Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/12/2013
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014986-06.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.014986-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO : FEDERICO HERNAN LAS HERAS
: CARLOS GUSTAVO LAS HERAS
: EDUARDO DIAS
ADVOGADO : SP005865 PAULO JOSE DA COSTA JUNIOR e outro
EXCLUIDO : MANOEL PEREIRA DA COSTA
: VICTOR HUGO MINISSALE
ASSISTENTE : TKS COM/ IMP/ E EXP/ LTDA
ADVOGADO : SP225446 FLAVIA ADINE FEITOSA COELHO PENA
No. ORIG. : 00149860620094036181 5P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. NULIDADE. SENTENÇA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. PREJUÍZO. EXIGIBILIDADE. CONTRABANDO OU DESCAMINHO. FALSIDADES. RECEPTAÇÃO. ESTELIONATO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. No processo penal vige a máxima pas de nulitté sans grief segundo a qual se exige a demonstração de prejuízo para a configuração da nulidade, princípio válido também no que toca à necessidade de fundamentação da sentença (STJ, HC n. 133211, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15.10.09).
2. Contrabando ou descaminho. Falta de prova suficiente da materialidade delitiva. Não há depoimentos ou documentos sobre procedimentos aduaneiros, declarações de importação relativas aos fatos descritos na denúncia ou mesmo registro ou notícia da apreensão de mercadorias ou instauração de procedimento fiscal para verificação da interposição fraudulenta de terceiros nas operações comerciais da referida empresa. Igualmente, não há qualquer referência à importação de mercadoria proibida ou à ilusão de tributos. Absolvição mantida.
3. Estelionato. Prática delitiva comprovada pelo conjunto probatório amealhado. Aquisição de farinha de trigo, desvio dos pagamentos e das cargas adquiridas. Transações comerciais simuladas. Produção de notas fiscais e fichas de compensação bancária falsas. Sofisticação dos meios fraudulentos utilizados pelos réus.
4. "Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido" (Súmula 17 do STJ).
5. Não será autor da receptação o agente do crime antecedente, sendo que por este responderá.
6. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de novembro de 2013.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014986-06.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.014986-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO : FEDERICO HERNAN LAS HERAS
: CARLOS GUSTAVO LAS HERAS
: EDUARDO DIAS
ADVOGADO : SP005865 PAULO JOSE DA COSTA JUNIOR e outro
EXCLUIDO : MANOEL PEREIRA DA COSTA
: VICTOR HUGO MINISSALE
ASSISTENTE : TKS COM/ IMP/ E EXP/ LTDA
ADVOGADO : SP225446 FLAVIA ADINE FEITOSA COELHO PENA
No. ORIG. : 00149860620094036181 5P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta contra a sentença de fls. 994/995v., que absolveu Federico Hernan Las Heras, Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

Apela a acusação com os seguintes argumentos:

a) "trata-se de ação penal, originada por denúncia (fls. 06/21), em face de Federico Henan Las Heras, pela prática dos crimes previstos nos artigos 171, 180, § 1º, 297, § 2º, 298, 299, 334, todos do Código Penal, e artigo 1º, incisos V, VI e V, da Lei n.º 9613/1998, Carlos Gustavo Las Heras, pela prática dos crimes previstos nos artigos 171, 180, § 1º, 298, e 299, todos do Código Penal, Eduardo Dias, pela prática dos crimes previstos nos artigos 171, 180, § 1º, 298, e 299, todos do Código Penal (....)";
b) "a denúncia teve origem a partir de desmembramento da Ação Penal n.º 2009.61.81.011817-1 (denominada "Operação Harina"), em trâmite no D. Juízo da 6ª Vara Federal Criminal" (fl. 999);
c) "Por entender que o crime contra a ordem financeira já seria objeto do Processo Criminal n. 2009.61.81.011817-1, o D. Juízo da 6ª Vara Federal Criminal determinou a livre distribuição do presente feito" (fl. 999);
d) "a denúncia, considerando desmembramento e bis in idem, narra, em síntese, a prática de duas operações comerciais irregulares, que configuram crime, a saber, [1. compra de farinha de trigo importada e desvio de carga; 2. compra de farinha de trigo inexistente e desvio de pagamento da TKS]" (fl. 1002);
e) "Federico negociou e adquiriu farinha argentina, em nome da AFIL, para a TKS COMÉRCIO IMPORTAÇÃO LTDA, a configurar a prática de crime de contrabando ou descaminho" (fl. 1002);
f) "Federico e Carlos Gustavo, seu pai, eram proprietários da empresa TZION COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, que não teria autorização para operar no comércio internacional (RADAR). Por isso, utilizaram de outras empresas, como a AFIL IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA, a fim de realizar e legitimar importações de farinha de trigo" (fl. 1002);
g) "no mais, a mercadoria, ao invés de ser entregue à TKS, era desviada para a empresa SANTINA DO BRASIL COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE ALIMENTOS LTDA, administrada por seu pai, Carlos Gustavo, que mantinha a mercadoria em depósito e posteriormente comercializada a carga obtida de forma ilegal, em operação que os acusados chamavam de "HOPI HARI", a configurar a prática de crime de receptação" (fl. 1002);
h) "na empreitada criminosa, ainda, as notas fiscais originais, entre AFIL e TKS, eram substituídas por notas fiscais falsas, em que constavam as empresas TRIGOMAX e SANTINA, para que a mercadoria fosse entregue na SANTINA. Em razão da fraude, ainda, a empresa TKS pagaria a compra à TRIGOMAX, pensando pagar a AFIL, a configurar a prática de crimes de estelionato e falsificação de documentos" (fl. 1002);
i) "Federico simulou a compra, pela TKS, de farinha inexistente, supostamente oriunda da AFIL, e Eduardo, sob orientações de Federico, confeccionaram faturas e boletos falsos, em que a TKS pagou à empresa TRIGOMAX, acreditando que se tratava de pagamentos para a AFIL, a configurar a prática dos crimes de estelionato e falsificação de documentos" (fl. 1003);
j) as provas documental e testemunhal dos autos corroboram a prática dos crimes, objetivando o Parquet a reforma da sentença para condenação dos réus (fls. 997/1007).

Carlos Gustavo Las Heras, Federico Hernan Las Heras e Eduardo Dias apresentaram contrarrazões, respectivamente, às fls. 1012/1064, fls. 1067/1119 e fls. 1120/1171.

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Orlando Martello, manifestou-se, preliminarmente, pela anulação do feito a partir da sentença e, no mérito, parcial provimento do recurso de apelação (fls. 1169/1184v.).

É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014986-06.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.014986-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO : FEDERICO HERNAN LAS HERAS
: CARLOS GUSTAVO LAS HERAS
: EDUARDO DIAS
ADVOGADO : SP005865 PAULO JOSE DA COSTA JUNIOR e outro
EXCLUIDO : MANOEL PEREIRA DA COSTA
: VICTOR HUGO MINISSALE
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ADVOGADO : SP225446 FLAVIA ADINE FEITOSA COELHO PENA
No. ORIG. : 00149860620094036181 5P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Imputação. Federico Hernan Las Heras foi denunciado pela prática dos delitos dos arts. 171, 180, § 1º, 297, § 2º, 298, 299 e 334, § 1º, c, do Código Penal, e art. 1º, V, VI e VII, c. c. parágrafo 1º, I e II, da Lei n. 9.613/98; Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias foram denunciados pela prática dos crimes dos arts. 171, 180, § 1º, 298 e 299, do Código Penal; Victor Hugo Minissale e Manoel Pereira da Costa foram denunciados pela prática do delito do art. 299 do Código Penal, combinados todos os dispositivos legais mencionados com o art. 288 do Código Penal, na forma organizada, nos termos da Lei n. 9.034/95 e da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional, e arts. 29 e 62, I, do Código Penal:


1 - DA ORIGEM DAS ACUSAÇÕES
A presente denúncia criminal é fruto da análise complementar e conclusiva do inquérito policial que deu origem à ação penal n. 2009.61.81.011817-1, ajuizada perante este M.M. Juízo, no âmbito do qual se investigou, e, posteriormente, restou denunciada, a célula uruguaia criminosa, liderada por RICARDO JOSÉ FONTANA ALLENDE e cujos integrantes, na sua maioria, doleiros, dedicavam-se à prática de crimes financeiros e lavagem de valores.
Dentre tais integrantes, teve especial destaque o ora denunciado FEDERICO HERNAN LAS HERAS, pelas práticas dos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro, resumindo-se sua conduta nos seguintes fatos:
Após notitia criminis recebida no final de 2008, a Delegacia da Polícia Federal Especializada no Combate a Crimes Financeiros confirmou a execução de práticas de câmbio paralelo de moeda estrangeira, com remessas de valores ao exterior, por meio de condutas empreendidas pelo denunciado FEDERICO HERNAN LAS HERAS, cidadão argentino, o qual, juntamente com GUSTAVO ALFREDO ORSI, conhecido como "JUNIOR", doleiro sediado no URUGUAI, atuava no mercado ilegal de câmbio, inclusive com envios de vultosos valores ao exterior, via dólar-cabo. FEDERICO efetuava a liquidação dos valores provenientes da atividade de câmbio ilegal de JUNIOR, que operava fora do Brasil, sendo que, juntos movimentariam uma média de US$ 500.000,00 por mês, realizando depósitos em contas mantidas no Brasil por empresas registradas em nome de terceiros, mas administradas pelo primeiro, sendo uma delas denominada WHITHORN COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA, usada para a referida liquidação. A partir de tais contas, segundo já denunciado por este MPF, FEDERICO fechava contratos de câmbio com empresas do Uruguai, emitindo letras de câmbio de valores expressivos em nome de LUIZ CARNEIRO e MARCEL VIEIRA, supostos doleiros atuantes naquele país. FEDERICO seria, ainda, segundo informação colhida, controlador de fato das empresas THIRA S.A e TEIWEL COMPANY S.A, ambas com sede no Uruguai.
Aprofundadas as investigações, chegou-se à conclusão da efetiva existência de uma organização criminosa de extensões transnacionais voltada à movimentação financeira ilegal, por meio da prática de câmbio paralelo, no país e no exterior, via dólar-cabo, promovendo a evasão ilegal de divisas do país e lavagem de dinheiro. Apurou-se, ainda, que o denunciado FEDERICO, paralelamente, auxiliado pelos ora denunciados, supra nomeados, por meio da ocultação de bens em nome de alguns deles e interposição de empresas de fachada e offshores, logrou realizar operações fraudulentas de importação, ocultando a identidade do verdadeiro importador, assim como do patrimônio mantido, ocultamente, no exterior, inclusive contas bancárias, envolvidas no negócio, incidindo, desta forma, na prática típica de lavagem de dinheiro, dentre outros delitos a seguir detalhados.
2- DAS CONDUTAS DOS DENUNCIADOS
Dentro deste último contexto, a presente denúncia traz novos elementos acerca das condutas habitualmente empreendidas por FEDERICO, em sua atividade profissional principal e que desbordam de sua mera função de auxiliar a quadrilha de doleiros supra-descrita.
Após a deflagração da Operação Harina, além dos diálogos revelados pela interceptação telefônica, novos documentos e depoimentos foram colhidos pela Polícia Federal e por este MPF, indicativos de outras práticas delitivas por parte dos ora denunciados, consoante se passa a descrever.
Segundo apurado, FEDERICO, desde março de 2008, desempenhava função de diretor da parte operacional e logística da empresa TKS COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., pertencente a EDEVARDE COLEHO JÚNIOR (Doc.01) ocupando-se e gerenciando, exclusivamente, a área de compras e vendas da empresa. A partir da divulgação do diálogo travado entre FEDERICO e o denunciado EDUARDO DIAS, apurou-se ser o primeiro empregado da empresa TRIGOMAX COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA, formalmente em nome dos denunciados e "laranjas" MANOEL PEREIRA, num primeiro momento, e VICTOR HUGO MINISSALE, posteriormente, mas controlada, de fato, por FEDERICO e seu pai, o denunciado CARLOS GUSTAVO LAS HERAS. Juntos, compunham a quadrilha responsável pelas fraudes ora denunciadas, estando, ainda, em curso, a identificação de outros integrantes.
Com base nos depoimentos colhidos, o denunciado CARLOS GUSTAVO é ou foi proprietário de fato da empresa WHITHORN IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., que teve seu nome alterado para TRIGOMAX COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA., sem, porém, ter procedido à alteração em seus registros sociais. Neste sentido, há fortes suspeitas de ainda existirem bens de propriedade da TRIGOMAX e, portanto de FEDERICO e CARLOS GUSTAVO, registrados em nome da WHITHORN, como forma de ocultá-los.
Uma das fraudes detectadas se constituiu na falsa emissão, por parte de EDUARDO, a mando de FEDERICO, de boletos bancários, de notas fiscais de venda e comprovantes de pagamento de farinha inexistente em nome da empresa TKS, para o fim de se apropriar do dinheiro correspondente e que era depositado na conta-corrente da TRIGOMAX. Diálogos captados também ressaltam a ocorrência de desvio de carga física de farinha de propriedade da TKS, e que deveria ser entregue a um dado cliente, sendo, porém, desviada para empresas sob o seu controle e de CARLOS GUSTAVO, proprietário de fato da SANTINA DO BRASIL COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE ALIMENTOS LTDA, em operação aparentemente denominada entre eles de "HOPPY HARI". Mediante tal atividade, a SANTINA mantinha em depósito e comercializava a terceiros carga "roubada", de providência sabidamente ilícita, em atividade típica de receptação.
De fato, em tais empreitadas, segundo apurado, FEDERICO era auxiliado por seu pai e denunciado, CARLOS GUSTAVO LAS HERAS, sendo ambos proprietários da empresa TZION COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., que, posteriormente, teve sua falência decretada. Tal empresa, segundo consta, não estava autorizada a operar no comércio internacional de importação, tendo tido a sua licença (denominada RADAR) cassada pela Receita Federal, após verificada sua atuação irregular no ramo da importação.
A empresa TRIGOMAX, dirigida por FEDERICO, pelo que revelou a documentação apreendida, se mostrava como ativa participante do comércio ilegal de farinha, mesmo não possuindo autorização para atuar, como importadora, no mercado internacional. Justamente, por tal razão, FEDERICO passou a se utilizar do nome de outras empresas para tanto autorizadas, como a AFIL IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA., a fim de realizar e legitimar as suas importações ilegais de farinha de trigo, conduta esta vedada pela Receita Federal e pela legislação penal, contrária à interposição fraudulenta de terceiros não autorizados para realizar tais operações. Desta forma, FEDERICO negociava valores e transporte diretamente com moinhos fornecedores, como o Molino Chacabuco, da Argentina, fazia contatos com a TRANSPORTADORA MORGAN LTDA., a determinação dos trajetos e definia as vendas aos clientes finais no Brasil, como se ele próprio importador fosse, determinando a emissão de faturas pelo moinho por muitas vezes, em nome da AFIL, enviando-as pela funcionária VIRGÍNIA MARTINEZ (representante do moinho) para o e-mail de FEDERICO. (Doc. 02)
FEDERICO, autorizado pelas empresas AFIL e TKS, efetuava, em seus nomes e diretamente, os pagamentos das operações de suas importações, fazendo-o, na maior parte das vezes, através da emissão de boletos bancários, conforme constante dos anexos a esta denúncia, extraídos do Relatório Policial. Em tais boletos, nota-se que a AFIL (que emprestava seu nome e condição de "importadora" à TRIGOMAX), emitia boletos em nome da TKS, para quem as revendia, ocasião em que as faturas de compra eram trocadas, para figurar a TRIGOMAX (e não a TKS), como sua efetiva compradora, para posterior entrega no estabelecimento da SANTINA.
Com efeito, na sequência de e-mails e diálogos captados nas interceptações telefônicas (DOC. 2), verifica-se que FEDERICO, juntamente com o denunciado GUSTAVO, participavam juntos das negociações de importação de farinha, desde a compra da carga ater o envio do swift em nome da AFIL, para representantes do moinho, inclusive definido em questões de transporte. Tais fatos levaram às autoridades à invariável conclusão de sua efetiva atuação como falso importador, utilizando-se, para tanto, do nome de empresas autorizadas à tal prática, fato este confessado pelo FEDERICO em seu interrogatório colhido em sede policial (DOC. 03).
Em resumo, as fraudes perpetradas por FEDERICO, na verdade, se manifestaram de duas formas, segundo documentação acostada aos autos, e com base, ainda, no depoimento de EDEVARDE COLEHO JUNIOR (DOC. 1), proprietário da TKS COMÉRCIO IMPORTAÇÃO LTDA., sociedade da qual este participava, ativa e operacionalmente, como diretor da área comercial, tal como segue:
a) Compra de farinha importada e desvio de carga: FEDERICO negociava e adquiria a farinha de trigo dos moinhos argentinos, em nome da AFIL, contratando o correspondente transporte. A empresa TKS comprava a carga da AFIL, devendo recebê-la "in loco", porém esta era desviada para a empresa SANTINA DO BRASIL, por ordem do primeiro. Neste caso, ocorria a troca de notas fiscais de compra e venda entre a AFIL e a TKS por notas fiscais de compra e venda entre a TRIGOMAX e a SANTINA para que, nesta última a carga fosse entregue, ou seja, notas fiscais originais eram substituídas por outras falsas para delas fazer constar a TRIGOMAX, como compradora da AFIL. Desta forma, a TKS pagava a compra à TRIGOMAX, pensando estar pagando à AFIL. O confronto das notas fiscais emitidas pela empresa AFIL por compra efetuada pela TKS, com as notas detidas pela TRANSPORTDORA MORGAN LTDA para entrega da carga da TRIGOMAX junto à SANTINA, permite, claramente, identificar a referida fraude. (DOC. 04)
Exemplo disso é anota de transporte da TRANSPORTADORA MORGAN da farinha adquirida pela TKS, datada de 21.8.09, que fora emitida pela AFIL, sob o n. 21163, em data de 18.8.2009, sendo que, no entanto, a mesma carga foi descarregada com nota da TRIGOMAX em 21.8.09, junto ao estabelecimento SANTINA, além de outros comprovantes de descarga, canhotos de notas de venda da TRIGOMAX para a SANTINA, assinados por esta, a partir de uma nota de compra real da TKS junto à AFIL. Nesta ocasião, eram confeccionadas notas fiscais falsas, que se substituíam às verdadeiras, figurando a TRIGOMAX como vendedora e a SANTINA como compradora da carga.
b) Compra de farinha inexistente - desvio dos pagamentos da TKS: neste caso, FEDERICO simulava a compra, pela TKS, de farinha inexistente, supostamente, oriunda da empresa AFIL. Nestas oportunidades, FEDERICO, juntamente com o denunciado EDUARDO, confeccionavam faturas/boletos falsos, assim garantindo que EDEVARDE fizesse os correspondentes pagamentos à TRIGOMAX, crendo este, porém, estar efetuando-os à AFIL. Referidos boletos bancários passavam a ter, assim, seus códigos de barras falsificados, artifício este que propiciava que o depósito do valor da compra pela TKS fosse, mediante fraude, direcionado à conta da TRIGOMAX (DOC. 5.1).
A comprovação da falsidade de emissão de boletos, de notas fiscais extrai-se, ademais, do diálogo interceptado pela Polícia Federal, datado de 12.8.09, após liberação judicial das mídias (PDFs), onde se menciona a emissão de 30 notas falsas de venda da AFIL para a TKS. Nesta oportunidade, FEDERICO e EDUARDO confeccionaram boletos em nome da AFIL contendo a conta da TRIGOMAX, no valor de R$ 131.079,60 (DOC .5.2)
Por fim, ocorria, ainda, que antes mesmo de chegar farinha inexistente à TKS, FEDERICO já realizava novas vendas. E, para simular a sua efetiva concretização e demonstrar o giro do negócio, FEDERICO fazia com que uma parte desses créditos - que eram, na verdade, depositados na conta da TRIGOMAX - voltassem para a TKS, na forma de liquidação de parte das faturas. E assim, mantinha um sistema de catraca, faseando a realidade e a própria contabilidade da empresa, e mantendo seu titular sob constante erro.
Para justificar todas as ocorrências, a contabilidade e os livros mercantis da empresa TKS eram falseados por FEDERICO, que, desta forma, forjava a sua regularidade.
Por meio de tais condutas, FEDERICO logrou realizar atividade típica de contrabando, na medida em que, não dispondo de autorização para atuar na qualidade de importador, intermediava operações de importação de farinha oriunda de moinhos argentinos, por meio da oculta interposição de empresas importadoras brasileiras legalmente operantes, assim como, por meio de off-shores sitas no Uruguai, não declaradas perante o fisco brasileiro (cf. Apreensão de fls. 50 e documentos juntados nos apensos), incidindo, neste particular, na suposta prática do crime de sonegação fiscal, a ser, ainda, devidamente apurada.
Em seu interrogatório, FEDERICO confirmou ser proprietário, de fato, da empresa TRIGOMAX - sucessora da WHITORN COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA, como poder hierárquico sobre seus funcionários, dela se utilizando para seus negócios, em especial, de suas contas bancárias para realizar transações cambiais ilegais (liquidações) com o doleiro JUNIOR, já denunciado nos Autos n. 2008.61.014188-7, emprestando suas contas para depósitos em favor de terceiros. Admitiu, ainda, confeccionar notas fictícias para suas vendas não concretizadas. Assim, quando faturava da venda da farinha para algum cliente, pegava os títulos de crédito que recebia como pagamento e os descontava, sem, no entanto, efetuar a entrega do produto, gerando, desta forma, "notas frias". EDUARDO DIAS, segundo ele, é funcionário da mesma empresa, tendo sido o denunciado MANOEL PEREIRA COSTA "laranja" da empresa e seu primeiro sócio, posteriormente sucedido pelo denunciado VITOR HUGO MINISALLE, os quais assinavam os documentos da empresa, em favor de FEDERICO.
Confessado tem-se, ainda, nos autos, o fato de FEDERICO, possuir contas bancárias não declaradas no exterior, mais propriamente, no CITIBANK de Montevideo, em nome de suas offshores THIRA S.A e TEIWEL COMPANY S.A, conforme depoimento colhido em sede policial (DOC. 03) e fax interceptado de ordem de movimentação bancária por ele emitida àquela instituição bancária, fato este que veio confirmar a notitia criminis inicial (DOC. 06)
Por fim, logrando manter no exterior, contas não declaradas, viabilizou que nela fossem ocultadas divisas ilegalmente para lá remetidas, quer pela prática de câmbio ilegal, pelo qual foi anteriormente denunciado, no âmbito da mesma Operação, quer pelo recebimento de valores oriundos das importações fraudulentas, efetuadas por intermédio da empresa AFIL, mas em favor da TRIGOMAX, cujos valores enviados apontaram nas referidas contas em nome das referidas off-shores, ao que tudo indica, diretamente envolvidas com tal negócio. Desta forma, é certo que, a partir da ocultação de ganhos nos exterior, fruto de contrabando de mercadorias, FEDERICO incidiu na prática típica do crime de lavagem de dinheiro.
O denunciado CARLOS GUSTAVO, dono da antiga WHITORN, cuja razão social foi alterada para TRIGOMAX, e, também, titular, de fato - mas de forma disfarçada - da empresa SANTINA (DOC. 07), atuou em estreito conluio com FEDERICO, sendo o verdadeiro receptador das referidas cargas de farinha, desviadas da TKS e AFIL, em nome de TRIGOMAX e remetidas à sua empresa, aparentemente sem capacidade financeira para figurar como compradora desta última. Do conjunto probatório, não restam dúvidas de que participou, ativamente, das fraudes, consumando os desvios de carga de farinha de trigo em favor de sua empresa, mantendo-a em depósito e revendendo-a a terceiros, em típica atividade de receptação, sustentada, todo tempo, por documentação fiscal forjada.
EDUARDO DIAS, igualmente, participava ativamente de tal empreitada, atuando na confecção e emissão de talonários de notas fiscais falsas para a efetivação das transações fraudulentas, ocasião em que propiciava, no trajeto do transporte da carga de farinha, a troca de notas fiscais e o seu consequente desvio, em favor da TRIGOMAX e da empresa SANTINA, além da falsificação de boletos bancários, onde figurava o número de conta da TRIGOMAX, para onde eram canalizados, fraudulentamente, os pagamentos feitos pela TKS, na compra de farinha inexistente. Inclusive, uma das falsificações concretizada restou confessada por EDUARDO em sede policial (DOC. 08)
VICTOR HUGO MINISSALE, por sua vez, era sócio formal da TRIGOMAX, tendo, recentemente, assumido a totalidade de suas quotas. Igualmente, constava dos quadros societários da empresa WHITORN COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA., antes de esta ter sua denominação alterada para TRIGOMAX, em nome da qual inúmeros bens da TRIGOMAX, de FEDERICO e de CARLOS GUSTAVO teriam sido transferidos. VICTOR HUGO fora, ainda, representante comercial comissionado da empresa TKS COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO, tendo realizado diversas vendas "equivocadas", as quais foram canceladas, conforma declaração sua em anexo (DOC. 09).
MANOEL PEREIRA DA COSTA, muito embora constando, inicialmente, dos quadros sociais da WHITORN/TRIGOMAX como seu sócio, e que era, inicialmente, de propriedade de FEDERICO, na verdade, atuava como autêntico "laranja", emprestando seu nome à empresa para que FEDERICO, por meio dele, pudesse, de forma oculta, empreender suas fraudes.
Figurando como testas-de-ferro da empresa TRIGOMAX, os denunciados MANOEL e VICTOR HUGO, portanto, possuíam, pleno conhecimento das fraudes, com elas concordando, ou, no mínimo, silenciando perante as autoridades públicas (fls. 7/15)

Nulidade. Sentença. Fundamentação. Prejuízo. Exigibilidade. No processo penal vige a máxima pas de nulitté sans grief segundo a qual se exige a demonstração de prejuízo para a configuração da nulidade, princípio válido também no que toca à necessidade de fundamentação da sentença:


PROCESSUAL PENAL. (...) AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECISUM. NÃO-OCORRÊNCIA. (...). (...) 3. No âmbito do processo penal, só se declara a nulidade do ato se evidenciado o prejuízo, consoante a máxima ne pas de nulitté sans grief, insculpido no art. 563 do Código de Processo Penal. (...) 7. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.
(STJ, HC n. 133211, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15.10.09)

Do caso dos autos. Suscita a Procuradoria Regional da República a nulidade da sentença por carência de fundamentação.

Não lhe assiste razão.

A sentença tem relatório, fundamentação e dispositivo, encontrando-se formalmente em ordem. Atende, pois, aos requisitos do art. 381 do Código de Processo Penal.

De fato, apresenta motivação sucinta. Porém, não há demonstração de prejuízo a ensejar anulação. Destaco, inclusive, não ter a acusação suscitado tal alegação em apelação.

Rejeito a preliminar.

Materialidade e autoria. Em apelação, pleiteia a acusação a reforma da sentença para condenação de Federico Hernan Las Heras pela prática dos crimes dos arts. 171, 180, § 1º, 297, § 2º, 298, 299 e 334, todos do Código Penal, e artigo 1º, V e VI, da Lei n. 9.613/98; Carlos Gustavo Las Heras pela prática dos crimes dos arts. 171, 180, § 1º, 298, 299 e 334, todos do Código Penal; Eduardo Dias pela prática dos crimes dos arts. 171, 180, § 1º, 298 e 299, todos do Código Penal.

Assiste razão, em parte, à acusação.

Em 18.09.09, Edevarde Coelho Junior prestou depoimento no Ministério Público Federal, na presença da Procuradora da República Karen Louise Janette Kahn, narrando o quanto segue:


Sendo proprietário da empresa TKS COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., contratou, no início de março de 2008, FEDERICO HERNAN LAS HERAS para ocupar a parte operacional e logística da empresa, incluindo as compras e vendas da empresa, sendo que, quanto estas últimas, FEDERICO as realizava na sua totalidade. No decorrer dos últimos meses, a partir da deflagração da Operação Harina pela Polícia Federal, o depoente passou a tomar conhecimento das fraudes, em especial com base no diálogo travado entre FEDERICO e EDUARDO ROMERE, empregado da empresa TRIGOMAX que é controlada por FEDERICO e seu pai CARLOS GUSTAVO LAS HERAS, através do "laranja" VICTOR HUGO MINISSALE. Com base em tal conversa, verificou-se haver falsa emissão de boletos bancários, de notas fiscais de compra e pagamento de boletos de vendas falsas que o próprio FEDERICO havia determinado e EDUARDO operacionalizado. O mesmo diálogo também ressalta a ocorrência de desvio de carda física de farinha que deveria ser entregue para um cliente, da parte da TKS, mas que era desviado para empresas de seu suposto controle, numa operação denominada entre eles de "HOPPY HARI" Tem conhecimento pessoal de que FEDERICO era auxiliado por seu pa4 CARLOS GUSTAVO LAS HERAS, sendo ambos proprietários da empresa TZION COMERCIO IMPORTA ÇAO E EXPORTA ÇAO LTDA., que, tal como FEDERICO, não está autorizada a operar no comércio internacional de importação, tendo tido a sua licença cassada pela Receita Federal. Sabe que CARLOS GUSTAVO é ou foi o proprietário de fato da empresa WHITHORN IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., que teve seu nome alterado para TRIGOMAX COMERCIO DE LIMENTOS LTDA., sem, porém, haver alteração em sua documentação. Neste sentido, há bens de propriedade da TRIGOMAX e, portanto de FEDERICO e CARLOS GUSTAVO, registrados em nome da WHITHORN. A TRIGOMAX se mostra como ativa participante do comércio ilegal de farinha, não tendo autorização para atuar no mercado internacional - estando, formalmente sob a titularidade de MANOEL PEREIRA DA COSTA, VICTOR HUGO MINISSALE e da empresa WHITHORN S.A. Parte da empresa SANTINA DO BRASIL COMÉRCIO IMPORTA ÇAO E EXPORTAÇÃO DE ALIMENTOS LTDA, está em nome da filha mais velha de CARLOS GUSTAVO LAS HERAS, MATHILDE STEPHANIE LAS HERAS (registro da Junta Comercial em anexo), sendo usada nas fraudes referentes a desvios de cargas. Porém é CARLOS GUSTAVO que atua por meio dela, inclusive figurando como seu comprador em diversas negociações com terceiros. Há, inclusive, um contrato de gaveta entre ele e o verdadeiro acionista, redefinindo a percentagem sua dentro da empresa SANTINA e que lhe daria poder de administração sobre a mesma, e que foi apreendido pela Polícia Federal quando do início da operação. Segundo sabe, a TRIOGOMAX é dirigida tanto por FEDERICO, quanto por CARLOS GUSTAVO, sendo MANOEL e VICTOR HUGO seus sócios de fachada e EDUARDO ROMERE seria seu funcionário. Para realizar as importações de farinha de trigo, FEDERICO, que não tem autorização para atuar como importador, utilizava-se de outras empresas, diante da interposição fraudulenta de pessoas físicas e jurídicas perante o fisco, negociando valores e transporte diretamente com moinhos fornecedores, em especial sediados na Argentina. Uma dessas empresas usadas por FEDERICO foi a AFIL IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA, em nome da qual falsificava boletos bancários, notas fiscais de venda à TKS, comprovantes de pagamento, para o fim de se apropriar do dinheiro da venda da carga de farinha, que seguia diretamente para a conta corrente da TRIGOMAX. Ele emitia boleto em nome da AFIL, como sendo uma venda desta para a TKS, mas a conta do código de barras era da TRIGOMAX. Não havia farinha a ser vendida. Todos os boletos falsos iam para a conta da TRIGOMAX. Uma parte desses recursos (créditos) voltava para a TKS na forma de liquidação de boletos para disfarçar a suposta venda a TKS para terceiros. Antes de chegar a farinha inexistente à TKS, FEDERICO já realizava novas vendas. E assim, mantinha um sistema de catraca e o depoente em constante erro. Na verdade, eram duas operações distintas. Pela primeira, ele roubava o dinheiro, falsificando documentos bancários e fiscais, comprovantes de pagamentos, envolvendo o próprio sistema financeiro, e fazendo crer que a TKS estava, efetivamente, adquirindo farinha. A segunda operação se constituía no próprio desvio da carga existente. Neste caso, quando o depoente comprava pela TKS a farinha em nome da AFIL, - empresa usada fraudulentamente por FEDERICO - esta emitia nota de venda para a TKS. Em seguida, a farinha viajava com sua nota de venda, sendo que o transportador da empresa MORGAN parava num posto de gasolina, próximo da empresa SANTINA, ocasião em que a nota fiscal era trocada pela da TRIGOMAX, e ,com esta, entrava na SANTINA.. Sabe que tal procedimento ocorreu com terceiros, que compraram da TRIGOMAX, pensando ser dela a mercadoria, mas esta, da mesma forma, era carga roubada. Neste caso, de efetiva existência da carga, a qual ele pretendia desviar; FEDERICO inventava uma venda de valor considerável (com pagamento a prazo), dando-lhe a destinação que lhe interessasse, procedendo ao pretendido desvio. A constatação da prática desse desvio de cargas se dá a partir da documentação ora entregue pelo depoente a este MPF a título de mero exemplo, dentre tantas outras operações fraudulentas realizadas. Dentre estes documentos, fornecidos a ele pela transportadora MOROAN, destacam-se: comprovantes de descarga da Transportadora MORGAN, canhotos de notas de venda da TRIGOMAX assinados pela SANTINA, sobre uma nota de compra da TKS junto à AFIL (TKS comprou da AFIL, porém a nota de venda para a SANTINA foi emitida pela TRIGOMAX). A TRIGOMAX não comprou farinha alguma. Tanto assim é que nesta nota de transporte ora apresentada, datada de 21.8.09, que fora emitida pela AFIL, sob o n. 21163, em data de 18.8.2009, foi descarregada como sendo nota da TRIGOMAX em 21.8.09, junto à SANTINA. Nesta oportunidade, foi, ainda, entregue pelo depoente dois blocos de notas fiscais de vendas inexistentes, emitidas por EDEVARDE de boa-fé, em nome da TKS, a mando de FEDERICO e que foram fornecidas pelo dono da Transportadora MORGAN, JACYR ANTÔNIO SBARDELLA. Inclusive, declarou o depoente ser este credor de FEDERICO, o valor de cerca de R$ 150.000,00. Outra prova de que FEDERICO segue tentando desviar novas cargas da TKS, ainda retidas na Transportadora MORGAN, em garantia do ressarcimento dos R$ 150.000,00, é o telefonema de 16.9.2009, ratificado por conversa de MSN de 21.9.09, segundo o qual JACYR afirma ao depoente ter eu funcionário, naquela data, recebido telefonema de FEDERICO, via skype para tentar desviar mais carga da TKS retidas pela MORGAN para suposto entrega à empresa SANTINA. Sabe que nas efetivas importações de farinha pela AFIL., toda a negociação da compra era feita por FEDERICO diretamente junto aos moinhos, inclusive o transporte da carga, contatos com o transporta dor; determinação dos trajetos e vendas aos clientes finais no Brasil, como se ele pró rio importador fosse, emitindo boletos em nome da AFIL, ou determinando à estrutura da AFIL que o fizesse. Nas operações falsas d compra de farinha, o EDUARDO da TRIGOMAX emitia os boletos em nome da AFIL, conforme consta dos diálogos, sendo que a TKS efetuava os pagamentos, pensando ser para AFIL, mas na raiz di conta emitida no código de barras do boleto, a conta destinatária era da TRIGOMAX. O depoente comprovou isso, fazendo um depósito de dois mais na suposta conta da AFIL, ocasião em que apareceu o nome da TRIGOMAX. A comprovação da falsidade de emissão de boletos, de notas fiscais extrai-se, mais diretamente, do diálogo interceptado pela Polícia Federal, datado de 12.8.09, após liberação judicial das mídias (PDFs), onde se menciona a emissão de 30 notas falsas de venda da AFIL para a TKS, o desvio da ca1ga da venda feita pela TKS à TRIGAL, à qual seria dado o chamado "destino Hoopy Hari". FEDERICO e EDUARDO combinam o desvio da carga da TRIGAL, discutem o pagamento de boleto no sistema de mecanização de títulos e depois FEDERICO e EDUARDO inventam os boletos em nome da AFIL com a conta da TRIGOMAX, no valor de R$ 131.079,60. O depoente ouviu dizer que foram feitas operações de superfaturamento por FEDERICO, segundo informações recebidas verbalmente do dono da AFIL, Sr. FARNEZIO, ao depoente, com o testemunho de sua esposa STELLA CHRISTINA SEGATTI COELHO. Também supõe as razões de as importações de farinha serem feitas via Uruguai qual seja, a de deixar o lucro naquele país, sonegando imposto de renda aqui no Brasil O moinho argentino fatura (vende), exemplificativamente, por US$ 250,00 para a empresa do FEDERICO, em Montevideo (offshores TEIWEL e THIRA). Esta venda para a AFIL por US$ 280,00 e sobre esse lucro, FEDERICO ou não paga qualquer imposto no Uruguai ou paga uma tributação especifica para operações via offshores, bem inferior ao imposto sobre a renda e contribuição social no Brasil Tal seria o chamado superfaturamento. Sabe que, segundo declarações do dono da AFlL, esta teria em aberto no Banco Central mais de 2 milhões de dólares, cuja a mercadoria não vai ingressar. Tal mercadoria teria desaparecido ou nunca existiu, podendo ter sido usado a menção ao negócio de importação apenas para a remessa de dólares ao exterior em proveito próprio de FEDERICO ou para beneficiar o esquema de doleiros operantes no Uruguai e Brasil Numa operação de compra (importação) de farinha verdadeiramente existente pela AFIL de um moinho argentino, via URUGUAI, por meio das off-shores de FEDERIGO, o objetivo principal de FEDERICO é a sonegação do imposto de renda e de contribuição social. Pela legislação brasileira, a off-hore tem que ser consolidada (declarada) no Brasil para fins fiscais, não constando que FEDERICO as tenha declarado. Em se declarando, a tributação é feita aqui. Sem declaração, não há tributação, a não ser no próprio país onde elas são sediadas. Ao que tudo indica, tal operação também era usada por FEDERICO para auxiliar a célula de doleiros do Uruguai na evasão de divisas. Para tanto, o pagamento da importação era feito em reais pela AFIL ao Banco Central (fechamento de câmbio normal), os valores eram internados em dólares nas off-shores de FEDERICO, vendedoras da farinha, que, por sua vez as adquiria dos moinhos argentino (quando a carga de farinha, de fato, existia). Nesse caso, sobre o lucro (ou sobre o total da venda, no caso de cargas inexistentes), FEDERICO entregava os dólares (bons, via Banco Central) aos doleiros que, poderiam sacar em letras de câmbio ou em moeda em espécie. Os doleiros, por sua vez, reembolsavam FEDERlCO em reais no Brasil, ao câmbio paralelo. Desta forma, FEDERICO obtinha proveito quanto aos doleiros sobre a diferença de câmbio. Ao mesmo tempo, a célula de doleiros conseguia exportar sob a aparência de legalidade, mas tendo a natureza essencialmente fraudulenta, dólares ao exterior , a partir da intervenção de FEDERICO. As operações se afiguram fraudulentas, ou porque as offshores não são declaradas no Brasil ou porque a compra de farinha era fictícia, razão pela qual, aparentemente, a AFIL se encontra com um débito em aberto no Banco Central de mais de 2 milhões de dólares, na ilusão de que a farinha, efetivamente tivesse sido por ela efetivamente comprada e que ingressaria no país. Há vários diálogos da interceptação dando conta de tal sistemática (conversas entre ORSI (Junior) e FEDERICO). O depoente tem, ainda, fortes suspeitas de que parte dos lucros ilicitamente obtidos por FEDERICO estão sendo canalizados aos Estados Unidos, para suposta constituição de empresa em nome do irmão e de seu padrasto, como forma, de um lado, de promover a lavagem desses recursos, e, de outro, de legalizar a situação de seu irmão, almejante de visto americano e que já fora anteriormente obtido via casamento fraudulento, mas, posteriormente, não renovado. Tais indícios são extraídos dos documentos já juntados pelo MPF nos correspondentes autos judiciais. (fls. 16/31)

Em, 14.10.09, o Ministério Público Federal expediu ofício ao Departamento de Polícia Federal/DELEFIN, para final instrução do IPL n. 12-223/09, Autos n. 2008.61.014188-7, tendo em vista a colheita do referido depoimento, para realização da oitiva de Eduardo Romere, Victor Hugo Minissale, Manoel Pereira da Costa, Carlos Gustavo Las Heras, Jacyr Antônio Sbardella e Farnézio, sendo este proprietário da Afil Comércio e Importação Ltda. (fl. 22).

Em 19.11.09, foram denunciados Federico Hernan Las Heras pela prática dos delitos dos arts. 171, 180, § 1º, 297, § 2º, 298, 299 e 334, § 1º, c, do Código Penal, e art. 1º, V, VI e VII, c. c. parágrafo 1º, I e II, da Lei n. 9.613/98; Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias pela prática dos crimes dos arts. 171, 180, § 1º, 298 e 299, do Código Penal; Victor Hugo Minissale e Manoel Pereira da Costa pela prática do delito do art. 299 do Código Penal, combinados todos os dispositivos legais mencionados com o art. 288 do Código Penal, na forma organizada, nos termos da Lei n. 9.034/95 e da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Internacional, e arts. 29 e 62, I, do Código Penal.

A denúncia foi instruída com a documentação de fls. 23/350 que, intuitivamente, da análise de sua numeração, de carimbos apostos e demais referências do Departamento de Polícia Federal, nota-se ter sido extraída do inquérito policial relativo à Operação Harina, que originou a Ação Penal n. 2009.61.81.011817-1.

Constam da referida documentação os seguintes elementos de convicção:

a) mensagens de correio eletrônico relativas a faturas de exportação de farinha pela empresa Afil Importação Exportação e Comércio Ltda. - Afil (fls. 23/34);
b) mensagens de correio eletrônico e boletos bancários, cuja cedente é a empresa Afil e sacada a empresa Santina do Brasil Comércio Importação e Exportação de Alimentos Ltda. - Santina do Brasil (fls. 35/42);
c) mensagens de correio eletrônico relativas à importação de farinha pela empresa Afil (43/48);
d) trecho de relatório de investigações sobre a prática de interposição fraudulenta de terceiros nas importações realizadas pela Afil e correspondente interceptação telefônica (fls. 49/52);
e) comprovantes de descarga da Transportadora Morgan Ltda. (fls. 63/72);
f) notas fiscais de saída da Afil para a TKS Comércio Importação e Exportação Ltda. - TKS, com a numeração 21163, 21191 e 21164 (fls. 74/76);
g) documentos de TED bancário, depósito em caixa eletrônico e boleto (fls. 78/81; 94);
h) trechos de interceptações telefônicas (fls. 84/93);
i) boletos bancários, tendo como cedente a Afil e sacada a TKS (fls. 95 e 99/110);
j) faturas do Molino Victoria, datadas de 24.07.09 (fls. 96/98);
k) 30 (trinta) notas fiscais de saída da Afil, com os números de série de 21005 a 21034 (fls. 111/141);
l) relação de notas fiscais apresentada pela transportadora Morgan e notas fiscais de saída da TKS (fls. 143/331);
m) documento de interceptação de fac-símile (fls. 332/333);
n) contrato social da Santina do Brasil (fls. 338/342).

Estes autos foram originalmente distribuídos à 6ª Vara Criminal Federal especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Lavagem de Valores de São Paulo, por dependência à Ação Penal n. 2009.61.81.011817-1.

Após, o Juízo da 6ª Vara Criminal Federal declinou da competência, determinando a livre distribuição a uma das Varas Federais não especializadas (fls. 354/359v.).

O feito foi livremente distribuído à 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo em 18.12.09.

A denúncia foi parcialmente recebida em 13.01.10, havendo rejeição quanto ao delito de lavagem de dinheiro imputado ao acusado Federico Hernan Las Heras, em razão da decisão do Juízo da 6ª Vara Criminal Federal especializada no sentido de ter sido descrito o fato relativo à lavagem de capitais na denúncia da Ação Penal n. 2009.61.81.011817-1 (367/369).

Houve o desmembramento do processo em relação a Victor Hugo Minissale e Manoel Pereira da Costa, em razão da suspensão do processo e do curso prazo prescricional, nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal, prosseguindo a presente ação penal apenas contra os corréus Federico, Carlos Gustavo e Eduardo.

Anoto que Edevarde Coelho Junior foi a única testemunha arrolada pela acusação. Entretanto, no dia de sua oitiva, após a realização de perguntas pela acusação, a audiência foi interrompida e finalizada antecipadamente, em razão da necessidade de nova apreciação do pleito de atuação como assistente da acusação (fl. 599 e mídia à fl. 600).

O pedido foi posteriormente deferido, tendo sido habilitada sua empresa, TKS Comércio Importação e Exportação Ltda., como assistente da acusação, realizando-se nova audiência para oitiva de Edevarde na condição de ofendido (fl. 680 e mídia à fl. 683).

Foram ouvidas as testemunhas de defesa (fls. 635, 653, 671/672, 681/682; mídias às fls. 656, 673 e 683), a testemunha do Juízo (fl. 756 e mídia à fl. 757) e interrogados os réus (fls. 760/762 e mídia à fl. 763).

A assistente da acusação juntou documentos aos autos (fls. 708/753 e 798/806).

Sobreveio sentença absolutória.

Passo à análise das condutas imputadas aos réus.

Contrabando ou descaminho. Art. 334, § 1º, c, do Código Penal.

Alega a acusação restar provada a prática do delito do art. 334, § 1º, c, do Código Penal.

Não prospera o recurso ministerial.

Não há prova suficiente da materialidade do delito.

Os interrogatórios dos corréus esclarecem que Federico Hernan Las Heras e Carlos Gustavo Las Heras eram sócios da empresa Tzion Comércio Importação e Exportação Ltda. - Tzion, por meio da qual importavam farinha de trigo, oriunda da Argentina, até os anos de 2007 ou 2008. Entretanto, após ter sido cassada, pela Receita Federal, a habilitação da empresa para acesso ao sistema de comércio exterior e do encerramento de suas atividades, tornaram-se representantes comerciais. Nesse contexto, desde 2007, Federico mantinha contato com a empresa Afil, importadora, e atuava como representante comercial das empresas Trigomax Distribuidora de Alimentos Ltda. - Trigomax, sucessora da Whithorn, Santina do Brasil e TKS, considerando-se sócio de fato da Trigomax e da TKS, enquanto Carlos Gustavo era representante da Santina do Brasil e adquiria mercadorias da Trigomax e da Afil, com a intermediação de seu filho e corréu, Federico. Federico e Carlos Gustavo declararam que negociavam a compra de farinha com importadores, dentre os quais, a Afil, mas afirmaram que a aquisição de mercadorias ocorria no mercado nacional. A seu turno, o acusado Eduardo Dias trabalhava como técnico de informática na empresa Tzion e, depois, passou a trabalhar na Trigomax, no faturamento, emitindo notas e boletos, segundo as ordens recebidas de Federico (fls. 56/62, 336/337, 343/344; 760/762 e mídia à fl. 763).

Os demais depoimentos prestados nos autos nada esclarecem sobre o ocorrido.

As mensagens de correio eletrônico interceptadas denotam que os corréus Federico e Carlos Gustavo negociaram a importação de farinha, advinda do Molino Chacabuco, localizado na Argentina, para a Afil, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009 (fls. 23/34 e 43/48).

Outrossim, em dezembro de 2008, foram interceptadas mensagens de correio eletrônico, contendo boletos bancários, cuja cedente é a Afil e sacada a Santina do Brasil (fls. 35/42).

Infere-se dos autos que Federico e Carlos Gustavo, de fato, tratavam da aquisição de farinha de trigo no mercado internacional, por meio da Afil, uma vez que sua empresa - Tzion - havia sido encerrada e, então, passaram a atuar no mercado por intermédio de outras empresas - Trigomax, Santina, etc., das quais não constavam do contrato social (fls. 84, 338/342 e 804/806).

A despeito da atuação dos réus para compra de farinha de trigo no mercado estrangeiro, não há elementos concretos da fraude nas importações. Segundo consta, a importação era realizada pela Afil que, à míngua de prova em contrário, detinha autorização para atuar no comércio internacional. O vínculo dos acusados com a Afil e a eventual ocultação da condição de importadores não restou esclarecida.

Não há, nos autos, depoimentos ou documentos sobre procedimentos aduaneiros da Afil, declarações de importação relativas aos fatos descritos na denúncia ou mesmo registro ou notícia da apreensão de mercadorias ou instauração de procedimento fiscal para verificação da interposição fraudulenta de terceiros nas operações comerciais da referida empresa.

Talvez esse seja o aspecto de maior relevância para ensejar a absolvição dos acusados pelo delito de contrabando ou descaminho. Ainda que sejam aceitas as alegações deduzidas pela acusação, no sentido de que haveria procedimentos fraudulentos para a internação de farinha oriunda do exterior, não há comprovação adequada dessa fraude, em especial a divergência da documentação fiscal quanto à realidade substancial à qual se refere (importador, produto, valores recolhidos etc.). Apesar de não ser necessária a quantificação dos tributos iludidos, a cujo respeito pouco se definiu nos autos, não se pode desprezar, no delito de contrabando ou descaminho, o objeto material do crime, o qual, de um lado, concerne a uma variável expressão monetária relativa à carga tributária, de outro, a efetiva internação de produto ou mercadoria.

Igualmente, não há qualquer referência à importação de mercadoria proibida ou à ilusão de tributos.

Mantida, portanto, a absolvição dos acusados quanto à prática do delito do art. 334 do Código Penal.

Estelionato, receptação e falsidade documental. Arts. 171, 180, §1º, 298 e 299 do Código Penal. Em apelação, requer o Parquet a condenação dos réus pela prática dos crimes de falso, assim como pelos delitos patrimoniais apontados.

A apelação merece parcial provimento.

Interrogado em Juízo, Federico declarou ser sócio de fato da TKS, sendo que o dinheiro do negócio era de Edevarde e a experiência e clientela eram suas. Disse que encaminhava os pedidos de compra e venda para Edevarde aprovar e desconhecia o faturamento da empresa, que era feito pela filha de Edevarde. No tocante à Trigomax, em Juízo, disse que vendia para a referida empresa e o corréu Eduardo fazia o faturamento; na fase das investigações, declarou ser sócio de fato da Trigomax e orientar Eduardo a expedir notas "frias" em nome da Trigomax para pagar dívidas da empresa (fls. 56/62; 762 e mídia à fl. 763).

Interrogado em Juízo, Carlos Gustavo Las Heras negou a acusação. Esclareceu haver trabalhado com o corréu Federico, seu filho, na Tzion, bem como serem ambos representantes da Trigomax. Afirmou continuar trabalhando no ramo da farinha de trigo, na empresa Real, bem como haver trabalhado na Santina do Brasil, onde fazia cotações. Relatou que Federico fazia intermediação de negócios na Santina do Brasil. Declarou não saber da TKS ou dos boletos. Negou saber de desvio de carga para a Santina do Brasil. Declarou haver efetuado cobranças quando da prisão de Federico (fls. 760/762 e mídia à fl. 763).

Na Delegacia de Polícia, Eduardo negou ter recebido orientação para a expedição de notas "frias", esclarecendo trabalhar para Federico na Trigomax, emitindo boletos e notas. Admitiu ter falsificado um "único comprovante de pagamento" a pedido de Federico. Disse "que Federico coordena todas as cargas e que uma carga de Edevarde foi para o depósito da empresa Trigomax, na ocasião, o declarante, precisava vender rapidamente a carga com receio de que a mesma viesse a estragar". Em interrogatório judicial, Eduardo afirmou trabalhar no setor de faturamento da Trigomax, segundo as ordens recebidas de Federico. Narrou que Federico vendia para a TKS e para a Trigomax e se considerava sócio de fato da TKS. Disse ter expedido notas da Trigomax para a Santina do Brasil, mas não soube esclarecer a frequência da expedição. Esclareceu haver efetuado cobranças a pedido de Federico (fls. 343/344; 761 e mídia à fl. 763).

Em depoimento da fase extrajudicial e em Juízo, Edevarde Coelho Junior, ouvido na condição de ofendido, declarou que o réu Federico era pessoa de sua inteira confiança, do seu convívio íntimo e, na empresa, era responsável pela compra e venda da farinha de trigo. Disse ter Federico abusado de sua confiança para cometer fraudes na empresa e desviar seu dinheiro para outros lugares. Esclareceu que as fraudes ocorreram no período de 2 (dois) meses. Relatou ter o corréu atuado de dois modos distintos, sendo que, no primeiro deles, havia desvio de mercadorias efetivamente compradas e, no segundo, não havia mercadorias. Explicitou que, na primeira espécie de fraude, Federico comprava farinha de trigo da Afil para a TKS e, em conluio com a transportadora Morgan, enviava a mercadoria até um posto de gasolina próximo à Santina do Brasil, onde o corréu Eduardo ou outra pessoa providenciava uma nota falsa para que a carga fosse entregue na Santina do Brasil, como se fosse originária da Trigomax. Explicou que, na segunda espécie de fraude, Federico falsificava notas e boletos bancários de supostas vendas de empresas, como a Afil, para a TKS, apropriando-se do dinheiro que a TKS pagava pela suposta compra de farinha de trigo, pois os códigos de barras dos boletos bancários destinavam os recursos à conta bancária da Trigomax. Narrou ter Federico simulado vendas da TKS para terceiros, encobrindo as fraudes cometidas. Disse que não tinha como desconfiar dos boletos, pois não tinha qualquer desconfiança de Federico. Declarou que sua filha era a responsável pela emissão das notas fiscais da empresa, as quais eram remetidas para a fronteira para acompanhar as cargas até o destino. Esclareceu que o próprio depoente ou Federico ou ambos providenciavam a postagem das notas fiscais (fls. 16/31; 599, 640, 680 e mídias às fls. 600 e 683).

Em declarações judiciais, Diogo Armando Spinato, testemunha do Juízo, declarou comprar farinha de trigo da TKS, negociando, por telefone, com Federico. Afirmou que, às vezes, recebia cargas de farinha sem pedir, o que também acontecia com outro comerciante da região. Disse efetuar os pagamentos por meio de boletos ou depósitos bancários, os quais eram dirigidos para a TKS, Trigomax ou Santina do Brasil, dentre outros. Disse que os depósitos eram efetuados conforme orientações recebidas de Federico ou Eduardo. Afirmou que comprava da TKS, mas, por vezes, recebia notas fiscais de outras empresas. Relatou não ter desconfiado das operações porque efetuava os pagamentos e recebia as mercadorias. Narrou ter recebido duas cargas da Santina do Brasil não solicitadas e protestados os títulos correspondentes, tendo Federico liquidado os protestos. Afirmou ter recebido uma ligação de Carlos Gustavo que o cobrava por uma carga da Santina que não havia sido solicitada. Esclareceu ter mantido relações comerciais com Federico de 2008 a 2009, pelo período aproximado de um ano e meio. Esclareceu que Eduardo se apresentava como funcionário de Federico (fl. 756 e mídia à fl. 757).

As testemunhas de defesa nada esclareceram sobre os fatos descritos na denúncia (fls. 635, 653, 671/672, 681/682; mídias às fls. 656, 673 e 683).

O conjunto probatório amealhado comprova a prática de estelionato em detrimento da TKS, restando isolada nos autos a negativa sustentada pelos réus.

A prova oral e documental dos autos evidencia que Federico era responsável pelas compras e vendas da TKS e, aproveitando-se do papel desempenhado na empresa, adquiria farinha de trigo da Afil, mas, quando providenciava as fichas de compensação bancária para que a TKS pagasse a compra à Afil, com o auxílio de Eduardo Dias, fazia constar do código de barras os dados bancários da empresa Trigomax, para a qual eram indevidamente direcionados os pagamentos efetuados.

Além disso, os elementos de prova demonstram ter ocorrido o desvio de cargas adquiridas pela TKS para a empresa Santina do Brasil, por meio da Transportadora Morgan, como se tivessem sido remetidas pela Trigomax, sendo que, para concretizar a empreitada criminosa, Federico contava com o auxílio de Carlos Gustavo que, na condição de representante comercial da Santina do Brasil, recebia as indigitadas mercadorias, assim como de Eduardo Dias, incumbido de providenciar a documentação fraudulenta correspondente.

Outrossim, Federico simulava a compra de farinha de trigo pela TKS, constando a Afil como vendedora, bem como simulava a venda de farinha de trigo da TKS para outros compradores, a saber, Mariza, Liane e etc. As notas fiscais que embasariam as supostas compras e vendas não são reconhecidas pelas empresas correlatas, a evidenciar sua falsidade.

As fraudes perpetradas estão suficientemente comprovadas, sendo manifesta a sofisticação dos ardis utilizados pelos réus, não se sustentando a argumentação defensiva no sentido da impossibilidade de sua ocorrência em virtude do conhecimento contábil de Edevarde e de sua atuação na TKS.

Em diálogo interceptado, datado de 12.08.09, Federico pede a Eduardo que providencie 30 (trinta) notas com a data de sexta-feira, no caso, dia 07.08.09 (fls. 84/88, 1.178v./1.179). Foram juntadas aos autos cópias de 30 (trinta) notas fiscais em que a Afil é a emitente e a TKS a compradora, todas do dia 07.08.09 e com a numeração 21005 a 21034.

Conforme informação da própria Afil juntada às fls. 740/745 e observado o número de série das 30 (trinta) notas em questão, em relações comerciais com a TKS, foram emitidas somente as notas com os números 21013 a 21016, sendo, pois, indubitável a inautenticidade das notas fiscais trazidas aos autos.

Há diversas cópias de notas fiscais de saída da TKS referentes a vendas de farinha de trigo, no período de julho a agosto de 2009, todas falsas, uma vez que as transações comerciais correspondentes não foram confirmadas pelas empresas destinatárias (fls. 708/753), a saber: Santina do Brasil (fls. 146/147, 192, 225/226, 244/253, 274/283 e 299/300), Mariza Indústria e Comércio da Amazônia Ltda. (fls. 148/151, 232/240 e 301/315), Vietnam Massas Ltda. (fls. 152/161, 289/298 e 321/331), Indústrias Alimentícias Liane Ltda. (fls. 162/175, 181/186, 193/204 e 254/273), Trigal Comércio Importação Exportação e Representações Ltda. (fls. 205 e 227/231), Afil (fls. 176/180, 187/191, 219/224, 284/288 e 316/320) e Hiléia Indústrias de Produtos Alimentícios (fls. 206/218).

Anoto que a realização de transações fictícias não era incomum à rotina de Federico e tampouco a elaboração de documentação falsa por Eduardo, tanto que, na fase policial, Federico afirmou orientar Eduardo a expedir notas "frias" em nome da Trigomax para pagar dívidas da empresa, enquanto Eduardo, apesar de negar ter sido orientado a expedir as notas "frias", uma vez que apenas trabalhava no setor de faturamento da Trigomax, relatou ter falsificado um "único comprovante de pagamento" a pedido de Federico.

Por outro lado, também em interceptação telefônica do dia 12.08.09, Federico conversa com a interlocutora Suzana, que lhe cobra o pagamento de ficha de compensação bancária referente ao Molino Victorios, ao que Federico informa que efetuará a liquidação por meio de transferência da Trigomax, esclarecendo a interlocutora que não pode ser por meio de TED, mas simples transferência, por não ter nota da Trigomax (fls. 50v./51).

Há faturas do Molino Victoria às fls. 96/98 que denotam a exportação de farinha de trigo feita pelo referido moinho para a importadora Afil, no valor total de R$ 131.079,60 (cento e trinta e um mil, setenta e nove reais e sessenta centavos) , em 24.07.09, ou seja, dias antes da conversa entre Federico e a interlocutora Suzana, assim como fichas de compensação bancária cuja cedente é a Afil e sacada a TKS e os correspondentes comprovantes de pagamento, todos do dia 12.08.09, totalizando o mesmo valor de R$ 131.079,60 (cento e trinta e um mil, setenta e nove reais e sessenta centavos) (fls. 99/100).

Referidas fichas de compensação bancária foram pagas pela TKS que, no entanto, foi induzida em erro, pois, a despeito de parecer que o pagamento era direcionado à Afil, conforme constava dos boletos, em verdade, o dinheiro era depositado em favor da Trigomax, uma vez que os dados do código de barras direcionaram o pagamento para a conta bancária da Trigomax.

A prova oral colhida na Polícia e em Juízo evidencia que Federico realizava as compras e vendas da TKS e era proprietário de fato da Trigomax. Edevarde, por sua vez, declarou ter feito depósitos bancários em favor da Trigomax sem saber que o fazia, acreditando tratar-se do pagamento de compras regulares de mercadorias da Afil pela TKS, empresa de sua propriedade.

Há, nos autos, cópia de protocolo de depósito na conta bancária da Trigomax (fl. 94), efetuado por Edevarde, no valor de R$ 2,00 (dois reais), em que estão explicitados os números do banco, agência e conta corrente da referida empresa. A análise desse documento, em comparação com as fichas de compensação bancária de fls. 95, 100, 102, 104, 106, 108 e 110, comprova que o código de barras e, portanto, a conta destinatária do recebimento dos boletos corresponde à da Trigomax, evidenciando o artifício utilizado pelos réus para obtenção de vantagem indevida.

Tais circunstâncias aliadas ao pagamento realizado por Edevarde, em 12.08.09, como se pagasse à Afil por compras de farinha de trigo, no valor de R$ 131.079,60 (cento e trinta e um mil, setenta e nove reais e sessenta centavos), equivalente ao montante prometido por Federico na mesma data, nos termos do diálogo interceptado, tornam indubitável a obtenção de vantagem indevida em prejuízo da TKS.

Na mesma linha, o desvio de cargas de farinha de trigo adquiridas pela TKS, durante o mês de agosto de 2009, restou corroborada pelas notas fiscais, comprovantes de descarga de mercadorias e depoimentos dos autos.

As notas fiscais de venda da Afil para a TKS, com a numeração 21163, 21191 e 21164 (fls. 74/76), cuja emissão restou confirmada pela Afil (fls. 740/745), em comparação com os comprovantes de descarga da Transportadora Morgan (fls. 63/72), revelam o indevido e reiterado recebimento dos carregamentos de farinha de trigo pela Santina do Brasil, durante o mês de agosto de 2009, como se remetidas pela Trigomax, quando, na verdade, tratava-se de produtos adquiridos pela TKS.

É indubitável que Federico era responsável pelo controle das cargas de farinha de trigo adquiridas pela TKS, assim como por sua indevida destinação, em conluio com Carlos Gustavo e Eduardo.

A ocorrência do desvio de mercadorias restou corroborada pelos depoimentos dos autos, como se verifica das declarações de Eduardo prestadas na Delegacia de Polícia, ao afirmar "que Federico coordena todas as cargas e que uma carga de Edevarde foi para o depósito da empresa Trigomax, na ocasião, o Declarante, precisava vender rapidamente a carga com receio de que a mesma viesse a estragar" (fls. 343/344) e do testemunho judicial de Diogo Armando Spinato, revelando a atuação fraudulenta dos corréus.

Resta patente o cometimento do delito de estelionato pelos acusados, conforme propugnado pela Procuradoria Regional da República:


Passa-se, então, à análise das imputações de receptação qualificada e estelionato.
Inicialmente, cumpre estabelecer as relações entre os "comprovantes de descarga" fornecidos pela TRANSPORTADORA MORGAN e as notas fiscais supostamente emitidas pela AFIL em razão das compras realizadas pela TKS.
Às fls. 63 dos autos há "comprovante de descarga" da TRANSPORTADORA MORGAN que retrata a entrega de 1080 "sacos de farinha marca cores" a pedido da TRIGOMAX. O lastro desta entrega é a operação documentada pela nota fiscal da AFIL de número 21163, de acordo com as informações constantes do próprio comprovante da MORGAN. Às fis. 74 há cópia da referida nota fiscal emitida pela AFIL - possivelmente, em mais um esquema de fraude envolvendo EDUARDO e FEDERICO -, em que consta que o destinatário seria a TKS, sendo que o frete ficaria a cargo da mesma TRANSPORTADORA MORGAN. Ainda no documento de fis. 63, vê-se que, em 21/08/2009, a carga em questão foi recebida nas dependências da SANTINA.
Assim, tem-se que, a despeito daquilo que constava da nota fiscal aparentemente emitida pela AFIL para documentar operação de compra e venda de farinha com a TKS, FEDERICO e CARLOS GUSTAVO, atuando conjuntamente, passavam à TRANSPORATDORA MORGAN que a compradora da carga seria a TRIGOMAX. Ademais, determinavam que os sacos de farinha fossem entregues à SANTINA, que figurava, assim, como compradora final e parceira comercial da TRIGOMAX. É de frisar, novamente, que a SANTINA, pelo que restou apurado durantes as investigações, pertencia a CARLOS GUSTAVO, ainda que ele não ostentasse, formalmente, a condição de sócio (registros da JUCESP às fis. 338/342)² [2. Destaca-se que, de acordo com as informações constantes do documento de fls. 734/736, a Sra. Stephanie Las Heras, filha de CARLOS GUSTAVO, figura como sócia da SANTINA desde a sua constituição].
O mesmo cruzamento de informações pode ser feito, exemplificativamente, em relação a outras notas e comprovantes de descarga. Vejamos.
Às fls. 64 há comprovante de descarga emitido em 5 de agosto de 2009, relativo à entrega de 540 bolsas de farinha de trigo que teriam sido adquiridas pela TRIGOMAX. O comprovante está atrelado à nota fiscal de número 21013 (cópias às fls. 120), emitida pela AFIL. Ressalta-se que esta é uma das notas reconhecidas como verdadeiras pela AFIL, relativa a venda realizada para a TKS. Do mesmo comprovante consta que, em 6 de agosto de 2009, as mercadorias foram recebidas na SANTINA, como denotam a assinatura e o carimbo no campo destinado à identificação do recebedor.
O mesmo se verifica em relação ao comprovante de fls. 65, atrelado à nota de número 21014 (acostada às fls. 121), a qual também esteve dentre aquelas reconhecidas como verdadeiras pela AFIL. Neste caso, tratava-se, igualmente, de entrega de 540 bolsas de farinha de trigo que, em verdade, foram pagas pela TKS, mas entregues à SANTINA, em 7 de agosto de 2009, conforme o comprovante fornecido pela MORGAN.
Ainda, a mesma relação pode ser estabelecida entre os comprovantes de descarga de fls. 66 e 67 e as notas de saída da AFIL de fls. 76 e 75, respectivamente.
Destarte, entende-se que a farinha de trigo adquirida pela TKS era repassada à SANTINA, que posteriormente, a revenderia.
Sobre essas operações de revenda, confira-se o teor da prova testemunhal colhida em Juízo. A testemunha Diogo Armando Spinato (mídia de fis. 757), que comprou mercadorias da TKS durante os anos de 2008 e 2009, atestou que, em suas tratativas comerciais, costumava recorrer a FEDERICO, que se apresentava como vendedor/sócio da empresa. Questionada pela assistência de acusação, a testemunha afirmou que, algumas vezes, chegavam à sua empresa carregamentos de farinha de trigo que não havia pedido. Diogo Spinato mencionou, ainda, que as formas de pagamento mais comum eram via depósito bancário ou mediante boletos, os quais vinham em nome da TKS, mas, algumas vezes, também em nome da SANTINA, da WHITHORN (antigo nome da TRIGOMAX) e de outras empresas. Ainda respondendo aos questionamentos da assistência de acusação, a testemunha esclareceu que, por diversas vezes, efetuou depósitos para realizar pagamentos em contas de empresas diversas daquelas constantes do título recebido a pedido de FEDERICO. Diogo relatou que, por exemplo, a carga de farinha de trigo vinha acompanhada da respectiva nota emitida pela TKS, mas que FEDERICO determinava que o pagamento fosse feito por meio de depósito na conta da TRIGOMAX.
A testemunha afirmou que seu único contato com Carlos Gustavo ocorreu na ocasião em que ele o cobrou pelo pagamento de farinha de trigo oriunda da SANTINA que não havia sido pedida. Diogo ainda relatou que o mesmo problema ocorria com outro distribuidor, o que, em algumas situações, resultou em protesto indevido de títulos.
Diogo disse, ainda, que, algumas vezes, EDUARDO entrou em contato para transmitir orientações sobre pagamentos por entrega de farinha via depósitos bancários, de modo semelhante ao que fazia o próprio FEDERICO. Segundo Diogo, EDUARDO aparentava ser funcionário de FEDERICO. Assim, resta esvaziada a tese veiculada por EDUARDO em sua autodefesa, pois, como se viu, ele exercia funções que iam além dos assuntos de informática, chegando até mesmo a realizar cobranças em nome de FEDERICO.
Interessante destacar, por fim, que Diogo disse que, por algumas vezes, a TKS enviou quantidades de farinha maiores de que aquelas encomendadas por sua empresa. Entretanto, nestes casos, o próprio FEDERICO, quando contactado, dizia que opagamento poderia ser realizado no valor já combinado. Dessa forma, o ora apelado abriu mão de receber uma parcela do pagamento devido ou, mesmo, de pedir o retorno do excedente do carregamento.
Ora, não há que se falar, deste modo, porque que as alegações da testemunha "beiram o absurdo" (fis. 1095), tal como alegou a defesa técnica. Com efeito, Diogo Spinato narrou de forma clara o modo como os ora apelados procuravam introduzir no mercado lícito os carregamentos de farinha ilegalmente obtidos.
Entretanto, se é certo que havia carregamentos de farinha de trigo pagos pela TKS e desviados para a SANTINA, não é estreme de dúvidas a existência de crime antecedente, a configurar o crime de receptação qualificada (artigo 180, §1°, do Código Penal).
De fato, há nos autos provas da materialidade e autoria da prática de descaminho que se deu entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009. Entretanto, quanto às cargas recebidas pela SANTINA em meados de agosto de 2009, fato em exame, não há nos autos prova de que seria produto de descaminho. Portanto, à míngua de elementos comprobatórios desse crime antecedente, não é possível que se forme um juízo de convencimento apto a viabilizar a prolação de sentença condenatória, impondo-se a absolvição dos ora apelados, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código Penal em relação à imputação de prática do delito tipificado no artigo 180, §1°, do Código Penal.
De outro lado, do quanto já descrito, verifica-se que os expedientes fraudulentos utilizados - troca de notas, que resultavam na entrega de mercadorias para empresa diversa da real compradora - resultaram na indução em erro da TKS, com prejuízo econômico e benefício direto para os agentes envolvidos.
Com efeito, como visto, recebidas as mercadorias na SANTINA - fato comprovado pela prova documental coligida - FEDERICO, CARLOS GUSTAVO e EDUARDO as revendiam para outras empresas, de modo a completar o ciclo de práticas criminosas e auferir, diretamente, o lucro pretendido. A participação dos ora apelados restou igualmente demonstrada, haja vista que, tal como indicado pela prova testemunhal, os três cobravam seus clientes pelas mercadorias vendidas, o que denota inegável envolvimento com o delito patrimonial em questão.
Desta feita, verificada a configuração de estelionato, que teve por prejudicada direta a TKS, assistente de acusação, de rigor a condenação dos apelados pelo crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal).
(...)
Cumpre, agora, analisar a imputação de prática de estelionato. Nesse ponto, destaca-se, inicialmente, o teor de diálogo travado entre FEDERICO e uma mulher de nome "Suzana", provavelmente funcionária da AFIL, em 12 de agosto de 2009, 11h11m37 (fls. 50v/51v):
(...)
No diálogo, FEDERICO e "Suzana" conversam sobre o pagamento por uma carga de farinha de trigo importada da Argentina, que teria sido adquirida junto ao "Molino Victoria". "Suzana" menciona que ainda não havia recebido o pagamento e FEDERICO promete uma transferência em breve para quitar o débito, aduzindo que estava, naquele momento, finalizando um negócio com o "Farnézio", real proprietário da AFIL (fis. 19).
Todavia, analisando os documentos de fis. 96/97, infere-se que o "Molino Victoria S. A.", empresa de Santa Fé, na Argenina, havia finalizado, em 24 de julho de 2009, duas vendas de farinha de trigo tipo 1, marca "IDEAL", para a AFIL, cada uma no valor de US$35.775,00 (faturas de número 0032-00000519 e 0032-00000520) que, multiplicados pela taxa de câmbio, resultariam em R$ 131.079,60.
De outro lado, às fls. 99/110, há 6 comprovantes de depósitos (fis. 99, 101, 103, 105, 107 e 109) efetuados pela TKS, que correspondem aos boletos bancários de fls. 100, 102, 104, 106, 108 e 110 e que, se somados, perfazem os mesmos R$131 .079,60. Nestes boletos, a TKS figura como "SACADO" e a AFIL como "CEDENTE". Todavia, da análise dos números identificadores dos códigos de barras, conclui-se que os depósitos eram efetuados, em verdade, em conta da TRIGOMAX. Esta circunstância foi confirmada por Edevarde em seu depoimento prestado na sede do Ministério Público Federal (fls. 16/21). Nessa oportunidade, o ofendido esclareceu que "nas operações falsas de compra de farinha, o EDUARDO da TRIGOMAX emitia os boletos em nome da AFIL, conforme consta dos diálogos, sendo que a TKS efetuava os pagamentos, pensando ser para AFIL, mas na raiz da conta emitida no código de barras do boleto, a conta destinatária era da TRIGOMAX. O depoente comprovou isso, fazendo um depósito de dois reais na suposta conta da AFIL, ocasião em que apareceu o nome da TRIGOMAX. A comprovação da falsidade de emissão de boletos, de notas fiscais extrai-se, mais diretamente, do diálogo interceptado pela Polícia Federal, datado de 12.08.09, após liberação judicial das mídias (PDFs), onde se menciona a emissão de 30 notas falsas de venda da AFIL para a TKS (...)" (fls. 19).
O comprovante deste depósito de R$2,00 está acostado às fis. 94. Nele, de fato, verifica-se que a Conta Corrente n. 53848-6, Agência 0895, do Banco ltaú S/A - referida nos boletos de pagamento de fis. 100, 102, 104, 106, 108 e 110 - pertence à TRIGOMAX. Assim, é inegável que Edevarde, ao efetuar os ditos pagamentos pensava estar pagando à AFIL, quando, em verdade, realizava depósitos na conta da TRIGOMAX.
Assim, verifica-se a prática de falsificação dos boletos bancários indicados, uma vez que, a despeito da AFIL constar como "CEDENTE", os pagamentos dirigiam-se à conta da TKS. Tais documentos, como visto, foram utilizados como meio para a prática do estelionato, uma vez que serviram de ardil para induzir Edevarde em erro. Este, ludibriado pelo que constava dos documentos, tratou efetuou os depósitos para pagamento, em prejuízo da TKS e evidente benefício econômico para a TRIGOMAX.
Ainda a respeito das condutas de FEDERICO e EDUARDO, mister transcrever o seguinte trecho da inicial acusatória (fis. 12):
"Por fim, ocorria, ainda, que antes mesmo de chegar a farinha inexistente à TKS, FEDERICO já realizava novas vendas. E, para simular a sua efetiva concretizaçâo e demonstrar o giro do negócio, FEDERICO fazia com que uma parte desses créditos - que eram, na verdade, depositados na conta da TRIGOMAX - voltassem para a TKS, na forma de liquidação de parte das faturas. E assim, mantinha um sistema de catraca, falseando a realidade e a própria contabilidade da empresa, e mantendo seu titular sob constante erro. Para justificar todas as ocorrências, a contabilidade e os livros mercantis da empresa TKS era falseados por FEDERICO, que, desta forma, forjava a sua regularidade."
Com efeito, restou apurado que, após a compra de farinha inexistente, FEDERICO, auxiliado por EDUARDO, emitia notas fiscais de saída, como se a TKS estivesse realizando vendas de parte da farinha inexistente. Com isso, Edevarde era mantido em erro, uma vez, acreditando possuir créditos frente a outras empresas (tais como a "MARIZA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DA AMAZÔNIA LTDA.", a "INDÚSTRIAS ALIMENTÍCIAS LIANE LTDA." e a "HILÉIA INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS S/A"), vislumbrava uma situação de caixa fictícia e, desse modo, não se dava conta do prejuízo que sofria.
O próprio Edevarde, em seu depoimento prestado em juízo (mídia com a gravação audiovisual acostada às fls. 600), afirmou que desconfiou dos balanços apenas após algum tempo, por julgar irreal o lucro apresentado por FEDERICO. E, ainda, asseverou que conseguiu descobrir as fraudes nas notas em razão de sua formação em contabilidade e também em função da estranheza que algumas operações lhe causaram, por exemplo, a ausência de cobrança de frentes pela TRANSPORTADORA MORGAN de mercadorias que, em tese, teriam sido entregues. Como se logrou demonstrar, a despeito de sua formação e experiência, Edevarde foi, de fato, induzido e mantido em erro pelo esquema fraudulento - que envolvia, além das simulações de compra, a documentação de inúmeras vendas fictícias, que viabilizaram o falseamento do balanço contábil da TKS - colocado em prática pelos ora apelados. Assim, FEDERICO, CARLOS GUSTAVO e EDUARDO devem ser condenados, também em relação a este segundo fato, pela prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal.
(fls. 1176/1181v.)

Comprovadas a autoria e a materialidade do delito do art. 171 do Código Penal, impõe-se a condenação de Federico Hernan Las Heras, Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias.

Falso. Estelionato. Absorção. Os delitos contra a fé pública atingem a credibilidade de fatos e pessoas, a qual é imprescindível para a segurança das relações sociais. Sem um grau mínimo de confiança entre os membros da coletividade, não há como esta possa sobreviver. A sanção penal prescrita para delitos dessa espécie tende a proteger a sociedade de sua destruição pela falta de vínculos certos entre os seus membros. Os delitos contra o patrimônio, por sua vez, atingem a propriedade, isto é, aquilo que é próprio de cada indivíduo no contexto de suas relações econômicas com os demais membros da comunidade.

Na hipótese em que um determinado fato encerre, ao mesmo tempo, lesão à confiança e ao patrimônio, característica ínsita ao delito de estelionato, cumpre verificar, caso a caso, qual teria sido o ânimo do agente. Pois a sanção penal relaciona-se com o dolo, isto é, a vontade livre e consciente de, ao agir em conformidade com o tipo penal, violar os bens jurídicos por ele tutelado.

De modo geral, o falsum (falsificação, uso de documento falso, falsa identidade etc.) é absorvido pelo estelionato, na medida em que se consubstancie em atos preparatórios necessários para que o resultado lesivo ao patrimônio da vítima possa ocorrer. Esse entendimento já se encontra consagrado na Súmula n. 17 do Superior Tribunal de Justiça:


Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.


Significa isso que o falsum é, em regra, absorvido pelo estelionato, exceto se sua caracterização seja dele independente, isto é, seja preordenadamente realizado para ofender a fé pública como tal.

No caso, a falsidade documental restou absorvida pelo crime de estelionato, visto ter sido o meio utilizado pelos réus para a concretização das fraudes e consequente obtenção de vantagem ilícita, não restando caracterizado o dolo necessário à punição autônoma do falsum.

Receptação. Crime antecedente. Responsabilidade penal. Não será autor da receptação o agente do crime antecedente, sendo que por este responderá:


Para que o agente responda criminalmente pela receptação, jamais poderá ter, de alguma forma, concorrido para a prática do delito anterior, pois, caso contrário, deverá ser por ele responsabilizado. (Código Penal: comentado, Rogério Greco, 6 ed., RJ: Impetus, 2012, p. 601)

Os réus são responsáveis pelo delito de estelionato que resultou no desvio dos carregamentos de farinha de trigo da TKS, mostrando-se inviável a condenação, em concurso, pelo crime de receptação.

Falsificação de livros mercantis. Art. 297, § 2º, do Código Penal.

Pleiteia a acusação a condenação do corréu Federico pela prática do delito do art. 297, § 2º, do Código Penal.

Não se sustenta o pedido condenatório.

A prova oral evidencia que a própria vítima, Edevarde, proprietário da TKS, era responsável pela escrituração contábil da empresa. Com efeito, malgrado os documentos subjacentes à escrituração contábil sejam inidôneos, não se alega que a própria escrituração contábil seja irregular, no sentido de não representar a documentação correspondente.

Não obstante, há efetivamente irregularidade na escrituração, pois os próprios documentos são inidôneos, cotejados com a realidade dos negócios realizados pela empresa, visto ter sido a vítima induzida em erro.

Por outro lado, não resulta transparente a conduta dolosa, vale dizer, preordenada para o cometimento desse específico delito passível de ser imputável ao réu.

Mantém-se, portanto, a absolvição.

Nesse sentido, parecer da Procuradoria Regional da República:


Ora, a despeito de a denúncia narrar que "a contabilidade e os livros mercantis da empresa TKS eram falseados por FEDERICO, que, desta forma, forjava a sua regularidade", não há nos autos provas suficientemente seguras da materialidade ou mesmo da autoria deste delito. Com efeito, é altamente provável que, para continuar mantendo Edevarde em erro, FEDERICO tenha se valido também deste expediente (falsificação de livros mercantis", entretanto não foram sequer trazidas aos autos cópias de tais livros, em que constassem as operações simuladas.
De rigor, portanto, a absolvição de FEDERICO por esta prática, com fulcro no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal. (fls. 1183)

Lavagem de capitais. Lei n. 9.613/98. Pugna o Ministério Público Federal pela condenação de Federico pela prática do crime de lavagem de dinheiro.

Não lhe assiste razão.

A denúncia foi parcialmente recebida, sem insurgência da acusação. Houve rejeição quanto à prática do delito de lavagem de capitais, que não é objeto desta demanda, mas de ação penal específica, a saber, Processo n. 2009.61.81.011817-1, em trâmite na 6ª Vara Criminal Federal especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Lavagem de Valores.

Dosimetria. Art. 171 do Código Penal. Federico Hernan Las Heras. Atento às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 35 (trinta e cinco) dias-multa, considerando a acentuada a culpabilidade de Federico Hernan Las Heras, visto ter se aproveitado da função desempenhada na TKS, abusando da confiança que lhe era depositada, para a prática do crime, além de haver coordenado a empreitada criminosa, assim como em razão da sofisticação das fraudes perpetradas, envolvendo numerosa documentação espúria e aprimorada logística, bem como em virtude do elevado prejuízo patrimonial causado à vítima.

Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas de diminuição da pena, majoro a pena em 1/6 (um sexto), nos termos do art. 71 do Código Penal, tendo em vista a reiteração da prática delitiva, resultando em 4 (quatro) e 1 (um) mês de reclusão e 40 (quarenta) dias-multa, a qual torno definitiva.

Fixo o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

Regime inicial semiaberto (CP, art. 33, § 2º, b).

Denegada a substituição da pena, por não restarem preenchidos os requisitos legais necessários (CP, art. 44, I e III).

Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias. Considerando as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base dos corréus acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos, 6 (seis) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa, tendo em vista a sofisticação das fraudes perpetradas, envolvendo numerosa documentação espúria e aprimorada logística, assim como em virtude do elevado prejuízo patrimonial causado à vítima.

Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como causas de diminuição da pena, majoro a pena-base em 1/6 (um sexto), nos termos do art. 71 do Código Penal, tendo em vista a reiteração da prática delitiva, resultando em 2 (dois) anos, 11 (onze) meses de reclusão e 29 (vinte e nove) dias-multa, a qual torno definitiva.

Fixo o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

Regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, c).

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, em relação aos corréus Carlos Gustavo e Eduardo, consistentes em prestação pecuniária equivalente 10 (dez) salários mínimos destinada à vítima (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, § 1º) e prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação para condenar Federico Hernan Las Heras a 4 (quatro) e 1 (um) mês de reclusão, regime inicial semiaberto, e 40 (quarenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, denegada a substituição da pena; Carlos Gustavo Las Heras e Eduardo Dias a 2 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, regime inicial aberto, e 29 (vinte e nove) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, todos pela prática do delito do art. 171 c. c. art. 71, ambos do Código Penal.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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