D.E. Publicado em 03/12/2013 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra a sentença de fls. 994/995v., que absolveu Federico Hernan Las Heras, Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
Apela a acusação com os seguintes argumentos:
Carlos Gustavo Las Heras, Federico Hernan Las Heras e Eduardo Dias apresentaram contrarrazões, respectivamente, às fls. 1012/1064, fls. 1067/1119 e fls. 1120/1171.
O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Orlando Martello, manifestou-se, preliminarmente, pela anulação do feito a partir da sentença e, no mérito, parcial provimento do recurso de apelação (fls. 1169/1184v.).
É o relatório.
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VOTO
Imputação. Federico Hernan Las Heras foi denunciado pela prática dos delitos dos arts. 171, 180, § 1º, 297, § 2º, 298, 299 e 334, § 1º, c, do Código Penal, e art. 1º, V, VI e VII, c. c. parágrafo 1º, I e II, da Lei n. 9.613/98; Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias foram denunciados pela prática dos crimes dos arts. 171, 180, § 1º, 298 e 299, do Código Penal; Victor Hugo Minissale e Manoel Pereira da Costa foram denunciados pela prática do delito do art. 299 do Código Penal, combinados todos os dispositivos legais mencionados com o art. 288 do Código Penal, na forma organizada, nos termos da Lei n. 9.034/95 e da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional, e arts. 29 e 62, I, do Código Penal:
Nulidade. Sentença. Fundamentação. Prejuízo. Exigibilidade. No processo penal vige a máxima pas de nulitté sans grief segundo a qual se exige a demonstração de prejuízo para a configuração da nulidade, princípio válido também no que toca à necessidade de fundamentação da sentença:
Do caso dos autos. Suscita a Procuradoria Regional da República a nulidade da sentença por carência de fundamentação.
Não lhe assiste razão.
A sentença tem relatório, fundamentação e dispositivo, encontrando-se formalmente em ordem. Atende, pois, aos requisitos do art. 381 do Código de Processo Penal.
De fato, apresenta motivação sucinta. Porém, não há demonstração de prejuízo a ensejar anulação. Destaco, inclusive, não ter a acusação suscitado tal alegação em apelação.
Rejeito a preliminar.
Materialidade e autoria. Em apelação, pleiteia a acusação a reforma da sentença para condenação de Federico Hernan Las Heras pela prática dos crimes dos arts. 171, 180, § 1º, 297, § 2º, 298, 299 e 334, todos do Código Penal, e artigo 1º, V e VI, da Lei n. 9.613/98; Carlos Gustavo Las Heras pela prática dos crimes dos arts. 171, 180, § 1º, 298, 299 e 334, todos do Código Penal; Eduardo Dias pela prática dos crimes dos arts. 171, 180, § 1º, 298 e 299, todos do Código Penal.
Assiste razão, em parte, à acusação.
Em 18.09.09, Edevarde Coelho Junior prestou depoimento no Ministério Público Federal, na presença da Procuradora da República Karen Louise Janette Kahn, narrando o quanto segue:
Em, 14.10.09, o Ministério Público Federal expediu ofício ao Departamento de Polícia Federal/DELEFIN, para final instrução do IPL n. 12-223/09, Autos n. 2008.61.014188-7, tendo em vista a colheita do referido depoimento, para realização da oitiva de Eduardo Romere, Victor Hugo Minissale, Manoel Pereira da Costa, Carlos Gustavo Las Heras, Jacyr Antônio Sbardella e Farnézio, sendo este proprietário da Afil Comércio e Importação Ltda. (fl. 22).
Em 19.11.09, foram denunciados Federico Hernan Las Heras pela prática dos delitos dos arts. 171, 180, § 1º, 297, § 2º, 298, 299 e 334, § 1º, c, do Código Penal, e art. 1º, V, VI e VII, c. c. parágrafo 1º, I e II, da Lei n. 9.613/98; Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias pela prática dos crimes dos arts. 171, 180, § 1º, 298 e 299, do Código Penal; Victor Hugo Minissale e Manoel Pereira da Costa pela prática do delito do art. 299 do Código Penal, combinados todos os dispositivos legais mencionados com o art. 288 do Código Penal, na forma organizada, nos termos da Lei n. 9.034/95 e da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional, e arts. 29 e 62, I, do Código Penal.
A denúncia foi instruída com a documentação de fls. 23/350 que, intuitivamente, da análise de sua numeração, de carimbos apostos e demais referências do Departamento de Polícia Federal, nota-se ter sido extraída do inquérito policial relativo à Operação Harina, que originou a Ação Penal n. 2009.61.81.011817-1.
Constam da referida documentação os seguintes elementos de convicção:
Estes autos foram originalmente distribuídos à 6ª Vara Criminal Federal especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Lavagem de Valores de São Paulo, por dependência à Ação Penal n. 2009.61.81.011817-1.
Após, o Juízo da 6ª Vara Criminal Federal declinou da competência, determinando a livre distribuição a uma das Varas Federais não especializadas (fls. 354/359v.).
O feito foi livremente distribuído à 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo em 18.12.09.
A denúncia foi parcialmente recebida em 13.01.10, havendo rejeição quanto ao delito de lavagem de dinheiro imputado ao acusado Federico Hernan Las Heras, em razão da decisão do Juízo da 6ª Vara Criminal Federal especializada no sentido de ter sido descrito o fato relativo à lavagem de capitais na denúncia da Ação Penal n. 2009.61.81.011817-1 (367/369).
Houve o desmembramento do processo em relação a Victor Hugo Minissale e Manoel Pereira da Costa, em razão da suspensão do processo e do curso prazo prescricional, nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal, prosseguindo a presente ação penal apenas contra os corréus Federico, Carlos Gustavo e Eduardo.
Anoto que Edevarde Coelho Junior foi a única testemunha arrolada pela acusação. Entretanto, no dia de sua oitiva, após a realização de perguntas pela acusação, a audiência foi interrompida e finalizada antecipadamente, em razão da necessidade de nova apreciação do pleito de atuação como assistente da acusação (fl. 599 e mídia à fl. 600).
O pedido foi posteriormente deferido, tendo sido habilitada sua empresa, TKS Comércio Importação e Exportação Ltda., como assistente da acusação, realizando-se nova audiência para oitiva de Edevarde na condição de ofendido (fl. 680 e mídia à fl. 683).
Foram ouvidas as testemunhas de defesa (fls. 635, 653, 671/672, 681/682; mídias às fls. 656, 673 e 683), a testemunha do Juízo (fl. 756 e mídia à fl. 757) e interrogados os réus (fls. 760/762 e mídia à fl. 763).
A assistente da acusação juntou documentos aos autos (fls. 708/753 e 798/806).
Sobreveio sentença absolutória.
Passo à análise das condutas imputadas aos réus.
Contrabando ou descaminho. Art. 334, § 1º, c, do Código Penal.
Alega a acusação restar provada a prática do delito do art. 334, § 1º, c, do Código Penal.
Não prospera o recurso ministerial.
Não há prova suficiente da materialidade do delito.
Os interrogatórios dos corréus esclarecem que Federico Hernan Las Heras e Carlos Gustavo Las Heras eram sócios da empresa Tzion Comércio Importação e Exportação Ltda. - Tzion, por meio da qual importavam farinha de trigo, oriunda da Argentina, até os anos de 2007 ou 2008. Entretanto, após ter sido cassada, pela Receita Federal, a habilitação da empresa para acesso ao sistema de comércio exterior e do encerramento de suas atividades, tornaram-se representantes comerciais. Nesse contexto, desde 2007, Federico mantinha contato com a empresa Afil, importadora, e atuava como representante comercial das empresas Trigomax Distribuidora de Alimentos Ltda. - Trigomax, sucessora da Whithorn, Santina do Brasil e TKS, considerando-se sócio de fato da Trigomax e da TKS, enquanto Carlos Gustavo era representante da Santina do Brasil e adquiria mercadorias da Trigomax e da Afil, com a intermediação de seu filho e corréu, Federico. Federico e Carlos Gustavo declararam que negociavam a compra de farinha com importadores, dentre os quais, a Afil, mas afirmaram que a aquisição de mercadorias ocorria no mercado nacional. A seu turno, o acusado Eduardo Dias trabalhava como técnico de informática na empresa Tzion e, depois, passou a trabalhar na Trigomax, no faturamento, emitindo notas e boletos, segundo as ordens recebidas de Federico (fls. 56/62, 336/337, 343/344; 760/762 e mídia à fl. 763).
Os demais depoimentos prestados nos autos nada esclarecem sobre o ocorrido.
As mensagens de correio eletrônico interceptadas denotam que os corréus Federico e Carlos Gustavo negociaram a importação de farinha, advinda do Molino Chacabuco, localizado na Argentina, para a Afil, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009 (fls. 23/34 e 43/48).
Outrossim, em dezembro de 2008, foram interceptadas mensagens de correio eletrônico, contendo boletos bancários, cuja cedente é a Afil e sacada a Santina do Brasil (fls. 35/42).
Infere-se dos autos que Federico e Carlos Gustavo, de fato, tratavam da aquisição de farinha de trigo no mercado internacional, por meio da Afil, uma vez que sua empresa - Tzion - havia sido encerrada e, então, passaram a atuar no mercado por intermédio de outras empresas - Trigomax, Santina, etc., das quais não constavam do contrato social (fls. 84, 338/342 e 804/806).
A despeito da atuação dos réus para compra de farinha de trigo no mercado estrangeiro, não há elementos concretos da fraude nas importações. Segundo consta, a importação era realizada pela Afil que, à míngua de prova em contrário, detinha autorização para atuar no comércio internacional. O vínculo dos acusados com a Afil e a eventual ocultação da condição de importadores não restou esclarecida.
Não há, nos autos, depoimentos ou documentos sobre procedimentos aduaneiros da Afil, declarações de importação relativas aos fatos descritos na denúncia ou mesmo registro ou notícia da apreensão de mercadorias ou instauração de procedimento fiscal para verificação da interposição fraudulenta de terceiros nas operações comerciais da referida empresa.
Talvez esse seja o aspecto de maior relevância para ensejar a absolvição dos acusados pelo delito de contrabando ou descaminho. Ainda que sejam aceitas as alegações deduzidas pela acusação, no sentido de que haveria procedimentos fraudulentos para a internação de farinha oriunda do exterior, não há comprovação adequada dessa fraude, em especial a divergência da documentação fiscal quanto à realidade substancial à qual se refere (importador, produto, valores recolhidos etc.). Apesar de não ser necessária a quantificação dos tributos iludidos, a cujo respeito pouco se definiu nos autos, não se pode desprezar, no delito de contrabando ou descaminho, o objeto material do crime, o qual, de um lado, concerne a uma variável expressão monetária relativa à carga tributária, de outro, a efetiva internação de produto ou mercadoria.
Igualmente, não há qualquer referência à importação de mercadoria proibida ou à ilusão de tributos.
Mantida, portanto, a absolvição dos acusados quanto à prática do delito do art. 334 do Código Penal.
Estelionato, receptação e falsidade documental. Arts. 171, 180, §1º, 298 e 299 do Código Penal. Em apelação, requer o Parquet a condenação dos réus pela prática dos crimes de falso, assim como pelos delitos patrimoniais apontados.
A apelação merece parcial provimento.
Interrogado em Juízo, Federico declarou ser sócio de fato da TKS, sendo que o dinheiro do negócio era de Edevarde e a experiência e clientela eram suas. Disse que encaminhava os pedidos de compra e venda para Edevarde aprovar e desconhecia o faturamento da empresa, que era feito pela filha de Edevarde. No tocante à Trigomax, em Juízo, disse que vendia para a referida empresa e o corréu Eduardo fazia o faturamento; na fase das investigações, declarou ser sócio de fato da Trigomax e orientar Eduardo a expedir notas "frias" em nome da Trigomax para pagar dívidas da empresa (fls. 56/62; 762 e mídia à fl. 763).
Interrogado em Juízo, Carlos Gustavo Las Heras negou a acusação. Esclareceu haver trabalhado com o corréu Federico, seu filho, na Tzion, bem como serem ambos representantes da Trigomax. Afirmou continuar trabalhando no ramo da farinha de trigo, na empresa Real, bem como haver trabalhado na Santina do Brasil, onde fazia cotações. Relatou que Federico fazia intermediação de negócios na Santina do Brasil. Declarou não saber da TKS ou dos boletos. Negou saber de desvio de carga para a Santina do Brasil. Declarou haver efetuado cobranças quando da prisão de Federico (fls. 760/762 e mídia à fl. 763).
Na Delegacia de Polícia, Eduardo negou ter recebido orientação para a expedição de notas "frias", esclarecendo trabalhar para Federico na Trigomax, emitindo boletos e notas. Admitiu ter falsificado um "único comprovante de pagamento" a pedido de Federico. Disse "que Federico coordena todas as cargas e que uma carga de Edevarde foi para o depósito da empresa Trigomax, na ocasião, o declarante, precisava vender rapidamente a carga com receio de que a mesma viesse a estragar". Em interrogatório judicial, Eduardo afirmou trabalhar no setor de faturamento da Trigomax, segundo as ordens recebidas de Federico. Narrou que Federico vendia para a TKS e para a Trigomax e se considerava sócio de fato da TKS. Disse ter expedido notas da Trigomax para a Santina do Brasil, mas não soube esclarecer a frequência da expedição. Esclareceu haver efetuado cobranças a pedido de Federico (fls. 343/344; 761 e mídia à fl. 763).
Em depoimento da fase extrajudicial e em Juízo, Edevarde Coelho Junior, ouvido na condição de ofendido, declarou que o réu Federico era pessoa de sua inteira confiança, do seu convívio íntimo e, na empresa, era responsável pela compra e venda da farinha de trigo. Disse ter Federico abusado de sua confiança para cometer fraudes na empresa e desviar seu dinheiro para outros lugares. Esclareceu que as fraudes ocorreram no período de 2 (dois) meses. Relatou ter o corréu atuado de dois modos distintos, sendo que, no primeiro deles, havia desvio de mercadorias efetivamente compradas e, no segundo, não havia mercadorias. Explicitou que, na primeira espécie de fraude, Federico comprava farinha de trigo da Afil para a TKS e, em conluio com a transportadora Morgan, enviava a mercadoria até um posto de gasolina próximo à Santina do Brasil, onde o corréu Eduardo ou outra pessoa providenciava uma nota falsa para que a carga fosse entregue na Santina do Brasil, como se fosse originária da Trigomax. Explicou que, na segunda espécie de fraude, Federico falsificava notas e boletos bancários de supostas vendas de empresas, como a Afil, para a TKS, apropriando-se do dinheiro que a TKS pagava pela suposta compra de farinha de trigo, pois os códigos de barras dos boletos bancários destinavam os recursos à conta bancária da Trigomax. Narrou ter Federico simulado vendas da TKS para terceiros, encobrindo as fraudes cometidas. Disse que não tinha como desconfiar dos boletos, pois não tinha qualquer desconfiança de Federico. Declarou que sua filha era a responsável pela emissão das notas fiscais da empresa, as quais eram remetidas para a fronteira para acompanhar as cargas até o destino. Esclareceu que o próprio depoente ou Federico ou ambos providenciavam a postagem das notas fiscais (fls. 16/31; 599, 640, 680 e mídias às fls. 600 e 683).
Em declarações judiciais, Diogo Armando Spinato, testemunha do Juízo, declarou comprar farinha de trigo da TKS, negociando, por telefone, com Federico. Afirmou que, às vezes, recebia cargas de farinha sem pedir, o que também acontecia com outro comerciante da região. Disse efetuar os pagamentos por meio de boletos ou depósitos bancários, os quais eram dirigidos para a TKS, Trigomax ou Santina do Brasil, dentre outros. Disse que os depósitos eram efetuados conforme orientações recebidas de Federico ou Eduardo. Afirmou que comprava da TKS, mas, por vezes, recebia notas fiscais de outras empresas. Relatou não ter desconfiado das operações porque efetuava os pagamentos e recebia as mercadorias. Narrou ter recebido duas cargas da Santina do Brasil não solicitadas e protestados os títulos correspondentes, tendo Federico liquidado os protestos. Afirmou ter recebido uma ligação de Carlos Gustavo que o cobrava por uma carga da Santina que não havia sido solicitada. Esclareceu ter mantido relações comerciais com Federico de 2008 a 2009, pelo período aproximado de um ano e meio. Esclareceu que Eduardo se apresentava como funcionário de Federico (fl. 756 e mídia à fl. 757).
As testemunhas de defesa nada esclareceram sobre os fatos descritos na denúncia (fls. 635, 653, 671/672, 681/682; mídias às fls. 656, 673 e 683).
O conjunto probatório amealhado comprova a prática de estelionato em detrimento da TKS, restando isolada nos autos a negativa sustentada pelos réus.
A prova oral e documental dos autos evidencia que Federico era responsável pelas compras e vendas da TKS e, aproveitando-se do papel desempenhado na empresa, adquiria farinha de trigo da Afil, mas, quando providenciava as fichas de compensação bancária para que a TKS pagasse a compra à Afil, com o auxílio de Eduardo Dias, fazia constar do código de barras os dados bancários da empresa Trigomax, para a qual eram indevidamente direcionados os pagamentos efetuados.
Além disso, os elementos de prova demonstram ter ocorrido o desvio de cargas adquiridas pela TKS para a empresa Santina do Brasil, por meio da Transportadora Morgan, como se tivessem sido remetidas pela Trigomax, sendo que, para concretizar a empreitada criminosa, Federico contava com o auxílio de Carlos Gustavo que, na condição de representante comercial da Santina do Brasil, recebia as indigitadas mercadorias, assim como de Eduardo Dias, incumbido de providenciar a documentação fraudulenta correspondente.
Outrossim, Federico simulava a compra de farinha de trigo pela TKS, constando a Afil como vendedora, bem como simulava a venda de farinha de trigo da TKS para outros compradores, a saber, Mariza, Liane e etc. As notas fiscais que embasariam as supostas compras e vendas não são reconhecidas pelas empresas correlatas, a evidenciar sua falsidade.
As fraudes perpetradas estão suficientemente comprovadas, sendo manifesta a sofisticação dos ardis utilizados pelos réus, não se sustentando a argumentação defensiva no sentido da impossibilidade de sua ocorrência em virtude do conhecimento contábil de Edevarde e de sua atuação na TKS.
Em diálogo interceptado, datado de 12.08.09, Federico pede a Eduardo que providencie 30 (trinta) notas com a data de sexta-feira, no caso, dia 07.08.09 (fls. 84/88, 1.178v./1.179). Foram juntadas aos autos cópias de 30 (trinta) notas fiscais em que a Afil é a emitente e a TKS a compradora, todas do dia 07.08.09 e com a numeração 21005 a 21034.
Conforme informação da própria Afil juntada às fls. 740/745 e observado o número de série das 30 (trinta) notas em questão, em relações comerciais com a TKS, foram emitidas somente as notas com os números 21013 a 21016, sendo, pois, indubitável a inautenticidade das notas fiscais trazidas aos autos.
Há diversas cópias de notas fiscais de saída da TKS referentes a vendas de farinha de trigo, no período de julho a agosto de 2009, todas falsas, uma vez que as transações comerciais correspondentes não foram confirmadas pelas empresas destinatárias (fls. 708/753), a saber: Santina do Brasil (fls. 146/147, 192, 225/226, 244/253, 274/283 e 299/300), Mariza Indústria e Comércio da Amazônia Ltda. (fls. 148/151, 232/240 e 301/315), Vietnam Massas Ltda. (fls. 152/161, 289/298 e 321/331), Indústrias Alimentícias Liane Ltda. (fls. 162/175, 181/186, 193/204 e 254/273), Trigal Comércio Importação Exportação e Representações Ltda. (fls. 205 e 227/231), Afil (fls. 176/180, 187/191, 219/224, 284/288 e 316/320) e Hiléia Indústrias de Produtos Alimentícios (fls. 206/218).
Anoto que a realização de transações fictícias não era incomum à rotina de Federico e tampouco a elaboração de documentação falsa por Eduardo, tanto que, na fase policial, Federico afirmou orientar Eduardo a expedir notas "frias" em nome da Trigomax para pagar dívidas da empresa, enquanto Eduardo, apesar de negar ter sido orientado a expedir as notas "frias", uma vez que apenas trabalhava no setor de faturamento da Trigomax, relatou ter falsificado um "único comprovante de pagamento" a pedido de Federico.
Por outro lado, também em interceptação telefônica do dia 12.08.09, Federico conversa com a interlocutora Suzana, que lhe cobra o pagamento de ficha de compensação bancária referente ao Molino Victorios, ao que Federico informa que efetuará a liquidação por meio de transferência da Trigomax, esclarecendo a interlocutora que não pode ser por meio de TED, mas simples transferência, por não ter nota da Trigomax (fls. 50v./51).
Há faturas do Molino Victoria às fls. 96/98 que denotam a exportação de farinha de trigo feita pelo referido moinho para a importadora Afil, no valor total de R$ 131.079,60 (cento e trinta e um mil, setenta e nove reais e sessenta centavos) , em 24.07.09, ou seja, dias antes da conversa entre Federico e a interlocutora Suzana, assim como fichas de compensação bancária cuja cedente é a Afil e sacada a TKS e os correspondentes comprovantes de pagamento, todos do dia 12.08.09, totalizando o mesmo valor de R$ 131.079,60 (cento e trinta e um mil, setenta e nove reais e sessenta centavos) (fls. 99/100).
Referidas fichas de compensação bancária foram pagas pela TKS que, no entanto, foi induzida em erro, pois, a despeito de parecer que o pagamento era direcionado à Afil, conforme constava dos boletos, em verdade, o dinheiro era depositado em favor da Trigomax, uma vez que os dados do código de barras direcionaram o pagamento para a conta bancária da Trigomax.
A prova oral colhida na Polícia e em Juízo evidencia que Federico realizava as compras e vendas da TKS e era proprietário de fato da Trigomax. Edevarde, por sua vez, declarou ter feito depósitos bancários em favor da Trigomax sem saber que o fazia, acreditando tratar-se do pagamento de compras regulares de mercadorias da Afil pela TKS, empresa de sua propriedade.
Há, nos autos, cópia de protocolo de depósito na conta bancária da Trigomax (fl. 94), efetuado por Edevarde, no valor de R$ 2,00 (dois reais), em que estão explicitados os números do banco, agência e conta corrente da referida empresa. A análise desse documento, em comparação com as fichas de compensação bancária de fls. 95, 100, 102, 104, 106, 108 e 110, comprova que o código de barras e, portanto, a conta destinatária do recebimento dos boletos corresponde à da Trigomax, evidenciando o artifício utilizado pelos réus para obtenção de vantagem indevida.
Tais circunstâncias aliadas ao pagamento realizado por Edevarde, em 12.08.09, como se pagasse à Afil por compras de farinha de trigo, no valor de R$ 131.079,60 (cento e trinta e um mil, setenta e nove reais e sessenta centavos), equivalente ao montante prometido por Federico na mesma data, nos termos do diálogo interceptado, tornam indubitável a obtenção de vantagem indevida em prejuízo da TKS.
Na mesma linha, o desvio de cargas de farinha de trigo adquiridas pela TKS, durante o mês de agosto de 2009, restou corroborada pelas notas fiscais, comprovantes de descarga de mercadorias e depoimentos dos autos.
As notas fiscais de venda da Afil para a TKS, com a numeração 21163, 21191 e 21164 (fls. 74/76), cuja emissão restou confirmada pela Afil (fls. 740/745), em comparação com os comprovantes de descarga da Transportadora Morgan (fls. 63/72), revelam o indevido e reiterado recebimento dos carregamentos de farinha de trigo pela Santina do Brasil, durante o mês de agosto de 2009, como se remetidas pela Trigomax, quando, na verdade, tratava-se de produtos adquiridos pela TKS.
É indubitável que Federico era responsável pelo controle das cargas de farinha de trigo adquiridas pela TKS, assim como por sua indevida destinação, em conluio com Carlos Gustavo e Eduardo.
A ocorrência do desvio de mercadorias restou corroborada pelos depoimentos dos autos, como se verifica das declarações de Eduardo prestadas na Delegacia de Polícia, ao afirmar "que Federico coordena todas as cargas e que uma carga de Edevarde foi para o depósito da empresa Trigomax, na ocasião, o Declarante, precisava vender rapidamente a carga com receio de que a mesma viesse a estragar" (fls. 343/344) e do testemunho judicial de Diogo Armando Spinato, revelando a atuação fraudulenta dos corréus.
Resta patente o cometimento do delito de estelionato pelos acusados, conforme propugnado pela Procuradoria Regional da República:
Comprovadas a autoria e a materialidade do delito do art. 171 do Código Penal, impõe-se a condenação de Federico Hernan Las Heras, Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias.
Falso. Estelionato. Absorção. Os delitos contra a fé pública atingem a credibilidade de fatos e pessoas, a qual é imprescindível para a segurança das relações sociais. Sem um grau mínimo de confiança entre os membros da coletividade, não há como esta possa sobreviver. A sanção penal prescrita para delitos dessa espécie tende a proteger a sociedade de sua destruição pela falta de vínculos certos entre os seus membros. Os delitos contra o patrimônio, por sua vez, atingem a propriedade, isto é, aquilo que é próprio de cada indivíduo no contexto de suas relações econômicas com os demais membros da comunidade.
Na hipótese em que um determinado fato encerre, ao mesmo tempo, lesão à confiança e ao patrimônio, característica ínsita ao delito de estelionato, cumpre verificar, caso a caso, qual teria sido o ânimo do agente. Pois a sanção penal relaciona-se com o dolo, isto é, a vontade livre e consciente de, ao agir em conformidade com o tipo penal, violar os bens jurídicos por ele tutelado.
De modo geral, o falsum (falsificação, uso de documento falso, falsa identidade etc.) é absorvido pelo estelionato, na medida em que se consubstancie em atos preparatórios necessários para que o resultado lesivo ao patrimônio da vítima possa ocorrer. Esse entendimento já se encontra consagrado na Súmula n. 17 do Superior Tribunal de Justiça:
Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.
Significa isso que o falsum é, em regra, absorvido pelo estelionato, exceto se sua caracterização seja dele independente, isto é, seja preordenadamente realizado para ofender a fé pública como tal.
No caso, a falsidade documental restou absorvida pelo crime de estelionato, visto ter sido o meio utilizado pelos réus para a concretização das fraudes e consequente obtenção de vantagem ilícita, não restando caracterizado o dolo necessário à punição autônoma do falsum.
Receptação. Crime antecedente. Responsabilidade penal. Não será autor da receptação o agente do crime antecedente, sendo que por este responderá:
Os réus são responsáveis pelo delito de estelionato que resultou no desvio dos carregamentos de farinha de trigo da TKS, mostrando-se inviável a condenação, em concurso, pelo crime de receptação.
Falsificação de livros mercantis. Art. 297, § 2º, do Código Penal.
Pleiteia a acusação a condenação do corréu Federico pela prática do delito do art. 297, § 2º, do Código Penal.
Não se sustenta o pedido condenatório.
A prova oral evidencia que a própria vítima, Edevarde, proprietário da TKS, era responsável pela escrituração contábil da empresa. Com efeito, malgrado os documentos subjacentes à escrituração contábil sejam inidôneos, não se alega que a própria escrituração contábil seja irregular, no sentido de não representar a documentação correspondente.
Não obstante, há efetivamente irregularidade na escrituração, pois os próprios documentos são inidôneos, cotejados com a realidade dos negócios realizados pela empresa, visto ter sido a vítima induzida em erro.
Por outro lado, não resulta transparente a conduta dolosa, vale dizer, preordenada para o cometimento desse específico delito passível de ser imputável ao réu.
Mantém-se, portanto, a absolvição.
Nesse sentido, parecer da Procuradoria Regional da República:
Lavagem de capitais. Lei n. 9.613/98. Pugna o Ministério Público Federal pela condenação de Federico pela prática do crime de lavagem de dinheiro.
Não lhe assiste razão.
A denúncia foi parcialmente recebida, sem insurgência da acusação. Houve rejeição quanto à prática do delito de lavagem de capitais, que não é objeto desta demanda, mas de ação penal específica, a saber, Processo n. 2009.61.81.011817-1, em trâmite na 6ª Vara Criminal Federal especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Lavagem de Valores.
Dosimetria. Art. 171 do Código Penal. Federico Hernan Las Heras. Atento às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 35 (trinta e cinco) dias-multa, considerando a acentuada a culpabilidade de Federico Hernan Las Heras, visto ter se aproveitado da função desempenhada na TKS, abusando da confiança que lhe era depositada, para a prática do crime, além de haver coordenado a empreitada criminosa, assim como em razão da sofisticação das fraudes perpetradas, envolvendo numerosa documentação espúria e aprimorada logística, bem como em virtude do elevado prejuízo patrimonial causado à vítima.
Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas de diminuição da pena, majoro a pena em 1/6 (um sexto), nos termos do art. 71 do Código Penal, tendo em vista a reiteração da prática delitiva, resultando em 4 (quatro) e 1 (um) mês de reclusão e 40 (quarenta) dias-multa, a qual torno definitiva.
Fixo o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
Regime inicial semiaberto (CP, art. 33, § 2º, b).
Denegada a substituição da pena, por não restarem preenchidos os requisitos legais necessários (CP, art. 44, I e III).
Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias. Considerando as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base dos corréus acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa, tendo em vista a sofisticação das fraudes perpetradas, envolvendo numerosa documentação espúria e aprimorada logística, assim como em virtude do elevado prejuízo patrimonial causado à vítima.
Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas de diminuição da pena, majoro a pena-base em 1/6 (um sexto), nos termos do art. 71 do Código Penal, tendo em vista a reiteração da prática delitiva, resultando em 2 (dois) anos, 11 (onze) meses de reclusão e 29 (vinte e nove) dias-multa, a qual torno definitiva.
Fixo o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
Regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, c).
Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, em relação aos corréus Carlos Gustavo e Eduardo, consistentes em prestação pecuniária equivalente 10 (dez) salários mínimos destinada à vítima (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, § 1º) e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação para condenar Federico Hernan Las Heras a 4 (quatro) e 1 (um) mês de reclusão, regime inicial semiaberto, e 40 (quarenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, denegada a substituição da pena; Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias a 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, regime inicial aberto, e 29 (vinte e nove) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, todos pela prática do delito do art. 171 c. c. art. 71, ambos do Código Penal.
É o voto.
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