D.E. Publicado em 21/11/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Nº de Série do Certificado: | 6BAA9E1A525190D6 |
Data e Hora: | 11/11/2013 19:28:04 |
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VOTO
I - DOS FATOS NARRADOS NA INICIAL
As autoras pleiteiam indenização por danos morais, que, segundo alegam, foram causados em razão de prisões arbitrárias e perseguições que seu pai/marido - DORIVAL MASCI DE ABREU - sofreu, por motivos políticos, durante o regime militar, nas quais foi ameaçado e torturado física e psicologicamente por oficiais. Tais prisões atingiram a família, na medida em que causavam angústia e temor à esposa e à filha ainda criança à época, tanto por não se saber o paradeiro do preso, como pelas condições em que ele voltava pra casa, muito abalado e com muitos traumas. Consoante relatam, o falecido foi deputado federal eleito em 1968 e também era proprietário de uma rádio e, devido aos seus ideais políticos, foi cassado e teve sua emissora fechada. Pleiteiam indenização por danos morais em razão desses fatos, que lhes teriam produzido "dor física, dor na alma, atingiram-lhes a auto-estima, sua reputação, sua honra, causaram-lhes humilhação, pânico ante os perigos, a crueldade, a torpeza, a excrescência que era o regime, comprometeram sua felicidade, seu passado, seu presente e seu futuro".
II - DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
À época dos fatos vigia a Constituição Federal de 1967, a qual, assim como a Carta de 1988, impunha ao Estado o dever de indenizar os danos causados a terceiros por seus agentes, independentemente da prova do dolo ou culpa, verbis:
Tal norma firmou, em nosso sistema jurídico, o postulado da responsabilidade civil objetiva do poder público, sob a modalidade do risco administrativo. A doutrina é pacífica no que toca à sua aplicação em relação aos atos comissivos, contudo, diverge em relação aos atos omissivos. Prevalece no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o referido princípio constitucional se refere tanto à ação quanto à omissão, o qual encontra apoio na doutrina de Hely Lopes Meireilles, dentre outros. Segundo esse autor:
Nesse sentido trago à colação os seguintes julgados das cortes superiores:
Frise-se o ensinamento do Ministro Celso de Mello, expresso em precedentes da corte suprema de sua relatoria, como o citado, o qual sumariza de forma bastante didática os elementos caracterizadores desse dever do Estado de indenizar em razão de danos causados por seus agentes, verbis:
Segundo a doutrina, para fazer jus ao ressarcimento em juízo, cabe à vítima provar o nexo causal entre o fato ofensivo, que, segundo a orientação citada, pode ser comissivo ou omissivo, e o dano, assim como o seu montante. De outro lado, o poder público somente se desobrigará se provar a culpa exclusiva do lesado.
No caso dos autos, impõe-se o dever de reparação dos danos morais sofridos pelas autoras.
Ressalte-se que a circunstância de à época dos fatos não haver previsão constitucional expressa do dano moral indenizável, como fez o constituinte de 1988 no artigo 5º, X, da CF, não afasta a responsabilidade do Estado, na medida em que o artigo 107 da CF citado quando tratou desse tema não qualificou o dano indenizável, o que leva a concluir que qualquer dano causado por agente do ente estatal no exercício da função é passível de ressarcimento.
De outro lado, o fato de o artigo 8º do ADCT abranger somente os danos materiais também não impede o deferimento do pleito em questão, uma vez que, conforme mencionado, o fundamento jurídico da demanda é outro, qual seja, o artigo 107 da CF/1967.
III - DA LESÃO
A fim de comprovar suas alegações, as autoras apresentaram cópia dos seguintes documentos:
a) certidão de casamento da autora THEREZINHA OLIVEIRA DE ABREU com DORIVAL NASCI DE ABREU, o qual ocorreu em 15.12.1953 (fl. 21);
b) documento de identidade da autora HERCY CRISTINA DE OLIVEIRA ABREU, que demonstra que é filha de DORIVAL (fl. 19);
c) certidão de óbito de DORIVAL, ocorrido em 19.07.2004 (fl. 22);
d) relatório do Delegado de Polícia que atuava na Delegacia Especializada de Ordem Social, em que DORIVAL foi citado como deputado cassado pela Revolução (fls. 23/24);
e) documento do Ministério da Aeronáutica que demonstra que ele era investigado/monitorado pelos militares (fl. 25);
f) notícia de jornal que informa que ele readquiriu seus direitos políticos durante o governo Geisel (fl. 26);
g) auto de qualificação e interrogatório de DORIVAL, realizado na Delegacia Especializada de Ordem Política, datado de 07.12.1967 (fls. 69/74);
h) termo de declarações dele, efetuado na Delegacia Especializada de Ordem Política, datado de 21.05.1964 (fls. 82/83);
i) notícia do Jornal Diário Popular, datada de 30.03.1965, que informa que a denúncia formulada no inquérito do DOPS a respeito de subversão na Rádio Marconi não foi aceita pela 2ª Auditoria de Guerra e que por essa razão determinou-se que ele, diretor da emissora, que estava recolhido no Hospital, fosse posto em liberdade (fl. 84);
j) notícia do Jornal Última Hora, datada de 01.03.1965, que dá conta de que ele, diretor da Rádio Matarazzo, teve a prisão preventiva decretada pelo CJM, da 2ª Auditoria da Guerra. Segundo a nota, ele sofreu um trauma emocional, decorrente da medida, e foi internado no Hospital Matarazzo, onde ficou sob vigilância dos agentes do DOPS. Relatou-se também que "durante a revolução de 1º de abril, houve uma série de diligências naquela estação radiofônica, que culminou com a interrupção das suas atividades. O DOPS apreendeu gravações e documentos, carreando-os para a Delegacia de Ordem Política (...)" (fl. 85);
k) outros recortes de jornais da época que veiculavam notícias a respeito do seu envolvimento com movimentos de resistência às forças revolucionárias e de seu apoio ao governo João Goulart (fl. 86/91);
l) relatório realizado pela Delegacia Especializada de Ordem Política, cujas informações foram extraídas do arquivo geral, em que constam todas as prisões que ele sofreu por fatos de sua vida política que interessavam à polícia, o fechamento de sua rádio, a cassação de seu mandato, tudo no período 25/09/1958 a 22/09/72.
Destarte, está exaustivamente comprovado que o pai/marido das autoras foi preso, considerado subversivo e perseguido pelos órgãos de segurança pública nacionais, civis e militares, bem como que teve sua rádio fechada e seu mandato de deputado federal cassado, tudo em razão de seus ideais políticos. De outro lado, apesar de não haver prova da tortura, é notório o tratamento violento, humilhante e degradante que era oferecido aos presos dessa natureza durante o regime militar.
IV - DO DANO MORAL
A juíza de primeiro grau entendeu inexistir prova do dano moral. No entanto, entendo que os elementos probatórios apresentados nos autos, que demonstram todo o sofrimento do pai dessa família, são o bastante para evidenciar tudo o que esse grupo familiar suportou naquele período. É mais do que incontroverso que, se o "arrimo de família" tem todos os seus direitos individuais violados, tal irá refletir diretamente em todos os indivíduos pertencentes àquele grupo, que dependem dele não só economicamente, como também emocionalmente. São notórios os danos morais sofridos pelas requerentes, consubstanciados na perturbação de ordem psíquica e social suportada em razão de todos esses terríveis atos praticados contra o integrante da família, que além de tudo que sofreu em termos de restrição de liberdade e violência, ainda teve seu nome estampado nos jornais como um criminoso, inimigo da pátria. É certo que toda essa circunstância, que representou um atentado violento à dignidade do indivíduo, afetou de forma contunde a esposa e filha, que na época ainda era uma criança e teve que conviver com a truculência com que seu pai foi tratado pelo regime militar e compele a uma indenização como forma de reparação.
Ressalte-se que a indenização por danos morais não é devida propriamente em razão das sequelas físicas ou psicológicas decorrentes de atos dos agentes do regime ditatorial, mas sim por causa do sofrimento incomensurável suportado pelas requerentes, em razão de toda a condição humilhante, degradante e cruel a que seu pai/marido foi submetido que as atingiram diretamente.
V - DO NEXO CAUSAL
Configurou-se o nexo causal, na medida em que o dano moral comprovado foi resultado da conduta dos agentes federais e estaduais, no caso os policiais do DEOPS, e do próprio regime militar que propiciou o cometimento de toda a série de arbitrariedades, privações, segregações e violências físicas e morais contra o pai/marido das autoras e as afetaram de forma imediata e duradoura em sua dignidade. Ademais, frise-se que o ente estatal não provou causa excludente de responsabilidade. Assim, é de rigor a reparação às apelantes.
VI - VALOR DA INDENIZAÇÃO
Quanto ao valor da indenização, segundo doutrina e jurisprudência pátrias, tem duplo conteúdo, de sanção e compensação. Certamente, as situações humilhantes, revoltantes e violentas às quais as apelantes foram submetidas em virtude das convicções políticas de seu pai/marido, por um Estado que, ao invés de proporcionar segurança ao cidadão, agia de forma criminosa contra ele, lhes tiraram a tranquilidade e lhes provocaram graves transtornos sociais e traumas de ordem psicológica, com os quais terão que conviver ao longo de sua vida. Diante desse quadro, penso que a indenização deve ser fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada uma delas, como forma de atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e cumprir os critérios mencionados.
VII - CONSECTÁRIOS LEGAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Sobre o valor da condenação incidirá correção monetária a partir da presente data (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça), a ser calculada na forma da Resolução nº 134 de 21.12.2010 do Conselho da Justiça Federal, que instituiu o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, bem como juros moratórios, a contar da data do evento danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça) que, no caso, deve ser considerado o dia 20.09.1964, data em que ocorreu a prisão do autor, em 6% (seis por cento) ao ano, observado o limite prescrito nos arts. 1.062 e 1.063 do Código Civil/1916 até a entrada em vigor do novo Código, quando submeter-se-á à regra contida no art. 406 deste último diploma, que, nos moldes de precedentes do Superior Tribunal de Justiça, corresponde à taxa SELIC. Inaplicável o artigo 1º-F da Lei nº 9494/97, com a redação dada pelo artigo 5º da Lei nº 11.960/2009, o qual dispõe que a atualização monetária será calculada de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, à vista de que foi declarado inconstitucional "por arrastamento" quando do julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425 pelo Supremo Tribunal Federal, cujo acórdão está pendente de publicação. Ressalve-se que a correção monetária não incide no último período, porque é fator que já compõe a referida taxa (REsp 1139997/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 23/02/2011; REsp 938.564/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 16/02/2011).
Verifico que se trata de ação em que foi vencida a fazenda pública, razão pela qual a fixação dos honorários advocatícios deverá ser feita conforme apreciação equitativa, sem a obrigatoriedade de adoção, como base para o cômputo, do valor da causa ou da condenação, conforme artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do CPC. Dessa forma, considerado o trabalho realizado e a natureza da causa, fixo-os em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), dado que propiciam remuneração adequada e justa ao profissional.
VIII - DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para julgar parcialmente procedente a ação e condenar a União a pagar às autoras indenização por danos morais no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada uma e honorários advocatícios no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Os juros de mora e a correção monetária incidirão conforme consignado no voto. Custas na forma da lei.
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