anuais líquidos, a depender da lavoura, qualidade da safra e preços praticados. Informou que sua receita anual bruta é de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Relatou que a fazenda Rincão das Lagoas foi adquirida com valores originários da venda de seu comércio no Paraguai e com valores pertencentes a sua esposa Justina Roman, de nacionalidade paraguaia. Alegou que não recebeu nenhuma quantia proveniente de doação ou herança a que corresponda a declaração de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) no seu imposto de renda pessoa física de 2000. Referiu que possui documento representativo da entrada de R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais) no Brasil, emitido pela Receita Federal. Confirmou que, em 06.02.03, adquiriu casa no loteamento Jardim Itaipu em Dourados (MS), onde atualmente reside, pelo valor de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais), mediante o pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais), com recursos próprios, e o restante em cabeças de gado. Afirmou que é proprietário da Fazenda Rincão e da casa localizada no loteamento Jardim Itaipu, bem como da caminhonete Ford F-250, ano 2003, do veículo GM Vectra, ano 2000 e da motocicleta Yamaha XT600. Negou envolvimento em roubo no aeroporto de Luque (Paraguai), no dia 04.08.00. Disse que foi ele próprio quem elaborou a declaração de ajuste anual referida (fls. 219/220).

Reinterrogado na fase inquisitorial, em 15.07.10, o acusado declarou que adquiriu fazenda em Ponta Porã (MS), em dezembro de 2000. Disse que aludido imóvel foi objeto de sequestro em razão de roubo praticado no Paraguai, em 04.08.00. Reiterou que não teve qualquer participação naqueles fatos, sendo envolvido por corrupção da polícia paraguaia. Relatou que sua esposa possuía caminhonete Mitsubishi, que foi roubada e, posteriormente, localizada na posse de Autoridade Policial e que tentou recuperar o veículo, quando passou a ser ameaçado pela polícia, ao que reputa tenha sido incriminado pelo crime de roubo. Alegou que reportou as ameaças sofridas à embaixada e a órgão de direitos humanos no Paraguai, o que desencadeou a intensificação das perseguições e motivou a alteração de sua residência para o Brasil. Informou que ele, sua esposa e filho juntaram suas economias e mudaram-se para o Brasil, com R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais), cujo porte foi declarado à Receita Federal em 29.11.00. Disse que utilizou mencionada quantia para a compra da fazenda Rincão das Lagoas. Afirmou que seu patrimônio é fruto dos rendimentos de 20 (vinte) anos de trabalho em Assunção (Paraguai). Narrou que em abril de 2000 dirigiu-se a Ponta Porã (MS) e alugou casa, antes de seu estabelecimento definitivo no Brasil. Disse que, atualmente, se dedica à agricultura (fls. 252/253). Anexou aos autos Declaração de Porte de Valores (fl. 255).

Reinterrogado na Polícia, em 08.10.10, confirmou o teor das declarações anteriormente prestadas. Informou as testemunhas que poderiam comprovar que se encontrava no Brasil em 04.08.00. Disse que não foi condenado perante a Justiça paraguaia, tampouco perante a Justiça Estadual de Campo Grande (MS), quanto ao crime de roubo. Relatou que há processo por falsidade ideológica, que não gerou sua prisão, referente a compras efetuadas no interior de São Paulo (SP) com o uso de seu nome (fls. 267/270).

Interrogado em Juízo, o acusado declarou que morou em Assunção (Paraguai), cidade adjacente a Luque (Paraguai), de 1978 a 1999, exercendo atividades profissionais em mercado local. Disse que tais atividades eram, em parte, contabilizadas. Referiu que é companheiro de Justina, acusada da prática do roubo no aeroporto de Luque (Paraguai). Alegou que não participou desse roubo, tampouco conhece qualquer dos envolvidos. Afirmou que é proprietário da fazenda Rincão das Lagoas, que adquiriu pelo valor de R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais), em 2 (duas) prestações, 1 (uma) entrada e o restante no ato da escritura. Relatou que esse montante era proveniente de seu trabalho no Paraguai, sendo, em parte, pertencente também a sua companheira Justina e filhos dela. Informou que trouxe esse valor em espécie, aos poucos, para o Brasil, utilizando-se também de transferências bancárias realizadas pelo Banco do Paraná, onde sua companheira mantinha conta. Declarou que a propriedade Rincão das Lagoas tem 4 (quatro) matrículas, cujas terras encontram-se avaliadas em R$ 8.000,00 (oito mil reais) por hectare e totalizam 683,5ha (seiscentos e oitenta e três e meio hectares). Confirmou que comprou 1 (um) imóvel urbano em Dourados (MS). Esclareceu que os valores movimentados em conta bancária entre 2002 e 2006, que superaram R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), provinham do plantio e de empréstimos bancários. Disse que atualmente deve R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) para o banco, em razão de oscilações nas safras, com vencimento em 2015. Relatou que construiu apenas cercado e barracão na mencionada fazenda. Aduziu que possui 1 (um) Ford, 1 (um) Vectra e 1 (uma) motocicleta Yamaha. Declarou que responde a 3 (três) processos criminais: lavagem de dinheiro (estes autos), roubo e falsidade. Disse que não foi processado ou condenado no Paraguai. Alegou que trabalhava com açougues no Brasil, antes de mudar-se para o Paraguai. Relatou que possui documentação comprobatória da atividade econômica exercida no Paraguai. Narrou que negociou a fazenda Rincão das Lagoas diretamente com seu antigo proprietário, Salim Derzi. Confirmou que declarou à Receita Federal os valores que portava ao regressar ao País, equivalentes aos R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais) utilizados na compra da fazenda, conforme orientação recebida de contador. Disse que o faturamento decorrente da exploração da Rincão das Lagoas alcançou R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e que o rendimento foi aplicado em cabeças de gado, veículos e imóvel urbano já referido. Negou exercício atual de qualquer atividade profissional no Paraguai. Afirmou que se mudou para o Brasil porque sofria constantes ameaças da Polícia paraguaia, em razão de ter localizado carro roubado pertencente a sua companheira na posse de policiais. Alegou que procurou a embaixada brasileira e a central de direitos humanos para prestar declarações sobre tais ameaças e obter documento que o salvaguardasse. Aduziu que se dirigiu à Receita Federal para obter versão legível da declaração de porte de valores juntada aos autos. Declarou que, no dia 04.08.00, dia do roubo na cidade de Luque (Paraguai), encontrava-se na Delegacia de Polícia, onde prestava declarações como testemunha de ocorrência de trânsito. Declarou que, no dia da referida ocorrência, houve comunicação verbal para comparecer à Delegacia de Polícia e que se esqueceu de atender à ordem, comparecendo apenas em 04.08.00, em cumprimento a intimação (fl. 508 e mídia à fl. 509).

Na fase policial, Maria Teixeira de Oliveira Soto, signatária da escritura de venda da fazenda Rincão das Lagoas, como testemunha, disse que não teve contato com o comprador do imóvel, não se recordando do valor pago na transação ou a forma de pagamento. Declarou que sabia tratar-se de pessoa de fora do Estado, talvez de São Paulo (fls. 197/198).

Na fase policial, Sandra Brandão Derzi Resende, signatária da escritura de venda da fazenda Rincão das Lagoas, como testemunha, disse que o imóvel pertencia aos seus tios Edy Marques Derzi e Salim Derzi e localizava-se em Ponta Porã (MS). Declarou que a transação se deu no ano de 2000. Afirmou que não conheceu o comprador, tampouco soube o valor da transação e a forma de pagamento (fl. 201).

Em Juízo, a testemunha Edivaldo Bezerra de Oliveira declarou que trabalhou nas investigações do crime antecedente de lavagem de capitais, afirmando que o acusado foi condenado pela prática de roubo no Paraguai. Disse que o acusado justificou que realizava atividade lícita, na condição de agricultor, não sendo efetuadas diligências in loco para verificação. Aduziu que foi constatada a aquisição de bens pelo acusado, no Brasil, em data posterior ao aludido roubo. Relatou que o acusado procurou justificar a origem lícita da propriedade de terras rurais mediante documentos de veracidade controvertida. Referiu que não houve diligências para confirmação da existência do imóvel rural. Narrou que o acusado disse que os valores introduzidos no Brasil decorriam de seu trabalho no Paraguai e, em parte, de herança recebida pela sua companheira, sem adicionar elementos que corroborassem tais alegações. Relatou que há pedido de cooperação jurídica do Paraguai e que acredita que exista nos autos sentença condenatória da Justiça paraguaia, com trânsito em julgado, em desfavor do acusado. Declarou que o crime de roubo foi praticado por organização criminosa. Informou que a declaração de porte de valores é preenchida pela pessoa interessada, não sendo conferidos os dados declarados pela Receita Federal (fl. 501 e mídia à fl. 502).

Em Juízo, a testemunha Jean Clayton Peixoto de Albuquerque declarou que o acusado estava no Brasil no ano de 2000 e prestou declarações como testemunha em Ponta Porã (MS), nada esclarecendo sobre o acidente de trânsito relacionado. Negou conhecimento sobre participação do acusado em roubo na cidade de Luque (Paraguai), no ano de 2000. Disse que o acusado possui a fazenda Rincão das Lagoas em Ponta Porã (MS), onde presta serviços técnicos na lavoura. Disse que não acompanhou a aquisição dessa fazenda. Relatou que trabalha na fazenda do acusado desde 2003 ou 2004 (fl. 545 e mídia à fl. 569).

Em Juízo, a testemunha Ilzo da Silva Martins declarou que conhece o acusado desde 1987. Afirmou que encontrou com o acusado no ano de 2000, no açougue Moura Filho. Disse que o acusado comentou que foi testemunha em acidente de trânsito. Negou conhecimento sobre a participação do acusado em roubo na cidade de Luque (Paraguai), no ano de 2000. Disse que o acusado possui fazenda na cidade de Ponta Porã (MS) e é cliente do seu comércio desde 2000 ou 2001. Relatou que, em 1987, o acusado trabalhava em açougue, na cidade de Ponta Porã (MS). Aduziu que não acompanhou a compra da fazenda pelo acusado, desconhecendo outros bens a ele pertencentes. Disse que desconhece as atividades profissionais exercidas pelo acusado enquanto morou no Paraguai (fl. 545 e mídia à fl. 569).

As versões apresentadas pelo acusado são controvertidas: inquirido perante a Autoridade Policial, em 06.03.09, disse que adquiriu a fazenda Rincão das Lagoas em 1998 e, em 15.07.10, disse que a adquiriu em dezembro de 2000 e que alugou casa no Brasil em abril de 2000.

Considerando tenha adquirido a fazenda apenas em dezembro de 2000 (cfr. escritura pública de compra e venda, fls. 163/164), extrai-se de suas declarações estivesse em constante tráfego entre Assunção (Paraguai) e Ponta Porã (MS) naquele ano, não sendo suficiente a juntada de termo de declarações do acusado perante o 2º Distrito Policial de Ponta Porã (MS), com data de 04.08.00, relacionadas ao testemunho de ocorrência de trânsito de 29.06.00, para que se conclua não estivesse envolvido no roubo no aeroporto de Luque (Paraguai). Causa estranheza não tenha comparecido à Polícia para relatar o acidente de trânsito em questão por ocasião da primeira intimação, com data de 24.07.00 (fl. 256), mas apenas em 04.08.00, data do roubo.

Decorre do relato do acusado que era dono de comércio em Assunção (Paraguai) e que os valores empregados na compra da fazenda Rincão das Lagoas, provenientes dos rendimentos desse trabalho e de recursos pertencentes a sua convivente e aos filhos dela, foram transportados em espécie e por intermédio de transferência bancária. Como introduziu em território nacional o montante de R$ 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil reais), em espécie, em 29.11.00 (cfr. Declaração de porte de valores, fl. 255), originário das economias de seu negócio e de seu grupo familiar, infere-se que, até a véspera, tenha residido no Paraguai, o que é corroborado pelo fato de ter declarado seu endereço no País vizinho no ato da lavratura da matrícula da aludida propriedade rural, em 12.12.00 (Matrículas ns. 8262, 7595, 32.917, 8300, às fls. 19, 22, 23v. e 26v.).

A aquisição da mencionada fazenda pela quantia declarada de R$ 545.434,99 (quinhentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e trinta e quatro reais e noventa e nove centavos), com pagamento do valor integral à vista, em 01.12.00, dois dias após seu ingresso no Brasil, revela a intenção do acusado de desvincular o dinheiro paraguaio de sua procedência delituosa, conferindo-lhe aparência lícita, no Brasil.

Admite-se tenha o acusado declarado porte de valor diverso daquele que efetivamente introduziu no Brasil, em 29.11.00, bem como tenha realizado outros transportes de valores além deste único noticiado nos autos, tendo em vista sua facilidade de deslocamento entre os dois países, as circunstâncias do patrimônio adquirido no Brasil, além das crescentes e expressivas movimentações financeiras constantes de suas declarações de imposto de renda até o ano de 2006. Pesa dúvida também quanto aos valores declarados dos dois imóveis do acusado, como acertadamente assinalou o MM. Magistrado a quo:


É óbvio que a Fazenda Rincão das Lagoas não custou apenas R$ 545.000,00, como consta das escrituras (fls. 18/27 e 163/164 e versos)(...).
Quando interrogado em 15.09.11, o réu informou que um hectare estava valendo R$ 8.000,00 (oito mil reais), com as benfeitorias (...).
As escrituras registram o preço de R$ 545.000,00, que, dividido por 683 hectares, resulta em R$ 797,00 cada hectare.
Isto significa dizer que um hectare, segundo o próprio réu, pulou de R$ 797,00 (setecentos e noventa e sete reais) para R$ 8.000,00 (oito mil reais), apresentando um aumento de 1.003,76%.
(...)
R$ 8.000,00 vezes 683 há resultam em R$ 5.464.000,00.
Deflacionando os R$ 5.464.000,00, que são o valor (em setembro/2011) da propriedade, mediante a aplicação do índice inflacionário do período de 01.12.2000 a 30.08.2011, haverá o valor de R$ 2.292.453,00, que é, no mínimo, o que deve ter custado, para o réu, a Fazenda Rincão das Lagoas em 01.12.00.
Na verdade, o hectare, na região, Distrito de Laguna Caarapã (ou Lagunita), região eminentemente agrícola e pecuária, deve valer, hoje, entre 10 e 15 mil reais. Este juízo tem sequestrados, naquela parte do Estado, vários imóveis rurais. A área do réu é muito bem localizada.
A única explicação está no ingresso de uma importância muito maior do que os R$ 550.000,00 objeto da declaração de porte de fls. 256. Já ficou assentado que o réu, segundo seu depoimento em juízo, foi trazendo aos poucos dinheiro do Paraguai.
Anoto que o réu, em fevereiro de 2003, conforme escritura de fls. 134 e verso, adquiriu uma bela residência em Dourados/MS, com área construída de 273,94 m² num terreno de 600 m². Da escritura consta que pagou R$ 80.000,00, mas o próprio denunciado, no final de fls. 220, diz que pagou aproximadamente R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais), que, hoje, pelo IGP-M, correspondem a R$ 267.778,07. A Prefeitura, na época, avaliava o imóvel em R$ 125.000,00, para fins de ITBI (fls. 13 do apenso I). Sabe-se que o valor para fins de ITBI é muito abaixo do valor de mercado. Na verdade, o imóvel tem 472 m² de área construída. Foi avaliado pela Justiça Federal nos autos de sequestro (0005171-72.2011.403.6000) em R$ 699.552,00. Trata-se de bela residência, um sobrado (fls. 52 e 54/55 do sequestro) (fls. 630/631)

Não houve comprovação nos autos das alegadas ameaças dirigidas contra o acusado pela Polícia paraguaia, que teriam motivado seu retorno ao Brasil. Tampouco foram juntados elementos indicativos do exercício de atividade profissional lícita no Paraguai, no ramo de secos e molhados, ou do exercício de atividade agropecuária lucrativa na fazenda Rincão das Lagoas que pudesse justificar a intensa movimentação financeira realizada pelo acusado até o ano de 2006, o que fora também acentuado pela testemunha Edivaldo Bezerra de Oliveira, que acompanhou as investigações.

Quanto ao regresso definitivo do acusado ao Brasil, no ano de 2000, os depoimentos da testemunha Jean Clayton Peixoto de Albuquerque, que iniciou prestação de serviços na fazenda do acusado apenas em 2003 ou 2004, e da testemunha Ilzo da Silva Martins, que o encontrou certa vez em açougue naquele ano, evidenciam-se isolados nos autos. Consoante mencionado supra, extrai-se do conjunto probatório que o acusado residia no Paraguai ao tempo do roubo ao aeroporto de Luque (Paraguai) até, pelo menos, seu ingresso no Brasil em 29.11.00, quando decidiu constituir patrimônio para ocultar proveito econômico obtido com a prática criminosa no País vizinho.

Os depoimentos das testemunhas Maria Teixeira de Oliveira Soto e Sandra Brandão Derzi Resende, ambas signatárias da escritura de venda da fazenda Rincão das Lagoas, tampouco favorecem o acusado, tendo em vista que não forneceram esclarecimentos sobre a transação desse imóvel.

Controvertido, ainda, o recebimento de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) pelo acusado, a título de doação ou herança, no ano de 2000, constantes de sua declaração de imposto de renda, que ele próprio negou em interrogatório policial.

Acrescente-se que a companheira do acusado, Justina Roman, também foi processada pela Justiça paraguaia, na Causa A.I. n. 12, por envolvimento no roubo ao aeroporto da cidade de Luque (Paraguai), não tendo o acusado negado seu envolvimento com ela.

Restaram satisfatoriamente demonstradas a materialidade, a autoria e o dolo do acusado na prática do delito de lavagem de capitais, sendo de rigor a manutenção da sentença condenatória pela prática do delito do art. 1º, VII e § 1º, I, da Lei n. 9.613/98.

Atipicidade da conduta definida como crime antecedente. Inocorrência. A defesa considera atípica a conduta definida como crime antecedente, tendo em vista que a legislação brasileira não tipificava o crime de organização criminosa, na época dos fatos, de acordo com o entendimento expresso no Habeas Corpus n. 96.007 do Supremo Tribunal Federal.

Refere que o Supremo Tribunal Federal, que vinha entendendo que o Decreto Presidencial n. 5.015/2004 seria suficiente para conceituar organização criminosa para fins de aplicação da Lei n. 9.613/98, posicionou-se contrariamente com o Habeas Corpus n. 96.007.

Alega que o Decreto Presidencial n. 5.015/2004 incide para crimes praticados em data posterior ao início de sua vigência e a denúncia narra que o crime antecedente teria sido praticado no ano de 2000, não podendo retroagir para alcançá-lo.

Assinala que, não obstante a Lei n. 12.683, de 09.07.12 tenha alterado a Lei n. 9.613/98, suprimindo os incisos do art. 1º que previam os crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, vigia à época dos fatos a antiga redação, que os enumerava.

Ressalta que a aplicação da Lei n. 12.683/12 ao caso dos autos, em prejuízo do acusado, implicaria em indevida novatio legis incriminadora.

Tais assertivas não prosperam.

O crime antecedente do delito de lavagem de dinheiro restou devidamente esclarecido como sendo aquele indicado no art. 1.º, VII, da Lei n. 9.613/98 (crime praticado por organização criminosa):


(...) em Agosto 04, do ano 2000, aproximadamente as 17:45 horas no interior do Aeroporto Internacional "Silvio Pettirossi", especificamente na plataforma ao lado da manga nº 2, teve lugar a comissão da acçao punível de roubo agravado em prejuiço do Banco H.S.B.C. da cidade de Nova Yorke dos Estados Unidos de Norte América, oportunidade que cinco indivíduos todos com uniforme de camuflagem, cara pintada, irromperam sorpresivamente no lugar no preciso instante que a firma transportadora de valores "PROSEGUR S.A." esteve trasladando o dinheiro á abóbada da aeronave da linha aérea TAM MERCOSUR, que encontraba-se preparada para partir; o dinheiro esteve distribuído em sete sacolas, todas numeradas e atadas para conduzi-lo a destino final: o nomeado Banco S.B.C. Os cinco sujeitos todos armados intimaram e obrigaram aos guardas de segurança do Aeroporto Internacional "Silvio Pettirossi" e ao pessoal de segurança da aeronave para não opor resistência e assim lograram apoderar-se de cinco das sete sacolas que contiam valores na soma de (ONZE MILHOES CENTO TRINTA E DOIS MIL CEM DÓLARES AMERICANOS) US$ 11.132.100 - dinheiro que fora retirado dos Bancos CONTINENTAL, ALEMÁN, A.B.N, AMRO BANK, AMAMBAY, CITIBANK, SUDAMERIS e BANESPA, todos de Assuncion, Capital da República do Paraguai. Os cinco sujeitos uma vez consumado o assalto fugiram precipitadamente numa caminhonete de cor preto (...).
(...)
QUE, após de realizar buscas, pesquisas e outras diligências conducentes ao esclarecimento das acçaos acima, y em consideração as numerosas provas testimoniais dadas como aos informes preliminiars remetidos pela Polícia Nacional com relação á etapa preparatória sobre as acçoes puníveis de ROUBO AGRAVADO, LAVAGEM DE DINHEIRO e ASSOCIAÇAO CRIMINAL, do qual resultou vítima o Banco H.S.C. dos Estados Unidos de América, realizados perante a Fiscalía a cargo dos Advogados Blas Antonio Imas da Unidade Nº1 e Francisco Vergara da Unidade Nº3, quem na acta de amplificação da imputação acusaram a OSCAR CELESTINO ROMERO OJEDA, ROBERTO BACHILLET GONZALEZ, EDISON ALVARES DE LIMA, CARLOS MORINIGO PAREDES, ADRIANA ACOSTA ALEGRE, MARIA CRISTINA PEREZ ESPINOSA, JUAN AYALA GARCIA, FRANCISCO AYALA GARCIA, DOMINGO AYALA GARCIA, JUSTINA ROMAN Vda. De ACEVEDO, CASTORINA MORINIGO DE RIVEROS, WILFRIDA BEAUFORT Vda. De OJEDA, ANDRES QUINTIM MEDINA e JUAN PABLO ORTIGOZA SAMUDIO como membros de uma associaçao criminal conformada para realizar acçoes puníveis. Segundo a imputaçao da Fiscalia resultaram como AUTORES DIRETOS do roubo agravado os imputados EDISON ALVARES DE LIMA, ROBERTO BACHILLET GONZALEZ, OSCAR CELESTINO ROMERO OJEDA, JUAN PABLO ORTIGOZA SAMUDIO, CARLOS MORINIGO PAREDES e ANDRES QUINTIN MEDINA e como CÚMPLICES da acçao punível de roubo agravado e AUTORES DIRETOS da acçao punível de LAVAGEM DE DINHEIRO os imputados ADRIANA ACOSTA ALEGRE, MARIA CRISTINA PREZ ESPONOSA, JUAN AYALA GARCIA, DOMINGO AYALA GARCIA, FRANCISCO AYALA GARCIA, CASTORINA MORINIGO DE RIVEROS, WILFRIDA BEAUFORT Vda. De OJEDA, JUAN PABLO ORTIGOZA SAMUDIO e JUSTINA ROMAN Vda. De ACEVEDO (...) (Causa A.I. n. 12, fls. 57/58)

A controvérsia sobre a conceituação jurídica de organização não interfere na aplicação do art. 1º, VII, da Lei n. 9.613/98, que aludia ao crime antecedente "praticado por organização criminosa", na redação anterior à Lei n. 12.683/12.

É desnecessária a previsão de crime de organização criminosa no ordenamento jurídico pátrio para que se aperfeiçoe a hipótese descrita art. 1º, VII, da Lei n. 9.613/98, bastando que seja cometido delito por organização criminosa. Nem mesmo a recente Lei n. 12.683/12 inaugurou a tipificação de crime de organização criminosa.

Não obstante o entendimento de que o Decreto Presidencial n. 5.015, de 12.03.04, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), definindo em seu art. 2º grupo criminoso organizado como sendo "grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material", seja aplicável apenas para crimes posteriores ao início de sua vigência, ressalto que a Lei n. 9.034, de 03.05.95, já previa mecanismos de investigação e formação de prova voltados à repressão dos delitos praticados por organização criminosa.

Nesse sentido, transcrevo as considerações realizadas pelo Ilustre Procurador Regional da República:


Do crime antecedente: sustenta o apelo nesse tópico a impossibilidade do crime de lavagem de dinheiro se aperfeiçoar com base no delito antecedente "organização criminosa", já que à época dos fatos não havia definição típica desse delito no ordenamento jurídico brasileiro. Afirma que referido entendimento acabou consagrado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o HC 96.007/SP. Sem razão o apelante, dado que não vingou o entendimento inicialmente esboçado nesse julgado.
De fato, a redação originária da Lei de Lavagem de Dinheiro (art. 1º, inciso VII) preconizava a caracterização como delito antecedente do crime cometido por organização criminosa e não crime de organização criminosa, daí a dispensabilidade de definição típica. O conceito de organização criminosa, ademais, era facilmente encontrada na Convenção de Palermo sobre Crime Organizado. De qualquer sorte, como dito, a questão restou superada já que o Supremo Tribunal Federal no julgamento do caso 'mensalão' esclareceu seu novo entendimento sobre a matéria no sentido de que a Lei 9613/98 'não inserira organização criminosa como delito antecedente à lavagem de dinheiro, mas sim como sujeito ativo: crime 'praticado por organização criminosa'' (AP 470/MG, noticiado no Informativo STF 679). Insista-se, com VLADIMIR ARAS, 'Uma coisa é o conceito de organização criminosa, outra, bem distinta, é o tipo penal de associação em organização criminosa', cuja confusão inicialmente estabelecida no julgamento do HC mencionado acabou sendo desfeita no julgamento do 'mensalão', prevalecendo pois a racionalidade interpretativa (destaques originais, fl. 785)

Consta do Informativo STF n. 679, Ação Penal 470 (Caso Mensalão), extraído do sistema informatizado da Suprema Corte:


AP 470/MG - 86
(...) ressaiu desnecessária a existência de tipo específico de organização criminosa para aplicação do inciso VII do art. 1º da Lei 9.613/98. Ocorre que aquele não seria crime antecedente, mas forma de cometimento do delito (...). AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10, 12 e 13.9.2012. (AP - 470)
AP 470/MG - 93
(...) a Lei 9.613/98 não inserira organização criminosa como delito antecedente à lavagem de dinheiro, mas sim como sujeito ativo: crime 'praticado por organização criminosa'. Registrou que, mesmo antes do advento da Lei 12.683/2010, a aplicação do conceito de organização criminosa encontraria amparo na Lei 9.034/95, que conferira ao Estado investigador poderes de naquela infiltrar agentes policiais (...) AP 470/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10, 12 e 13.9.2012. (AP-470)

Tal entendimento coaduna-se com recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça, desta Turma Julgadora e demais Tribunais Regionais Federais:


HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO ART. 1.º DA LEI N.º 9.613/98. APLICABILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO DECRETO LEGISLATIVO N.º 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. (...).
(...)
2. Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95, com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.° 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente.
(...)
6. Ordem denegada.

(STJ, HC n. 77771, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 30.05.08)


PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO. CRIME ANTECEDENTE. CRIME ORGANIZADO. EMBARGOS REJEITADOS.
(...)
5. Assim foi que, no ponto, asseverou-se que: "Especificamente sobre a alegação dos impetrantes de que não haveria "organização criminosa", logo, crime antecedente, a proporcionar as sanções da Lei federal n.º 9.613/1998, já decidiu outrora o Superior Tribunal de Justiça pela impropriedade da ação de habeas corpus para a veiculação da questão, haja vista a manifesta dilação probatória que o tema envolve: HC 54.850/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/05/2009, DJe 18/05/2009. Note-se que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, à qual o Brasil aderiu e internalizou, com o Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004, no seu artigo 2º, alínea "a", adotou como conceito de grupo criminoso organizado o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Os elementos indiciários de materialidade e autoria, logo, permitem concluir pela justa causa da ação penal, inclusive no tocante à lavagem de ativos obtidos ilicitamente".
6. Restou claro no voto, portanto, que a argumentação deduzida pelo impetrante partiu de premissa falsa, levando a uma conclusão que não corresponde à realidade, até porque a Lei 9613/98 não exige a tipificação da conduta de organização, mas, sim, que o crime seja praticado por organização criminosa, cuja figura está prevista no artigo 1º da Lei 9034/95, com a redação dada pela Lei 10217/01, no Decreto 5015/04, no Decreto Legislativo 231/03 que ratificou a Convenção das Naçoes Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.
7. Embargos rejeitados
(TRF 3ª Região, Embargos de Declaração em Habeas Corpus n. 0011345-89.2010.4.03.0000/MS, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 09.08.10)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL QUE INVESTIGA, DENTRE OUTRAS, A PRÁTICA DE CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO, QUADRILHA E DESCAMINHO. I - O conceito de organização criminosa não se submete ao princípio da taxatividade da lei penal, uma vez que não se trata de conduta tipificada como crime, senão como instrumento para a consecução de delitos de autoria coletiva. II - Conclusão que deflui da literalidade do art. 1º, VII da Lei 9.613-98, que tipifica como crime apenas a lavagem de dinheiro a partir de atividade de uma organização criminosa sem que haja, inclusive, crime antecedente específico. III - Não caracterizada a confusão na narrativa do delito de quadrilha, com institutos que lhe são afins, e se há indicação suficiente da participação da paciente no esquema criminoso, de modo a lhe permitir o exercício amplo do direito de defesa, inexiste constrangimento ilegal decorrente do processamento da ação penal. IV - Ordem denegada.
(TRF 2ª Região, HC n. 200902010018383, Rel. Des. Fed. André Fontes, j. 14.04.09)

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. (...) LAVAGEM DE DINHEIRO (ART. 1º, VII, DA LEI Nº 9.613/98). ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA COM RAMIFICAÇÕES EM CINCO ESTADOS DA FEDERAÇÃO. (...) EXCLUSÃO DO TIPO PENAL DESCRITO NO ART. 1º, VII, DA LEI Nº 9.613/98 (LAVAGEM DE DINHEIRO). ALEGADA AUSÊNCIA DE DEFINIÇÃO LEGAL DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL. DECRETO LEGISLATIVO Nº 213, DE 29 DE MAIO DE 2003. DECRETO Nº 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. (...)
(...)
3. O art. 1º, VII, da Lei nº 9.613/98 não prevê a prática de crime de organização criminosa que demandasse a existência de um tipo específico, mas da prática de crime por organização criminosa. Desse modo, responderá pelo crime de lavagem, ou ocultação de bens, direitos e valores quem ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime praticado por organização criminosa.
4. A definição do termo "organização criminosa", objeto de reiteradas discussões doutrinárias, restou pacificada, tendo em conta a adesão do Brasil à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, cujo texto fora aprovado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 213, de 29 de maio de 2003 e promulgado pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, o qual determinou seja ela "cumprida tão inteiramente como nela se contém". A citada Convenção, cujo objetivo reside em promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional, definiu no artigo 2: "a) Grupo criminoso organizado - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material".
5. O Superior Tribunal de Justiça tem identificado organizações criminosas à luz do art. 1º da Lei 9.034/95, com a redação dada pela Lei 10.217/01, com a tipificação do art. 288 CP e do Decreto Legislativo 231/03, o qual ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional.
(...)

10. Ordem de habeas corpus denegada.

(TRF 5ª Região, HC n. 20080500006652-8, Rel Des. Francisco Cavalcanti, j. 28.02.08)

Lavagem de capitais. Post factum impunível. Inocorrência. A defesa entende que a ocultação ou dissimulação do produto do crime pelo próprio autor do crime antecedente constitui post factum impunível, não havendo de se imputar àquele que praticou o crime antecedente também o crime de lavagem de capitais.

Sustenta que o crime de lavagem de dinheiro praticado pelo acusado é mero exaurimento do primeiro crime, "a ação típica que ocorra após o delito e unicamente pretenda assegurar, aproveitar ou materializar o ganho obtido pelo primeiro fato, resta consumida quanto não se lesiona nenhum outro bem jurídico e o dano não se amplia quantitativamente para além do ocasionado" (sic, fl. 708).

Adiciona que "o indivíduo quando tipificado na 'Lei de Lavagem de dinheiro ou de Capitais', está direcionado à conversão de valores e bens ilícitos em capitais lícitos (...) não poderia o mesmo agente ser novamente punido pela conduta de 'converter os ativos ilícitos em lícitos', conforme denunciou o Ministério Público, quanto à segunda tipificação no § 1º, inciso I, artigo 1º da Lei supramencionada" (fl. 711), e que "a Lei de lavagem de dinheiro classifica como condutas típicas o ocultar ou transformar (dando ao dinheiro ilícito a aparência de lícito pela dissimulação de sua natureza, origem ou movimentação), a conversão de ativos ilícitos em lícitos não se dá com a mera aquisição de bens com o produto do crime anterior... E mais, a conduta do § 1º, inciso do art. 1º, é simples exaurimento da primeira conduta" (destaques originais, fl. 712).

Não tem razão.

O crime de lavagem de dinheiro tem natureza autônoma em relação aos crimes antecedentes. Não caracteriza bis in idem a condenação por lavagem de capitais de réu já condenado pelo crime antecedente, tendo em vista que a Lei n. 9.613/98 tutela o Sistema Financeiro Nacional, prevenindo-o da ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos e valores provenientes de infração penal, não representando mero exaurimento do delito antecedente, que, no caso dos autos, atinge bem jurídico diverso.

Nesse sentido, confira-se julgado do Supremo Tribunal Federal:


LAVAGEM DE DINHEIRO. OCULTAÇÃO E DISSIMULAÇÃO DA ORIGEM, MOVIMENTAÇÃO, LOCALIZAÇÃO E PROPRIEDADE DE VALORES. RECEBIMENTO DE MILHARES DE REAIS EM ESPÉCIE. UTILIZAÇÃO DE INTERPOSTA PESSOA. TIPICIDADE DA CONDUTA. MERO EXAURIMENTO DO CRIME ANTERIOR. IMPROCEDÊNCIA. CRIMES AUTÔNOMOS. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. DENÚNCIA RECEBIDA.
1. São improcedentes as alegações de que a origem e a destinação dos montantes recebidos pelos acusados não foram dissimuladas e de que tais recebimentos configurariam mero exaurimento do crime de corrupção passiva. Os acusados receberam elevadas quantias em espécie, em alguns casos milhões de reais, sem qualquer registro formal em contabilidade ou transação bancária. Em muitos casos, utilizaram-se de pessoas não conhecidas do grande público e de empresas de propriedade de alguns dos denunciados, aparentemente voltadas para a prática do crime de lavagem de dinheiro, as quais foram encarregadas de receber os valores destinados à compra do apoio político. Com isto, logrou-se ocultar a movimentação, localização e propriedade das vultosas quantias em espécie, bem como dissimular a origem de tais recursos, tendo em vista os diversos intermediários que se colocavam entre os supostos corruptores e os destinatários finais dos valores.
3. A tipificação do crime de lavagem de dinheiro, autônomo em relação ao crime precedente, é incompatível, no caso em análise, com o entendimento de que teria havido mero exaurimento do crime anterior, de corrupção passiva.
4. Existência de inúmeros depoimentos e documentos nos autos que conferem justa causa à acusação, trazendo indícios de autoria e materialidade contra os acusados.
(STF, Inq. N. 2245, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 28.08.07)

No mesmo sentido, verifiquem-se as ponderações do MM. Magistrado a quo:


Já ficou assentado que o crime de lavagem é autônomo em relação ao antecedente. O legislador, ao editar a lei n.º 9613/98, o que já vinham exigindo os tratados e convenções subscritos pelo Brasil, quis punir a conduta posterior ao delito primário.
(...)
Neste caso, o réu não dissimulou a propriedade (um dos núcleos do caput do art. 1º da Lei 9.613/98), comprando bens em nome de terceiros. O que ele fez foi converter em ativos lícitos o dinheiro sujo auferido com o assalto, isto para ocultar a origem de sua riqueza. E o fez noutro país. Convenceu-se de que a manobra consistente em cruzar a fronteira para sua terra natal seria suficiente para frustrar qualquer persecução penal paraguaia. E deu certo, mas apenas com relação à justiça do país de origem. Estava tão seguro que nem se deu ao trabalhou de adquirir os bens em nome de laranja. Em sua concepção, não havia necessidade alguma de que as aquisições ocorressem em nome de terceiros.
O que releva, aqui, é esse ardil, esse expediente de transpor a fronteira com a finalidade de dissimular a cor do dinheiro. Essa engenharia, até simples, foi suficiente para distanciar o dinheiro do roubo prova, de maneira definitiva, seu desejo de esconder das autoridades paraguaias a localização da fortuna roubada. Ao mesmo tempo, cruzando a fronteira, viu-se seguro no sentido de estar ocultando das autoridades brasileiras a origem. Então, para ocultar, perante o Paraguai, a localização e, perante o Brasil, a origem, o réu transpôs a fronteira e, aqui, converteu os valores em ativos lícitos (bens).
No caso presente, há uma nota especial: o réu nem fez uso de transferência bancária internacional, como seria mais seguro. Se depositasse a fortuna em banco do Paraguai e, a seguir, solicitasse sua transferência para o Brasil, deixaria prova documental naquele país. Preferiu fazer transferência física do dinheiro. A transferência bancária seria, com certeza, captada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF ou mesmo pela unidade de inteligência financeira do Paraguai, denominada Unidad de Análisis Financeiro - UAF.
Então, está perfeitamente caracterizado o delito de lavagem.
Uma parte do dinheiro, no importe de R$ 550.000,00, o réu teria trazido consigo através da declaração de porte de valores de fls. 256. O restante deve ter vindo também por terra, sem declaração de porte. Os autos registram uma movimentação de depósitos bancários, no Brasil, de mais de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) de 2002 a 2006 (fls. 282). Aquele valor a que se refere a declaração de porte de fls. 256 serviu para comprar, à vista, a Fazenda Rincão das Lagoas, por R$ 545.000,00, em dezembro de 2000 (sic, fls. 625/627)

Esse é o entendimento do Ilustre Procurador Regional da República (fl. 786/786v.).

Perdimento de bens. A defesa argumenta que o pedido de perdimento de bens formulado pelo Ministério Público Federal não encontra amparo na prova dos autos.

Carece razão ao apelo.

O Ministério Público Federal formulou pedido de sequestro de determinados bens do acusado, em decorrência da prática de lavagem de dinheiro em território brasileiro, com fulcro no art. 4º da Lei n. 9.613/98, sendo deferida a medida pelo MM. Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande (MS) (fls. 475/477). Na sentença, acolhido pleito ministerial (fls. 573/576), foi decretado o perdimento, em favor da União, do "imóvel rural Rincão das Lagoas, objeto das matrículas n.ºs. 8262, 32917, 8300 e 7595, do CRI de Ponta Porã-MS, e do imóvel urbano de matrícula n.º 22547, do CRI de Dourados-MS (lote 9 da quadra 02 do loteamento Jardim Itaipu)" (cfr. fl. 635v.).

A origem lícita dos bens existentes em território nacional, em nome do acusado, não foi comprovada nos autos, sendo certo que tais medidas constritivas determinadas pelo MM. Magistrado a quo encontram amparo nas disposições do art. 4º e seguintes da Lei n. 9.613/98:


Art. 4o O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
(...)
§ 2o  O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
(...)
Art. 4º - A.
(...)
§ 10.  Sobrevindo o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o juiz decretará, em favor, conforme o caso, da União ou do Estado: (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
I - a perda dos valores depositados na conta remunerada e da fiança; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
II - a perda dos bens não alienados antecipadamente e daqueles aos quais não foi dada destinação prévia; e (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
III - a perda dos bens não reclamados no prazo de 90 (noventa) dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvado o direito de lesado ou terceiro de boa-fé. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)

Cumpre diferenciar que, nos autos de Medidas Assecuratórias n. 2006.60.05.000398-8, a União requereu o sequestro dos bens do acusado encontrados em território brasileiro, em decorrência de solicitação da Justiça paraguaia, que visava à garantia dos prejuízos lá ocasionados pela prática do crime de roubo, com fundamento em acordo de cooperação mútua internacional. Nesse caso, foi determinado o sequestro de todos os bens movéis e imóveis, veículos e semoventes, encontrados no Brasil, em nome do acusado, pelo MM. Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande (MS), o que desencadeou a propositura de reclamação no Superior Tribunal de Justiça, à qual foi negado seguimento. Foi impetrado o Habeas Corpus n. 105.905/MS no Supremo Tribunal Federal, sustentando-se a necessidade de concessão de exequatur, sendo deferida medida liminar para obstaculizar atos expropriatórios relativos aos bens do acusado (fls. 331/334) e, ao final, afastado o ato de constrição implementado pelo MM. Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande (MS) (fls. 789/796).

Nesse sentido, manifestou-se o Ilustre Procurador Regional da República:


(...) o perdimento de bens é uma decorrência ex legis da condenação, conforme preconizava a redação originária do art. 7º, I, da Lei 9613/98, aplicável à espécie. Com relação à argumentação subseqüente, embora a defesa não esclareça parece que se refere ao HC 105.905/MS (anexo), no qual o STF concedeu ordem de habeas corpus para sustar atos de bloqueio de bens do apelado vindicado pelo Estado paraguaio no âmbito da cooperação penal internacional. Nada mais equivocado.
O referido habeas corpus diz respeito a uma medida cautelar pleiteada pelo Paraguai para sequestro de bens no Brasil decorrente do roubo ocorrido naquele país. O perdimento decretado nestes autos é consequência natural do exercício da jurisdição própria do Estado brasileiro por intermédio do juízo federal de Mato Grosso do Sul pelo crime de lavagem de dinheiro ocorrido neste país. A decisão proferida no habeas corpus, em consequência, em nada interfere com o perdimento decretado nestes autos (...) (fls. 786v./787)

Dosimetria. Considerando as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, notadamente a potencialidade do dano e a personalidade do agente, o MM. Magistrado a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 5 (cinco) anos de reclusão, quantum que tornou definitivo, à míngua de circunstâncias atenuantes, agravantes, causas de diminuição, ou de aumento de pena.

Arbitrou a pena de multa em 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 175,00 (cento e setenta e cinco reais), totalizando R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), sujeitos à atualização.

Fixou o regime inicial semiaberto.

A pena privativa de liberdade não foi substituída por penas restritivas de direito.

O Ministério Público Federal pugna pela majoração da pena-base em 3 (três) anos, resultando a pena definitiva de 8 (oito) anos de reclusão. Protesta pela fixação do regime inicial fechado.

A acusação elabora considerações afetas aos critérios do art. 59 do Código Penal, suscitando o seguinte:

- quanto à culpabilidade, o acusado ocultou e dissimulou, de maneira consciente e voluntária, bens de sua propriedade que sabia serem provenientes, direta e indiretamente, de crime praticado por organização criminosa;
- quanto aos antecedentes criminais, o acusado foi condenado por roubo qualificado, em data posterior aos fatos, encontrando-se atualmente processado por falsificação de documento público, bem como pelo crime antecedente;
- quanto à conduta social, o acusado é rebelde contumaz, tendo em vista o descumprimento dos mandados da justiça paraguaia;
- quanto à personalidade do agente, o acusado tem personalidade dissimulada, também voltada à prática de crimes;
- quanto aos motivos do crime, o acusado tem a ambição de assegurar o patrimônio proveniente do roubo;
- quanto às circunstâncias do crime, o acusado utilizou-se de complexo modus operandi na reciclagem dos ativos do crime, com grande variedade e quantidade de bens envolvidos na investigação, em país diverso do crime antecedente;
- quanto às consequências do crime, a lavagem de capitais desencadeia outras condutas ilícitas, como a sonegação fiscal, a evasão de divisas, etc.;

Ressalta o Parquet que deve ser sopesada a gravidade do delito antecedente, consistente no roubo de US$ 11.132.100,00 (onze milhões, cento e trinta e dois mil e cem dólares), bem como a expressiva movimentação financeira de R$ 2.056.384,16 (dois milhões, cinquenta e seis mil, trezentos e oitenta e quatro reais e dezesseis centavos) pelo acusado, nos anos seguintes, sem comprovação de origem lícita.

Conclui tratar-se de reciclagem de vultosa quantia, decorrente de elaborado delito de roubo qualificado, praticado por organização criminosa, envolvendo o transpasse de fronteira e articulados artifícios para dissimulação do proveito do crime.

A seu turno, a defesa pleiteia a redução da pena ao mínimo legal.

O recurso da acusação deve ser parcialmente provido e o recurso da defesa, desprovido.

Observe-se a justificativa utilizada pelo MM. Magistrado a quo para majoração da pena-base:


No Brasil, para não fugir ao costume, Edison, como circulava livremente entre o Paraguai e nosso país, foi condenado por roubo qualificado, mediante violência com o emprego de arma e o concurso de duas ou mais pessoas (arts. 157, § 2º, I e II, e 288, do CP). A ação penal foi distribuída em 16.04.08 e a sentença foi proferida em 16.06.09. Houve recurso para o TJ/MS, reduzindo-se a pena para 09 anos e 02 meses de reclusão. Não foi recebido o recurso especial da defesa, que agravou para o STJ (fls. 525). Essa ação penal não se refere àquela a que responde na 2ª vara criminal da Comarca de Campo Grande-MS, pelo roubo do Paraguai, que tem o número 0041239-64.2006.8.12.0001 e está na fase de oitiva de testemunhas.
O réu responde, ainda, na 1ª vara criminal da Comarca de Campo Grande-MS, ao processo n.º 0058474-39.2009.8.12.0001, cuja audiência de instrução e julgamento está marcada para 04.06.12, de acordo com o site do Tribunal de Justiça/MS. Trata-se de ação penal por falsificação de documento público (fls. 533).
Então, são 04 ações penais no Brasil. Isto significa dizer que, após o assalto em Luque/PY, que rendeu à organização US$ 11.132.100,00, o réu continuou cometendo crimes. A ordem pública continua sendo ameaçada. Não resta dúvida de que o réu tem personalidade voltada para a prática de crimes contra o patrimônio. Isto, por si só, justifica uma apenação acima do mínimo legal (fl. 635v./636)

Compulsando os autos, verifico constarem contra o acusado as seguintes ações penais, além da presente:

- Processo n. 0004379-90.2008.8.12.0002 - MM. Juízo Estadual da 1ª Vara Criminal de Dourados (MS) - Distribuição: 16.04.08 - Delito: art. 157, § 2º, I e II, c. c. o art. 288 e 66, todos do Código Penal - Situação atual: "atualmente os autos encontram-se aguardando decisão do referido Agravo no STJ" (cfr. certidão de objeto e pé, fl. 525).
- Processo n. 0041239-64.2006.8.12.0001 - MM. Juízo Estadual da 2ª Vara Criminal de Campo Grande (MS) - Data do fato: 04.08.00 - Delito: art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal - Situação atual: "atualmente os autos aguardam o cumprimento de Carta Rogatória e Carta Precatória com a finalidade de oitiva de testemunhas arroladas pela defesa (Carta Rogatória) e pela Acusação (Carta Precatória)" (cfr. certidão de objeto e pé, fl. 547 e 551).
- Processo n. 0058474-39.2009.8.12.0001 - MM. Juízo Estadual da 1ª Vara Criminal de Campo Grande (MS) - Data da denúncia: 06.04.11 - Delito: art. 304, do Código Penal - Situação atual: "aguardando cumprimento de Carta Precatória expedida à Comarca de Dourados/MS, com a finalidade de proceder a citação do réu" (cfr. certidão, fl. 533).

Todas essas ações encontram-se em andamento e não se prestam à exasperação da pena-base, a teor da Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base".

Todavia, deve ser mantida a pena-base de 5 (cinco) anos de reclusão, tendo em vista o considerável volume de recursos "lavados" que transitou em conta bancária do acusado (mais de R$ 2.000.000,00, cfr. fls. 4/14 do Apenso I).

As argumentações elaboradas pelo Parquet quanto aos critérios do art. 59 do Código Penal dizem respeito a elementos inerentes ao tipo penal de lavagem de capitais, como bem consignou o Ilustre Procurador Regional da República (fl. 787).

Sem circunstâncias agravantes, atenuantes, causas de aumento, ou de diminuição de pena, torno definitiva a pena de 5 (cinco) anos de reclusão.

Esclareço que deixo de aplicar ao caso a causa de aumento do § 4º do art. 1º da Lei n. 9.613/98 cuja aplicação é devida quando o crime for cometido por organização criminosa porque a presente imputação já decorre do fato de ter sido o roubo praticado por organização criminosa, delito antecedente. Portanto, desde que constante do tipo penal a circunstância não pode ensejar nova análise, sob pena de bis in idem.

Mantenho a sanção pecuniária de 200 (duzentos) dias-multa e o valor unitário do dia-multa, estabelecido na sentença em R$ 175,00 (cento e setenta e cinco reais).

O regime inicial de cumprimento de pena deve ser o fechado, tendo em vista os gravosos reflexos da conduta delitiva para o Sitema Financeiro Nacional, em conformidade com o art. 33, § 3º, c. c. o art. 59, ambos do Código Penal.

Esse é também o posicionamento do Ilustre Procurador Regional da República:


(...) se a objetividade jurídica do crime de lavagem de dinheiro para muitos autores é a tutela do circuito econômico-financeiro é absolutamente razoável que a pena corporal seja dimensionada a partir do montante de recursos ilícitos aportados no sistema econômico-financeiro, sendo intuitivo que a lavagem de mais de 2 milhões de reais está a merecer juízo de censura mais agravado, em alinhamento ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Por essa mesma razão - o reconhecimento do juízo de censurabilidade agravado - impõe-se a fixação do regime fechado para o início de cumprimento da pena (...) (fl. 787v.)

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Público Federal para fixar o regime inicial fechado e NEGO PROVIMENTO ao recurso da defesa.

É o voto.

Louise Filgueiras
Juíza Federal Convocada


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