Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/04/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010071-65.2006.4.03.6100/SP
2006.61.00.010071-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : ASSOCIACAO BRASILEIRA DE NORMAS TECNICAS ABNT
ADVOGADO : SP101120A LUIZ OLIVEIRA DA SILVEIRA FILHO e outro
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro
APELADO(A) : TARGET ENGENHARIA E CONSULTORIA LTDA
ADVOGADO : SP185039 MARIANA HAMAR VALVERDE GODOY
: SP146792 MICHELLE HAMUCHE COSTA

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PROPRIEDADE INTELECTUAL. NORMAS TÉCNICAS DA ABNT. APLICAÇÃO DO REGIME DE DIREITOS AUTORAIS. IMPOSSIBILIDADE. NORMALIZAÇÃO VOLUNTÁRIA. SIMPLES COLABORAÇÃO DE ASSOCIAÇÃO CIVIL. INCORPORAÇÃO POR REGULAMENTO TÉCNICO. GANHO DE JURIDICIDADE. CONHECIMENTO TECNOLÓGICO. INAPLICABILIDADE DA LEI N° 9.610/1998. ISENÇÃO DE CUSTAS. NECESSIDADE DE REEMBOLSO DE DESPESAS DO VENCEDOR. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. MANUTENÇÃO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÕES DESPROVIDAS.
I. A ABNT exige direitos autorais no contexto de serviço público federal, especificamente a metrologia, a normalização e a qualidade industrial. A tolerância dos órgãos e entidades do SINMETRO indica que a cobrança é admitida normativa e administrativamente, tanto que o artigo 5° da Lei n° 4.150/1962 qualifica a associação como órgão de utilidade pública. A União possui, assim, legitimidade.
II. A incompatibilidade das normas técnicas com os direitos autorais não é definida pela natureza da atividade da ABNT, que simplesmente recebeu uma qualificação especial da lei, sem que isso lhe traga um espaço na estrutura político-administrativa do Estado ou confira às determinações fixadas a posição de regras jurídicas, atos oficiais.
III. O direito de Target Engenharia e Consultoria Ltda. provém das próprias restrições previstas pela Lei n° 9.610/1998 à propriedade intelectual.
IV. O procedimento de elaboração das normas técnicas no âmbito da ABNT é marcado pela participação de especialistas da área abrangida, que utilizarão os conhecimentos técnicos disponíveis no mercado para responder à demanda de normalização voluntária.
V. Rigorosamente não existe criação do espírito, manifestação da individualidade intelectual; os participantes se restringem a captar informações técnicas já propagadas, com estabilidade suficiente para consubstanciar um guia de adequação de insumos, produtos ou serviços.
VI. A Lei n° 9.610/1998, no domínio das ciências, preserva como direito autoral apenas a forma literária ou artística. O conhecimento tecnológico é explicitamente excluído, sem prejuízo da aplicação do regime industrial de tutela (artigo 7°, §3°).
VII. A ABNT poderia no máximo requerer a proteção do trabalho de compilação (artigo 7°, XIII). O conteúdo científico, as normas técnicas são invulneráveis.
VIII. Ainda que se cogitasse de propriedade intelectual, a associação não poderia se apropriar dos direitos correspondentes.
IX. Além da inexistência de contrato que a credenciasse como organizadora, muitos dos participantes do procedimento não são associados; pertencem a segmentos diversos da sociedade civil e não consentiram em que os respectivos interesses fossem representados por uma organização coletiva (artigo 17 da Lei n° 9.610/1998).
X. A isenção de custas judiciárias não é tão radical a ponto de exonerar a Fazenda Pública do dever de reembolso. O vencedor da demanda tem o direito de repetir os valores gastos com a ativação do poder jurisdicional.
XI. A condenação da União ao pagamento de verba honorária de 5% do valor da causa - R$ 20.000,00 - não contradiz os critérios do artigo 20, §3° e §4°, do CPC, especialmente o fundamento da equidade.
XII. Para um processo iniciado em 2006, de alta complexidade, que demandou intervenções constantes dos advogados, a quantia de R$ 1.000,00 se revela até insuficiente.
XIII. Remessa oficial e apelações a que se nega provimento.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar, e, no mérito, por maioria, negar provimento à remessa oficial e às apelações, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Desembargador Federal André Nekatschalow. Vencido o Desembargador Federal Paulo Fontes que dava provimento às apelações e a remessa oficial e fixava os honorários advocatícios em hum mil reais, nos termos dos votos constantes do presente julgado.



São Paulo, 24 de março de 2014.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010071-65.2006.4.03.6100/SP
2006.61.00.010071-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Penso que a questão a ser dirimida consiste na proteção ou não dos alegados direitos autorais da ABNT quanto às normas que elabora. Por outro lado, exatamente em decorrência do seu caráter normativo, a Target sustenta que a matéria escapa da proteção no âmbito dos direitos autorais. Trata-se de confrontar o art. 7º, XIII, com o art. 8º, I, ambos da Lei n. 9.610/98, verbis:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
(...)
XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.
§ 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.
(...)
§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.
Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:
I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;
II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;
(...)
§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.

Não há dúvida de que a elaboração de normas técnicas demanda esforço intelectual criativo, residindo aí o respectivo interesse. Não faz sentido normatizar ou normalizar atividade já consagrada pelo uso desprovido de técnica. Ao contrário, o interesse consiste em converter conhecimento científico em técnica passível de ser empregada mediante a observância das normas correspondentes.
O conhecimento científico ou técnico, enquanto tais, não estão abrangidos pela proteção do direito autoral, o que de certo modo conspiraria contra sua universalidade (Lei n. 9.610/98, art. 8º, § 3º). De modo mais limitado, a lei protege a propriedade imaterial dos "demais campos", apontando para a "forma literária ou artística".
No que se refere às normas daí derivadas (da ciência e da técnica), não podem ser afastadas do domínio da técnica propriamente dita: seria difícil imaginar uma técnica que não fosse "normativa". É o seu conteúdo, menos que seu caráter normativo, que distinguem as normas técnicas. E, quanto ao conteúdo, cumpre relembrar o disposto no § 3º do art. 8º da Lei n. 9.610/98.
Essas observações indicam que a matéria não é regulada pelo inciso XIII do art. 7º da Lei n. 9.619/98. Com efeito, esse dispositivo cuida de "coletâneas ou compilações", "base de dados" e outras obras que, "por sua seleção, organização ou disposição de conteúdo, constituam uma criação intelectual". Normas técnicas não consistem em mera agregação de elementos dispersos para que, desse modo, ganhem um sentido específico. Ao contrário, são formadas mediante o emprego do conhecimento científico pelo qual a técnica é regulada. Em seu momento de criatividade, o pensamento não pode ser equiparado às formas literárias, mas à descoberta científica ou invenção técnica, cuja proteção não está claramente incluída nessa norma legal, sem prejuízo dos direitos assegurados pela propriedade intelectual devidamente registrada.
Parece natural, então, incluir as normas técnicas dentre as "ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos" ou também em "esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais", vale dizer, as hipóteses previstas nos incisos I e II do art. 8º da Lei n. 9.619/98. Não há nenhuma dificuldade de perceber que as normas técnicas, qualquer que seja sua nota distintiva dentre as demais normas, encerra "procedimentos normativos", orientando a ação daquele que pretende usufruir dos benefícios do conhecimento científico.
Ante o exposto, ACOMPANHO o Relator.
É o voto.

Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010071-65.2006.4.03.6100/SP
2006.61.00.010071-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Adoto o relatório do Exmo. Relator Des. Fed. Antonio Cedenho, ao tempo em que o cumprimento, e ao E. Des. Fed. André Nekatschalow, pelos brilhantes votos lançados nos autos.
Um aspecto inicial, que me parece relevante para o deslinde do feito, é estabelecer que nem todas as normas da ABNT - apesar do prestígio de que possam gozar nos meios técnicos e acadêmicos - integram o ordenamento jurídico nacional. A ABNT é associação privada e suas normas técnicas somente passariam a integrar o sistema jurídico se incorporadas expressamente em ato normativo oriundo do Poder Público; nesse caso, de normas técnicas assim "juridicizadas", penso que não haveria mesmo que se falar em direitos autorais, vez que a publicidade é ínsita à ideia de um sistema jurídico. Contudo, como dito, as normas técnicas da ABNT não constituem de per se normas jurídicas e a jurisprudência já teve oportunidade de se manifestar nesse sentido, inclusive este E. Tribunal:

TRIBUTÁRIO - ITR E CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL - CRIAÇÃO DE SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA POSTERIOR AO AJUIZAMENTO DA DEMANDA -APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PERPETUAÇÃO DA JURISDIÇÃO E DO JUIZ NATURAL - INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DA DECISÃO - IN/SRF 42/96 - DEFINIÇÃO DO VALOR DA TERRA NUA MÍNIMO - VTNM - IMPUGNAÇÃO MEDIANTE APRESENTAÇÃO DE LAUDO TÉCNICO - OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DA ABNT - ART. 5º, LEI Nº 8.847/94 - PROVA PERICIAL IDÔNEA PARA ANULAR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 1. Posterior implantação de Subseção Judiciária, cuja jurisdição abrange cidade onde sediada a autoridade impetrada, não tem o condão de modificar a competência do Juízo para conhecer e decidir o feito. 2. Aplicação do princípio da perpetuação da jurisdição e do juiz natural. A determinação da competência do juízo ocorre com a propositura da ação. 3. A Instrução Normativa/SRF nº 42/96 foi editada no intuito de complementar a disciplina normativa do ITR, regulando as disposições da Lei nº 8.847/94, que, no artigo 3º traçou as linhas diretivas para a especificação da base de cálculo por meio de ato infra-legal. 4. Ao disciplinar o procedimento exigido para impugnação do VTNm arbitrado, a Lei nº 8.847/94 impunha a instrução do requerimento com "laudo técnico emitido por entidade de reconhecida capacitação técnica ou profissional devidamente habilitado" (art. 3º, § 4º). 5. Eventual inobservância dos critérios firmados pela ABNT (representativos do consenso vigente no círculo acadêmico de produção científico-tecnológica), conquanto não acarrete invalidade ou ilegalidade de qualquer ordem, pode comprometer a higidez dos documentos que se pretende sobrepor a avaliações oficiais. 6. A inobservância dos critérios firmados pela ABNT compromete a higidez de laudos e documentos que se pretenda sobrepor a avaliações oficiais, porquanto os critérios por ela indicados encontram sede no consenso vigente em determinado período e círculo acadêmico acerca dos critérios adequados à produção científica, em suas várias manifestações e respectiva comprovação. 7. Cumpridos, no presente caso, os requisitos necessários para conferir higidez ao laudo oposto à avaliação oficial, forçoso reconhecer a desincumbência do autor do ônus de ilidir a presunção de veracidade do VTN utilizado para lançar o ITR. (TRF-3, AC 13038137119964036108AC - APELAÇÃO CÍVEL - 685708, Re. Juiz Convocado Miguel Di Pierro).

Assentado este ponto, tenho que, ao contrário do que entenderam o MM. Juiz sentenciante e meus Eminentes Colegas, o trabalho de confecção das normas técnicas alberga, sim, elemento relevante de criatividade intelectual e esforço técnico e financeiro por parte da Associação.
Penso que o art. 8º, I, da Lei de 9.610/98, descarta os direitos autorais quanto aos procedimentos normativos em si, enquanto realidade material. À guisa de exemplo, não devo pagar direitos autorais à ABNT por utilizar os critérios que a entidade, em suas normas técnicas, propõe como adequados para fazer referências bibliográficas em um trabalho acadêmico; a administração deste Tribunal, no caso de uma reforma do prédio, também não teria obrigação de pagá-los caso utilizasse os critérios indicados pela entidade para esse tipo de atividade.
Mas, ainda que sutil a diferença, esse aspecto distingue-se da comercialização das próprias normas, tomadas como passíveis de publicação através de meio eletrônico e físico. Se pretendo ter acesso aos critérios de citação e referências bibliográficas propostos pela ABNT, não se tratando de normas oficiais, é natural que eu busque a respectiva Norma Técnica junto à entidade e pague por isso. Aqui não se está atribuindo direitos autorais sobre o procedimento normativo em si - do contrário eu teria que pagar tais direitos cada vez que fizesse uso da norma técnica em meus trabalhos acadêmicos -, mas reconhecendo-se o trabalho criativo da entidade em definir tais normas e critérios, testá-los, organizá-los, etc, ou seja, sua natureza de obra intelectual, nos termos do art. 7º da Lei 9.610/98.
Afinal, apesar de os procedimentos normativos em si não serem passíveis de apropriação, como já vimos, ressalvados os casos de patentes, a produção de uma norma técnica exige a realização de estudos por técnicos e acadêmicos, como reuniões, testes, etc, para que fixem os procedimentos normativos mais adequados a determinado a fim, numa atividade nitidamente intelectual, criativa e propositiva.
Verifique-se o que dispõe o art. 7º, XIII, da Lei n. 9.610/98:
Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
(...)
XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual

Ora, se meras coletâneas e compilações são consideradas criações intelectuais, por sua seleção, organização e mesmo disposição do seu conteúdo, nos citados termos da lei, com muito maior razão deve-se reconhecer esse caráter às normas técnicas da ABNT, resultado de uma atividade intelectual que a meu sentir vai muito mais além.
Ante o exposto, peço vênia ao E. Relator para divergir e dou provimento à remessa oficial e às apelações, condenando a apelada em custas e honorários advocatícios de 5% sobre o valor da causa.
É como voto.

PAULO FONTES
Relator


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010071-65.2006.4.03.6100/SP
2006.61.00.010071-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
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ADVOGADO : SP101120A LUIZ OLIVEIRA DA SILVEIRA FILHO e outro
APELANTE : Uniao Federal
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: SP146792 MICHELLE HAMUCHE COSTA

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT em face de sentença que a condenou juntamente com a União a se abster de exigir direitos autorais sobre o uso de normas técnicas no exercício da empresa de Target Engenharia e Consultoria Ltda.


Houve previsão de reembolso de despesas processuais e de honorários de advogado, arbitrados em 5% do valor da causa para cada parte.


Decidiu o Juiz de Origem que a União tem interesse jurídico na resolução da causa, a norma técnica é fruto do trabalho de comissões de estudo e a ABNT se restringe a compilar o respectivo conteúdo, sem que traga uma criação intelectual efetiva. Considerou que a regra se enquadra como procedimento normativo, insuscetível de tutela pelo regime de direitos autorais.


Ponderou que a associação age por delegação do Estado e propõe normalização industrial que assumirá o caráter de norma jurídica, assim que leis e regulamentos a absorverem, como o fez o artigo 39, VIII, do Código de Defesa do Consumidor.


Acrescentou que a atividade exercida se qualifica como serviço público, cuja prestação não segue a lógica de monopólio da propriedade intelectual, mas deve atender aos interesses da coletividade relacionados com a adequação dos produtos industriais.

Sustenta a ABNT que é uma associação, produto da organização da sociedade civil, e que, devido às exigências do mercado industrializado, oferece programas de normalização técnica. O Estado apenas os incorporará, quando julgar conveniente, fazendo-o através da edição de regulamentos específicos.


Argumenta que as normas técnicas são voluntárias, que somente ganham juridicidade com a aprovação do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - CONMETRO. Afirma que a compilação dos conhecimentos científicos disponíveis configura obra intelectual, cuja exploração depende de autorização do titular, sob pena de enriquecimento sem causa.


Destaca que a remuneração pelo uso do direito autoral garante a cobertura dos custos de elaboração e atualização e não inviabiliza o acesso dos consumidores, dos destinatários às informações técnicas, porquanto elas são publicadas de modo resumido.


Conclui que Target Engenharia e Consultoria Ltda. mencionaria indevidamente nos seus produtos o nome empresarial e a marca da ABNT, confundindo o consumidor e associando-a a eventuais infrações de ordem econômica.


Target Engenharia e Consultoria Ltda. respondeu ao recurso (fls. 1.099/1.149). Alega que a ABNT foi qualificada expressamente pela Lei n° 4.150/1962 como órgão de utilidade pública, pertence ao Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial e participa de um serviço de natureza pública, que envolve saúde, segurança, meio ambiente.


Esclarece que as normas por ela editadas integram os regulamentos do Poder Executivo e não estão sob o alcance dos direitos autorais, seja porque a Lei n° 9.610/1998 as exclui expressamente do regime, mediante a descrição de termo equivalente - procedimentos normativos -, seja porque não ostentam os atributos da originalidade, individualidade e criatividade. Nem sob a ótica das obras coletivas se formaria uma propriedade intelectual.


Explica que a comercialização livre assegura o direito à informação, o uso do nome e da marca da ABNT nos produtos ocorreria a título de certificação, a associação recebe dotações orçamentárias suficientes para a manutenção institucional e o monitoramento dos usuários garantiria a credibilidade da aplicação prática das normas.


Requer a condenação da entidade por litigância de má-fé, uma vez que considerou obrigatórias as normas técnicas e, paradoxalmente, lhes negou a condição de procedimentos normativos.


A União também apelou (fls. 1.193/1.217). Suscita preliminar de ilegitimidade passiva, sob o fundamento de que a normalização constitui atribuição do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO, classificado como autarquia federal, com patrimônio próprio.


No mérito, entende que as normas da ABNT são, a princípio, voluntárias, pois a conquista de juridicidade depende de aprovação do CONMETRO e do INMETRO, que, na seqüência, as divulgarão no mercado, tornando-as acessíveis a qualquer pessoa.


Afirma que, enquanto a medida não ocorre, elas representam o produto dos estudos de especialistas, compilado pela associação e pertencente ao regime da propriedade intelectual, de acordo com a experiência internacional.


Pede o reconhecimento da isenção ao pagamento de custas processuais e a redução dos honorários de advogado, determinada pela sucumbência parcial da autora e pelo fundamento da equidade.


Target Engenharia e Consultoria Ltda. ofereceu contrarrazões (fls. 1272/1.290), nas quais defende a manutenção da União no pólo passivo da ação, devido à presença notória de interesse público, ao enquadramento da ABTN como órgão de utilidade pública e como Foro Nacional de Normalização, à absorção da normas técnicas por regulamentos do Poder Executivo Federal e à necessidade de fiscalização de tão delicada atividade.


Finaliza com o argumento de que a isenção não exime a União de reembolsar o valor das custas processuais e o arbitramento dos honorários de advogado obedeceu aos critérios do artigo 20, §3° e §4°, do Código de Processo Civil.

VOTO

Aplico a remessa oficial. Sem critérios de quantificação da obrigação de não fazer, deve ocorrer a revisão da sentença, para que posteriormente a Fazenda Pública não se surpreenda com execuções excedentes (STJ, Resp 1271992, Relator Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJ 15/09/2011).


A preliminar de ilegitimidade passiva não se justifica.


A ABNT exige direitos autorais no contexto de serviço público federal, especificamente a metrologia, a normalização e a qualidade industrial. A tolerância dos órgãos e entidades do SINMETRO indica que a cobrança é admitida normativa e administrativamente, tanto que o artigo 5° da Lei n° 4.150/1962 qualifica a associação como órgão de utilidade pública.


A qualificação legal e a Resolução n° 07/1992 do CONMETRO que considera a ABNT como Foro de Normalização do país certamente influenciam a exigência de remuneração pelo uso das normas técnicas.


A União responde por ambas as medidas, seja porque uma lei federal contextualizou a organização privada num serviço público - o que tornou controversa a natureza jurídica -, seja porque aquela resolução foi editada por um órgão público federal, sem personalidade jurídica.


A eventual procedência do pedido a obrigará a rever o posicionamento administrativo da ABNT, repercutindo diretamente na relação jurídica mantida com Target Engenharia e Consultoria Ltda.


A resolução do conflito de interesses não é definida pela natureza da atividade da Associação Brasileira de Normas Técnicas: a impossibilidade de assimilação das normas técnicas aos direitos autorais decorre das próprias restrições da Lei n° 9.610/1998.


A metrologia, a normalização e a qualidade industrial caracterizam uma função tipicamente estatal, destinada a padronizar, uniformizar tecnicamente o oferecimento de insumos, produtos e serviços à coletividade, adotando como fundamentos a segurança, a proteção da vida e da saúde humana, animal e vegetal, a regularidade do comércio e o meio ambiente (artigos 1° e 3°, IV, da Lei n° 9.933/1999).


A regulação incide diretamente sobre a livre iniciativa, a liberdade econômica e é operacionalizada pelo exercício do poder de polícia.


A Lei n° 5.966/1973, ao instituir o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, prevê o exercício de competência normativa e executiva: a primeira é desempenhada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial - CONMETRO, ao passo que a segunda o é pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO.


O principal instrumento de emanação de regras de conduta corresponde aos regulamentos técnicos, cuja fixação compete exclusivamente aos órgãos e entidades da Administração Pública. Devido à indelegabilidade do poder normativo (artigo 4°, III, da Lei n° 11.079/2004), não existe a possibilidade de organizações privadas participarem do disciplinamento da produção e da comercialização industrial.


A ABNT representa uma associação, constituída estrategicamente para que a sociedade civil influencie mais diretamente na elaboração de normas de adequação de bens industriais. Trata-se de um papel colaborador, que objetiva agregar, sistematizar conhecimentos técnicos difundidos no mercado.


Naturalmente, por não integrar a estrutura político-administrativa do Estado, não poderia a instituição exercer uma atribuição soberana, com conotação coercitiva. A Lei n° 5.966/1973, no artigo 3°, "c", absorve a função cooperativa das organizações da sociedade civil, tanto que pôs como projeto estimular a normalização voluntária no país.


Nada impede que o auxílio das associações se transforme e seja incorporado pelo ordenamento jurídico. Se uma demanda de norma técnica transcender o âmbito privado e condicionar os interesses da coletividade, o Estado, por intermédio dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, poderá absorver o resultado de estudos técnicos já organizados pela ABNT.


A normalização voluntária chega ao status de regulamento técnico, vinculando os agentes econômicos e penalizando-os em caso de inobservância.


A Lei n° 9.933/1999 estabelece expressamente que o CONMETRO deverá considerar, quando couber, as normas técnicas aprovadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (artigo 2°, §2°). A simples colocação no mercado não confere à compilação a qualidade de regulamento técnico; ela apenas a conquistará, quando o Estado, diante de uma tensão social aprofundada, a reputar adequada como mecanismo de solução.


O Código de Defesa do Consumidor (artigo 39, VIII), a Lei n° 8.666/1993 (artigo 6°, X) e a Lei n° 10.098/2000 (artigo 5°) retratam esse ganho de juridicidade.


A própria lei que qualificou a ABNT como órgão de utilidade pública revela a potencialidade jurídica das normas técnicas: ao torná-las obrigatórias na contratação de serviços e obras pelas repartições públicas federais, admitiu anteriormente que elas estavam destituídas do poder de vinculação e sanção (artigo 1° da Lei n° 4.150/1962).


Portanto, a incompatibilidade das normas com os direitos autorais não é definida pela natureza da atividade da ABNT, que simplesmente recebeu uma qualificação especial da lei, sem que isso lhe traga um espaço na estrutura político-administrativa do Estado ou confira às determinações fixadas a posição de regras jurídicas, atos oficiais.


O direito de Target Engenharia e Consultoria Ltda. provém das próprias restrições previstas pela Lei n° 9.610/1998 à propriedade intelectual.


O procedimento de elaboração das normas técnicas no âmbito da ABNT é marcado pela participação de especialistas da área abrangida, que utilizarão os conhecimentos técnicos disponíveis no mercado para responder à demanda de normalização voluntária.


Rigorosamente não existe criação do espírito, manifestação da individualidade intelectual; os participantes se restringem a captar informações técnicas já propagadas, com estabilidade suficiente para consubstanciar um guia de adequação de insumos, produtos ou serviços.


Os atributos da criatividade, originalidade (Direito Civil, Sílvio de Salvo Venosa, Direitos Reais, Atlas, 3° edição, página 586) não estão presentes, porquanto a sistematização contempla somente dados tecnológicos enraizados, construídos durante o desenvolvimento da economia e possivelmente alcançados por patentes ou desenhos industriais.


A Lei n° 9.610/1998, no domínio das ciências, preserva como direito autoral apenas a forma literária ou artística. O conhecimento tecnológico é explicitamente excluído, sem prejuízo da aplicação do regime industrial de tutela (artigo 7°, §3°).


A ABNT poderia no máximo requerer a proteção do trabalho de compilação (artigo 7°, XIII). O conteúdo científico, as normas técnicas são invulneráveis.


Ainda que se cogitasse de propriedade intelectual, a associação não poderia se apropriar dos direitos correspondentes.


Além da inexistência de contrato que a credenciasse como organizadora, muitos dos participantes do procedimento não são associados; pertencem a segmentos diversos da sociedade civil e não consentiram em que os respectivos interesses fossem representados por uma organização coletiva (artigo 17 da Lei n° 9.610/1998).


Assim, o uso das normas técnicas não pode ser negado aos agentes econômicos que se proponham à fabricação e à comercialização industrial.


A menção do nome e da marca da ABNT nos produtos da Target Engenharia e Consultoria Ltda. não condiciona o êxito da pretensão formulada. Se houver abuso no exercício da concorrência, caberá à associação pedir o ressarcimento.


Não é possível o reconhecimento de direito autoral, só porque as normas técnicas vêm associadas à identificação do compilador. Compete ao titular da marca de certificação exigir a correspondente remuneração.


Da mesma forma, a liberdade de acesso às informações não traz prejuízos à ordem econômica ou ao consumidor. A União, motivada pelas vantagens da medida, estimula expressamente a normalização voluntária do país (artigo 3°, c, da Lei n° 5.966/1973). Depois que se expedirem os regulamentos técnicos de incorporação, os órgãos e as entidades do SINMETRO fiscalizarão o cumprimento das obrigações de ordem operacional.


Com a procedência do pedido, resta examinar os demais aspectos da sentença.


A distribuição dos ônus de sucumbência seguiu a legislação.


A isenção de custas judiciárias não é tão radical a ponto de exonerar a Fazenda Pública do dever de reembolso. O vencedor da demanda tem o direito de repetir os valores gastos com a ativação do poder jurisdicional:


PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA PELA UNIÃO NA JUSTIÇA ESTADUAL. PAGAMENTO DE CUSTAS EFETIVAMENTE ESTATAIS. ISENÇÃO. PRECEDENTES SUBMETIDOS AO REGIME DO ART. 543-C DO CPC.
1. Quanto às custas efetivamente estatais, goza a Fazenda Pública Federal de isenção, devendo apenas, quando vencida, ressarcir as despesas que tiverem sido antecipadas pelo particular.
2. Ainda que se trate de execução fiscal promovida pela União perante a Justiça Estadual, subsiste a isenção referente às custas processuais e emolumentos.
3. A isenção do pagamento de custas e emolumentos e a postergação do custeio das despesas processuais (artigos 39 da Lei 6.830/80 e 27 do CPC), privilégios de que goza a Fazenda Pública, não dispensam o pagamento antecipado das despesas com o transporte dos oficiais de justiça ou peritos judiciais, ainda que para cumprimento de diligências em execução fiscal ajuizada perante a Justiça Federal.
4. Matérias julgadas sob o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008.
5. Recurso especial provido.
(STJ, Resp 1267201, Relator Castro Meira, Segunda Turma, DJ 03/11/2011).

A condenação da União ao pagamento de verba honorária de 5% do valor da causa - R$ 20.000,00 - não contradiz os critérios do artigo 20, §3° e §4°, do CPC, especialmente o fundamento da equidade.


Para um processo iniciado em 2006, de alta complexidade, que demandou intervenções constantes dos advogados, a quantia de R$ 1.000,00 se revela até insuficiente, o que inviabiliza qualquer redução.


O pedido de punição da ABNT por litigância de má-fé é inviável.


A associação não extravasou os limites do direito de defesa; o fato de considerar obrigatórias as normas técnicas e, simultaneamente, recusar-lhes a condição de procedimentos normativos não significa abuso de qualquer natureza. Aliás, a alegação é até coerente para quem defende a força moral do preceito, enquanto ele não ganha positividade no ordenamento jurídico.


Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial e às apelações.


Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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