Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/12/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005706-64.2003.4.03.6102/SP
2003.61.02.005706-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CLEUNICE APARECIDA NOGUEIRA VISIN
ADVOGADO : ANDREIA ALVES DE MATOS e outro
APELANTE : GILMAR ALVES NOGUEIRA
ADVOGADO : ELISÂNGELA PAULA LEMES e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00057066420034036102 7 Vr RIBEIRAO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. RECONHECIMENTO. ARTIGO 312, DO CÓDIGO PENAL. RECLASSIFICAÇÃO PARA PECULATO-DESVIO. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. ADEQUAÇÃO. CONFISSÃO SEGUIDA DE EXCLUDENTE DE ILICITUDE. VALIDADE. AGRAVANTE. VIOLAÇÃO DE DEVER INERENTE AO CARGO. NÃO CABIMENTO. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. LAPSO TEMPORAL ACIMA DE TRINTA DIAS ENTRE OS DELITOS. REGIME CORRETAMENTE FIXADO. PROVIMENTO PARCIAL DOS RECURSOS NA PARTE CONHECIDA.
1. A ré foi demitida do cargo de agente administrativo do INSS, por utilizá-lo para se apropriar de valores em dinheiro que lhe eram confiados por lídimos interessados em obter Certidão Negativa de Débito, os quais lhe entregavam valores na confiança de que a ré viesse recolhe-los, a título de contribuições aos cofres públicos, contando, para tanto, com o auxílio do corréu, na captação de clientes, noticiando a denúncia ao menos dezesseis casos de emissão de CND, mas o Juízo identificou a materialidade em relação apenas a duas delas.
2. A prescrição, depois que transitar em julgado a r. sentença condenatória, regula-se pela pena aplicada (art. 110, §1º do CP). Ainda que pendente recurso da acusação em relação a um dos réus, tal insurgência se dá somente para que seja afastada caracterização do arrependimento posterior, pretensão que, mesmo que fosse atendida, não conduziria a situação diversa.
3. A alteração da capitulação jurídica é possível, nos termos do art. 383, do CP, para o denominado peculato-desvio, previsto no, caput, parte final do art. 312 do CP, porque não haverá reformatio in pejus, a considerar que a, ré funcionária, detinha a prévia posse do bem, o que diferencia este tipo de delito do peculato-furto, previsto no parágrafo primeiro do artigo em comento.
4. Emerge dos autos a materialidade delitiva e a autoria delitiva também resta comprovada, além da prova documental, pela confissão da ré, corroborada pelo depoimento das testemunhas de acusação, sendo que a defesa nada trouxe para alterar o quanto decidido pelo Juízo.
5. Há razões bastantes - culpabilidade elevada e circunstâncias do delito - para que a pena seja aplicada acima do mínimo legal, porém o aumento foi desmedido. Embora não desprezíveis os valores dos quais a ré se apropriou, também não se pode considerá-los de grande monta.
6. Ao contrário do aduzido pela acusação, está presente o instituto da confissão espontânea (artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal), pois, apesar da alegação de excludente (dificuldades financeiras que justificariam suas condutas) a ré confessou a prática delitiva, o que basta ao reconhecimento da atenuante, sendo certo que o patamar de redução de 1/6 (um sexto), relativo à pena da ré, se mostra razoável e proporcional ao caso em tela.
7. A aplicação da agravante referente à violação de dever inerente ao cargo é indevida em relação ao crime de peculato, por implicar em bis in idem. Precedentes da Corte.
8. Reconhece-se o concurso material, afastando-se a continuidade delitiva, porquanto, o lapso temporal entre as condutas está acima do qual é possível reconhecer a similitude das condições de tempo no crime continuado, qual seja, trinta dias, conforme construção jurisprudencial.
9. Com base na pena definitivamente aplicada, afigura-se correta a fixação do regime semiaberto.
10. Alegação de prescrição que se conhece. Apelações em parte prejudicadas e, providas parcialmente na parte conhecida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, após a ratificação do relatório pelo Des. Fed. Paulo Fontes, reconhecer a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal quanto ao réu Gilmar Alves Nogueira, julgando por conseqüência prejudicados os recursos da acusação e da defesa, no tocante a este réu. Dar parcial provimento ao recurso da defesa de Cleunice Aparecida Nogueira, para atenuar a pena da primeira conduta, na forma da fundamentação contida neste voto, para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e 12 (doze) dias-multa, bem como dar parcial provimento ao recurso ministerial, para reconhecer o concurso material de crimes (art. 312, caput, do CP, por duas vezes, na forma do art. 69 do CP), cujas penas, somadas, implicam na condenação da ré Cleunice Aparecida Nogueira, ao cumprimento da pena de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto e 24 (vinte e quatro) dias-multa, que torno definitiva, mantendo a r. sentença nos demais aspectos, sendo que o Des. Fed. Paulo Fontes ressalvou seu entendimento quanto à manutenção da tipificação do art 312, § 1º, do CP, como determinado na sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de novembro de 2013.
LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005706-64.2003.4.03.6102/SP
2003.61.02.005706-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CLEUNICE APARECIDA NOGUEIRA VISIN
ADVOGADO : ANDREIA ALVES DE MATOS e outro
APELANTE : GILMAR ALVES NOGUEIRA
ADVOGADO : ELISÂNGELA PAULA LEMES e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00057066420034036102 7 Vr RIBEIRAO PRETO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal e por Cleunice Aparecida Nogueira Visin e Gilmar Alves Nogueira, em face da r. sentença de fls. 794-817, proferida pelo Juízo da 7ª Vara de Ribeirão Preto-SP, julgando parcialmente procedente a denúncia, absolveu a primeira ré da conduta descrita no art. 313-A do Código Penal, e a condenou como incursa nos arts. 312, §1º, c.c. art. 71 do Código Penal, e também condenou o réu como incurso somente no art. 312 do Código Penal.

Cleunice Aparecida Nogueira Visin, segundo a r. sentença, deverá cumprir pena de 4 (quatro) anos, 06 (seis) meses e 13 (treze) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagar de 21 (vinte e um) dias-multa, fixado o valor do dia-multa em um trigésimo do salário mínimo vigente na época dos fatos, impossibilitada a substituição da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 44, I, do Estatuto Penal Repressivo.

Gilmar Alves Nogueira, em virtude da condenação, deverá cumprir pena de 1 (um) ano, 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e pagar 6 (seis) dias-multa, fixado o valor do dia-multa em um trigésimo do salário mínimo vigente na época dos fatos, havendo substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de R$ 1.500,00 em favor de entidade assistencial e prestação de serviços à comunidade, a ser indicada pelo Juízo da execução penal, ao longo do tempo fixado para a pena corporal, totalizando, 480 (quatrocentos e oitenta) horas, descontadas a base de oito horas de trabalho por fim de semana, em ordem não inferir no trabalho diário do sentenciado.

Recorrem:


A) O Ministério Público Federal, às fls. 822-833, para que Gilmar seja condenado pela participação nos dois fatos descritos na denúncia, e que seja afastado o instituto do arrependimento posterior, porque há provas somente da reparação parcial do dano. Quanto às condutas atribuídas a Cleunice, requer seja reconhecida a ocorrência do concurso material, por não ser caso de aplicar-se a continuidade delitiva, bem como descaracterizada a incidência da atenuante genérica da confissão espontânea, porque, logo em seguida à confissão a ré alegou suposta excludente de ilicitude (estado de necessidade) e culpabilidade (inimputabilidade).


B) A defesa de Gilmar Alves Nogueira, às fls. 856-871, pela absolvição, a considerar que a conduta do réu foi culposa e que não teria agido com animus rem sibi habendi.


C) A defesa de Cleunice Aparecida lorivado Azevedo, às fls. 877-882, pela absolvição da ré, por falta de provas, bem como redução da pena ao mínimo legal, por entender que a presença de uma circunstância atenuante, como a confissão, pode conduzir à redução da pena abaixo do quantum mínimo cominado para o delito. Requer a não aplicação do art. 71 do CP e, ainda, a substituição da pena privativa de liberdade.


Contrarrazões das defesas às fls. 838-854 e 872-876, estando as do Ministério Público encartadas às fls. 885-892, todas no sentido do improvimento dos apelos.

Parecer da Procuradoria Regional da República pela "extinção da punibilidade de Gilmar Alves Nogueira e pela emendatio libelli, para que os fatos narrados na peça acusatória sejam tipificados no art. 312, caput, do Código Penal. No mérito, este Parquet Federal se manifesta pelo desprovimento do recurso interposto pela defesa e pelo provimento parcial do recurso interposto pelo Ministério Público Federal, apenas para que a Cleunice Aparecida Nogueira Visin seja condenada como incursa nas penas cominadas aos crimes de peculato-desvio, por duas vezes, em concurso material"- fls. 900-908.

É o relatório.

À revisão.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005706-64.2003.4.03.6102/SP
2003.61.02.005706-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : CLEUNICE APARECIDA NOGUEIRA VISIN
ADVOGADO : ANDREIA ALVES DE MATOS e outro
APELANTE : GILMAR ALVES NOGUEIRA
ADVOGADO : ELISÂNGELA PAULA LEMES e outro
APELADO : OS MESMOS
No. ORIG. : 00057066420034036102 7 Vr RIBEIRAO PRETO/SP

VOTO

Consta da denúncia que Cleunice Aparecida Nogueira Visin foi demitida do cargo de agente administrativo do INSS em 27.03.2002, por utilizá-lo para se apropriar de valores em dinheiro que lhe eram confiados por lídimos interessados em obter Certidão Negativa de Débito, os quais lhe entregavam valores na confiança de que a ré viesse recolhe-los, a título de contribuições aos cofres públicos.

Para tanto contaria com o auxílio do corréu, que captava os clientes de sua imobiliária, noticiando a denúncia ao menos dezesseis casos de emissão de CND, mas o Juízo identificou a materialidade em relação apenas a duas CNDs - n.º 946631 e 010641999, emitidas em 16.05.1998 e 05.11.1999.

Segundo a r. sentença:


"A primeira encontra-se encartada à fl. 16, expedida em nome de Rui Barbosa, onde se observa a assinatura da corre Cleunice. O documento de fl. 18 - Aviso para Regularização de Obra, indica o valor dos débitos em R$ 1.220,45, também consta a assinatura da corre e há o lançamento da anotação "pg" indicando o seu pagamento em 18/5/98, data ali inserida a mão. À fl. 14 nota-se o cheque emitido por Rui Barbosa, nominal ao INSS, no exato valor já mencionado, sendo que à fl. 15, que retrata o verso do mesmo, revela que foi depositado na conta corrente de titularidade conjunta de Gaspar Rodrigues Nogueira e do corréu Gilmar Alves Nogueira. O primeiro é genitor dos acusados.
De maneira que, considerando o teor do documento de fl. 17, datado de 20/03/2002, que indica haver contribuições para o identificador (n.º 215180863764) bem como o depoimento da testemunha Rui Barbosa e o interrogatório da corre Cleunice, existe comprovação de que ocorreu subtração de valores destinados aos cofres do INSS, na medida em que o cheque dado em pagamento foi depositado em, conta particular a despeito da expedição de CND.
No tocante à segunda CND (n.º 010641999, emitida em 05.11.1999), verifico que o documento de fl. 19 dos autos em apenso - Aviso de Regularização de Obra datado de 05.11.1999, indica o valor de R$ 930,93, mesmo valor constante da guia de previdência social de fl. 20 e 103 daqueles autos, a qual, embora sem autenticação bancária, possui assinatura da corre Cleunice. À fl. 21 há documento (denominado CADASTRO: Dados da Obra) noticiando que a última atualização dos dados teria ocorrido em 05/01/1999, data da emissão da CND pela mencionada corre, conforme se depreende dos documentos de fl. 32 e 109.
Assim, considerando os documentos acima mencionados e o depoimento das testemunhas Wilson Correa Leite, no qual afirma que entregou ao réu Gilmar para pagamento do débito, o que foi confirmado pelo mesmo, bem ainda o interrogatório da corre Cleunice, entendo que também há comprovação de que houve subtração de valores destinados aos cofres do INSS, em relação à segunda CND, pois, apesar de ter recebido dinheiro para pagamento do débito, o mesmo foi utilizado em finalidade diversa.
Consta ainda que os valores referentes a essa última CND foram recolhidos em 16.08.2000 (fls. 757 dos presentes autos e 24 e 104 dos autos em apenso)."

Cleunice foi denunciada, também, por inserir dados falsos em sistemas de informações - art. 313-A do CP, introduzido pela Lei n.º 9.983, de 17.07.2000 -, conduta da qual fora absolvida, porque sua previsão legal se deu posteriormente aos fatos.


Dos recursos apresentados pela Defesa de Gilmar Alves Nogueira e do Ministério Público Federal, quanto a este réu.


Está prejudicada a análise dos recursos, em virtude da ocorrência da prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal, porquanto, ainda que exista recurso ministerial, pendente de apreciação pela Corte, tal insurgência se dá somente para que seja afastada caracterização do arrependimento posterior, que, na terceira fase da dosimetria da pena, diminuiu em 1/3 a pena-base mínima de 02 (dois) anos.

A prescrição, depois que transitar em julgado a r. sentença condenatória, regula-se pela pena aplicada (art. 110, §1º do CP).

Assim, ainda que seja provido nesta parte o recurso da acusação, tem-se que a pena privativa de liberdade não ultrapassaria 2 anos de reclusão, cujo lapso prescricional é quatro anos, a teor do art. 109, V, do CP.

Entre as datas dos primeiro e segundo fatos narrados e o recebimento da denúncia (em 28/07/2006 - fls. 213/214), já se passaram mais de 4 anos, sendo forçoso concluir pela extinção da punibilidade dos delitos imputados a Gilmar.


Dos recursos interpostos em relação à Cleunice Aparecida Nogueira Visin, pela defesa e pelo Ministério Público Federal.


O parecer Ministerial lançado nestes autos é no sentido de que a capitulação jurídica seja alterada, nos termos do art. 383, do CP, para o denominado peculato-desvio, previsto no, caput, parte final do art. 312 do CP.

A alteração é possível porque não haverá reformatio in pejus. O texto do art. 312 do CP, é no seguinte sentido:

Peculato
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

No caso dos autos, a ré foi acusada de tomar posse do cheque com o pretexto de depositá-lo aos cofres previdenciários e o desviou em proveito de seu irmão.

Entende o Ministério Público Federal que o delito previsto no caput requer que o funcionário tenha prévia posse do bem, o que diferencia este tipo de delito do peculato-furto, previsto no parágrafo primeiro do artigo em comento, no qual o agente não detém a posse da coisa.

Temos que a conduta melhor se amolda ao peculato-desvio, como quer o ministério público federal, devendo-se proceder a alteração na forma requerida, o que não trará qualquer prejuízo à ré, que se defendeu dos fatos descritos na denúncia.

A ré pretende, por sua vez, ser absolvida das condutas que lhe são atribuídas.

Entretanto, não bastasse emergir dos autos a materialidade delitiva, consoante já se especificou, a autoria delitiva também resta comprovada, além da prova documental, pela confissão da ré, corroborada pelo depoimento das testemunhas de acusação Wilson Corrêa Leite e Rui Barbosa, sendo que a defesa nada trouxe para alterar o quanto decidido pelo Juízo.

As demais questões possuem envolvimento com a dosimetria da pena.

A ré teve a pena-base fixada acima do mínimo legal, em 4 anos de reclusão e 20 dias-multa, por não se tratar de simples servidora, mas de servidora que tinha o dever de fiscalizar a arrecadação de contribuições, devendo zelar para que não houvesse a falta de pagamento, desvio ou fraudes à Previdência, mostrando com isso que o grau de culpabilidade está acima do comum.

Concluiu a r. sentença que as circunstâncias do delito se revelaram de maneira intensa, na medida em que além de se apropriar de valores destinados ao INSS, a ré emitira CND, acobertando o ilícito, ainda que temporariamente.

Estabeleceu, por fim, que as conseqüências do delito são de grande monta.

Como se verifica, há razões bastantes para que a pena seja aplicada acima do mínimo legal, porém o aumento foi desmedido. Embora não desprezíveis os valores dos quais a ré se apropriou, também não se pode considerá-los de grande monta.

Procede, nesta parte, o recurso da defesa, estipulando-se, de forma razoável e proporcional, a pena-base em 03 (três anos de reclusão).

Na segunda fase da dosimetria, foi reconhecida a circunstancia atenuante da confissão (art. 65, III, "d", do CP), havendo redução no patamar de 1/6, e, também, da circunstância agravante, isto é, o agente ter cometido o crime com violação de dever inerente ao cargo (art. 61, II, letra "g", do CP), o que estabeleceu o Juízo sentenciante não configurar bis in idem, argumentando:


"não se trata de fundamentação idêntica àquela exposta para a fixação da pena base. Não. Naquele momento, o exercício da chefia do setor de arrecadação é que intensificou sua culpabilidade, ao contrário da simples violação de dever, inerente a todos os servidores, de caráter geral."

Ao contrário do aduzido pela acusação, está presente o instituto da confissão espontânea (artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal), pois, apesar da alegação de excludente (dificuldades financeiras que justificariam suas condutas) a ré confessou a prática delitiva, o que basta ao reconhecimento da atenuante, sendo certo que o patamar de redução de 1/6 (um sexto), relativo à pena da ré, se mostra razoável e proporcional ao caso em tela.

Confira-se jurisprudência no mesmo sentido:


..EMEN: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 65, III, "D", DO CP. OCORRÊNCIA. CONFISSÃO QUALIFICADA. ALEGAÇÃO DE EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. É assente neste Tribunal Superior o entendimento de que "a invocação de excludente de ilicitude não obsta a incidência da atenuante da confissão espontânea". (HC 142.853/SP, de minha relatoria, SEXTA TURMA, DJe 16/11/2010) 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN:
(AGARESP 201201576375, MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:01/08/2013 ..DTPB:.)

Por outro lado, a aplicação da agravante referente à violação de dever inerente ao cargo é indevida em relação ao crime de peculato, por implicar em bis in idem. Nesse sentido a jurisprudência desta Corte:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. PECULATO-FURTO. ARTIGO 312, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. SUBTRAÇÃO DE MATERIAL ASFÁLTICO FRESADO PERTENCENTE AO DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES DEPOSITADO ÀS MARGENS DE RODOVIA FEDERAL. - A aventada ocorrência de prescrição em perspectiva encontra óbice na Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça - "É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal" - e em precedente do próprio Órgão Especial (Ação Penal nº 0018319-31.1999.4.03.0000, rel. Desembargador Federal Márcio Moraes, j. em 10.10.2012). - Insubsistência da alegada inépcia da inicial, dada a presença dos requisitos constantes dos artigos 41 e 395 do Código de Processo Penal: exposição inequívoca da conduta delituosa, com a descrição dos fatos que amparam a atividade persecutória, bem como das elementares do tipo penal em referência, distinguindo-se a atuação de cada um dos acusados de forma a propiciar a ampla defesa. - A inexistência de prejuízo à Administração não descaracteriza o peculato, crime pluriofensivo que tem como objeto jurídico a ofensa aos interesses patrimonial e moral, consistindo em mero exaurimento eventual vantagem proveniente do ilícito. - Inaplicabilidade do princípio da insignificância, consoante entendimento jurisprudencial consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, ante a relevância jurídico-penal da conduta dos acusados: a subtração de grande quantidade de material asfáltico fresado de propriedade do DNIT (aproximadamente duzentos metros cúbicos, equivalentes a vinte viagens de caminhão) - cujo uso sob a forma de material bruto ou após processado em usina de reciclagem é de utilidade em obras públicas de relevante interesse social, notório seu emprego na pavimentação de estradas rurais e vicinais ou mesmo na recuperação de acessos das pequenas cidades do interior às rodovias que as margeiam, melhorando as condições das superfícies de rolamento e trazendo maior conforto e principalmente segurança aos usuários -, valendo-se os agentes de maquinário e mão-de-obra da Prefeitura conseguidos em razão da condição de vereador de um dos co-réus, não pode ser considerada irrisória para fins penais, nem sequer permite vislumbrar grau reduzido de reprovabilidade da ação a ponto de modelá-la como insignificante. - Matéria preliminar rejeitada. - Instrução criminal: os interrogatórios dos réus, refeitos inclusive ao final da colheita de provas, os depoimentos das testemunhas indicadas por acusação e defesa e a oitiva em juízo dos peritos responsáveis pela elaboração de laudo de exame de local, vieram confirmar os elementos já reunidos em sede de inquérito policial que deram ensejo à denúncia pelo tipo penal descrito no artigo 312, § 1º, do Código Penal, decorrente da subtração de asfalto fresado, resultante de obras de restauração de pista de rolamento, pertencente ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. - Autoria e materialidade delitivas devidamente comprovadas: Flávio Adreano Gomes e Rodrigo Gomes, conforme admitido por eles próprios, valendo-se de pá mecânica carregadeira e caminhões da prefeitura, promoveram a remoção do material fresado do local onde se encontrava depositado, à beira da BR-163 a alguns poucos quilômetros na estrada em obras, estocando-o de frente ao Hotel e Restaurante Congonhas, nas cercanias do Posto São Pedro, conforme levantamento fotográfico do material lá espalhado constante do laudo pericial produzido no curso da investigação a pedido do Ministério Público, para o fim de tapar os buracos da área marginal à rodovia que servia de acesso a ambos os estabelecimentos localizados na entrada para o Distrito de Congonhas, Município de Bandeirantes/MS. - Presentes a elementar normativa do peculato, consistente em valer-se o agente "de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário", à vista dos acusados terem se valido da condição de vereador de Bandeirantes/MS, à época dos fatos, de Flávio Adreano Gomes, atual prefeito municipal, para a subtração do material de propriedade do DNIT, e o componente subjetivo do injusto, evidenciado o dolo na remoção do asfalto fresado com o intuito de empregá-lo na pavimentação da área do posto e hotel/restaurante pertencentes à família dos réus à época dos fatos, tirando-se proveito a tanto da posição ocupada politicamente por um dos irmãos. - Inconteste a culpa de ambos os acusados no cometimento do peculato em questão, concorrentes à caracterização da hipótese delitiva a facilidade que a condição de vereador proporcionava a Flávio Adreano Gomes e a participação decisiva de Rodrigo Gomes, dele partindo a iniciativa de apropriação do material que o DNIT mantinha estocado na beira da rodovia, com o objetivo de calçar com o referido asfalto moído a entrada do distrito da cidade que dava acesso igualmente ao Posto São Pedro e ao Hotel e Restaurante Congonhas, reivindicando ao irmão vereador, ao argumento de que as pessoas reclamavam muito quanto à buraqueira da região, que providenciasse o necessário à remoção em tela, manifesta, assim, a unidade de propósitos na subtração de bem público. - Dosimetria: fixação de pena que se afasta do mínimo legal em razão da culpabilidade verificada nas condutas de forma intensa - maior em relação a Flávio Adreano Gomes, dadas sua condição de vereador em Bandeirantes/MS e influência em toda a comunidade, tendo inclusive vencido a eleição seguinte para prefeito, a gerar reprovação social mais acentuada ainda -, sobretudo em razão da total liberalidade dos réus em pretenderem beneficiar a si próprios com a remoção do material fresado sem o consentimento do DNIT, valendo-se do cargo exercido por um dos irmãos e ignorando até mesmo o aguardo de eventual resposta ao requerimento enviado para o fim de ver liberado o aproveitamento do asfalto fresado nos acessos aos estabelecimentos de propriedade da família; bem como das circunstâncias em que praticado o delito, induzindo-se em erro para obtenção da liberação do maquinário da prefeitura necessário à remoção, sob o pretexto de já terem alcançado junto ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes autorização para apropriação do asfalto fresado depositado às margens da BR-163, tanto o Sub-prefeito do Distrito de Congonhas quanto o Secretário de Obras do município. - Pena-base privativa de liberdade estabelecida em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão para Flávio Adreano Gomes e 3 (três) anos de reclusão para Rodrigo Gomes. - Delimitação da pena-base das sanções pecuniárias tomando em consideração as circunstâncias judiciais em proporção equivalente: 50 (cinquenta) dias-multa para Flávio Adreano Gomes e 40 (quarenta) dias-multa para Rodrigo Gomes, arbitrando-se o valor de cada dia-multa em 1 (um) salário mínimo, vigente à época da ocorrência e sujeito a correção monetária. - A incidência da circunstância descrita no artigo 61, inciso II, alínea g, sob a justificativa de violação de dever inerente ao cargo público por parte de Flávio Adreano Gomes, revela-se fora de propósito em face do princípio no bis in idem, não se exacerbando a pena quando o fato tido como delituoso tem como elemento do próprio tipo a causa da majoração. - Inexistentes agravantes ou atenuantes, nem sequer causas de aumento ou diminuição, resultam definitivas as penas privativas de liberdade em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão para Flávio Adreano Gomes e 3 (três) anos de reclusão para Rodrigo Gomes, mais a condenação de 50 (cinquenta) dias-multa para Flávio Adreano Gomes e 40 (quarenta) dias-multa para Rodrigo Gomes. - Efeito extrapenal da condenação: decretação, em relação ao acusado Flávio Adreano Gomes, da perda do cargo de Prefeito Municipal de Bandeirantes/MS, com fundamento no artigo 92, inciso I, alínea a, do Código Penal. - Regime inicial de cumprimento de pena: aberto (artigo 33, § 2º, alínea c, do Código Penal). - Substituição do castigo corporal imposto, porquanto observados os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, por prestação pecuniária em favor da União, no montante de 10 (dez) salários mínimos para cada réu (CP, artigo 45, § 1º), e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser definida em juízo de execução (Lei 7.210/84, artigos 147 e seguintes), pelo mesmo prazo das penas privativas de liberdade.(APN 00078147620064036000, DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, TRF3 - ORGÃO ESPECIAL, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/01/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Com base nesses assentamentos, o quantum da pena, que nesta fase perfez 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 16 dias-multa, em virtude do reconhecimento da atenuante, com a modificação da pena-base (para 03 anos), restará fixada em 02 (dois) anos, 6 (seis) meses e 12 (doze) dias-multa e assim deverá permanecer, sem o aumento de 1/6, referente à agravante em comento.

Na terceira fase da dosimetria, somente a majorante da continuidade delitiva (art. 71, do CP) foi aplicada na sentença, na proporção de 1/6, tendo em vista que a ré praticou dois delitos.

Observa-se que, por mais de uma ação, Cleunice praticou dois crimes da mesma espécie, os quais pelas condições semelhantes de lugar, maneira de execução e outras semelhantes, deveria o fato subseqüente - CND expedida em favor de Wilson Correa Leite - ser havido como continuação do primeiro, aplicando, como fez o magistrado singular, a pena de um deles, a teor do art. 71 do Código Penal, não fosse o grande período entre um delito e outro.

O Ministério Público Federal requer seja caracterizado o sistema da acumulação material para a fixação da pena de Cleunice.

O inconformismo refere-se justamente ao lapso temporal acima do qual, diz o Parquet, não é possível reconhecer a similitude das condições de tempo no crime continuado, qual seja, trinta dias, conforme construção jurisprudencial.


..EMEN: HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS. PEDIDO DEFERIDO PELO JUÍZO DA VEC. DECISÃO REFORMADA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. LAPSO TEMPORAL ENTRE AS CONDUTAS SUPERIOR A 30 DIAS. MERA REITERAÇÃO CRIMINOSA. PRECEDENTES. NECESSIDADE DE AMPLA DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPROPRIEDADE DO MANDAMUS. PRECEDENTES DO STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. A continuidade delitiva, segundo posição majoritária da doutrina e da jurisprudência, é uma ficção jurídica criada para beneficiar o criminoso eventual, de sorte que, não obstante a pluralidade de crimes, considera-se a existência de um só, conforme o preenchimento dos requisitos objetivos (delitos da mesma espécie, condições de tempo, lugar e modo de execução semelhantes) e subjetivos (unidade de desígnios). 2. Na hipótese, constatou-se a inexistência do requisito objetivo temporal entre as ações perpetradas pelo agente, porquanto os delitos foram praticados em intervalo de tempo superior a 30 dias. Dessa forma é inviável o reconhecimento do crime continuado conforme precedentes desta Corte Superior. 3. A comprovação da existência dos requisitos objetivos e subjetivos para o reconhecimento da continuidade delitiva implica em ampla dilação probatória, providência sabidamente inviável em HC. 4. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial. ..EMEN:
(HC 201001669775, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:04/04/2011 ..DTPB:.)

Com razão a acusação. Passa-se à fixação da pena referente à segunda conduta, tal qual se fez em relação à fundamentação dada ao primeiro fato punido, já que a culpabilidade e as circunstâncias do delito, foram bem justificadas na aplicação da pena-base em 03 (três) anos. Da mesma forma, houve confissão da ré, e não se pode aplicar a agravante genérica, consoante fundamentação acima, devendo a pena ser fixada em 02 (dois) anos, 6 (seis) meses e 12 (doze) dias-multa.

Havendo a soma das penas dos dois crimes, chegamos ao total de 5 (cinco) anos de reclusão e 24 (vinte e quatro) dias-multa, mantido o regime semiaberto inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 33 do Código Penal).

Ante o exposto, reconheço a prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal quanto a Gilmar Alves Nogueira, julgando por conseqüência prejudicados os recursos da acusação e da defesa, no tocante a este réu. Dou parcial provimento ao recurso da defesa de Cleunice Aparecida Nogueira, para atenuar a pena da primeira conduta, na forma da fundamentação contida neste voto, para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e 12 (doze) dias-multa, bem como dou parcial provimento ao recurso ministerial, para reconhecer o concurso material de crimes (art. 312, caput, do CP, por duas vezes, na forma do art. 69, do CP), cujas penas, somadas, implicam na condenação da ré Cleunice Aparecida Nogueira, ao cumprimento da pena de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto e 24 (vinte e quatro) dias-multa, que torno definitiva, mantendo a r. sentença nos demais aspectos.

É como voto.


LUIZ STEFANINI
Desembargador Federal


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