Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 21/11/2013
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015812-81.2009.4.03.6100/SP
2009.61.00.015812-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
APELANTE : THEREZINHA OLIVEIRA DE ABREU (= ou > de 65 anos) e outro
: HERCY CRISTINA DE OLIVEIRA ABREU
ADVOGADO : SP042143 PERCIVAL MENON MARICATO e outro
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
No. ORIG. : 00158128120094036100 16 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 107 DA CF/1967. VIÚVA E FILHA DE PRESO POLÍTICO NO PERÍODO DE DITADURA MILITAR. FATO LESIVO, DANO MORAL E NEXO CAUSAL COMPROVADOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- As autoras pleiteiam indenização por danos morais, que, segundo alegam, foram causados em razão de prisões arbitrárias e perseguições que seu pai/marido sofreu, por motivos políticos, durante o regime militar, nas quais foi ameaçado e torturado física e psicologicamente por oficiais. Tais prisões atingiram a família, na medida em que causavam angústia e temor à esposa e à filha ainda criança à época, tanto por não se saber o paradeiro do preso, como pelas condições em que ele voltava pra casa, muito abalado e com muitos traumas.
- À época dos fatos vigia a Constituição Federal de 1967, a qual, assim como a Carta de 1988, impunha ao Estado o dever de indenizar os danos causados a terceiros por seus agentes, independentemente da prova do dolo ou culpa. Tal norma firmou, em nosso sistema jurídico, o postulado da responsabilidade civil objetiva do poder público, sob a modalidade do risco administrativo. A doutrina é pacífica no que toca à sua aplicação em relação aos atos comissivos, contudo, diverge em relação aos atos omissivos. Prevalece no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o referido princípio constitucional se refere tanto à ação quanto à omissão.
- Segundo a doutrina, para fazer jus ao ressarcimento em juízo, cabe à vítima provar o nexo causal entre o fato ofensivo, que, segundo a orientação citada, pode ser comissivo ou omissivo, e o dano, assim como o seu montante. De outro lado, o poder público somente se desobrigará se provar a culpa exclusiva do lesado.
- Comprovado que o pai/marido das autoras foi preso, considerado subversivo e perseguido pelos órgãos de segurança pública nacionais, civis e militares, bem como que teve sua rádio fechada e seu mandato de deputado federal cassado, tudo em razão de seus ideais políticos. De outro lado, apesar de não haver prova da tortura, é notório o tratamento violento, humilhante e degradante que era oferecido aos presos dessa natureza durante o regime militar.
- A demonstração de todo o sofrimento do pai de família, é o bastante para demonstrar tudo o que esse grupo familiar suportou naquele período. É mais do que evidente que, se o "arrimo de família" tem todos os seus direitos individuais violados, tal irá refletir diretamente em todos os indivíduos pertencentes àquele grupo, que dependem dele não só economicamente, como também emocionalmente. São notórios os danos morais sofridos pelas requerentes, consubstanciados na perturbação de ordem psíquica e social suportada em razão de todos esses terríveis atos praticados contra o integrante da família, que além de tudo que sofreu em termos de restrição de liberdade e violência, ainda teve seu nome estampado nos jornais como um criminoso, inimigo da pátria. É certo que toda essa circunstância que representou um atentado violento à dignidade do indivíduo afetou de forma contunde a esposa e filha, que na época ainda era uma criança e teve que conviver com a truculência com que seu pai foi tratado pelo regime militar e compele a uma indenização como forma de reparação.
- A indenização por danos morais não é devida propriamente em razão das sequelas físicas ou psicológicas decorrentes de atos dos agentes do regime ditatorial, mas sim por causa do sofrimento incomensurável suportado pelas requerentes, em razão de toda a condição humilhante, degradante e cruel a que seu pai/marido foi submetido que as atingiram diretamente.
- Configurou-se o nexo causal, na medida em que o dano moral comprovado foi resultado da conduta dos agentes federais e estaduais, no caso os policiais do DEOPS, e do próprio regime militar que propiciou o cometimento de toda a série de arbitrariedades, privações, segregações e violências físicas e morais contra o pai/marido das autoras e as afetaram de forma imediata e duradoura em sua dignidade. Ademais, o ente estatal não provou causa excludente de responsabilidade. Assim, é de rigor a reparação às apelantes.
- O valor da indenização, segundo doutrina e jurisprudência pátrias, tem duplo conteúdo, de sanção e compensação. Certamente, as situações humilhantes, revoltantes e violentas às quais as apelantes foram submetidas em virtude das convicções políticas de seu pai/marido, por um Estado que, ao invés de proporcionar segurança ao cidadão, agia de forma criminosa contra ele, lhes tiraram a tranquilidade e lhes provocaram graves transtornos sociais e traumas de ordem psicológica, com os quais terão que conviver ao longo de sua vida. Diante desse quadro, a indenização deve ser fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada uma delas, como forma de atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e cumprir os critérios mencionados.
- A correção monetária incidira a partir da presente data (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça), a ser calculada na forma da Resolução nº 134 de 21.12.2010 do Conselho da Justiça Federal, que instituiu o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
- Os juros moratórios incidirão, a contar da data do evento danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça) que, no caso, deve ser considerado o dia 20.09.1964, data em que ocorreu a prisão do falecido, à razão de 6% (seis por cento) ao ano, observado o limite prescrito nos arts. 1.062 e 1.063 do Código Civil/1916 até a entrada em vigor do novo Código, quando submeter-se-á à regra contida no art. 406 deste último diploma, que, nos moldes de precedentes do Superior Tribunal de Justiça, corresponde à taxa SELIC. A correção monetária não incide no último período, porque é fator que já compõe a referida taxa.
- Por se tratar de ação em que foi vencida a fazenda pública, a fixação dos honorários advocatícios deverá ser feita conforme apreciação equitativa, sem a obrigatoriedade de adoção, como base para o cômputo, do valor da causa ou da condenação, conforme artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do CPC. Dessa forma, considerado o trabalho realizado e a natureza da causa, devem ser fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), dado que propiciam remuneração adequada e justa ao profissional
- Apelação provida em parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 31 de outubro de 2013.
André Nabarrete
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANDRE NABARRETE NETO:10023
Nº de Série do Certificado: 6BAA9E1A525190D6
Data e Hora: 11/11/2013 19:28:04



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015812-81.2009.4.03.6100/SP
2009.61.00.015812-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
APELANTE : THEREZINHA OLIVEIRA DE ABREU (= ou > de 65 anos) e outro
: HERCY CRISTINA DE OLIVEIRA ABREU
ADVOGADO : SP042143 PERCIVAL MENON MARICATO e outro
APELADO : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
No. ORIG. : 00158128120094036100 16 Vr SAO PAULO/SP

VOTO

I - DOS FATOS NARRADOS NA INICIAL


As autoras pleiteiam indenização por danos morais, que, segundo alegam, foram causados em razão de prisões arbitrárias e perseguições que seu pai/marido - DORIVAL MASCI DE ABREU - sofreu, por motivos políticos, durante o regime militar, nas quais foi ameaçado e torturado física e psicologicamente por oficiais. Tais prisões atingiram a família, na medida em que causavam angústia e temor à esposa e à filha ainda criança à época, tanto por não se saber o paradeiro do preso, como pelas condições em que ele voltava pra casa, muito abalado e com muitos traumas. Consoante relatam, o falecido foi deputado federal eleito em 1968 e também era proprietário de uma rádio e, devido aos seus ideais políticos, foi cassado e teve sua emissora fechada. Pleiteiam indenização por danos morais em razão desses fatos, que lhes teriam produzido "dor física, dor na alma, atingiram-lhes a auto-estima, sua reputação, sua honra, causaram-lhes humilhação, pânico ante os perigos, a crueldade, a torpeza, a excrescência que era o regime, comprometeram sua felicidade, seu passado, seu presente e seu futuro".


II - DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO


À época dos fatos vigia a Constituição Federal de 1967, a qual, assim como a Carta de 1988, impunha ao Estado o dever de indenizar os danos causados a terceiros por seus agentes, independentemente da prova do dolo ou culpa, verbis:


Art. 107. As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiros.
Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo.

Tal norma firmou, em nosso sistema jurídico, o postulado da responsabilidade civil objetiva do poder público, sob a modalidade do risco administrativo. A doutrina é pacífica no que toca à sua aplicação em relação aos atos comissivos, contudo, diverge em relação aos atos omissivos. Prevalece no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o referido princípio constitucional se refere tanto à ação quanto à omissão, o qual encontra apoio na doutrina de Hely Lopes Meireilles, dentre outros. Segundo esse autor:


"Desde que a Administração defere ou possibilita ao servidor a realização de certa atividade administrativa, a guarda de um bem ou a condução de uma viatura, assume o risco de sua execução e responde civilmente pelos danos que esse agente venha a causar injustamente a terceiros. Nessa substituição da responsabilidade individual do servidor pela responsabilidade genérica do Poder Público, cobrindo o risco da sua ação ou omissão, é que assenta a teoria da responsabilidade objetiva da Administração, vale dizer, da responsabilidade sem culpa, pela só ocorrência da falta anônima do serviço, porque esta falta está, precisamente, na área dos riscos assumidos pela Administração para a consecução de seus fins". (Direito Administrativo Brasileiro, 36ª atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 687)

Nesse sentido trago à colação os seguintes julgados das cortes superiores:


RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO - ELEMENTOS ESTRUTURAIS - PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - INFECÇÃO POR CITOMEGALOVÍRUS - FATO DANOSO PARA O OFENDIDO (MENOR IMPÚBERE) RESULTANTE DA EXPOSIÇÃO DE SUA MÃE, QUANDO GESTANTE, A AGENTES INFECCIOSOS, POR EFEITO DO DESEMPENHO, POR ELA, DE ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM HOSPITAL PÚBLICO, A SERVIÇO DA ADMINISTRAÇÃO ESTATAL - PRESTAÇÃO DEFICIENTE, PELO DISTRITO FEDERAL, DE ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL - PARTO TARDIO - SÍNDROME DE WEST - DANOS MORAIS E MATERIAIS - RESSARCIBILIDADE - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. A omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes. - A jurisprudência dos Tribunais em geral tem reconhecido a responsabilidade civil objetiva do Poder Público nas hipóteses em que o "eventus damni" ocorra em hospitais públicos (ou mantidos pelo Estado), ou derive de tratamento médico inadequado, ministrado por funcionário público, ou, então, resulte de conduta positiva (ação) ou negativa (omissão) imputável a servidor público com atuação na área médica. - Servidora pública gestante, que, no desempenho de suas atividades laborais, foi exposta à contaminação pelo citomegalovírus, em decorrência de suas funções, que consistiam, essencialmente, no transporte de material potencialmente infecto-contagioso (sangue e urina de recém-nascidos). - Filho recém-nascido acometido da "Síndrome de West", apresentando um quadro de paralisia cerebral, cegueira, tetraplegia, epilepsia e malformação encefálica, decorrente de infecção por citomegalovírus contraída por sua mãe, durante o período de gestação, no exercício de suas atribuições no berçário de hospital público. - Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido.(STF, RE 495740 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/04/2008, DJe-152 DIVULG 13-08-2009 PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-07 PP-01432 RTJ VOL-00214- PP-00516)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. OMISSÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. FALTA DE SINALIZAÇÃO. ART. 37, § 6º, CF/88. NEXO CAUSAL. FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Existência de nexo causal entre a omissão da autarquia e acidente que causou morte do marido e filhos da autora. Precedentes. 2. Incidência da Súmula STF 279 para afastar a alegada ofensa ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal - responsabilidade objetiva do Estado. 3. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão agravada. 4. Agravo regimental improvido.(STF, AI 693628 AgR, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 01/12/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-13 PP-02452 LEXSTF v. 32, n. 373, 2010, p. 91-96)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MATERIAIS. BURACO NA VIA. RODA ARRANCADA DO EIXO DO REBOQUE DO CAMINHÃO. CAPOTAMENTO DO VEÍCULO QUE TRAFEGAVA NA DIREÇÃO CONTRÁRIA. ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL E DE PREQUESTIONAMENTO.
1. Fundando-se o Acórdão recorrido em interpretação de matéria eminentemente constitucional, descabe a esta Corte examinar a questão, porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional.
2. Controvérsia dirimida pelo C. Tribunal a quo à luz da Constituição Federal, razão pela qual revela-se insindicável a questão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial. Precedentes: REsp 889.651/RJ, DJ 30.08.2007;REsp n.º 808.045/RJ, DJU de 27/03/2006; REsp n.º 668.575/RJ, Primeira Turma, Relator Min. Luiz Fux, DJU de 19/09/2005.
3. In casu, restou assentado no acórdão proferido pelo Tribunal a quo, verbis: (...) Restou, pois, demonstrado o nexo de causalidade entre a omissão do DNIT em não corrigir as falhas na pavimentação da rodovia na qual ocorreu o acidente, e os prejuízos causados ao veículo da Autora. Fica caracterizada no caso concreto, portanto, a responsabilidade civil objetiva da Autarquia, o que acarreta a obrigação de indenizar. Sobre a responsabilidade civil objetiva da Administração, dispõe o parágrafo 6º, do artigo 37, da Constituição Federal, "verbis": "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."(grifei).
Estando, pois, presentes os pressupostos necessários à configuração da responsabilidade civil objetiva, quais sejam: a omissão estatal (o DNIT não procedeu à conservação da rodovia); a ocorrência de danos materiais no veículo da Autora em consequência do acidente; e o nexo de causalidade entre o fato da omissão estatal e o dano, cabe ao DNIT o ônus de indenizar à Autora. (fls. 107e 108).
4. A ausência de indicação da lei federal violada revela a deficiência das razões do Recurso Especial, fazendo incidir a Súmula 284 do STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia." 5. A admissão do Recurso Especial pela alínea "c" exige a comprovação do dissídio na forma prevista pelo RISTJ, com a demonstração das circunstâncias que assemelham os casos confrontados, não bastando, para tanto, a simples transcrição das ementas dos paradigmas (Precedentes:AgRg no AG 394.723/RS, Rel. Min.
Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 19/11/2001; REsp 335.976/RS, Rel. Min.
Vicente Leal, DJ 12/11/2001).
6. Recurso especial não conhecido.
(STJ, REsp 1103840/PE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/04/2009, DJe 07/05/2009)

Frise-se o ensinamento do Ministro Celso de Mello, expresso em precedentes da corte suprema de sua relatoria, como o citado, o qual sumariza de forma bastante didática os elementos caracterizadores desse dever do Estado de indenizar em razão de danos causados por seus agentes, verbis:


Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.

Segundo a doutrina, para fazer jus ao ressarcimento em juízo, cabe à vítima provar o nexo causal entre o fato ofensivo, que, segundo a orientação citada, pode ser comissivo ou omissivo, e o dano, assim como o seu montante. De outro lado, o poder público somente se desobrigará se provar a culpa exclusiva do lesado.


No caso dos autos, impõe-se o dever de reparação dos danos morais sofridos pelas autoras.


Ressalte-se que a circunstância de à época dos fatos não haver previsão constitucional expressa do dano moral indenizável, como fez o constituinte de 1988 no artigo 5º, X, da CF, não afasta a responsabilidade do Estado, na medida em que o artigo 107 da CF citado quando tratou desse tema não qualificou o dano indenizável, o que leva a concluir que qualquer dano causado por agente do ente estatal no exercício da função é passível de ressarcimento.


De outro lado, o fato de o artigo 8º do ADCT abranger somente os danos materiais também não impede o deferimento do pleito em questão, uma vez que, conforme mencionado, o fundamento jurídico da demanda é outro, qual seja, o artigo 107 da CF/1967.


III - DA LESÃO


A fim de comprovar suas alegações, as autoras apresentaram cópia dos seguintes documentos:


a) certidão de casamento da autora THEREZINHA OLIVEIRA DE ABREU com DORIVAL NASCI DE ABREU, o qual ocorreu em 15.12.1953 (fl. 21);


b) documento de identidade da autora HERCY CRISTINA DE OLIVEIRA ABREU, que demonstra que é filha de DORIVAL (fl. 19);


c) certidão de óbito de DORIVAL, ocorrido em 19.07.2004 (fl. 22);


d) relatório do Delegado de Polícia que atuava na Delegacia Especializada de Ordem Social, em que DORIVAL foi citado como deputado cassado pela Revolução (fls. 23/24);


e) documento do Ministério da Aeronáutica que demonstra que ele era investigado/monitorado pelos militares (fl. 25);


f) notícia de jornal que informa que ele readquiriu seus direitos políticos durante o governo Geisel (fl. 26);


g) auto de qualificação e interrogatório de DORIVAL, realizado na Delegacia Especializada de Ordem Política, datado de 07.12.1967 (fls. 69/74);


h) termo de declarações dele, efetuado na Delegacia Especializada de Ordem Política, datado de 21.05.1964 (fls. 82/83);


i) notícia do Jornal Diário Popular, datada de 30.03.1965, que informa que a denúncia formulada no inquérito do DOPS a respeito de subversão na Rádio Marconi não foi aceita pela 2ª Auditoria de Guerra e que por essa razão determinou-se que ele, diretor da emissora, que estava recolhido no Hospital, fosse posto em liberdade (fl. 84);


j) notícia do Jornal Última Hora, datada de 01.03.1965, que dá conta de que ele, diretor da Rádio Matarazzo, teve a prisão preventiva decretada pelo CJM, da 2ª Auditoria da Guerra. Segundo a nota, ele sofreu um trauma emocional, decorrente da medida, e foi internado no Hospital Matarazzo, onde ficou sob vigilância dos agentes do DOPS. Relatou-se também que "durante a revolução de 1º de abril, houve uma série de diligências naquela estação radiofônica, que culminou com a interrupção das suas atividades. O DOPS apreendeu gravações e documentos, carreando-os para a Delegacia de Ordem Política (...)" (fl. 85);


k) outros recortes de jornais da época que veiculavam notícias a respeito do seu envolvimento com movimentos de resistência às forças revolucionárias e de seu apoio ao governo João Goulart (fl. 86/91);


l) relatório realizado pela Delegacia Especializada de Ordem Política, cujas informações foram extraídas do arquivo geral, em que constam todas as prisões que ele sofreu por fatos de sua vida política que interessavam à polícia, o fechamento de sua rádio, a cassação de seu mandato, tudo no período 25/09/1958 a 22/09/72.


Destarte, está exaustivamente comprovado que o pai/marido das autoras foi preso, considerado subversivo e perseguido pelos órgãos de segurança pública nacionais, civis e militares, bem como que teve sua rádio fechada e seu mandato de deputado federal cassado, tudo em razão de seus ideais políticos. De outro lado, apesar de não haver prova da tortura, é notório o tratamento violento, humilhante e degradante que era oferecido aos presos dessa natureza durante o regime militar.


IV - DO DANO MORAL


A juíza de primeiro grau entendeu inexistir prova do dano moral. No entanto, entendo que os elementos probatórios apresentados nos autos, que demonstram todo o sofrimento do pai dessa família, são o bastante para evidenciar tudo o que esse grupo familiar suportou naquele período. É mais do que incontroverso que, se o "arrimo de família" tem todos os seus direitos individuais violados, tal irá refletir diretamente em todos os indivíduos pertencentes àquele grupo, que dependem dele não só economicamente, como também emocionalmente. São notórios os danos morais sofridos pelas requerentes, consubstanciados na perturbação de ordem psíquica e social suportada em razão de todos esses terríveis atos praticados contra o integrante da família, que além de tudo que sofreu em termos de restrição de liberdade e violência, ainda teve seu nome estampado nos jornais como um criminoso, inimigo da pátria. É certo que toda essa circunstância, que representou um atentado violento à dignidade do indivíduo, afetou de forma contunde a esposa e filha, que na época ainda era uma criança e teve que conviver com a truculência com que seu pai foi tratado pelo regime militar e compele a uma indenização como forma de reparação.


Ressalte-se que a indenização por danos morais não é devida propriamente em razão das sequelas físicas ou psicológicas decorrentes de atos dos agentes do regime ditatorial, mas sim por causa do sofrimento incomensurável suportado pelas requerentes, em razão de toda a condição humilhante, degradante e cruel a que seu pai/marido foi submetido que as atingiram diretamente.


V - DO NEXO CAUSAL


Configurou-se o nexo causal, na medida em que o dano moral comprovado foi resultado da conduta dos agentes federais e estaduais, no caso os policiais do DEOPS, e do próprio regime militar que propiciou o cometimento de toda a série de arbitrariedades, privações, segregações e violências físicas e morais contra o pai/marido das autoras e as afetaram de forma imediata e duradoura em sua dignidade. Ademais, frise-se que o ente estatal não provou causa excludente de responsabilidade. Assim, é de rigor a reparação às apelantes.


VI - VALOR DA INDENIZAÇÃO


Quanto ao valor da indenização, segundo doutrina e jurisprudência pátrias, tem duplo conteúdo, de sanção e compensação. Certamente, as situações humilhantes, revoltantes e violentas às quais as apelantes foram submetidas em virtude das convicções políticas de seu pai/marido, por um Estado que, ao invés de proporcionar segurança ao cidadão, agia de forma criminosa contra ele, lhes tiraram a tranquilidade e lhes provocaram graves transtornos sociais e traumas de ordem psicológica, com os quais terão que conviver ao longo de sua vida. Diante desse quadro, penso que a indenização deve ser fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada uma delas, como forma de atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e cumprir os critérios mencionados.


VII - CONSECTÁRIOS LEGAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS


Sobre o valor da condenação incidirá correção monetária a partir da presente data (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça), a ser calculada na forma da Resolução nº 134 de 21.12.2010 do Conselho da Justiça Federal, que instituiu o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, bem como juros moratórios, a contar da data do evento danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça) que, no caso, deve ser considerado o dia 20.09.1964, data em que ocorreu a prisão do autor, em 6% (seis por cento) ao ano, observado o limite prescrito nos arts. 1.062 e 1.063 do Código Civil/1916 até a entrada em vigor do novo Código, quando submeter-se-á à regra contida no art. 406 deste último diploma, que, nos moldes de precedentes do Superior Tribunal de Justiça, corresponde à taxa SELIC. Inaplicável o artigo 1º-F da Lei nº 9494/97, com a redação dada pelo artigo 5º da Lei nº 11.960/2009, o qual dispõe que a atualização monetária será calculada de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, à vista de que foi declarado inconstitucional "por arrastamento" quando do julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425 pelo Supremo Tribunal Federal, cujo acórdão está pendente de publicação. Ressalve-se que a correção monetária não incide no último período, porque é fator que já compõe a referida taxa (REsp 1139997/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 23/02/2011; REsp 938.564/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 16/02/2011).


Verifico que se trata de ação em que foi vencida a fazenda pública, razão pela qual a fixação dos honorários advocatícios deverá ser feita conforme apreciação equitativa, sem a obrigatoriedade de adoção, como base para o cômputo, do valor da causa ou da condenação, conforme artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do CPC. Dessa forma, considerado o trabalho realizado e a natureza da causa, fixo-os em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), dado que propiciam remuneração adequada e justa ao profissional.


VIII - DISPOSITIVO


Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para julgar parcialmente procedente a ação e condenar a União a pagar às autoras indenização por danos morais no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada uma e honorários advocatícios no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Os juros de mora e a correção monetária incidirão conforme consignado no voto. Custas na forma da lei.



André Nabarrete
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANDRE NABARRETE NETO:10023
Nº de Série do Certificado: 6BAA9E1A525190D6
Data e Hora: 11/11/2013 19:28:08