D.E. Publicado em 10/09/2013 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar de ilegitimidade de parte, negar provimento à apelação e, de ofício, fixar a pena de multa em 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo, e destinar a prestação pecuniária à União Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064 |
Nº de Série do Certificado: | 337FE89C4195D7A1 |
Data e Hora: | 05/09/2013 16:21:48 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
O Ministério Público Federal denunciou Cirineu Fedriz como incurso nas penas do art. 70 da Lei nº 4.117/62, c.c o art. 71 do Código Penal e requisitou certidões de antecedentes criminais em relação a Luiz Carlos Barbosa Júnior, bem como a designação de audiência para oferta de transação penal, nos termos da Lei nº 9.099/95.
Narra a denúncia que (fls. 435/438):
A denúncia foi recebida em 28/04/2008, apenas em relação a Cirineu Fedriz (fl. 503).
Após regular instrução, foi proferida sentença (fls. 618/625) que condenou o acusado Cirineu Fedriz à pena de 02 (dois) anos e 09 (nove meses) de detenção e ao pagamento de multa no valor de R$ 10.0000,00 (dez mil reais), por infração ao artigo 183, da Lei 9.472/97.
A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente no pagamento de 02 (dois) salários mínimos, através de depósito em Juízo, em duas parcelas, equivalentes cada uma delas a um salário mínimo vigente ao tempo dos recolhimentos, os quais serão destinados a entidade pública ou privada, com finalidade social, a ser identificada pelo Juízo da Execução Penal.
O acusado Cirineu Fedriz apelou (fls. 649/653), pleiteando a sua absolvição, alegando:
1) que a elementar telecomunicação não pode englobar a radiodifusão;
2) que a prova carreada aos autos demonstra que a emissora era organizada e mantida pela própria comunidade, possuindo baixa freqüência e finalidade estritamente social e de interesse de toda a comunidade;
3) ausência de dolo e de potencialidade lesiva.
Contrarrazões do Ministério Público Federal, às fls. 655/664, pelo desprovimento do recurso.
Parecer da Procuradoria Regional da República em prol de ser desprovido o recurso (fls. 667/669).
Às fls. 683 foi proferido acórdão que, por unanimidade, anulou, de ofício, a sentença recorrida, a fim de que fosse sanada a omissão consistente na não fixação do regime de pena.
Foi proferida nova sentença, às fls. 691/698, que condenou Cirineu Fedriz à pena de 02 (dois) anos e 09 (nove meses) de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de multa no valor de R$ 10.0000,00 (dez mil reais), por infração ao artigo 183, da Lei 9.472/97.
A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente no pagamento de 02 (dois) salários mínimos, através de depósito em Juízo, em duas parcelas, equivalentes cada uma delas a um salário mínimo vigente ao tempo dos recolhimentos, os quais serão destinados a entidade pública ou privada, com finalidade social, a ser identificada pelo Juízo da Execução Penal.
O réu Cirineu Fedriz apelou (fls. 703/749), alegando, em síntese, atipicidade da conduta, eis que a atividade por ele desenvolvida é a de radiodifusão, e não de telecomunicações, sendo a Lei nº 9.472/97, portanto, inaplicável ao caso. Alternativamente, pediu a aplicação do princípio da insignificância, alegando que a rádio operava em baixa potência, não causando danos a terceiros. Em caso de entendimento diverso, pediu que fosse aplicado o artigo 70 da Lei 4.117/62, com suas atenuantes, sustentando, ainda, que:
1) o Juiz não poderia ter dado nova classificação ao crime imputado, pois causou prejuízo à defesa do réu;
2) os artigos que tipificam a conduta de radiodifusão clandestina (artigo 70 da Lei 4.117/62 e artigo 183 da Lei 9.472/97) foram, ambos, derrogados pelo advento da Lei 9.612/98 (Lei das Rádios Comunitárias), que discriminalizou as infrações relativas ao Serviço de Radiodifusão Comunitária;
Pediu, ainda, a nulidade do processo por ilegitimidade de parte, alegando que a Associação de Ação e Participação Comunitária do Parque Jaraguá é a verdadeira proprietária da rádio em questão;
Em caso de entendimento diverso, requer a aplicação da excludente de ilicitude com base no fato de que exerceu a atividade com respaldo comunitário ou o reconhecimento das atenuantes previstas nos artigos 65, II, e III, 'a' do CP.
Caso mantida a condenação, requer a aplicação da pena no mínimo legal.
Contrarrazões do Ministério Público Federal, às fls. 767/784.
Às fls. 796, o Ministério Público Federal manifestou-se no sentido de reiterar o parecer de fls. 667/669 e incorporar como seu fundamento aditivo as contrarrazões de fls. 767/784.
É o relatório.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064 |
Nº de Série do Certificado: | 337FE89C4195D7A1 |
Data e Hora: | 19/06/2013 11:58:11 |
|
|
|
|
|
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
O recurso não comporta provimento.
1. Da tipificação.
No caso dos autos, a conduta delitiva imputada ao apelante subsume-se ao artigo 183 da Lei nº 9.472/97, conforme adequadamente capitulado na sentença recorrida.
A conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-lei nº 236 de 28/02/1967, não se encontra revogada. Consiste na instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto em lei e nos regulamentos, apenada com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.
Conforme se depreende do aresto colacionado, o artigo 70 da Lei nº 4.117/62 continua vigente:
Mas o delito do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, por sua vez, consiste em desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, ao que é cominada a pena de detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.
Conforme previsão constitucional, a radiodifusão sonora, de sons e imagens são serviços explorados diretamente pela União, ou mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo (artigo 21, inciso XII, alínea "a", com redação dada pela Emenda nº 8, de 15/08/95, e do artigo 223, ambos da Constituição Federal).
Permanece assente o entendimento de que a radiodifusão é espécie do gênero telecomunicações. Todavia, necessita de prévia autorização da ANATEL para funcionamento.
O tipo penal definido no artigo 183, da Lei nº 9.472/97 reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, sendo até então prevista no artigo 70 da Lei n° 4.117/62 a utilização de telecomunicação sem observância do disposto em lei e nos regulamentos.
Desse modo o delito da lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, inclusive de rádio comunitária, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, ao passo que o delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que acusado mantinha em funcionamento emissora clandestina de Rádio FM (Rádio Comunitária Mais FM 89,7 MHz), sem autorização da ANATEL.
Os julgados do Superior Tribunal de Justiça corroboram este entendimento:
Na mesma linha jurisprudência desta Primeira Turma:
2. Do princípio da insignificância.
Inaplicável o princípio da insignificância à espécie, tendo em vista que o crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 é formal e de perigo abstrato, isto é, se consuma independentemente de causar danos.
Nesse sentido, transcrevo o seguinte julgado deste Tribunal:
3. Da suposta ofensa ao princípio da ampla defesa em razão da nova classificação dada ao crime.
Não há que se falar em prejuízo à defesa do réu, tendo em vista que ele se defende dos fatos alegados, e não da capitulação constante da denúncia. Por outro lado, foram devidamente respeitados os limites fixados no artigo 383 do Código de Processo Penal.
4. Da alegação de ilegitimidade de parte.
Tal alegação também deve ser afastada, pois o próprio acusado declarou, quando de seu interrogatório, que "(...) os fatos descritos na denúncia são verdadeiros" e que "(...) estava à frente da rádio Canal Mais FM".
5. Da materialidade.
A materialidade delitiva do crime previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97, em razão de ter o réu desenvolvido atividade de telecomunicação sem a devida licença da ANATEL, vem demonstrada através do auto de prisão em flagrante delito (fls. 02/06), autos de apresentação e apreensão (fls. 07/10, 127/143), pareceres técnicos da ANATEL (fls. 261/262 e 270/271), relatório fotográfico da ANATEL (fls. 263), relatórios técnicos da ANATEL (fls. 264 e 272), Autos de infração da ANATEL - entidade não outorgada (fls. 265 e 273) e termos de apresentação da ANATEL (fls. 266/267 e 274/275).
A sustentada atipicidade da conduta ante a ausência de potencialidade lesiva não prospera.
Isso porque, conforme o laudo de exame em aparelho eletrônico de fls. 421/423 "qualquer equipamento que opere com transmissão de rádio freqüência é capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causar interferência em outras telecomunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros etc."
Descabe falar, ademais, em irrelevância penal da ausência de licença governamental, pois esta não configura mero requisito formal, restrito às empresas do ramo, mas abrange todas as hipóteses de radiodifusão. Nisso não se viola a garantia constitucional de liberdade de expressão, prevista também no Pacto de San José da Costa Rica, apenas são delimitados os seus contornos com vistas à proteção aos interesses de toda a coletividade. O controle prévio, mediante a outorga de licença de exploração da radiodifusão, também se justifica tendo em vista que a escassez e limitação do espectro de radiofreqüência, o que exige ordenação no seu uso racional.
6. Da autoria. A autoria restou inconteste, pois o réu declarou em Juízo que os fatos narrados na denúncia são verdadeiros. Confira-se, às fls. 531/533:
Dessa forma, inegável a autoria do acusado.
7. Do dolo.
Não procede a alegação de desconhecimento da legislação específica, tendo em vista que restou demonstrado que o réu sabia da necessidade de autorização do Ministério das Comunicações para o funcionamento da rádio comunitária e que, sem tal autorização, a rádio não poderia funcionar. É o que se depreende do seguinte trecho de seu interrogatório (fls. 533):
"(...) A associação fez o pedido de autorização, ao Ministério das Comunicações, mas esse pedido até hoje não foi apreciado. (...) Eu nunca quis afrontar a Justiça, mas a rádio ganhou uma dimensão social importante, na comunidade do Parque Jaraguá, que é muito carente.' 'Há um projeto de Lei - nº 4.459/1998 - atualmente em curso na Câmara dos Deputados, cujo objeto é anistiar os autores de crime como o presente.(...)"
8. Da dosimetria.
A pena-base deve ser mantida em 03 (três) anos de detenção, nos termos do artigo 59 do CP, considerando a intensa culpabilidade do réu, tendo em vista que já havia sido preso em flagrante quatro vezes, pelo cometimento do mesmo delito.
Presente a atenuante prevista no artigo 65, III, 'd' do CP, a pena foi diminuída para 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de detenção.
Não restou configurada a atenuante prevista no artigo 65, III, 'a', do CP. Segundo os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci, in Código Penal Comentado, 9ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, pág 430: "relevante valor é um valor importante para a vida em sociedade, tais como patriotismo, lealdade, fidelidade, inviolabilidade de intimidade e de domicílio, entre outros. Quando se tratar de relevante valor social, levam-se em consideração interesses não exclusivamente individuais, mas de ordem geral, coletiva." e não restou comprovado nos autos que o réu tenha cometido o delito em questão em razão de valor social. Aliás, como bem ressaltou o Delegado de Polícia Federal em seu relatório (fls. 426): "(...) foi apurado, de maneira muito superficial, que em um pequeno período de tempo a rádio obteve quase R$ 9.000,00 de receita, o que demonstra a profissionalidade da atividade, explicando também, em parte, o porquê do estranho interesse do preso e (sic) multi-reincidir nesta conduta."
Ausentes agravantes bem com causas de diminuição ou de aumento, a pena restou definitiva em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de detenção.
Mantida a substituição da pena privativa de liberdade por 01 (uma) pena pecuniária, no valor de 02 (dois) salários mínimos.
Mantenho o regime inicial aberto, nos termos do art. 33 do CP.
Quanto à pena de multa, deixo de aplicar aquela estabelecida na lei 9.472/97, por entender que viola o princípio da individualização da pena. Tal se embasa na Arguição de Inconstitucionalidade Criminal nº 00054555-18.2000.4.03.6113, em que o Órgão Especial desta Corte, em Sessão de Julgamento realizada em 29 de junho de 2011, declarou a inconstitucionalidade da expressão "de R$ 10.000,00".
Em obediência à proporcionalidade que a pena de multa deve guardar com a pena privativa de liberdade, passo a fixar aquela trazida no Código Penal, em 10 (dez) dias-multa, elevados para 15 (quinze) dias-multa e reduzidos para 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, tendo em vista que o réu declarou receber R$ 500,00 (quinhentos reais) por mês, conforme consta do boletim de vida pregressa (fls. 19/20).
De ofício, destino a prestação pecuniária à União Federal, conforme entendimento desta Turma.
Com tais considerações, rejeito a preliminar de nulidade por ilegitimidade de parte, nego provimento à apelação e, de ofício, reduzo a pena de multa para 13 (treze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, e destino a prestação pecuniária à União Federal.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064 |
Nº de Série do Certificado: | 337FE89C4195D7A1 |
Data e Hora: | 05/09/2013 16:23:00 |