Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/03/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003156-69.2008.4.03.6119/SP
2008.61.19.003156-6/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO reu preso
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ reu preso
ADVOGADO : SP198688 ARILVAN JOSE DE SOUZA (Int.Pessoal)
APELANTE : LUIS STEFANO FALASCHY ROMERO reu preso
ADVOGADO : SP226068 VERONICA MAGNA DE MENEZES LOPES (Int.Pessoal)
APELANTE : JAMAL JABER reu preso
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO : MOHAMED USSAMA ALDERDERI
: MOHAMED ANUAR ALDERDERI
CO-REU : HAMDULLAH KURKUTAN
: ANTONINO BOTORTI
: ANDRE LUIS ROSTO DAMASCENO
: CARLOS BRIONES
: KHALED
: ALI
: ESPOSA DE ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ
No. ORIG. : 00031566920084036119 6 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS: INOCORRÊNCIA. PEDIDO DE AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGAMENTO DO RECURSO: PREJUDICADO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. CRIME IMPOSSÍVEL: NÃO CONFIGURADO. ESTADO DE NECESSIDADE E INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA: NÃO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA.
1. Apelações criminais interpostas pelos réus Mohamed Fuad, Adilson, Luis Stefano e Jamal contra a sentença que condenou os três primeiros pela prática de tráfico internacional de drogas e pela prática de associação para o tráfico internacional de drogas, e o último pela prática de associação para o tráfico internacional de drogas.
2. Nulidade das interceptações telefônicas não configurada. Verifica-se dos autos em apenso que as prorrogações foram devidamente fundamentadas e justificadas, em razão da complexidade das investigações.
3. As decisões que deferiram a interceptação de novos números de telefones, bem como a prorrogação das interceptações já deferidas anteriormente, fazem referência aos motivos expostos pela Autoridade policial e pelo Ministério Público Federal. A fundamentação por remissão, ou motivação per relationem aos termos da representação do MPF é perfeitamente admissível. Precedentes.
4. A Lei n° 9.296/1996 não limita a possibilidade de prorrogação a um único período, sendo certo que tal interpretação inviabilizaria investigações complexas, como a que se cuida nos presentes autos. Precedentes.
5. O pedido de aguardar o julgamento do recurso em liberdade formulado pelo réu Luís Stefano fica prejudicado com o julgamento da apelação. Ainda que assim não se entenda, o réu respondeu preso ao processo e não tem direito de apelar em liberdade o réu que, justificadamente, respondeu preso ao processo. Precedentes.
6. A prova coligida sobre o crivo do contraditório e da ampla defesa demonstra a ocorrência de associação dos apelantes entre si e com os demais denunciados, processados nos autos da ação penal nº 0006355-02.2008.4.03.6119 (primeiro desmembramento) e nos autos da ação penal nº 2009.61.19.004706-2 (segundo desmembramento) para o fim de cometimento de tráfico internacional de drogas. O envolvimento dos apelantes na associação para o tráfico internacional de drogas é demonstrado pela prova colhida em interceptação telefônica.
7. Rejeitada a alegação de crime impossível, feita sob o argumento de que o flagrante foi preparado. A associação para o tráfico de drogas trata-se de crime permanente, cuja consumação prolonga-se no tempo. As interceptações revelam que houve sucesso dos réus em remeter, ao menos, quatro partidas de cocaína ao exterior, antes da efetuação das prisões.
8. Estado de necessidade exculpante e inexigibilidade de conduta diversa na prática da associação para o tráfico internacional de drogas não comprovados. Os réus não comprovaram a premência em salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade, nem poderia evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, conforme determina o artigo 24 do Código Penal.
9. Não se pode admitir que dificuldades financeiras, a "grande necessidade de sustentar a si e a sua família" e a "ausência de oportunidade" justifiquem a associação para a prática do crime de tráfico de drogas, o qual tem por bem jurídico tutelado a saúde pública, e é de especial gravidade, tanto que equiparado a crime hediondo. Precedentes.
10. A materialidade do tráfico de drogas está comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão bem assim pelos laudos, que comprovam ser cocaína a substância esbranquiçada apreendida na residência da Rua Elisabete Bishop, nº 43, Parelheiros, São Paulo.
11. A alegação de crime impossível, sob o argumento de que o flagrante foi preparado, não comporta acolhimento. Inexistiu preparação de flagrante, mas monitoramento telefônico e vigilância, sem interferência ou estímulo dos agentes policiais para a prática da traficância. Ao dar voz de prisão em flagrante, o crime de tráfico (na modalidade "preparar") já há muito havia se consumado.
12. Estado de necessidade exculpante e inexigibilidade de conduta diversa na prática do tráfico internacional de drogas não comprovados: os réus não comprovaram a premência em salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade, nem poderia evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, conforme determina o artigo 24 do Código Penal.
13. Não se pode admitir que dificuldades financeiras, a "grande necessidade de sustentar a si e a sua família" e a "ausência de oportunidade" justifiquem o cometimento do crime de tráfico de drogas, o qual tem por bem jurídico tutelado a saúde pública, e é de especial gravidade, tanto que equiparado a crime hediondo. Precedentes.
14. A autoria imputada aos réus Mohamed Fuad, Adilson e Luís Stefano Romero encontra amparo no conjunto probatório. Os réus Adilson e Luís foram presos em flagrante na posse da droga, quando estavam preparando a cocaína para fins de comércio ou entrega a consumo de terceiro. O réu Fuad, também preso em flagrante, comandava o preparo da droga e dirigia-se à residência onde estava acondicionada a droga, com o intuito de levá-la. Há vasta prova colhida em interceptação telefônica, em que Adilson trava diálogos evidenciando a negociação da remessa da cocaína para o exterior, o valor da droga, e o aliciamento de "mulas".
15. Dosimetria da pena. Pena-base diminuída. Causa de diminuição do estado de necessidade exculpante não configurada. Internacionalidade dos delitos configurada.
16. Regimento de cumprimento da pena do réu Jamal estabelecido no semiaberto, dada a quantidade da pena privativa de liberdade e a favorabilidade majoritária das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal. Intelecção do artigo 33, §2º, 'c' e §3º, do Código Penal.
17. Preliminares rejeitadas. Apelações parcialmente providas.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares, e, no mérito, dar parcial provimento às apelações dos réus MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO, ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ e LUIS STEFANO FALASCHY ROMERO para reduzir as penas dos crimes de tráfico internacional de drogas e associação para o tráfico internacional de drogas, fixando as penas definitivas, em 12 (doze) anos, 05 (cinco) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão e 1851 (mil, oitocentos e cinquenta e um) para o réu MOHAMED FUAD, 12 (doze) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 1904 (mil, novecentos e quatro) dias-multa para o réu ADILSON, e 09 (nove) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 1535 (mil, quinhentos e trinta e cinco) dias-multa para o réu LUIS; dar parcial provimento à apelação do réu JAMAL JABER para reduzir a pena do crime de associação para o tráfico internacional de drogas, fixando a pena definitiva em 04 (quatro) anos, 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e 1119 (mil, cento e dezenove) dias-multa; e determinar a comunicação ao Juízo das Execuções Penais e ao E. Superior Tribunal de Justiça, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte do presente julgado.



São Paulo, 25 de fevereiro de 2014.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 28/02/2014 17:39:59



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003156-69.2008.4.03.6119/SP
2008.61.19.003156-6/SP
APELANTE : MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO reu preso
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ reu preso
ADVOGADO : SP198688 ARILVAN JOSE DE SOUZA (Int.Pessoal)
APELANTE : LUIS STEFANO FALASCHY ROMERO reu preso
ADVOGADO : SP226068 VERONICA MAGNA DE MENEZES LOPES (Int.Pessoal)
APELANTE : JAMAL JABER reu preso
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO : MOHAMED USSAMA ALDERDERI
: MOHAMED ANUAR ALDERDERI
CO-REU : HAMDULLAH KURKUTAN
: ANTONINO BOTORTI
: ANDRE LUIS ROSTO DAMASCENO
: CARLOS BRIONES
: KHALED
: ALI
: ESPOSA DE ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ
No. ORIG. : 00031566920084036119 6 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


Observo que os presentes autos correspondem à Ação Penal originária de mesma numeração 2008.61.19.003156-6, a qual foi desmembrada em duas outras, de nºs 0006355-02.2008.403.6119 e 2009.61.19.004706-2 (que se encontra suspensa nos termos do artigo 366 do CPP).

Nos presentes autos figuraram como réus MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO, ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ, LUÍS STEFANO FALASCHY ROMERO e JAMAL JABER. Os três primeiros foram condenados pela prática de tráfico internacional de drogas e por associação para o tráfico internacional de drogas, ao passo que o último foi condenado por associação para o tráfico internacional de drogas.

DAS QUESTÕES PRELIMINARES


Rejeito a arguição de nulidade das interceptações telefônicas, suscitadas pelos réus MOHAMED FUAD e JAMAL, ao argumento de que a medida ultrapassou o prazo legal de 30 dias ou constitucional de 60 dias: inocorre nulidade.

Por primeiro, cumpre esclarecer que a quebra do sigilo telefônico foi autorizada em janeiro/2008 (fls. 50/52 do apenso "Pedido de Quebra de Sigilo") e não em 2011, como consta dos recursos de apelação de Fuad e Jamal.

No caso dos autos, conforme se verifica dos autos em apenso, as prorrogações foram devidamente fundamentadas e justificadas, em razão da complexidade das investigações.

As decisões que deferiram a interceptação de novos números de telefones, bem como a prorrogação das interceptações já deferidas anteriormente, fazem referência aos motivos expostos pela Autoridade policial e pelo Ministério Público Federal.

Cumpre anotar que a fundamentação por remissão, ou motivação per relationem aos termos da representação do MPF é perfeitamente admissível, nos termos do entendimento sedimentado do Supremo Tribunal Federal:


E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) - ALEGADA VIOLAÇÃO A PRECEITO INSCRITO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - AUSÊNCIA DE OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO - CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE - DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA PREVALECENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CONSEQUENTE INVIABILIDADE DO RECURSO QUE A IMPUGNA - SUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS QUE DÃO SUPORTE À DECISÃO RECORRIDA - INCORPORAÇÃO, AO ACÓRDÃO, DAS RAZÕES EXPOSTAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MOTIVAÇÃO "PER RELATIONEM" - LEGITIMIDADE JURÍDICO- -CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DE FUNDAMENTAÇÃO - RECURSO IMPROVIDO.
(STF, ARE 753481 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 24/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 25-10-2013 PUBLIC 28-10-2013)

Por outro lado, a Lei n° 9.296/1996 não limita a possibilidade de prorrogação a um único período, sendo certo que tal interpretação inviabilizaria investigações complexas, como a que se cuida nos presentes autos.

No sentido da possibilidade da prorrogação justificada do prazo das interceptações telefônicas situa-se o entendimento, de há muito consolidado no Supremo Tribunal Federal:


EMENTA: HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO . APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO. 1. É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da L. 9.296/96. 2. A interceptação telefônica foi decretada após longa e minuciosa apuração dos fatos por CPI estadual, na qual houve coleta de documentos, oitiva de testemunhas e audiências, além do procedimento investigatório normal da polícia. Ademais, a interceptação telefônica é perfeitamente viável sempre que somente por meio dela se puder investigar determinados fatos ou circunstâncias que envolverem os denunciados. 3. Para fundamentar o pedido de interceptação , a lei apenas exige relatório circunstanciado da polícia com a explicação das conversas e da necessidade da continuação das investigações. Não é exigida a transcrição total dessas conversas o que, em alguns casos, poderia prejudicar a celeridade da investigação e a obtenção das provas necessárias (art. 6º, § 2º, da L. 9.296/96)...
(STF, HC 83515, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2004, DJ 04-03-2005 PP-00011 EMENT VOL-02182-03 PP-00401 RTJ VOL-00193-02 PP-00609)
EMENTAS: 1. COMPETÊNCIA... 4. PROVA. Criminal. interceptação telefônica. Necessidade demonstrada nas sucessivas decisões. Fundamentação bastante. Situação fática excepcional, insuscetível de apuração plena por outros meios. Subsidiariedade caracterizada. Preliminares rejeitadas. Aplicação dos arts. 5º, XII, e 93, IX, da CF, e arts. 2º, 4º, § 2º, e 5º, da Lei nº 9.296/96. Voto vencido. É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato delituoso. 5. PROVA. Criminal. interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas. Admissibilidade. Fatos complexos e graves. Necessidade de investigação diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5º, caput, da Lei nº 9.296/96. Não ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investigação diferenciada e contínua. 6. PROVA. Criminal. interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas pelo Ministro Relator, também durante o recesso forense. Admissibilidade. Competência subsistente do Relator. Preliminar repelida. Voto vencido. O Ministro Relator de inquérito policial, objeto de supervisão do Supremo Tribunal Federal, tem competência para determinar, durante as férias e recesso forenses, realização de diligências e provas que dependam de decisão judicial, inclusive interceptação de conversação telefônica....
(STF, Inq 2424, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2008, DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-02 PP-00341)
EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. interceptação telefônica. Crimes de tortura, corrupção passiva, extorsão, peculato, formação de quadrilha e receptação. Eventual ilegalidade da decisão que autorizou a interceptação telefônica e suas prorrogações por 30 (trinta) dias consecutivos. Não ocorrência. Possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem. Precedentes. Decisão proferida com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). Alegada falta de fundamentação da decisão que determinou e interceptação telefônica do paciente. Questão não submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Supressão de instância não admitida. Precedentes. Ordem parcialmente conhecida e denegada. 1. É da jurisprudência desta Corte o entendimento de ser possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua (HC nº 83.515/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 4/3/05). 2. Cabe registrar que a autorização da interceptação por 30 (dias) dias consecutivos nada mais é do que a soma dos períodos, ou seja, 15 (quinze) dias prorrogáveis por mais 15 (quinze) dias, em função da quantidade de investigados e da complexidade da organização criminosa. 3. Nesse contexto, considerando o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca da possibilidade de se prorrogar o prazo de autorização para a interceptação telefônica por períodos sucessivos quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem, não há que se falar, na espécie, em nulidade da referida escuta e de suas prorrogações, uma vez que autorizada pelo Juízo de piso, com a observância das exigências previstas na lei de regência (Lei nº 9.296/96, art. 5º). 4. A sustentada falta de fundamentação da decisão que determinou a interceptação telefônica do paciente não foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, sua análise, de forma originária, neste ensejo, na linha de julgados da Corte, configuraria verdadeira supressão de instância, o que não se admite. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado.
(STF, HC 106129, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 06/03/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-061 DIVULG 23-03-2012 PUBLIC 26-03-2012)

O pedido de aguardar o julgamento do recurso em liberdade formulado pelo réu LUÍS STEFANO fica prejudicado com o julgamento da apelação. Ainda que assim não se entenda, o réu respondeu preso ao processo e, no sentido de que não tem direito de apelar em liberdade o réu que, justificadamente, respondeu preso ao processo situa-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça: STF, 1ª Turma, HC 92612/PI, Rel.Min. Ricardo Lewandowski, j. 11/03/2008, DJe 10/04/2008; STF, 1ª Turma, HC 98464/SP, Rel.Min. Carlos Britto, j. 03/11/2009, DJe 03/12/2009; STJ, 5a Turma, HC 60073-SP, DJU 18.12.2006 p.428; STJ, 5a Turma, HC 59732-SP, DJU 30.10.2006 p.356.


O pedido de justiça gratuita, formulado pelo réu ADILSON, é de ser deferido, considerando a declaração de Adilson, ao ser citado, que não possuía condições de constituir defensor (fls. 811), tendo o Juízo a quo nomeado defensor dativo (fls. 852).


Passo ao exame do mérito dos recursos


DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO


A prova coligida sobre o crivo do contraditório e da ampla defesa demonstra a ocorrência de associação dos apelantes entre si e com os demais denunciados, processados nos autos da ação penal nº 0006355-02.2008.4.03.6119 (primeiro desmembramento) e nos autos da ação penal nº 2009.61.19.004706-2 (segundo desmembramento - que se encontra suspensa nos termos do artigo 366 do CPP), para o fim de cometimento de tráfico internacional de drogas.

Depreende-se do conteúdo dos autos em apenso e do inquérito policial instaurado, que a investigação levada a cabo pela Autoridade policial, inclusive com monitoramento telefônico e vigilância em residências, culminou com a prisão em flagrante de ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ, LUÍS STEFANO FALASCHY ROMERO, MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO, MOHAMED USSAMA ALDERDERI e MOHAMED ANUAR ALDERDERI na data de 23.04.2008.

Com efeito, às fls. 02/10 consta que Policiais federais faziam vigilância no endereço da Rua Maués Açu, nºs 28 e 32, Cidade Dutra, São Paulo (residência dos irmãos ALDERDERI), por suspeita de atos relacionados à prática de tráfico internacional de drogas no local. Verificaram os policiais em campana que os irmãos ALDERDERI (MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO, MOHAMED USSAMA ALDERDERI e MOHAMED ANUAR ALDERDERI), alvos de vigilância, dirigiram-se a outro endereço, qual seja, Rua Elisabete Bishop, nº 43, Parelheiros, São Paulo e após retornaram ao local inicialmente vigiado, o da Rua Maués Açu, apresentando movimentação constante dos alvos entre tais residências.

Em seguida, os policiais abordaram MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO quando se dirigia, em seu veículo, da casa da Rua Maués Açu à casa da Rua Elisabete Bishop. E, adentrando a casa da Rua Elisabete Bishop, os policiais lograram encontrar cocaína, material utilizado para acondicionamento da droga (prensa e ferramentas) e duas malas (para transporte), além de identidade peruana falsa em nome de LUÍS STEFANO FALASCHY ROMERO. Dentro da residência estavam os réus ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ e LUÍS STEFANO FALASCHY ROMERO, oportunidade em que foram presos em flagrante delito, juntamente com MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO.

Os policiais retornaram à casa da Rua Maués Açu e lá encontraram os réus MOHAMED USSAMA ALDERDERI e MOHAMED ANUAR ALDERDERI, conduzindo-os à Delegacia e neste local a Autoridade policial deu-lhes voz de prisão.

O Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 24/25) e as cópias de fotos de fls. 59/62 demonstram a apreensão da droga, parte acondicionada em forma de bastão, e de maquinário utilizado para o preparo e acondicionamento da cocaína.

Os laudos de fls. 21 e 152/155 comprovam ser cocaína a substância esbranquiçada apreendida na residência da Rua Elisabete Bishop, nº 43, Parelheiros, São Paulo.

E o réu JAMAL JABER teve sua prisão preventiva decretada pelo Juízo a quo na oportunidade do recebimento da denúncia (fls. 420/425).

O envolvimento dos apelantes na associação para o tráfico internacional de drogas é demonstrado pela prova colhida em interceptação telefônica.

A sentença traça um minucioso panorama do envolvimento dos apelantes na associação para o tráfico internacional de drogas, com amparo na prova produzida nos autos, pelo que me reporto aos seguintes trechos (fls. 1242/1249):


I. DA ASSOCIAÇÃO PARA O TRAFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES, ART. 35 "CAPUT" E PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 11.343/06.
Nestes autos foi coligida farta prova da associação dos réus julgados neste processo, ADILSON, LUIS, FUAD E JAMAL, entre si e com terceiros, com o fim de praticar o tráfico ilícito de cocaína.
Das interceptações telefônicas transcritas nos autos do pedido de quebra de sigilo telefônico ri2 2008.61.19000498-8, bem como dos CD's que as acompanham, é possível verificar que formavam uma organização estável, visando à atividade de vender a droga no exterior, na qual tinham papéis definidos, ainda que não de forma muito rígida.
A Polícia Federal, ao monitorar os telefones dos acusados, mediante quebra de sigilo devidamente autorizada por este juízo, logrou êxito em colher diálogos que comprovam cabalmente as negociatas engendradas pela quadrilha, no sentido de enviar o entorpecente para venda no exterior pelo menos por cinco vezes, entre março e abril de 2008, o que culminou com a prisão de FUAD, LUIS E ADILSON quando se preparavam para o envio da quinta remessa identificada, fato que será oportunamente analisado.
Estão devidamente transcritos no relatório da D. Autoridade Policial no Inquérito Policial (autos 2008.61.19.003156-6, fls, 269 e seguintes) e no relatório final das interceptações telefônicas (autos n 2008.61.19.000498-8, fls. 595 e seguintes), diálogos que evidenciam os papéis de cada um dos ora acusados na organização, os quais podem ser conferidos em gravações de áudio presentes nos autos.
Para demonstrar a existência da associação, bem como a finalidade a que se destinava, é mister descrever a prova coligida em interceptação telefônica, que restou sobejamente confirmada, tanto pela apreensão de drogas e prisão em flagrante em que resultaram de fato, quanto pelos interrogatórios e depoimentos testemunhais em Juízo, que corroboram as provas produzidas pela Polícia Federal.
Das gravações é possível detectar cinco remessas ou tentativas de remessa de drogas para o exterior, pela quadrilha, inclusive aquela que se frustrou pela apreensão da droga no endereço da rua Elisabeth Bishop, São Paulo.
A primeira remessa de entorpecente para o exterior, realizada pela organização criminosa e identificada pela Polícia Federal, se deu em 15/03/2008.
Na data de 05/03/08, às 17:40 (1), FUAD, que utilizava o telefone de Ussama, telefona da casa de Ussama para Ali e Khaled e conversa sobre a preparação de entorpecente para remessa ao exterior por LUIS, diálogo em que se demonstra que FUAD tinha atribuição de realizar atos materiais para a remessa da droga, e que estava concluindo, junto com LUIS o preparo do entorpecente para a exportação.
FUAD relata a Khaled estar com LUIS, terminando, concluindo o negócio. Nesse diálogo, ALI demonstra desconfiança a respeito de FUAD: "Khaled me disse que coisas não deram certo e você está falando que não, que deu certo. Então nós precisamos nos reunir e falar sobre os negócios, nem que leve cinco, seis horas, assim requer o assunto", portanto, ALI termina a conversa dizendo que precisavam se reunir, e infere-se então que pelo menos ALI, Khaled e FUAD se reuniriam, para tratar de negócios.
No dia 06/03/08 (2), FUAD e Khaled conversam e Khaled diz que LUIS está ali com ele, e que até domingo estaria "tudo preparado".
Em diálogo travado entre Ali e FUAD no dia 10/03/2008 (3), evidencia-se que falam do preparo de cocaína. Ali diz a FUAD: "o pior é que o homem não quer fazer esses que estão aqui, pois o que está aqui ele vai devolver" e FUAD responde: Toda? Ali então deixa claro do que falavam: "sim pois está cheio de cabelo e sujeira, por isso falei pra você fazer aqueles outros pra ver quanto que tem, pois esse assunto é muito importante" e acrescenta em seguida à resposta de FUAD: "não podemos ficar falando desses assuntos pelo telefone".
No dia 15/03/2008 (4) Khaled e Ali conversam. Ali fala já do aeroporto, antes de embarcar, enquanto aguarda a chegada de uma mula que embarcaria com a droga. Khaled no final da ligação diz: "não se esqueça de me ligar antes de fecharem a porta", claramente, a porta do avião, para se assegurar que ALI e a mula teriam embarcado sem problemas (fls. 279 do IPL).
Ali liga ao embarcar e diz que deu certo. Em seguida, Khaled liga para FUAD e lhe conta que Ali embarcou sem problemas. Após dar a notícia, a FUAD, Khaled encerra a ligação dizendo que não queria conversar pelo telefone.
No dia 16/03/2008 (5), Khaled fala com um homem não identificado na Alemanha e avisa que Ali está naquele país com a mula e a droga, e que ligaria para o homem não identificado na Alemanha. Diz que o preço da droga é trinta (trinta mil dólares) e que da próxima vez fariam o negócio sem intermediários.
Nesse dia, mais tarde (6), Ali, da Alemanha, fala com Khaled e FUAD, que estão no Brasil e lhe diz que está na Alemanha com a droga, vangloriando-se de ter conseguido chegar com a droga na Alemanha. No diálogo, mencionam a pessoa de JAMAL, que teria arrumado um comprador para a droga. (fls. 284).
Os diálogos interceptados nos dias seguintes a essa remessa dão conta da negociação da droga no exterior, em que estão diretamente envolvidos FUAD, Khaled, ali e JAMAL, conhecido também por ABU-JUJ.
Em diálogo interceptado no dia 21/03/08 (7), entre Ali e FUAD, FUAD diz a Ali que estava sem dinheiro para fazer ligações, quando Ali lhe diz para pegar dinheiro com JAMAL, (ABU-JUJ) e então FUAD lhe responde que no dia anterior tinham pego trezentos reais para cada um com JAMAL.
No mesmo diálogo, Ali reclama que JAMAL nunca atende ao telefone, e FUAD confirma que é verdade, ele nunca atende, evidenciando mais uma vez que JAMAL evitava falar de "negócios" ao telefone.
FUAD pergunta a Ali se já havia terminado o que tinha ido fazer (Ali está no exterior com a droga) e este diz que ainda não, porque Khaled é muito devagar, deixando claro que estavam tendo dificuldades com a venda do entorpecente.
Em seguida, FUAD pergunta a Ali como vai pegar o dinheiro da venda da droga e este lhe responde que deve pedir a JAMAL para ligar para ele, pois lhe dirá onde pegar o dinheiro, referindo-se a uma remessa de dinheiro para o Líbano, dinheiro que deveria ser entregue a JAMAL naquele país.
Em 24/03/08 (8), JAMAL fala com FUAD, pede que ele ligue para Ali e demonstra medo de falar ao telefone.
Em 27/03/08 (9), trava-se um diálogo entre Ali, no exterior, e Khaled, que evidencia a venda de entorpecente (transcrição à fl. 302 do IPL). Ali diz que "ninguém gostou, porque está muito fino" e diz para que Khaled diga a FUAD (Abou-ras, o cabeçudo em árabe) que até o dia seguinte venderia a metade, que sábado o dinheiro estaria no Líbano e na segunda feira o "irmão" de Ali passaria o dinheiro ao amigo de JAMAL que estava na Síria.
Neste mesmo dia (10), Khaled fala com JAMAL, e lhe garante que vai conseguir vender o entorpecente, explicando que "eles não estão gostando aqui". (transcrição, fl. 303, IPL). Em diálogo de 17/04/2008 (11), ALI diz a JAMAL, no celular de Khaled: Eu já falei que vou mandar o dinheiro para você e para o FUAD.
Esses diálogos deixam claros os papéis dos réus ora julgados neste processo: FUAD gerenciava o acondicionamento e remessa da droga do Brasil, LUIS o auxiliava no preparo do entorpecente, tanto na mistura quanto no acondicionamento, e JAMAL trabalhava como núcleo financeiro. Khaled e Ali, processados em autos apartados, por remanescerem foragidos, ao que se dessume dos diálogos, tinham posições superiores na hierarquia, eis que desempenhavam o papel de negociar e vender a droga aos compradores internacionais.
Denotam as interceptações que os corréus FUAD E JAMAL também participaram se uma segunda remessa de entorpecente para o exterior, com a mesma divisão de papéis de remessa de entorpecente para a Europa e para a Ásia, através de um traficante curdo, de nome Antonino Bortorti, que estava com duas mulas Equatorianas, em Lima, Peru, prontas para embarcar.
Antonino procurou Khaled em busca de contatos para vender a droga, quando KHALED indicou seu tio Hamdulah Kurkutan, na Jordânia e o sócio de seu tio, na Turquia para negociar com Antonino (12) (fls. 308 do IPL).
Descobriu-se que o nome destas mulas era CARLOS BRIONES, e foram monitorados diversos diálogos entre Khaled e outros membros da quadrilha, durante a viagem de Carlos com o entorpecente, inclusive com FUAD, que perguntou se a mula já havia retornado, iss entre 25/03/2008 e 07/04/2008.
É certo que FUAD participa também desse negócio, pois Khaled se utiliza dele para auxílio, neste caso, para contatar JAMAL. (relatório do IPL, fls. 323).
Em 07/04/2008 (13), novos diálogos dão conta de que o dinheiro desta remessa seria transferido para o Brasil em nome de JAMAL, que retiraria o dinheiro para distribuir aos outros integrantes do esquema criminoso.
No dia 15/04/2008 (14), JAMAL e Khaled conversam sobre a troca de Euros por dólares, e JAMAL instruiu Khaled a fazer a troca no Citibank, mediante o uso de passaporte.
Na terceira remessa identificada, restam seguras as participações de ADILSON, FUAD, LUIS e JAMAL.
Segundo bem descreveu a autoridade policial, as tratativas para essa remessa se iniciaram em 26/03/08 (15), quando Khaled disse para Adilson, em contato telefônico interceptado que ligaria para ele quando tivesse dinheiro.
As interceptações telefônicas denunciam que ADILSON trabalhava para Khaled, tendo inclusive lhe pedido celulares para falar com as mulas, e negociado o preço da droga com Khaled, e ainda inquirido Khaled sobre se tinha a droga em "base" ou "já preparada", quando Khaled responde que tem a droga preparada, e que já está pronta.
Em diálogo do dia 28/03/2008 (16), Khaled pede a ADILSON que verifique a qualidade da droga, referindo-se ao entorpecente em código: "carro" e "ver o motor". Pede a Adilson que veja o motor do carro, e lhe disse que lhe passaria o dinheiro na terça feira para terminar os papéis.
O teor da conversa é evidentemente disfarçado, no dia seguinte (17) Khaled liga para ADILSON e diz que falou com os amigos que têm os carros, mas que se ADILSON quiser ver o motor vai ter que comprar, e que só poderá ver o motor após comprar cinco ou seis carros.
Assim, pelo teor inusitado da conversa, fica evidente que não tratavam da venda de automóveis, mas sim de algo ilícito, que desejavam ocultar, o que por todo o mais, e obviamente, sabemos que era cocaína, assim como sabemos que ADILSON não era mecânico ou dono de oficina.
Em 09/04/2008 (18), interceptou-se o seguinte diálogo entre Khaled e FUAD, quando Khaled está na casa de JAMAL com LUIS: FUAD pede a Khaled que mande LUIS para a casa dele e Khaled responde "não vou mandar Luis porque preciso dele, para mandá-lo naquele homem, pois as coisas estão queimadas", referindo-se á necessidade de devolução da droga, que seria feita por LUIS porque era de má qualidade.
JAMAL então pega o telefone e intervém, dizendo que o Ali disse que errou na conta e mandou a FUAD U$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos dólares) a mais. Em seguida, FUAD avisa Khaled que JAMAL já foi buscar o dinheiro.
Khaled novamente se utiliza de FUAD para falar com JAMAL, mandando um recado: "fala para JAMAL se ele quer ou não o carro do LUIS, para entregar para o cara, pois o LUIS quer saber para terminar o carro'', diálogo que certamente não significava a entrega de um carro para alguém, que Luis deveria terminar.
No dia 10/04/2008 (19), LUIS e FUAD conversam sobre negócios e Luis pergunta A FUAD se Khaled vai "fazer alguma coisa ou não" quando então FUAD lhe pergunta de determinado "cara" e LUIS diz que ligará para ele para saber do dinheiro. LUIS e RIAD neste diálogo combinam ir a uma favela, às onze horas. LUIS quer saber se Khaleci fechará o negócio com ele ou não e FUAD pergunta "se é um negócio do JAMAL" e diz que estão aguardando para saber se alguém vai querer ou não.
No dia anterior, FUAD pediu a ADILSON que viesse ficar com ele por dois dias, dizendo que o negócio é de "responsa". Explica o endereço e ADILSON diz que está indo acompanhado, mas FUAD lhe diz que é para ir sozinho porque ele vai ficar "ajudando um cara".
No dia seguinte (20), ADILSON avisa sua esposa que chegará tarde porque está trabalhando em um quarto fechado, quando é possível perceber a voz de LUIS ao fundo.
Nesse dia, policiais federais realizaram campana perto do endereço de FUAD, na ruía Maués Açu, n2 28 e o viram chagando com seu irmão USSAMA em um carro, retirou uma mala deste veículo, entrou com esta mala na casa vizinha, a de número 32, cerca de 40 minutos depois FUAD saiu da casa com duas malas, com USSAMA, colocando-as no veículo Ômega, de placas CSW4518, carro de ANUAR. Os policiais seguiram o veículo, mas na entrada da via Anchieta teriam realizado uma manobra brusca e conseguiram despistar os policiais.
Esses fatos foram confirmados pelo depoimento do APF Thiago, testemunha ouvida em Juízo, que acompanhou a diligência.
A propósito, confirmando de certa forma os fatos, em seu interrogatório FUAD fez questão de mencionar esse dia, relatando que as malas, na verdade, continham instrumentos musicais, na tentativa de inocentar o irmão Ussama.
Após esse fato, FUAD liga para Luis (21) e manda que ele limpe o local, referindo-se a balança, ferramentas, moldes e também com a mulher de USAMA, Lilian (22), mandando que ela tirasse os BO's de lá e esconder na casa de um denominado "Franklin".
Depois, ligou de novo para Lilian, certificando-se de que haviam limpado o local e disse que retornaria para pegar ADILSON e LUIS.
Em 11/04/2008 (23) diálogos interceptados indicam que LUIS estava preparando duas malas para remessa de droga para o exterior, conforme as suspeitas anteriores. Esses diálogos, entre LUIS e Khaled e ADILSON e sua esposa, dão conta de que ADILSON e LUIS estavam em um mesmo local preparando a droga.
Em 13/04/08 (24) FUAD avisou ADILSON que a mula só tinha conseguido engolir algumas cápsulas e que quanto ao restante, "tinham dado um jeito", que a mula já tinha embarcado.
Nesse dia (25), Khaled liga para um hotel, provavelmente na Holanda, pelo sotaque da atendente, para fazer urna reserva em nome de Damasceno ou 'Damasquino', referindo-se à mula André Damasceno, posteriormente identificada, André Damasceno, nome escrito em um papel apreendido com FUAD (fls. 333).
No dia seguinte, LUIS liga para FUAD e diz que a balança está com problemas e que pode ser a pilha (26)
Há ainda diálogo interceptado (27), entre JAMAL e FUAD, em que o primeiro diz ao segundo que não subisse ao seu escritório, JAMAL tem um escritório na avenida Paulista, com a balança, pois pode haver "carregadores", referindo-se provavelmente a policiais e deixando claro que temia comprometer-se.
Esses diálogos, somados ao fato da fuga de FUAD e USSAMA no veiculo Ômega de ANUAR, indicam que mais uma vez, FUAD, ADILSON, JAMAL E LUÍS, se associaram para a remessa de entorpecente para o exterior, com a participação evidente, neste caso, de Khaled e Ussama, com a conivência da esposa de Adilson e da esposa de Ussama, e ainda da mula André Damasceno.
Insta notar que FUAD em seu interrogatório assentiu conhecer ANDRÉ DAMASCENO, disse que se tratava de um amigo de seu irmão Ussama, que teria reclamado de terem envolvido seu amigo, bem como confirmou que ANDRÉ viajou e levou a droga.
Além disso, é dos autos (fls. 268 do IPL) a comunicação da Polícia da Holanda que identificou que de fato, André Damasceno ficou hospedado em hotel em Amsterdã na data dos fatos.
A quarta remessa identificada, partiu da interceptação de diálogos que denunciavam a participação FUAD, JAMAL, Ussama, Ali, Khaled, e de Kurkutan e do indivíduo não identificado de apelido Sam, no envio de uma mula de nome Abdalah para a Europa.
Esses diálogos, travados a partir de 16/04/2008 (28) (fl. 341 e ss), nos indicam que Khaled e Ali conversavam sobre a divisão do dinheiro da venda da droga, de dois pacotes, um de 880 g e outro de 840g, transportados por uma mula Abdalah.
Khaled avisa JAMAL que até domingo lhe farão o pagamento e que a mula está voltando da Europa.
FUAD diz a Khaled que Abdalah voltará da Espanha às seis horas da manhã e que está com medo. Segundo ele, a mula traria dinheiro da Espanha. Em seguida, Khaled manda seu tio Kurkutan enviar pelo sócio o dinheiro para a mula e pagar Antonino Bortoti.
FUAD e Ussama conversam, Ussama pede dinheiro à FUAD para pagar o hotel da mula Abdalah.
No dia 18/04/2008 (29), Khaled assegura a FUAD que seu tio pagará dois mil euros à mula Abdalah e pede que ele aguarde para voltar no outro dia, quando um homem lhe entregará o dinheiro. FUAD diz que ligará para Abdalah, então.
FUAD liga para Ussama (30) e manda que o irmão entre em contato com Abdalah, evidenciando mais uma vez que neste caso, Ussama gerenciou a mula. Na seqüência, vários diálogos entre FUAD, Ussama e Khaled denotam o intuito de localizar Abdalah, que estava na Espanha, até que Ussama consegue deixar um recado para Abdalah no hotel em que estava.
Por fim, em 23/04/2008 (31), Rose, mulher de FUAD, liga para Khaled e este lhe dá um numero de conta para sacar dinheiro enviado da Holanda, "mil e quinhentos", para pegar no Banco do Brasil.
Mais uma vez, flagrada a atuação da organização criminosa, em uma aparentemente bem sucedida remessa de drogas ao exterior por meio de "mula".

Os diálogos entre os apelantes e outros corréus, captados pela interceptação telefônica, mencionados na sentença para fundamentar a existência da associação criminosa podem ser verificados nos autos, consoante segue: (1) fls. 275; (2) fls. 276; (3) fls. 277; (4) fls. 279; (5) fls. 282; (6) fls. 283/284; (7) fls. 292/293; (8) fls. 296; (9) fls. 302; (10) fls. 302/303; (11) fls. 305/306; (12) fls. 308/309; (13) fls. 321; (14) fls. 321; (15) fls. 327/328; (16) fls. 328; (17) fls. 328; (18) fls. 330; (19) fls. 330; (20) fls. 332; (21) fls. 336; (22) fls. 336; (23) fls. 334; (24) fls. 337/338; (25) fls. 337; (26) fls. 333; (27) fls. 338; (28) fls. 341/342; (29) fls. 344; (30) fls. 345, 346 e 347; (31) fls. 347.

A prova é coesa, harmônica e robusta a evidenciar a associação criminosa, caracterizada pelo elo estável e duradouro entre os apelantes e outros corréus, com o intuito de praticar o tráfico internacional de drogas.

Rejeito a alegação de crime impossível, feita sob o argumento de que o flagrante foi preparado. É de se lembrar que se trata de crime permanente, cuja consumação prolonga-se no tempo.

Assim, as interceptações revelam que houve sucesso dos réus em remeter, ao menos, quatro partidas de cocaína ao exterior, antes da efetuação das prisões e desmantelamento de parte da quadrilha, considerando-se haver corréus foragidos e nunca encontrados (processados na ação penal fruto do segundo desmembramento).

A alegação dos réus ADILSON E LUÍS de estado de necessidade exculpante e inexigibilidade de conduta diversa não resta comprovada. Com efeito, os réus não comprovaram a premência em salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade, nem poderia evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, conforme determina o artigo 24 do Código Penal.

Assim, a arguição não restou cabalmente comprovada nos autos, sendo certo que competia à defesa prová-la, a teor do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal.

Ademais e principalmente, porque não se pode admitir que dificuldades financeiras, a "grande necessidade de sustentar a si e a sua família" e a "ausência de oportunidade" justifiquem a associação para a prática do crime de tráfico de drogas, o qual tem por bem jurídico tutelado a saúde pública, e é de especial gravidade, tanto que equiparado a crime hediondo.

Nesse sentido situa-se o entendimento desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região:


PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE CONCESSÃO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. PREJUDICADO. AUTORIA. MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. ERRO DE TIPO E ESTADO DE NECESSIDADE . NÃO CARACTERIZADOS...
IV - estado de necessidade não caracterizado, porquanto não comprovados seus requisitos, não sendo suficiente a alegação de dificuldades econômicas.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0010711-69.2010.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 15/05/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/05/2012)

Logo, a condenação dos réus MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO, ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ e LUÍS STEFANO FALASCHY ROMERO como incursos no artigo 35 c.c. artigo 40, I, da Lei 11.343/2006 e do réu JAMAL JABER, como incurso no artigo 35 c.c. artigo 40, I e VII, da Lei 11.343/2006 é de rigor e resta mantida.



DO CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS


A materialidade do tráfico de drogas está comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 24/25) e cópias de fotos de fls. 59/62 que demonstram a apreensão da droga, parte acondicionada em forma de bastão, e de maquinário utilizado para o preparo e acondicionamento da cocaína; bem assim pelos laudos de fls. 21 e 152/155, que comprovam ser cocaína a substância esbranquiçada apreendida na residência da Rua Elisabete Bishop, nº 43, Parelheiros, São Paulo.

A alegação de crime impossível, sob o argumento de que o flagrante foi preparado, não comporta acolhimento.

Inexistiu preparação de flagrante, mas monitoramento telefônico e vigilância, sem interferência ou estímulo dos agentes policiais para a prática da traficância. Em outras palavras, ao dar voz de prisão em flagrante, o crime de tráfico (na modalidade "preparar") já há muito havia se consumado.

A alegação dos réus ADILSON e LUÍS de estado de necessidade exculpante e inexigibilidade de conduta diversa não resta comprovada. Com efeito, os réus não comprovaram a premência em salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade, nem poderia evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, conforme determina o artigo 24 do Código Penal.

Assim, a arguição não restou cabalmente comprovada nos autos, sendo certo que competia à defesa prová-la, a teor do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal.

Ademais e principalmente, porque não se pode admitir que dificuldades financeiras, a "grande necessidade de sustentar a si e a sua família" e a "ausência de oportunidade" justifiquem o cometimento do crime de tráfico de drogas, o qual tem por bem jurídico tutelado a saúde pública, e é de especial gravidade, tanto que equiparado a crime hediondo.

Nesse sentido situa-se o entendimento desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região: (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0010711-69.2010.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 15/05/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/05/2012).


A autoria imputada aos réus MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO, ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ e LUÍS STEFANO FALASCHY ROMERO também encontra amparo no conjunto probatório.

Com efeito, os réus ADILSON e LUÍS foram presos em flagrante na posse da droga, quando estavam preparando a cocaína para fins de comércio ou entrega a consumo de terceiro. Ao passo que o réu FUAD, também preso em flagrante, comandava o preparo da droga e dirigia-se à residência onde estava acondicionada a droga, com o intuito de levá-la.

Houve confissão em juízo por parte dos réus FUAD e LUÍS STEFANO, como referido na sentença (fls. 1251verso/1254).

Quanto ao réu ADILSON, embora negue em juízo saber sobre qual era o "trabalho" que conversavam na casa, há provas suficientes de seu envolvimento e do dolo de traficar, considerando-se que estava na casa onde a cocaína foi apreendida, em forma de bastão, pronta para o transporte, não sabendo esclarecer o porquê estava no local, apesar de ter declarado de que estava "à espera de Khaled" (corréu KHALED) e que iria viajar para o nordeste, a mando deste. Além disso, há vasta prova colhida em interceptação telefônica (como se infere da transcrição acima), em que ADILSON trava diálogos com LUÍS STEFANO, KHALED, FUAD e a corré DAMARIS (sua esposa - processada nos autos desmembrados) sobre o "trabalho", evidenciando a negociação da remessa da cocaína para o exterior, o valor da droga, e o aliciamento de "mulas".

Portanto, a condenação dos réus MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO, ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ e LUÍS STEFANO FALASCHY ROMERO no crime de tráfico internacional de drogas é de rigor e resta mantida.


Passo à análise da dosimetria da pena.


Quanto à pena pelo crime de tráfico de drogas imposta ao réu MOHAMED FUAD, assiste razão ao apelante ao pretender a diminuição da pena-base.

Houve a majoração da pena-base pautada na culpabilidade desfavorável (por ser o réu "gerente operacional" do tráfico), na existência de maus antecedentes, na quantidade e na qualidade da droga.

No que se refere à culpabilidade, não vislumbro a desfavorabilidade apontada pelo Juízo a quo, porquanto a condição de "gerente operacional" do tráfico revela-se relevante na dosagem da pena relativa ao crime de associação para o tráfico de drogas, tanto que tal condição foi levada em conta para aferir a culpabilidade de FUAD na associação delitiva.

Os maus antecedentes estão comprovados pelas certidões de fls. 1100 e 1103, demonstrativas da existência de condenação judicial definitiva de FUAD por roubo qualificado.

Por outro lado, a quantidade e a qualidade da droga também amparam o aumento da pena-base, mas não no patamar estipulado pelo Juízo a quo, considerando-se também não haver regulamentação legal acerca do quantum de aumento para cada circunstância judicial desfavorável, podendo o Juiz dosar a pena-base segundo critérios de razoabilidade.

Assim, no meu entender, verifico que os maus antecedentes e a quantidade de dois quilos de cocaína amparam a fixação da pena-base em 07 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa.

O pedido de diminuição da pena pautado no estado de necessidade exculpante desmerece acolhimento, porquanto sequer comprovado o estado de necessidade.

Com efeito, o réu não comprovou a premência em salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade, nem poderia evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, conforme determina o artigo 24 do Código Penal.

Assim, a arguição não restou cabalmente comprovada nos autos, sendo certo que competia à defesa prová-la, a teor do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal.

Ademais e principalmente, porque não se pode admitir que dificuldades financeiras justifiquem o cometimento do crime de tráfico de drogas, que tem por bem jurídico tutelado a saúde pública, e é de especial gravidade, tanto que equiparado a crime hediondo.

Nesse sentido situa-se o entendimento desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região: (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0010711-69.2010.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 15/05/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/05/2012)

Por outro lado, a internacionalidade do delito é evidente, porquanto a droga estava sendo preparada para ser remetida ao exterior, o que demonstrado pelos diálogos captados em interceptação telefônica, inclusive com corréus posicionados fora do Brasil.

Dessa forma, a dosagem da pena na segunda e na terceira fases permanecem como lançadas na sentença (incidência da agravante da reincidência em 1/6; da atenuante da confissão em 1/6 e da causa de aumento da internacionalidade em 1/6), a perfazer o montante final de 7 (sete) anos, 11 (onze) meses e 8 (oito) dias de reclusão e 793 (setecentos e noventa e três) dias-multa.

Quanto à pena do crime de associação para o tráfico de drogas imposta ao réu MOHAMED FUAD, assiste razão ao apelante ao pretender a diminuição da pena-base. Houve a majoração da pena-base pautada na culpabilidade desfavorável (por ser o réu "gerente operacional" do tráfico) e na existência de maus antecedentes.

É certo que a pena-base não merece ficar no mínimo, sendo pertinentes os motivos explanados na sentença para a majoração. Contudo, entendo que a majoração deva se dar em menor patamar.

Aumento em 06 meses pela culpabilidade e em 06 meses pela existência de maus antecedentes, a resultar 4 (quatro) anos de reclusão e 933 (novecentos e trinta e três) dias-multa. O valor do dia-multa é calculado proporcionalmente ao aumento da pena privativa de liberdade; isto é, o aumento da pena reclusiva operou-se em 1/3, percentual também aplicado à pena pecuniária.

O pedido de diminuição da pena pautado no estado de necessidade exculpante desmerece acolhimento, porquanto sequer comprovado o estado de necessidade.

Com efeito, o réu não comprovou a premência em salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade, nem poderia evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, conforme determina o artigo 24 do Código Penal.

Assim, a arguição não restou cabalmente comprovada nos autos, sendo certo que competia à defesa prová-la, a teor do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal.

Ademais e principalmente, porque não se pode admitir que dificuldades financeiras justifiquem a associação para a prática de crime de tráfico de drogas, o qual tem por bem jurídico tutelado a saúde pública, e é de especial gravidade, tanto que equiparado a crime hediondo.

Nesse sentido situa-se o entendimento desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3a Região: (TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0010711-69.2010.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 15/05/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/05/2012).

Por outro lado, a internacionalidade do delito é evidente, porquanto caracterizada a associação dos réus para praticar o tráfico de drogas internacional, o que resta demonstrado pelos diálogos captados em interceptação telefônica, inclusive com corréus posicionados fora do Brasil, negociando o valor de venda da droga (a cotação da substância entorpecente), o acompanhamento de mulas ao exterior, e a existência de falas também com compradores e financiadores no exterior.

Dessa forma, a dosagem da pena na segunda e na terceira fases permanecem como lançadas na sentença (incidência da agravante da reincidência em 1/6; da atenuante da confissão em 1/6 e da causa de aumento da internacionalidade em 1/6), a perfazer o montante final de 4 (quatro) anos, 6 (seis) meses e 13 (treze) dias de reclusão e 1058 (mil e cinquenta e oito) dias-multa.

Considerando o concurso material de delitos, a pena final resta fixada em 12 (doze) anos, 05 (cinco) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão e 1851 (mil, oitocentos e cinquenta e um) dias-multa.

Quanto à pena do crime de tráfico de drogas imposta ao réu ADILSON, assiste razão ao apelante ao pretender a diminuição da pena-base. Houve a majoração da pena-base pautada na culpabilidade desfavorável (por ter sido o aliciador de mulas, auxiliado no acondicionamento da droga em malas e porque iria transportar a droga para o nordeste antes de embarcar para o exterior), na existência de maus antecedentes, na qualidade e quantidade da droga.

No que se refere à culpabilidade, não vislumbro a desfavorabilidade apontada pelo Juízo a quo, porquanto as condições apontadas revelam-se relevantes na dosagem da pena relativa ao crime de associação para o tráfico de drogas, bem assim porque o tráfico na modalidade transportar não é objeto deste feito, a desmerecer valoração na pena.

Os maus antecedentes estão comprovados pelos documentos de fls. 534 verso e 777 verso, demonstrativas da existência de processo de execução criminal, a evidenciar a existência de condenação judicial definitiva.

Por outro lado, a quantidade e a qualidade da droga também amparam o aumento da pena-base, mas não no patamar estipulado pelo Juízo a quo, considerando-se também não haver regulamentação legal acerca do quantum de aumento para cada circunstância judicial desfavorável.

Assim, no meu entender, verifico que os maus antecedentes e a quantidade de dois quilos de cocaína amparam a fixação da pena-base em 07 (sete) anos de reclusão e 700 (setecentos) dias-multa.

O pedido de exclusão da causa de aumento da internacionalidade é de ser rechaçado, pelos fundamentos acima expostos acima, aos quais me reporto.

Dessa forma, a dosagem da pena na segunda e na terceira fases permanecem como lançadas na sentença (sem agravantes e atenuantes, mas com o cômputo da causa de aumento da internacionalidade em 1/6), a perfazer o montante final de 08 (oito) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 816 (oitocentos e dezesseis) dias-multa.


Quanto à pena do crime de associação para o tráfico de drogas imposta ao réu ADILSON, observo que a pena-base não merece ficar no mínimo, sendo pertinentes os motivos explanados na sentença para a majoração. Contudo, entendo que a majoração deva se dar em menor patamar.

Aumento em 06 meses pela culpabilidade e em 06 meses pela existência de maus antecedentes, a resultar 04 (quatro) anos de reclusão e 933 (novecentos e trinta e três) dias-multa. O valor do dia-multa é calculado proporcionalmente ao aumento da pena privativa de liberdade; isto é, o aumento da pena reclusiva operou-se em 1/3, percentual também aplicado à pena pecuniária.

Por outro lado, o pedido de exclusão da causa de aumento da internacionalidade é de ser rechaçado, pelos fundamentos acima expostos, aos quais me reporto.

Dessa forma, a dosagem da pena na segunda e na terceira fases permanecem como lançadas na sentença (sem agravantes e atenuantes, mas com o cômputo da causa de aumento da internacionalidade em 1/6), a perfazer o montante final de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 1088 (mil e oitenta e oito) dias-multa.

Considerando o concurso material de delitos, a pena final resta fixada em 12 (doze) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 1904 (mil, novecentos e quatro) dias-multa.

Diante do montante da pena, descabe falar em regime menos gravoso o fechado.


Quanto à pena do crime de tráfico de drogas imposta ao réu LUÍS, assiste razão ao apelante ao pretender a diminuição da pena-base. Houve a majoração da pena-base pautada na culpabilidade desfavorável (por ter participado do tráfico preparando o entorpecente), na existência de maus antecedentes, na qualidade e quantidade da droga.

No que se refere à culpabilidade, não vislumbro a desfavorabilidade apontada pelo Juízo a quo, porquanto "preparar" o entorpecente é a modalidade de tráfico imputada na denúncia e pela qual o réu foi condenado, não servindo, por si só, para a majoração da pena-base.

Os maus antecedentes não estão comprovados pelos documentos de fls. 514/515, 526, 536, 690, 766 e 779, pois não há demonstração da existência de condenação judicial definitiva, a teor do disposto na Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça.

Por outro lado, a quantidade e a qualidade da droga amparam o aumento da pena-base, mas não no patamar estipulado pelo Juízo a quo, considerando-se também não haver regulamentação legal acerca do quantum de aumento para cada circunstância judicial desfavorável, podendo o Juiz dosar a pena-base segundo critérios de razoabilidade.

Assim, no meu entender, verifico que apenas a quantidade de dois quilos de cocaína amparam a fixação da pena-base em 06 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa.

A alegação de que era simples subordinado e não sabia a extensão dos negócios da organização não tem reflexos na pena do tráfico, tratando-se de circunstância a ser valorada no crime de associação para o tráfico.

A dosagem da pena na segunda e na terceira fases permanecem como lançadas na sentença (sem agravantes, com a incidência da atenuante da confissão em 1/6 e da causa de aumento da internacionalidade em 1/6), a perfazer o montante final de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.


Quanto à pena do crime de associação para o tráfico de drogas imposta ao réu LUÍS, é certo que a pena-base não merece ficar no mínimo, sendo pertinentes os motivos explanados na sentença para a majoração, relativos à culpabilidade acentuada. Contudo, os maus antecedentes não estão comprovados pelos documentos de fls. 514/515, 526, 536, 690, 766 e 779, pois não há demonstração da existência de condenação judicial definitiva, a teor do disposto na Súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, fixo a pena-base em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 816 (oitocentos e dezesseis) dias-multa. O valor do dia-multa é calculado proporcionalmente ao aumento da pena privativa de liberdade; isto é, o aumento da pena reclusiva operou-se em 1/6, percentual também aplicado à pena pecuniária.

A dosagem da pena na segunda e na terceira fases permanecem como lançadas na sentença (sem agravantes e atenuantes, mas com o cômputo da causa de aumento da internacionalidade em 1/6), a perfazer o montante final de 04 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão e 952 (novecentos e cinquenta e dois) dias-multa.

Considerando o concurso material de delitos, a pena final resta fixada em 09 (nove) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 1535 (mil, quinhentos e trinta e cinco) dias-multa.


Quanto à pena do crime de associação para o tráfico de drogas imposta ao réu JAMAL, assiste razão ao apelante ao pretender a diminuição da pena-base. Houve a majoração da pena-base pautada na culpabilidade desfavorável (por ser o réu pertencente ao núcleo financeiro da associação, por auxiliar na coordenação de diversas ações dos demais corréus, sendo consultado para a tomada de decisões, estando entre os mais graduados).

É certo que a pena-base não merece ficar no mínimo, sendo pertinentes os motivos explanados na sentença para a majoração. Contudo, entendo que a majoração deva se dar em menor patamar.

Aumento em 01 (um) ano pela culpabilidade acentuada, a resultar 04 (quatro) anos de reclusão e 933 (novecentos e trinta e três) dias-multa. O valor do dia-multa é calculado proporcionalmente ao aumento da pena privativa de liberdade; isto é, o aumento da pena reclusiva operou-se em 1/3, percentual também aplicado à pena pecuniária.

A dosagem da pena na segunda fase permanece como lançadas na sentença (sem agravantes e atenuantes).

Na terceira fase da dosimetria incide a causa de aumento da internacionalidade do tráfico (artigo 40, I, da Lei 11.343/2006), conforme explanação supra, à qual me reporto, e a causa de aumento do financiamento ou custeio para o tráfico (artigo 40, VII, da Lei 11.343/2006), pois também demonstrada pela prova colhida em interceptação telefônica, em que os corréus socorrem-se de JAMAL, emprestando deste dinheiro para a traficância, bem assim, há captação de diálogo em que corréus afirmam que "Jamal já foi buscar o dinheiro".

No entanto, o patamar de aumento utilizado pelo Juízo a quo é elevado, merecendo acolhimento o pedido de diminuição da pena também na terceira fase.

Havendo duas causas de aumento, dentre as sete previstas no artigo 40 da Lei 1.343/2006 e, considerando-se a escala entre 1/6 e 2/3, aumento a pena em 1/5, para resultar definitiva em 04 (quatro) anos, 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 1119 (mil, cento e dezenove) dias-multa.

O regime de cumprimento da pena privativa de liberdade do réu JAMAL JABER fica estabelecido no semiaberto, dada a quantidade da pena privativa de liberdade e a favorabilidade majoritária das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, nos termos do artigo 33, §2º, 'c' e §3º, do Código Penal, levando-se em conta também que o crime de associação para o tráfico de drogas não é equiparado a hediondo.


DA CONCLUSÃO: pelo exposto, rejeito as preliminares, e, no mérito, dou parcial provimento às apelações dos réus MOHAMED FUAD ALDERDERI NETO, ADILSON RODRIGUES DE QUEIROZ e LUIS STEFANO FALASCHY ROMERO para reduzir as penas dos crimes de tráfico internacional de drogas e associação para o tráfico internacional de drogas, fixando as penas definitivas, em 12 (doze) anos, 05 (cinco) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão e 1851 (mil, oitocentos e cinquenta e um) para o réu MOHAMED FUAD, 12 (doze) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 1904 (mil, novecentos e quatro) dias-multa para o réu ADILSON, e 09 (nove) anos e 11 (onze) meses de reclusão e 1535 (mil, quinhentos e trinta e cinco) dias-multa para o réu LUIS; dou parcial provimento à apelação do réu JAMAL JABER para reduzir a pena do crime de associação para o tráfico internacional de drogas, fixando a pena definitiva em 04 (quatro) anos, 09 (nove) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e 1119 (mil, cento e dezenove) dias-multa; e determino a comunicação ao Juízo das Execuções Penais e ao E. Superior Tribunal de Justiça.

É como voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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