Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 13/08/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004629-82.2002.4.03.6125/SP
2002.61.25.004629-3/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
APELANTE : JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA
ADVOGADO : SP211907 CÉSAR AUGUSTO DE OLIVEIRA BRANCO e outro
APELANTE : CATARINA SINIGALIA FERNANDES e outros
: AFONSO SINIGALIA FERNANDES
: CLAUDIO ROBERTO SINIGALIA FERNANDES
: IZILDINHA APARECIDA FUENTES FERNANDES
: MARIA DE LOURDES SINIGALIA FERNANDES
: JOSE VIDAL POLA GALE
: AGOSTINHO SINIGALIA FERNANDES
: JOZE CRISTINA PARO FERNANDES
: LUIZ ALBERTO FERNANDES
ADVOGADO : SP012372 MILTON BERNARDES e outro
SUCEDIDO : AFFONSO FERNANDES SUNIGA falecido
APELANTE : MAURICIO DE OLIVEIRA PINTERICH e outros
ADVOGADO : SP109193 SERGIO HENRIQUE ASSAF GUERRA e outro
: SP316963 VINICIUS ROCHA MONTEIRO
APELANTE : MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA
: ANISIO SILVA
ADVOGADO : SP109193 SERGIO HENRIQUE ASSAF GUERRA e outro
APELANTE : JOAO CLAUDIO DA SILVA SOUZA e outro
: JONAS JAMIL LESSA LOPES
ADVOGADO : DF013743 JONAS MODESTO DA CRUZ e outro
APELANTE : JOAO PEDRO DE MOURA e outro
: PAULO PEREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP184085 FÁBIO JOSÉ GOMES LEME CAVALHEIRO e outro
APELANTE : VALTEMIR DOS SANTOS
ADVOGADO : RS057761 FABIANO BARRETO DA SILVA e outro
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SVAMER ADRIANO CORDEIRO e outro
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : MIGUEL FRANCISCO SAEZ CACERES FILHO e outro
: RUBENS ROGERIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP109193 SERGIO HENRIQUE ASSAF GUERRA e outro
EXCLUIDO : JOSE CRISTIAN DO CARMO MENDES
No. ORIG. : 00046298220024036125 1 Vr OURINHOS/SP

EMENTA

LIMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FAZENDA CERES. ASSENTAMENTO DE TRABALHADORES RURAIS. PROGRAMA DO BANCO DA TERRA. AGRAVO RETIDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESPÓLIO. IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. LAUDO PERICIAL. PROVA TÉCNICA. PERITO JUDICIAL COMO ÓRGÃO AUXILIAR DO JUÍZO. DEPOIMENTOS PESSOAIS E PROVA TESTEMUNHAL. FARTA PROVA DOCUMENTAL. COMPROVAÇÃO DA PRÁTICA DOS ATOS DE IMPROBIDADE DOS ARTIGOS 9º, 10 E 11 DA LEI Nº 8.429/92. RESPONSABILIDADE PESSOAL DE CADA RÉU. ARTIGO 12 DA LEI Nº 8.429/92. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DAS PENAS. MULTA CIVIL. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. GRAVIDADE DO ATO E EXTENSÃO DO DANO.
1. Narra a petição inicial que foi instaurado, no âmbito da Procuradoria da República em Marília, o Processo Administrativo Investigatório - Representação nº 17/2001, visando apurar eventuais irregularidades na aplicação de recursos públicos federais repassados através do Banco do Brasil, em cumprimento ao Programa Banco da Terra (Lei Complementar nº 93/98 e Decreto nº 3.475/00), destinados à aquisição do imóvel Fazenda Ceres, no município de Piraju/SP, com a finalidade de assentar trabalhadores rurais, vez que tais recursos teriam sido parcialmente desviados, mediante superavaliação da propriedade rural.
2. Segundo consta, em agosto de 2000, a Força Sindical e a Associação dos Municípios do Vale do Paranapanema - AMVAPA, representados respectivamente por seus Presidentes Paulo Pereira da Silva e Miderson Zanello Milleo (então Prefeito de Taquarituba/SP), elaboraram e encaminharam ao Conselho Curador do Banco da Terra um Programa de Reordenação Fundiária (PRF) para assentamento de trabalhadores rurais a ser implantado naquela região. De acordo com o programa, a Força Sindical ficaria como a Unidade Técnica responsável pela sua operacionalização, inclusive incumbida de analisar a carta consulta e a proposta de financiamento, além do dever de aplicar os referidos recursos próprios (no valor de R$ 128.000,00 - cento e vinte e oito mil reais) com ações de capacitação integral dos beneficiários, funcionando a FETAESP (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de São Paulo) como órgão de apoio e outras entidades como parceiras, entre as quais a AMVAPA (Associação dos Municípios do Vale Paranapanema).
3. Em 23 de agosto de 2000, o programa foi aprovado pelo Conselho Curador do Banco da Terra, após parecer favorável da então gerente do mencionado programa, a Sra. Beatrice Kassar do Valle, sendo disponibilizada pelo Banco da Terra para a região da AMVAPA a quantia de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais). Em 10 de dezembro de 2000, após exposição de dois secretários do Prefeito de Piraju e do então Prefeito, o réu Maurício de Oliveira Pinterich, 72 (setenta e dois) agricultores sem terra, pobres e com baixa instrução, resolveram criar a Associação dos Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, objetivando participar do programa de financiamento de compra de terras com os mencionados recursos federais, provindos do Banco da Terra e repassados pelo Banco do Brasil em Piraju.
4. De acordo com a inicial, a mando do réu Paulo Pereira da Silva, os réus João Pedro de Moura (assessor de Paulo Pereira da Silva), Miguel Francisco Saez Cáceres e Maurício de Oliveira Pinterich visitaram a Fazenda Ceres, no município de Piraju/SP, visando "comprá-la" aos agricultores sem terra, com os recursos já disponibilizados pelo Banco Terra. Consta ainda que a Força Sindical, por intermédio de seu Presidente Paulo Pereira da Silva, contratou e enviou três técnicos (Valter de Carvalho, Cristovão Oliveira e Américo), que orientaram os trabalhadores sem terra a escolher a Fazenda Ceres como a propriedade rural a ser comprada.
5. Em 28 de dezembro de 2000, após tratativas efetuadas pelo corretor de imóveis Douglas Howthorne Ribas e os réus Rubens Rogério de Oliveira, João Pedro de Moura, Paulo Pereira da Silva, Miguel Francisco Saez Cáceres Filho e Maurício de Oliveir Pinterich, os também réus Affonso Fernandes Suniga e Joaquim Fernandes Zuniga, proprietários da Fazenda Ceres, utilizando-se de formulário padrão do Banco Terra, firmaram "Declarações de Intenção de Venda" da referida fazenda à Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, mediante financiamento do Banco Terra, pelo preço de R$ 2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil reais), correspondente a R$ 3.105,62 (três mil, cento e cinco reais e sessenta e dois centavos) por hectare e R$ 7.515,60 (sete mil, quinhentos e quinze reais e sessenta centavos) por alqueires.
6. Em 06 de janeiro de 2001, a Diretoria da Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, orientada sobretudo pelo réu Maurício de Oliveira Pinterich, convocou seus associados para deliberarem em assembléia geral extraordinária sobre a "visita, apreciação e votação do imóvel selecionado para compra", entre outros itens. Em 14 de janeiro de 2001, foi realizada a Assembléia Extraordinária acima referida e os agricultores sem terra, após visitarem a Fazenda Ceres, aprovaram a compra do imóvel com recursos financiados pelo Banco da Terra.
7. Em 01 de fevereiro de 2001, o réu Maurício de Oliveira Pinterich, Prefeito de Piraju, assumiu a presidência da AMVAPA (Associação dos Municípios do Vale do Paranapanema), que era uma das parceiras da Unidade Técnica do Banco da Terra (Força Sindical) na operacionalização do Programa Banco da Terra. Na mesma oportunidade, o réu Miguel Francisco Saez Cáceres Filho foi mantido como técnico da associação.
8. Em 19 de março de 2001, o presidente da Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, o Sr. Júlio Piacenza Galhardo, protocolou junto ao Conselho de Desenvolvimento Rural de Piraju uma "Carta Consulta", instruída com os documentos exigidos pelo Banco da Terra, entre os quais as declarações de intenção de venda. No dia seguinte - 20 de março - foi emitido parecer favorável e padronizado do Banco da Terra, subscrito somente pelo Presidente do Conselho Curador do Banco da Terra e Diretor de Agricultura do Município de Piraju, o réu Rubens Rogério de Oliveira. Não houve convocação nem deliberação do Conselho Curador, conforme determina a legislação (artigo 8º, aliena "d" do então Regulamento do Banco da Terra, aprovado pela Resolução nº 34/2000 do Conselho Curador).
9. Para elaboração da Proposta de Financiamento da Fazenda Ceres, o réu Maurício de Oliveira Pinterich contratou seu amigo pessoal Milton Camolesi de Almeida, médico veterinário e residente em outra cidade. Milton, por sua vez, contratou o engenheiro agrônomo Anísio Silva para colaborar na elaboração da Proposta. Milton Camolesi de Almeida e Anísio Silva foram contratados para consecução da vistoria e avaliação do imóvel, definição do projeto produtivo, cálculo das prestações e definição de projetos de infra-estrutura básica.
10. O valor total do financiamento foi de R$ 2.859.530,00 (dois milhões, oitocentos e cinqüenta e nove mil, quinhentos e trinta reais) e o endividamento dos beneficiários com o Banco da Terra foi de R$ 39.715,70 (trinta e nove mil, setecentos e quinze reais e setenta centavos) por família, quase o dobro do que constava no Programa de Reordenação Fundiária.
11.O simples fato de o Ministério Público Federal figurar como autor da ação de improbidade administrativa, por si só, justifica a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição da República. Precedente do C. Superior Tribunal de Justiça: AgRg no CC 122.629/ES, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/11/2013, DJe 02/12/2013. Ademais, a União foi admitida nos autos na qualidade de assistente litisconsorcial, firmando, de toda a sorte, a competência da Justiça Federal, nos termos do mesmo dispositivo constitucional.
12. Às fls. 5.499/5.503 foi interposto agravo retido pelos réus MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH E OUTROS insurgindo-se contra a decisão de fls. 5.494/5.495 que indeferiu o pedido de esclarecimentos dirigido ao Perito Judicial. Alegam que o Expert não se manifestou sobre as questões formuladas, essenciais à apuração dos fatos em exame. O recurso deve ser conhecido, vez que sua apreciação foi devidamente reiterada quando da interposição do recurso de apelação, na forma do artigo 523 do Código de Processo Civil. No mérito o agravo não merece ser provido. O laudo apresentado pelo Perito Judicial, juntado às fls. 4.233/4.334, bem os esclarecimentos prestados após as manifestações das partes, anexados às fls. 4.790/4.806, é um documento técnico, produzido por profissional habilitado e auxiliar do juízo. Todos os critérios utilizados pelo Expert foram devidamente demonstrados e justificados, sendo esclarecidas as dúvidas pertinentes suscitadas pelos interessados. Eventual divergência com as conclusões alcançadas não é motivo suficiente para desconstituir o trabalho realizado. De mais a mais, trata-se de prova técnica destinada a auxiliar o órgão jurisdicional, mas que não o vincula, já que é livre a formação do seu convencimento, exigindo-se, é certo, a exposição da fundamentação, por expressa determinação constitucional (CF, artigo 93, IX). Não prospera a alegação de violação ao contraditório e à ampla defesa, vez que as partes tiveram oportunidade de se manifestar sobre o laudo pericial, apontar eventuais falhas e solicitar esclarecimentos.
13. O falecimento do réu no curso da ação não obsta que seus sucessores respondam pelo ato, nos limites do valor da herança, como determina o artigo 8º da Lei nº 8.429/92: "Art. 8º - O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança."
14. Afastada a alegação de nulidade da sentença ao fundamento de que ela não foi proferida pelo mesmo juiz que concluiu a instrução. Foram ouvidos réus e testemunhas residentes nas mais diversas localidades, não sendo possível ao juiz da causa colher todos os depoimentos, expedindo as competentes cartas precatórias para a realização da prova, obedecendo rigorosamente ao disposto na legislação processual. De outro lado os réus não demonstraram a violação ao artigo 132 do Código de Processo Civil, que admite a possibilidade de prolação de sentença pelo juiz que não concluiu a fase instrutória, nas hipóteses em que o magistrado estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo ou aposentado. Caberia aos réus demonstrar a inocorrência de qualquer uma das situações mencionadas, nos termos do artigo 333, II, do Código de Processo Civil.
15. O conjunto probatório revela a existência de inúmeras irregulares no Programa de Reordenação Fundiária envolvendo a compra da Fazenda Ceres, irregularidades que caracterizam, inequivocamente, atos de improbidade administrativa. Por óbvio que tal conclusão não se apresenta de forma imediata e não emerge da análise pontual dos atos praticados por cada Réu, mas é alcançada através do exame conjunto de tudo quanto restou apurado na fase de investigação administrativa pelo Ministério Público Federal e na fase judicial.
16. De tudo quanto apurado, é incontestável a participação dos doze corréus denunciados (MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO, MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, PAULO PEREIRA DA SILVA, JOÃO PEDRO DE MOURA, RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA, ANÍSIO SILVA, JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA, AFFONSO FERNANDES SUNIGA, VALTEMIR DOS SANTOS, JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA e JONAS JAMIL LESSA LOPES) nas irregularidades envolvendo a aquisição da Fazenda Ceres.
17. Para a compra do imóvel foram utilizados recursos públicos, sem que fossem respeitadas as condições impostas pela legislação. Ao contrário do que determinam as regras legais, primeiramente eram realizados os atos e somente depois eram cumpridas as formalidades, com o nítido propósito de "encobrir" as falcatruas cometidas.
18. Como se já não bastasse a gravidade das condutas praticadas, os corréus prejudicaram inúmeras famílias de agricultores rurais, de pouca ou nenhuma instrução, que foram iludidas com a possibilidade de ter uma terra própria e dela extrair seu sustento. Pessoas simples e trabalhadoras firmaram dívidas de aproximadamente R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), cada uma, com a ilusão de que o financiamento que lhes fora concedido seria pago com a produção. Infelizmente, não foram informados de que a terra então adquirida estava muito longe de produzir o que foi divulgado.
19. A um só tempo foram feridos os princípios que regem a administração pública, especialmente os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, inscritos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, e configurados os atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92.
20. As sanções impostas foram aplicadas com razoabilidade e proporcionalidade, considerando as condutas praticadas por cada um dos Réus, merecendo algumas alterações nos pontos a seguir indicados.
21. A multa prevista na lei de improbidade tem natureza civil, sancionatória e caráter educativo, devendo ser aplicada a cada um dos réus no valor fixado pelo juízo a quo, não em rateio, mas individualmente. Embora para efeitos de análise tenham sido destacados os diversos núcleos decisórios (AMVAPA, Força Sindical, Prefeitura de Piraju, Banco da Terra, proprietários da Fazenda), as condutas dos Réus foram individualizadas e configuram, cada uma, atos graves de improbidade a ensejar a responsabilidade individual, inclusive na fixação da multa.
22. A aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos não está vinculada à atuação do réu como agente político, sendo equivocado afirmar que ela só se aplica aos casos em que comprovado o nexo entre a função exercida e a irregularidade praticada. Certamente não foi esta a pretensão do legislador porque se o fosse tornaria expressa tal condição, considerando sua natureza restritiva a direito fundamental expressamente consagrado no texto constitucional. A pena de suspensão deve ser aplicada em razão da gravidade do ato e considerando a proporcionalidade em relação à conduta do agente.
23. As provas documentais e pericial juntadas aos autos são claras e expressas ao apontar o exato valor do dano causado ao patrimônio público, qual seja, R$ 1.150.000,00 (hum milhão, cento e cinqüenta mil reais), equivalente a 54% (cinqüenta e quatro por cento) do valor da venda da Fazenda Ceres, não havendo justificativa a postergar a fixação para a fase executiva.
24. Agravo retido desprovido. Matéria preliminar rejeitada. Apelações dos Réus Joaquim Fernandes Zuniga, Espólio de Affonso Fernandes Suniga, Maurício de Oliveira Pinterich, Milton Camolesi de Almeida, Anísio Silva, João Cláudio da Silva Souza, Jonas Jamil Lessa Lopes, Paulo Pereira da Silva e Valtemir dos Santos desprovidas. Apelações do Ministério Público Federal, da União Federal e do réu João Pedro de Moura parcialmente providas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido, rejeitar a matéria preliminar, negar provimento às apelações de Joaquim Fernandes Zuniga, Espólio de Affonso Fernandes Suniga, Maurício de Oliveira Pinterich, Milton Camolesi de Almeida, Anísio Silva, João Cláudio da Silva Souza, Jonas Jamil Lessa Lopes, Paulo Pereira da Silva e Valtemir dos Santos e dar parcial provimento às apelações do Ministério Público Federal, da União Federal e de João Pedro de Moura, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 31 de julho de 2014.
Consuelo Yoshida
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004629-82.2002.4.03.6125/SP
2002.61.25.004629-3/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA
APELANTE : JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA
ADVOGADO : SP211907 CÉSAR AUGUSTO DE OLIVEIRA BRANCO e outro
APELANTE : CATARINA SINIGALIA FERNANDES e outros
ADVOGADO : SP012372 MILTON BERNARDES e outro
APELANTE : AFONSO SINIGALIA FERNANDES
ADVOGADO : SP162753 JURANDIR FERREIRA DA SILVA
APELANTE : CLAUDIO ROBERTO SINIGALIA FERNANDES
: IZILDINHA APARECIDA FUENTES FERNANDES
: MARIA DE LOURDES SINIGALIA FERNANDES
: JOSE VIDAL POLA GALE
: AGOSTINHO SINIGALIA FERNANDES
: JOZE CRISTINA PARO FERNANDES
: LUIZ ALBERTO FERNANDES
ADVOGADO : SP012372 MILTON BERNARDES e outro
SUCEDIDO : AFFONSO FERNANDES SUNIGA falecido
APELANTE : MAURICIO DE OLIVEIRA PINTERICH e outros
ADVOGADO : SP109193 SERGIO HENRIQUE ASSAF GUERRA e outro
: SP316963 VINICIUS ROCHA MONTEIRO
APELANTE : MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA
: ANISIO SILVA
ADVOGADO : SP109193 SERGIO HENRIQUE ASSAF GUERRA e outro
APELANTE : JOAO CLAUDIO DA SILVA SOUZA e outro
ADVOGADO : DF013743 JONAS MODESTO DA CRUZ e outro
: SP173163 IGOR SANT ANNA TAMASAUSKAS
: SP163657 PIERPAOLO CRUZ BOTTINI
APELANTE : JONAS JAMIL LESSA LOPES
ADVOGADO : SP173163 IGOR SANT ANNA TAMASAUSKAS
: SP163657 PIERPAOLO CRUZ BOTTINI
APELANTE : JOAO PEDRO DE MOURA e outro
ADVOGADO : SP033792 ANTONIO ROSELLA
APELANTE : PAULO PEREIRA DA SILVA
ADVOGADO : DF023167 TIAGO CEDRAZ LEITE OLIVEIRA
APELANTE : VALTEMIR DOS SANTOS
ADVOGADO : RS057761 FABIANO BARRETO DA SILVA e outro
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SVAMER ADRIANO CORDEIRO e outro
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : MIGUEL FRANCISCO SAEZ CACERES FILHO e outro
: RUBENS ROGERIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP109193 SERGIO HENRIQUE ASSAF GUERRA e outro
EXCLUIDO : JOSE CRISTIAN DO CARMO MENDES
No. ORIG. : 00046298220024036125 1 Vr OURINHOS/SP

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor examinar a alegação de nulidade da sentença, fundada na suposta violação ao princípio da identidade física do juiz.


Em 13 de junho de 2007, na sede do juízo da causa, foi realizada audiência destinada à produção da prova oral. Referido ato foi presidido pelo então Juiz Federal Substituto Caio Moysés de Lima, como se vê do termo de f. 4.023. Depois disso, atos instrutórios outros foram praticados, mas por meio de cartas precatórias.


Em 4 de fevereiro de 2011 os autos foram à conclusão e em 3 de março de 2011 o Juiz Federal Substituto João Batista Machado proferiu sentença, conforme registros constantes às f. 5.843 e 5.878.


Prima facie, haveria violação ao princípio da identidade física do juiz, já que o magistrado sentenciante não foi o mesmo que encerrou a instrução.


Ocorre que, tanto na data da conclusão dos autos quanto na da prolação da sentença, o Juiz Federal Substituto Caio Moysés de Lima já não exercia suas funções em Ourinhos, foro da causa.


Com efeito, por força da Resolução n. 81, de 9 de setembro de 2009, do Presidente deste Tribunal Regional Federal, o Juiz Federal Substituto Caio Moysés de Lima foi removido para o Juízo Federal da 12ª Vara de Execuções Fiscais de São Paulo, cabendo destacar, ainda, que no período de 8 de outubro de 2010 a 21 de março de 2011, Sua Excelência exerceu a titularidade da mencionada vara, conforme o Ato n. 11.272, de 17 de setembro de 2010, do Presidente do Conselho da Justiça Federal da 3ª Região.


Assim, está fora de dúvida de que, ao tempo da conclusão dos autos e da prolação da sentença, o magistrado que praticou o último ato de instrução já não se encontrava, de há muito, no juízo da causa e no respectivo foro.


Por isso, o caso dos autos não é de nulidade, haja vista que, já afastado de suas funções no processo, o aludido magistrado não mais estava vinculado a sentencia-lo, nos termos do artigo 132, caput, do Código de Processo Civil.

Ante o exposto e a exemplo do que fez a e. relatora, rejeito a alegação de violação do princípio da identidade física do juiz. Quanto às questões subsequentes, igualmente acompanho o voto da e. relatora.

NELTON DOS SANTOS
Desembargador Federal Relator


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: PAULO PEREIRA DA SILVA
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RELATÓRIO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):


Trata-se de apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pela UNIÃO FEDERAL, por JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA, ESPÓLIO DE AFFONSO FERNANDES SUNIGA, MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA, ANÍSIO SILVA, JOÃO CLAUDIO DA SILVA SOUZA, JONAS JAMIL LESSA LOPES, JOÃO PEDRO DE MOURA, PAULO PEREIRA DA SILVA E VALTEMIR DOS SANTOS contra a sentença de fls. 5.844/5.877, que julgou parcialmente procedente a ação civil pública ajuizada pelo MPF e condenou:

- os Réus JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA e AFFONSO FERNANDES SUNIGA pela prática dos atos de improbidade descritos nos artigos 9º e 3º, da Lei nº 8.429/92, aplicando as sanções de (a) ressarcimento do dano causado, em solidariedade, decorrente de enriquecimento ilícito pelo recebimento de valor superfaturado da Fazenda Ceres, a ser revertido em favor da União Federal; (b) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 2 (duas) vezes o valor do acréscimo patrimonial, em rateio, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (c) suspensão dos direitos políticos, por 8 (oito) anos, e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 10 (dez) anos;

- os Réus MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, JOÃO PEDRO DE MOURA, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA e ANÍSIO SILVA pela prática dos atos de improbidade descritos no artigo 10 da Lei nº 8.429/92, aplicando as sanções de (a) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 1 (uma) vez o valor do acréscimo patrimonial apurado nos autos com a compra e venda da Fazenda Ceres, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (b) suspensão dos direitos políticos, por 5 (cinco) anos, e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 5 (cinco) anos;

- o Réu PAULO PEREIRA DA SILVA pela prática do ato de improbidade administrativa de que trata o artigo 10 da Lei nº 8.429/92, aplicando as sanções de (a) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 1 (uma) vez o valor do acréscimo patrimonial apurado nos autos com a compra e venda da Fazenda Ceres, em rateio com os Réus indicados na alínea ii, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (b) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 5 (cinco) anos;

- os Réus JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA, VALTEMIR DOS SANTOS e JAMIL LESSA LOPES pela prática do ato de improbidade administrativa inscrito no artigo 11 da Lei nº 8.429/92, aplicando as sanções de (a) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 5 (cinco) vezes o valor das suas respectivas remunerações da época, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (b) suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 3 (três) anos.

Os Réus foram condenados, ainda, a pagar custas processuais em rateio e honorários advocatícios, em rateio, fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 20, § 3º do Código de Processo Civil.

O pedido foi julgado improcedente em relação aos corréus MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO e RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA.

Por fim, foi determinada a expedição de ofício ao Tribunal de Contas da União e à Controladoria-Geral da União, após o trânsito em julgado da sentença, dando-lhes ciência da decisão, para informá-los da proibição imposta aos réus condenados de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

Em decisão de fls. 5.964/5.971, foram rejeitados os embargos de declaração apresentados pela UNIÃO FEDERAL, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo ESPÓLIO DE AFFONSO FERNANDES SUNIGA, por JOÃO PEDRO DE MOURA, PAULO PEREIRA DA SILVA, MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA, ANÍSIO SILVA, JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA, JONAS JAMIL LESSA LOPES e VALTEMIR DOS SANTOS.

Às fls. 5.499/5.503, foi interposto agravo retido pelos réus MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH E OUTROS, insurgindo-se contra a decisão de fls. 5.494/5.495 que indeferiu o pedido de esclarecimentos dirigido ao Perito Judicial. Alegam que o Expert não se manifestou sobre as questões formuladas, essenciais à apuração dos fatos em exame.

Em decisão de fls. 5.790/5.791, foi deferida a habilitação de CATARINA SINIGÁLIA FERNANDES, AFONSO SINIGÁLIA FERNANDES, CLÁUDIO ROBERTO SINIGÁLIA FERNANDES (e sua esposa IZILDINHA APARECIDA FUENTES FERNANDES), MARIA DE LOURDES SINIGÁLIA FERNANDES (e seu esposo JOSÉ VIDAL POLA GALÉ), AGOSTINHO SINIGÁLIA FERNANDES (e sua esposa JOZE CRISTINA PARO FERNANDES) e LUIZ ALBERTO FERNANDES, sucessores do réu AFFONSO FERNANDES SUNIGA.

Em seu recurso de apelação, JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA alega que não cometeu qualquer irregularidade. Afirma que juntamente com seu irmão (o falecido Affonso Fernandes Suniga) vendeu a propriedade em tela - Fazenda Ceres - pelo preço de mercado, fato confirmado pelas provas documentais e testemunhais. Aduz que a fazenda possuía benfeitorias (entre as quais 30.000 cafeeiros) e maquinários, descritos na escritura de compra e venda. Esclarece que foram procurados pelo corretor Douglas Howthorne Ribas e informados de que haviam pessoas interessadas em comprar a fazenda, não sendo comprovada qualquer má-fé. Insurge-se contra os critérios adotados pelo Perito Judicial, eis que não adequados às características da região, especialmente quanto ao solo, à terra e aos índices mercadológicos e que o valor da venda corresponde ao valor de mercado, como atesta o levantamento realizado junto ao Cartório de Registro de Imóveis de Piraju. Aduz que não prospera a alegação de improbidade administrativa, vez que o negócio foi celebrado entre particulares. Afirma que não sabia que a propriedade, por ele adquirida em 14/12/1992, estava registrada com área maior; ao ter conhecimento do erro, re-ratificou a divergência junto ao Cartório de Registro de Imóveis. Devolveu ao comprador da área, a Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, os valores recebidos a maior (R$ 33.031,37 - trinta e três mil, trinta e um reais e trinta e sete centavos), documentalmente comprovados nos autos, o que demonstra sua boa-fé e a lisura da operação (fls. 5.977/6.004).

Nas razões de apelação apresentadas às fls. 6.005/6.014, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer a reforma parcial da sentença para que os corréus Maurício de Oliveira Pinterich, João Pedro de Moura, Milton Camolesi de Almeida, Anísio Silva e Paulo Pereira da Silva sejam condenados à pena de ressarcimento de danos, vez que suas condutas foram determinantes para a compra superfaturada da Fazenda Ceres. Insurge-se também contra a não aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos em relação a Paulo Pereira da Silva, ao fundamento de que sua incidência não está atrelada à atuação do réu como agente político, mas é pautada pela gravidade do ato de improbidade administrativa. De mais a mais, alega que o Réu Paulo Pereira da Silva, ao contrário do que consta na sentença, atuou com nítida roupagem de agente político, representando o Estado na implementação de políticas agrárias. Requer o acolhimento do recurso, ainda, para que sejam alteradas as penas de multa imputadas aos corréus Maurício de Oliveira Pinterich, João Pedro de Moura, Milton Camolesi de Almeida, Anísio Silva e Paulo Pereira da Silva, fixando-a em 1 (uma) vez o valor do acréscimo patrimonial para cada réu, e não em rateio como determinado. Postula, em acréscimo, a condenação dos corréus Miguel Francisco Saez Cáceres Filho e Rubens Rogério de Oliveira, eis que devidamente comprovado o enquadramento de suas condutas no artigo 10 da Lei nº 8.429/92, na medida em que permitiram, de forma determinante, que os corréus Maurício de Oliveira Pinterich, Paulo Pereira da Silva e João Pedro de Moura realizassem operação financeira e liberassem verba pública sem estrita observância das normas legais, concorrendo para o enriquecimento ilícito dos vendedores da Fazenda Ceres, os corréus Joaquim Fernandes Zuniga e Affonso Fernandes Suniga. Por fim, insurge-se contra a não quantificação do dano pelo juízo sentenciante, sob a alegação de que há elementos suficientes nos autos para sua apuração, especialmente os dados apurados pelo Perito Judicial.

O ESPÓLIO DE AFFONSO FERNANDES SUNIGA também interpôs recurso de apelação apontando, em sede preliminar, a ilegitimidade passiva, ao fundamento de que Affonso Fernandes Suniga faleceu antes da prolação da sentença, não sendo possível transferir aos seus sucessores a responsabilidade pelo pagamento da multa. Ainda preliminarmente aponta a nulidade da sentença por falta de quantificação do dano e por falta de fundamentação. No mérito, requer a reforma da decisão, alegando que não houve comprovação de suborno ou corrupção, caindo por terra, em conseqüência, a alegação de superfaturamento do preço da Fazenda Ceres. Afirma que as conclusões do Perito Judicial não correspondem com os valores dos imóveis da região, como fartamente demonstrado pelos documentos apresentados e pela prova testemunhal colhida (fls. 6.015/6.056).

Em suas razões de apelação, os corréus MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA e ANÍSIO SILVA apontam, em sede preliminar, a ocorrência de cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do pedido de esclarecimentos formulado ao Perito Judicial; bem como a violação ao princípio da identidade física do juiz. Aponta, ainda, a falta de fundamentação da sentença, vez que os motivos adotados pelo juízo são absolutamente contrários às provas produzidas (fls. 6.061/6.097).

JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA e JONAS JAMIL LESSA LOPES, em seu recurso, alegam que não houve a comprovação de sua participação nos fatos irregulares apontados nos autos, vez que apenas compuseram, por determinação verbal do Secretário Executivo do Conselho Curador do Banco da Terra, o sr. José Max Araújo Bezerra, uma equipe de investigação de natureza informativa sobre fatos pretéritos, comparando informações e colhendo documentos a fim de apurar se houve ou não irregularidade no processo de financiamento e aquisição da Fazenda Ceres. Afirmam que não foi demonstrado que agiram com negligência, imprudência ou imperícia, bem como que o dano apurado foi resultante das suas atuações. Informam que quando foram chamados a realizar a auditoria, o negócio jurídico envolvendo a aquisição da Fazenda Ceres já estava concluído e que não foi comprovada a má-fé exigida para a configuração do ato de improbidade descrito no artigo 11 da Lei nº 8.429/92 (fls. 6.105/6.124).

Os corréus JOÃO PEDRO DE MOURA e PAULO PEREIRA DA SILVA interpuseram recurso de apelação, juntado às fls. 6.148/6.213, requerendo a reforma integral da sentença ao fundamento de que não houve comprovação nos autos das irregularidades apontadas na inicial. Alegam que as provas colhidas atestam que eles não tiveram qualquer relação com a escolha da Fazenda Ceres, com a escolha dos assentados e com a forma do pagamento. Na qualidade de membros da Força Sindical, sua única função era repassar os valores para o assentamento, sem ingerência em nenhum outro ato realizado, fato confirmado pela prova testemunhal. Alegam, ainda, que não podem responder por todos os atos praticados pela entidade "Força Sindical", sendo necessária a individualização das condutas e da responsabilidade de cada um, que não praticaram o ato de improbidade referido no artigo 10 da Lei nº 8.429/92 e que a tomada de decisão acerca dos assentamentos financiados pelo Banco da Terra era da AMVAPA - Associação dos Municípios do Vale do Paranapanema. De outro lado, afirmaram que a liberação dos recursos é atribuição do Conselho Curador do Banco da Terra, sobre o qual os apelantes não possuem qualquer ingerência. Afirmam que nenhum dos fatos invocados na inicial foi comprovado, não havendo amparo para a condenação e que não houve comprovação do elemento subjetivo exigido para tipificação a conduta. Alegam que foi apurado, efetivamente, um erro na metragem da área, mas que houve a devida regularização no procedimento administrativo. De toda forma, tal irregularidade formal não caracteriza, por si só, ato de improbidade. Para finalizar, alegam os apelantes que o objeto do assentamento foi alcançado, o que demonstra que não houve nenhuma lesão ao erário. Afirmam que a terra adquirida tem potencial de produtividade e não podem ser responsabilizados pelo uso que está sendo feito. Insurgem-se contra as penalidades aplicadas, ao fundamento de que inadequadas, excessivas e desproporcionais, violando o disposto no artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92.

Em seu recurso, VALTEMIR DOS SANTOS alega que apenas integrou uma comissão responsável em auditar as operações envolvendo a Fazenda Ceres, tendo por atribuição analisar a aquisição sob o prisma da regularidade técnica-procedimental, já que exerce a função de administrador. Não foi incumbido de se manifestar sobre o valor da avaliação, mesmo porque não possui condições técnicas para tanto. Afirma que a atuação da Comissão foi posterior à celebração do negócio e não houve comprovação de que sua conduta caracteriza o ato de improbidade a que foi acusado e condenado. Subsidiariamente, requer a redução das penalidades aplicadas, eis que desproporcionais (fls. 6.218/6.231).

Por fim, a UNIÃO FEDERAL também apelou, pugnando pela condenação dos corréus Miguel Francisco Saez Cáceres Filho (na condição de engenheiro florestal e técnico da AMVAPA à época) e Rubens Rogério de Oliveira (na condição de Presidente do Sindicato Rural de Piraju e Diretor da Agricultura da Prefeitura Municipal de Piraju), ao fundamento de que suas condutas permitiram que os corréus Maurício de Oliveira Pinterich, Paulo Pereira da Silva e João Pedro de Moura realizassem a liberação de verba pública, sem observância das formalidades legais. Requer também seja aplicada a penalidade de ressarcimento do dano aos corréus Paulo Pereira da Silva, Maurício de Oliveira Pinterich, João Pedro de Moura, Milton Camolesi de Almeida e Anísio Silva, sendo desnecessário demonstrar o locupletamento ilícito como condição de sua incidência. Postula, ainda, seja aplicada a sanção de suspensão dos direitos políticos ao réu Paulo Pereira da Silva, sob a alegação de que a legislação não exige, para tanto, que o ato ímprobo tenha sido praticado na condição de agente público. Requer seja alterada a pena de multa imposta aos corréus Maurício de Oliveira Pinterich, João Pedro de Moura, Milton Camolesi de Almeida, Anísio Silva e Paulo Pereira da Silva, de forma que seja fixada no valor de uma vez o montante do acréscimo patrimonial para cada um, e não em rateio como determinado na sentença. Por fim, requer seja fixado o valor do dano, nos moldes apurados pelo Perito Judicial (fls. 6.240/6.249).

Contrarrazões apresentadas por MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA e ANISIO SILVA (fls. 6.257/6.261), MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO e RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA (fls. 6.263/6.266), MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 6.277/6.282), UNIÃO FEDERAL (fls. 6.288/6.319), JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA (fls. 6.336/6.352).

Manifestação do Ministério Público Federal atuante em segundo grau de jurisdição às fls. 6.364/6.394, opinando pelo desprovimento do agravo retido interposto por Maurício de Oliveira Pinterich; pelo desprovimento dos recursos de apelação interpostos por Maurício de Oliveira Pinterich, Milton Camolesi de Almeida, Anísio Silva, Paulo Pereira da Silva, João Pedro de Moura, João Cláudio da Silva Souza, Jonas Jamil Lessa Lopes, Valtemir dos Santos, Joaquim Fernandes Zuniga e pelo espólio de Affonso Fernandes Suniga; pelo parcial provimento dos recursos de apelação interpostos pelo MPF e pela União Federal para que: (a) os corréus Rubens Rogério de Oliveira e Miguel Francisco Saez Cáceres Filho sejam condenados pelos atos de improbidade do artigo 10 da Lei nº 8.429/92, (b) para que seja fixado o valor do dano em 54% do valor da alienação da Fazenda Ceres, (c) para que seja aplicada a sanção de ressarcimento aos cofres públicos a Maurício de Oliveira Pinterich, João Pedro de Moura, Milton Camolesi de Almeida, Anísio Silva, Paulo Pereira da Silva, Miguel Francisco Saez Cáceres Filho e Rubens Rogério de Oliveira e (d) para que seja aplicada a pena de suspensão dos direitos políticos a Paulo Pereira da Silva.

Encontram-se apensados a estes os autos da Medida Cautelar nº 0000021-07.2003.4.03.6125 e do Agravo de Instrumento nº 0013661-17.2006.4.03.0000, convertido em agravo retido.

Submeto o feito ao revisor, na forma regimental.

É o relatório.



Consuelo Yoshida
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 24/02/2014 14:06:30



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004629-82.2002.4.03.6125/SP
2002.61.25.004629-3/SP
APELANTE : JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA
ADVOGADO : SP211907 CÉSAR AUGUSTO DE OLIVEIRA BRANCO e outro
APELANTE : CATARINA SINIGALIA FERNANDES e outros
: AFONSO SINIGALIA FERNANDES
: CLAUDIO ROBERTO SINIGALIA FERNANDES
: IZILDINHA APARECIDA FUENTES FERNANDES
: MARIA DE LOURDES SINIGALIA FERNANDES
: JOSE VIDAL POLA GALE
: AGOSTINHO SINIGALIA FERNANDES
: JOZE CRISTINA PARO FERNANDES
: LUIZ ALBERTO FERNANDES
ADVOGADO : SP012372 MILTON BERNARDES e outro
SUCEDIDO : AFFONSO FERNANDES SUNIGA falecido
APELANTE : MAURICIO DE OLIVEIRA PINTERICH e outros
ADVOGADO : SP109193 SERGIO HENRIQUE ASSAF GUERRA e outro
: SP316963 VINICIUS ROCHA MONTEIRO
APELANTE : MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA
: ANISIO SILVA
ADVOGADO : SP109193 SERGIO HENRIQUE ASSAF GUERRA e outro
APELANTE : JOAO CLAUDIO DA SILVA SOUZA e outro
: JONAS JAMIL LESSA LOPES
ADVOGADO : DF013743 JONAS MODESTO DA CRUZ e outro
APELANTE : JOAO PEDRO DE MOURA e outro
: PAULO PEREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP184085 FÁBIO JOSÉ GOMES LEME CAVALHEIRO e outro
APELANTE : VALTEMIR DOS SANTOS
ADVOGADO : RS057761 FABIANO BARRETO DA SILVA e outro
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SVAMER ADRIANO CORDEIRO e outro
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : MIGUEL FRANCISCO SAEZ CACERES FILHO e outro
: RUBENS ROGERIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP109193 SERGIO HENRIQUE ASSAF GUERRA e outro
EXCLUIDO : JOSE CRISTIAN DO CARMO MENDES
No. ORIG. : 00046298220024036125 1 Vr OURINHOS/SP

VOTO

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):


Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO, MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, PAULO PEREIRA DA SILVA, JOÃO PEDRO DE MOURA, RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA, ANÍSIO SILVA, JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA, AFFONSO FERNANDES SUNIGA, VALTEMIR DOS SANTOS, JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA, JOSÉ CRISTIAN DO CARMO MENDES e JONAS JAMIL LESSA LOPES, alegando que foi instaurado, no âmbito da Procuradoria da República em Marília, o Processo Administrativo Investigatório - Representação nº 17/2001, visando apurar eventuais irregularidades na aplicação de recursos públicos federais repassados através do Banco do Brasil, em cumprimento ao Programa Banco da Terra (Lei Complementar nº 93/98 e Decreto nº 3.475/00), destinados à aquisição do imóvel Fazenda Ceres, no município de Piraju/SP, com a finalidade de assentar trabalhadores rurais, vez que tais recursos teriam sido parcialmente desviados, mediante superavaliação da propriedade rural.

Segundo consta da inicial, em agosto de 2000, a Força Sindical e a Associação dos Municípios do Vale do Paranapanema - AMVAPA, representados respectivamente por seus Presidentes Paulo Pereira da Silva e Miderson Zanello Milleo (então Prefeito de Taquarituba/SP), elaboraram e encaminharam ao Conselho Curador do Banco da Terra um Programa de Reordenação Fundiária (PRF) para assentamento de trabalhadores rurais a ser implantado naquela região. De acordo com o programa, a Força Sindical ficaria como a Unidade Técnica responsável pela sua operacionalização, inclusive incumbida de analisar a carta consulta e a proposta de financiamento, além do dever de aplicar os referidos recursos próprios (no valor de R$ 128.000,00 - cento e vinte e oito mil reais) com ações de capacitação integral dos beneficiários, funcionando a FETAESP (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de São Paulo) como órgão de apoio e outras entidades como parceiras, entre as quais a AMVAPA (Associação dos Municípios do Vale Paranapanema).

Em 23 de agosto de 2000, o programa foi aprovado pelo Conselho Curador do Banco da Terra, após parecer favorável da então gerente do mencionado programa, a Sra. Beatrice Kassar do Valle, sendo disponibilizada pelo Banco da Terra para a região da AMVAPA a quantia de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais).

Em 10 de dezembro de 2000, após exposição de dois secretários do Prefeito de Piraju e do então Prefeito, o réu Maurício de Oliveira Pinterich, 72 (setenta e dois) agricultores sem terra, pobres e com baixa instrução, resolveram criar a Associação dos Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, objetivando participar do programa de financiamento de compra de terras com os mencionados recursos federais, provindos do Banco da Terra e repassados pelo Banco do Brasil em Piraju.

De acordo com a inicial, a mando do réu Paulo Pereira da Silva, os réus João Pedro de Moura (assessor de Paulo Pereira da Silva), Miguel Francisco Saez Cáceres e Maurício de Oliveira Pinterich visitaram a Fazenda Ceres, no município de Piraju/SP, visando "comprá-la" aos agricultores sem terra, com os recursos já disponibilizados pelo Banco Terra. Consta ainda que a Força Sindical, por intermédio de seu Presidente Paulo Pereira da Silva, contratou e enviou três técnicos (Valter de Carvalho, Cristovão Oliveira e Américo), que orientaram os trabalhadores sem terra a escolher a Fazenda Ceres como a propriedade rural a ser comprada.

Em 28 de dezembro de 2000, após tratativas efetuadas pelo corretor de imóveis Douglas Howthorne Ribas e os réus Rubens Rogério de Oliveira, João Pedro de Moura, Paulo Pereira da Silva, Miguel Francisco Saez Cáceres Filho e Maurício de Oliveir Pinterich, os também réus Affonso Fernandes Suniga e Joaquim Fernandes Zuniga, proprietários da Fazenda Ceres, utilizando-se de formulário padrão do Banco Terra, firmaram "Declarações de Intenção de Venda" da referida fazenda à Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, mediante financiamento do Banco Terra, pelo preço de R$ 2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil reais), correspondente a R$ 3.105,62 (três mil, cento e cinco reais e sessenta e dois centavos) por hectare e R$ 7.515,60 (sete mil, quinhentos e quinze reais e sessenta centavos) por alqueires.

Informa o MPF que os proprietários ofertaram, três meses antes, a Nelson Monteiro de Souza, o alqueire da fazenda pelo valor de R$ 2.500,00/R$ 3.000,00.

Em 06 de janeiro de 2001, a Diretoria da Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, orientada sobretudo pelo réu Maurício de Oliveira Pinterich, convocou seus associados para deliberarem em assembléia geral extraordinária sobre a "visita, apreciação e votação do imóvel selecionado para compra", entre outros itens.

Em 08 de janeiro de 2001, os réus Affonso Fernandes Suniga e Joaquim Fernandes Zuniga providenciaram a regularização da área da Fazenda Ceres, celebrando de comum acordo com o ex-proprietário da área - o Sr. Mário Gualberto Pinto Ferraz - uma escritura pública de retificação de área, apresentada diretamente ao Cartório do 2º Tabelionato de Notas de Piraju, pela qual a área da Fazenda Ceres foi reduzida em 67,89 alqueires (164,2938 hectares), passando a contar no registro com 306,03 alqueires ou 740,5926 hectares.

Em 14 de janeiro de 2001, foi realizada a Assembléia Extraordinária acima referida e os agricultores sem terra, após visitarem a Fazenda Ceres, aprovaram a compra do imóvel com recursos financiados pelo Banco da Terra.

Em 01 de fevereiro de 2001, o réu Maurício de Oliveira Pinterich, Prefeito de Piraju, assumiu a presidência da AMVAPA (Associação dos Municípios do Vale do Paranapanema), que era uma das parceiras da Unidade Técnica do Banco da Terra (Força Sindical) na operacionalização do Programa Banco da Terra. Na mesma oportunidade, o réu Miguel Francisco Saez Cáceres Filho foi mantido como técnico da associação.

Em 19 de março de 2001, o presidente da Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, o Sr. Júlio Piacenza Galhardo, protocolou junto ao Conselho de Desenvolvimento Rural de Piraju uma "Carta Consulta", instruída com os documentos exigidos pelo Banco da Terra, entre os quais as declarações de intenção de venda. No dia seguinte - 20 de março - foi emitido parecer favorável e padronizado do Banco da Terra, subscrito somente pelo Presidente do Conselho Curador do Banco da Terra e Diretor de Agricultura do Município de Piraju, o réu Rubens Rogério de Oliveira. Não houve convocação nem deliberação do Conselho Curador, conforme determina a legislação (artigo 8º, aliena "d" do então Regulamento do Banco da Terra, aprovado pela Resolução nº 34/2000 do Conselho Curador).

Para elaboração da Proposta de Financiamento da Fazenda Ceres, o réu Maurício de Oliveira Pinterich contratou seu amigo pessoal Milton Camolesi de Almeida, médico veterinário e residente em outra cidade. Milton, por sua vez, contratou o engenheiro agrônomo Anísio Silva para colaborar na elaboração da Proposta.

Milton Camolesi de Almeida e Anísio Silva foram contratados para consecução da vistoria e avaliação do imóvel, definição do projeto produtivo, cálculo das prestações e definição de projetos de infra-estrutura básica. Eles não assinaram a Proposta de Financiamento da Fazenda Ceres. Milton apenas subscreveu um "Termo de Responsabilidade Técnica de Financiamento do Banco da Terra" da fazenda, face à exigência do então gerente do Banco do Brasil, o Sr. Miguel Chibano Bakr, para o pagamento dos honorários deles, já que não poderia fazê-lo sem que houvesse um responsável técnico pela elaboração da proposta.

Apurou-se, ainda, que houve falsificação da Proposta de Financiamento da Fazenda Ceres e seus projetos. É que de acordo com o avençado entre as partes, o valor da Fazenda Ceres (terra e benfeitorias) era de R$ 2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil reais), correspondente a R$ 3.105,62 (três mil, cento e cinco reais e sessenta e dois centavos) por hectare e R$ 7.515,60 (sete mil, quinhentos e quinze reais e sessenta centavos) por alqueires, sendo o total de 740,5926 hectares (306,03 alqueires). No entanto, conforme restou apurado pelo topógrafo Sidney Antônio Carrara, a área total da fazenda é de 731,3240 hectares (302,20 alqueires). Desta forma, o hectare da Fazenda Ceres foi pago a R$ 3.144,99 (três mil cento e quarenta e quatro reais e noventa e nove centavos) e R$ 7.610,89 (sete mil, seiscentos e dez reais e oitenta e nove centavos) por alqueire.

O valor total do financiamento foi de R$ 2.859.530,00 (dois milhões, oitocentos e cinqüenta e nove mil, quinhentos e trinta reais) e o endividamento dos beneficiários com o Banco da Terra foi de R$ 39.715,70 (trinta e nove mil, setecentos e quinze reais e setenta centavos) por família, quase o dobro do que constava no Programa de Reordenação Fundiária.

Segundo restou apurado por perícia realizada na Fazenda Ceres por equipe técnica do Ministério Público Federal, os solos existentes na fazenda, em relação à capacidade de uso, são bem inferiores aos constantes da Proposta de Financiamento, pois não existem latossolos roxo e amarelo (solos de ótima qualidade), mas sim predominância de outros tipos, bastante diversos do solo ideal, tais como: (a) litólicos (53,50% - áreas de mata e escarpadas - presença de pedras); (b) podzólicos (42% - quase toda a área de pastagem e lavouras permanentes - de difícil moto mecanização, postas pelos declives acentuados e/ou irregularidades no terreno, em decorrência de processos erosivos); (c) hidromórficos (3,30% - nas margens dos cursos d'água - sérias limitações quanto ao excesso de água - deficiência de oxigênio - impedimentos a moto mecanização); (d) uma pequena área de latossolo vermelho-escuro, cerca de 08 (oito) hectares em parte do relevo suave ondulado - topos de morros.

A mesma equipe técnica, após pesquisa detalhada, concluiu que o valor de mercado do imóvel em tela era, na época da venda, de no máximo R$ 1.297.464,00 (um milhão, duzentos e noventa e sete mil, quatrocentos e sessenta e quatro centavos), correspondente a R$ 1.774,14 (um mil, setecentos e setenta e quatro reais e quatorze centavos) por hectare ou R$ 4.293,43 (quatro mil, duzentos e noventa e três reais e quarenta e três centavos) por alqueire, demonstrando que houve um superfaturamento da ordem de 77,30%, tendo sido pago a maior a quantia de R$ 1.002.536,00 (um milhão, dois mil, quinhentos e trinta e seis reais).

Afirma o Ministério Público Federal, na inicial, que os projetos de viabilidade técnica, econômica-financeira (Projetos Produtivos) anexados à Proposta de Financiamento da Fazenda Ceres, atestando que as 72 (setenta e duas) famílias de agricultores obteriam rendimentos suficientes para seu sustento e solvência da dívida junto ao Banco da Terra, não retrataram a realidade fática existente naquela fazenda, eis que calcados em dados inverídicos.

Os documentos anexados aos autos demonstram que a análise técnica da proposta de financiamento e de seus projetos de infra-estrutura básica foi feita no mesmo dia em que eles foram entregues, autorizando concluir que os réus Paulo Pereira da Silva, João Pedro de Moura, Miguel Francisco Saez Cáceres Filho e Maurício de Oliveira Pinterich apenas quiseram cumprir mais uma das formalidades impostas pelas normas do Banco da Terra, ratificando o material que lhes foi apresentado, sem maiores conferências.

Ressalta o Parquet que a lavratura da escritura pública, seu registro no Cartório de Imóveis e a liberação do dinheiro do empréstimo foram feitos sem que houvesse aferição da real dimensão da área total da Fazenda Ceres, violando a o disposto no artigo 39, a, da Resolução 34/2000 do Conselho Curador do Banco da Terra.

Especificamente em relação ao réu Paulo Pereira da Silva, alega o MPF que em setembro/outubro de 2001, a bordo de um helicóptero, ele filmou e exibiu na mídia televisiva, em âmbito nacional, o assentamento da Fazenda Ceres, dizendo que se tratava de "obra" de sua criação, como vice-presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Consta da inicial que Paulo, Presidente da Força Sindical e Coordenador Geral da Unidade Técnica do Banco da Terra (responsável pela operacionalização do projeto da Fazenda Ceres) tem estreitas ligações com o município de Piraju/SP, região onde nasceu sua esposa - Sra. Elza de Fátima Costa Pereira - e onde mora boa parte de sua família.

Alega o MPF que houve um "esquema" de atos fraudulentos, orquestrados pelos corréus Paulo Pereira da Silva (Presidente da Força Sindical e coordenador da Unidade Técnica do Banco da Terra, responsável pela operacionalização do programa da Fazenda Ceres), João Pedro de Moura (assessor do Presidente da Força Sindical), Maurício de Oliveira Pinterich (Presidente da AMVAPA e Prefeito de Piraju), Affonso Fernandes Suniga e Joaquim Fernandes Zuniga (ex-proprietários da Fazenda Ceres), contando com a elaboração de Miguel Francisco Saez Cáceres Filho (engenheiro florestal e técnico da AMVAPA), Rubens Rogério de Oliveira (Presidente do Conselho de Desenvolvimento Rural de Piraju e Diretor de Agricultura de Piraju), Milton Camolesi de Almeida (médico veterinário) e Anísio Silva (engenheiro agrônomo), desviando e dilapidando o patrimônio público, aproveitando-se e explorando agricultores pobres e com baixa instrução (quase todos analfabetos), os quais tinham "esperança" de obter um "pedaço" de terra que pudesse produzir o suficiente para o sustento de suas famílias.

Em 31 de outubro de 2001, em razão das denúncias veiculadas na imprensa nacional, os gerentes do Banco Terra, Jonas Jamil Lessa Lopes, Valtemir dos Santos e José Cristian do Carmo Mendes, subscreveram um "Relatório de Acompanhamento e Controle da Fazenda Ceres", atestando a regularidade da operação, inclusive destacando a qualidade do solo, com predominância de latossolos, e a adequação do preço pago, eis que em consonância com o valor de mercado.

Apurou o MPF, em 31 de julho de 2002, que apenas 19 (dezenove) famílias estavam residindo no assentamento, das quais apenas 14 (quatorze) trabalhavam na Fazenda Ceres, face à desistência da maioria dos beneficiários.

Requer a condenação dos Réus pelos atos de improbidade praticados, nos termos dos artigos 9º, 10 e 11, da Lei nº 8.429/92, aplicando-se as sanções previstas no artigo 12 do mesmo diploma legal.

A União Federal foi admitida no pólo ativo do feito, na qualidade de assistente litisconsorcial, conforme decisão de fl. 2.852.

Em decisão de fls. 3.650/3.653, foi deferido o pedido formulado pelo Ministério Público Federal requerendo o desmembramento do feito em relação ao correu José Cristian do Carmo Mendes, falecido em 19 de setembro de 2003.

Foi negado seguimento ao Agravo de Instrumento nº 0052907-83.2007.4.03.0000, interposto por PAULO PEREIRA DA SILVA contra a decisão proferida pelo juízo de primeiro grau que afastou a argüição de incompetência formulada pelo Réu, sob a alegação de que sua eleição ao cargo de deputado federal teria o condão de deslocar a competência do julgamento da presente ação para o Supremo Tribunal Federal.

Em 03 de março de 2011, foi proferida sentença, julgando parcialmente procedente a ação civil pública ajuizada pelo MPF e condenando:

- os Réus JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA e AFFONSO FERNANDES SUNIGA pela prática dos atos de improbidade descritos nos artigos 9º e 3º da Lei nº 8.429/92, aplicando as sanções de (a) ressarcimento do dano causado, em solidariedade, decorrente de enriquecimento ilícito pelo recebimento de valor superfaturado da Fazenda Ceres, a ser revertido em favor da União Federal; (b) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 2 (duas) vezes o valor do acréscimo patrimonial, em rateio, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (c) suspensão dos direitos políticos, por 8 (oito) anos, e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 10 (dez) anos;

- os Réus MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, JOÃO PEDRO DE MOURA, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA e ANÍSIO SILVA pela prática dos atos de improbidade descritos no artigo 10 da Lei nº 8.429/92, aplicando as sanções de (a) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 1 (uma) vez o valor do acréscimo patrimonial apurado nos autos com a compra e venda da Fazenda Ceres, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (b) suspensão dos direitos políticos, por 5 (cinco) anos, e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 5 (cinco) anos;

- o Réu PAULO PEREIRA DA SILVA pela prática do ato de improbidade administrativa de que trata o artigo 10 da Lei nº 8.429/92, aplicando as sanções de (a) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 1 (uma) vez o valor do acréscimo patrimonial apurado nos autos com a compra e venda da Fazenda Ceres, em rateio com os Réus indicados na alínea ii, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (b) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 5 (cinco) anos;

- os Réus JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA, VALTEMIR DOS SANTOS e JAMIL LESSA LOPES pela prática do ato de improbidade administrativa inscrito no artigo 11 da Lei nº 8.429/92, aplicando as sanções de (a) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 5 (cinco) vezes o valor das suas respectivas remunerações da época, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (b) suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 3 (três) anos.

Os Réus foram condenados, ainda, a pagar as custas processuais em rateio e honorários advocatícios, em rateio, fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 20, § 3º do Código de Processo Civil.

A ação foi julgada improcedente em relação aos corréus MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO e RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA.

Em decisão de fls. 5.964/5.971 foram rejeitados os embargos de declaração apresentados pela UNIÃO FEDERAL, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, ESPÓLIO DE AFFONSO FERNANDES SUNIGA, por JOÃO PEDRO DE MOURA, PAULO PEREIRA DA SILVA, MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA, ANÍSIO SILVA, JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA, JONAS JAMIL LESSA LOPES e VALTEMIR DOS SANTOS.


DAS QUESTÕES PRELIMINARES


I - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL


Após a inclusão do feito em pauta de julgamento, o réu JONAS JAMIL LESSA LOPES apresentou memoriais (fls. 6.441/6.449), sede em que, preliminarmente, arguiu a incompetência da Justiça Federal e, no mérito, apenas reafirmou os argumentos alinhavados nas razões de apelação.

O simples fato de o Ministério Público Federal figurar como autor da ação de improbidade administrativa, por si só, justifica a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição da República.

Nesse sentido, trago à colação o seguinte precedente do C. Superior Tribunal de Justiça:


PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AJUIZAMENTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ATOS PRATICADOS POR DIRIGENTES DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA, CUJO CAPITAL MAJORITÁRIO PERTENCE À UNIÃO. INTERESSE ECONÔMICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Conforme o entendimento jurisprudencial da Primeira Seção, "o mero ajuizamento da ação pelo Ministério Público Federal, por entender estar configurado ato de improbidade administrativa, fixa a competência na Justiça Federal" (AgRg no AgRg no CC 104.375/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 04/09/2009). No mesmo sentido: CC 100.300/PI, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 25/05/2009.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no CC 122.629/ES, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/11/2013, DJe 02/12/2013) (destaques nossos)

Ademais, a União foi admitida nos autos na qualidade de assistente litisconsorcial, firmando, de toda a sorte, a competência da Justiça Federal, nos termos do mesmo dispositivo constitucional.


II - AGRAVO RETIDO INTERPOSTO POR MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH


Às fls. 5.499/5.503, foi interposto agravo retido pelos réus MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH E OUTROS insurgindo-se contra a decisão de fls. 5.494/5.495 que indeferiu o pedido de esclarecimentos dirigido ao Perito Judicial. Alegam que o Expert não se manifestou sobre as questões formuladas, essenciais à apuração dos fatos em exame.

O recurso deve ser conhecido, vez que sua apreciação foi devidamente reiterada quando da interposição do recurso de apelação, na forma do artigo 523 do Código de Processo Civil.

No mérito o agravo não merece ser provido.

O laudo apresentado pelo Perito Judicial, juntado às fls. 4.233/4.334, bem os esclarecimentos prestados após as manifestações das partes, anexados às fls. 4.790/4.806, é um documento técnico, produzido por profissional habilitado e auxiliar do juízo.

Todos os critérios utilizados pelo Expert foram devidamente demonstrados e justificados, sendo esclarecidas as dúvidas pertinentes suscitadas pelos interessados.

Eventual divergência com as conclusões alcançadas não é motivo suficiente para desconstituir o trabalho realizado.

De mais a mais, trata-se de prova técnica destinada a auxiliar o órgão jurisdicional, mas que não o vincula, já que é livre a formação do seu convencimento, exigindo-se, é certo, a exposição da fundamentação, por expressa determinação constitucional (CF, artigo 93, IX).

Não prospera a alegação de violação ao contraditório e à ampla defesa, vez que as partes tiveram oportunidade de se manifestar sobre o laudo pericial, apontar eventuais falhas e solicitar esclarecimentos.

Como visto nas linhas acima, o Perito respondeu às dúvidas levantadas, não sendo demonstrada a relevância e pertinência das novas questões colocadas pelo Agravante, com o intuito apenas de delongar a tramitação do feito.


III - ILEGITIMIDADE DO ESPÓLIO DE AFFONSO FERNANDES SUNIGA


Aponta o Espólio de Affonso Fernandes Suniga sua ilegitimidade passiva, ao fundamento de que Affonso faleceu antes da prolação da sentença, não sendo possível transferir aos seus sucessores a responsabilidade pelo pagamento da multa.

Sem razão.

Na inicial, foi requerida a condenação do réu Affonso Fernandes Suniga pela prática do ato de improbidade descrito no artigo 9º da Lei nº 8.429/92, qual seja, o ato que importa em enriquecimento ilícito.

O falecimento do réu no curso da ação não obsta que seus sucessores respondam pelo ato, nos limites do valor da herança, como determina o artigo 8º da Lei nº 8.429/92:


Art. 8º - O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor da herança.

Não se aplica ao caso concreto o disposto no artigo 5º, XLV, da Constituição Federal, que trata da pena em sentido estrito, com aplicação limitada ao âmbito penal.

As sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, quando não revestidas de natureza pessoal, podem ser transferidas aos sucessores do agente ímprobo. Como destacado pelo Ministério Público Federal, no parecer ofertado em segunda instância, configuraria absurdo lógico admitir que se impusesse ao autor do ato de improbidade o dever de ressarcir o que recebeu ilicitamente, mas permitir aos seus herdeiros que, por meio de sucessão mortis causa, tornem-se titulares desses mesmos valores (fl. 6.374).


IV - NULIDADE DA SENTENÇA POR DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ


Os Réus Maurício de Oliveira Pinterich, Milton Camolesi de Almeida e Anísio Silva apontaram a nulidade da sentença ao fundamento de que ela não foi proferida pelo mesmo juiz que concluiu a instrução.

A preliminar não merece acolhida.

De um lado porque foram ouvidos réus e testemunhas residentes nas mais diversas localidades, não sendo possível ao juiz da causa colher todos os depoimentos, expedindo as competentes cartas precatórias para a realização da prova, obedecendo rigorosamente ao disposto na legislação processual.

De outro lado porque os réus não demonstraram a violação ao artigo 132 do Código de Processo Civil, que admite a possibilidade de prolação de sentença pelo juiz que não concluiu a fase instrutória, nas hipóteses em que o magistrado estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo ou aposentado. Caberia aos réus demonstrar a inocorrência de qualquer uma das situações mencionadas, nos termos do artigo 333, II, do Código de Processo Civil.


V - NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO EM RELAÇÃO À QUANTIFICAÇÃO DO DANO E À INDICAÇÃO DO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA


Ao contrário do que alegam os Réus, a sentença guerreada está devidamente fundamentada na Lei nº 8.429/92, tratando minuciosamente das condutas praticadas e da responsabilidade de cada um dos Réus.

Eventual inconformismo com a conclusão alcançada pelo juízo não constitui motivo para decretar a nulidade da decisão; a legislação possibilita a discussão sobre o mérito da demanda pelos meios adequados.

Também não há qualquer nulidade em razão da não quantificação expressa do dano na parte dispositiva da sentença, na medida em que existem provas suficientes nos autos, especialmente o laudo pericial acolhido pelo juízo, apontando o montante do prejuízo causado.



DO MÉRITO


A questão que se coloca é saber se os corréus MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO, MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, PAULO PEREIRA DA SILVA, JOÃO PEDRO DE MOURA, RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA, ANÍSIO SILVA, JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA, AFFONSO FERNANDES SUNIGA, VALTEMIR DOS SANTOS, JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA, JOSÉ CRISTIAN DO CARMO MENDES e JONAS JAMIL LESSA LOPES praticaram os atos de improbidade descritos pelo Ministério Público Federal nos autos da presente ação civil pública.

Ao que consta, as irregularidades foram cometidas na aquisição da Fazenda Ceres, localizada no Município de Piraju/SP, ocorrida no ano de 2001.

De acordo com o Programa de Reordenação Fundiária, o imóvel seria comprado com recursos públicos federais, em cumprimento ao Programa Banco da Terra, e destinado ao assentamento dos trabalhadores rurais da região.

Cumpre então verificar se as provas produzidas nos autos, especialmente a documental, a pericial e a testemunhal, corroboram a versão sustentada pelo Parquet.


I - DA PROVA DOCUMENTAL


Nos termos da Resolução nº 34/2000 (Regulamento do Banco da Terra):


Art. 1º - O Fundo de Terras e da Reforma Agrária - Banco da Terra, é um Fundo especial de natureza contábil, instituído pela Lei Complementar nº 93, de 4 de fevereiro de 1998, e regulamentado pelo Decreto nº 3.475, de 19 de maio de 2000, que tem por finalidade financiar a compra de imóveis rurais e a implantação de infra-estrutura básica.

O órgão gestor do Banco da Terra é o Conselho Curador e as atribuições dos Conselhos Estaduais e Municipais de Desenvolvimento Rural, na sua esfera de atuação, estão estabelecidas no artigo 8º do Regulamento, verbis:

a) apreciar os Programas de Reordenação Fundiária e subsidiar as deliberações do Conselho Curador do Banco da Terra;
contribuir para a elaboração e a integração das diferentes políticas agrárias, ambiental e de desenvolvimento rural;
acompanhar e fiscalizar a execução dos Programas de Reordenação Fundiária;
Cabe ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural receber e analisar a Carta Consulta quanto à sua aprovação e encaminhamento à Unidade Técnica;
Cabe ao Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural avaliar os recursos eventualmente impetrados pelos beneficiários potenciais no caso de não aprovação de Cartas Consulta e de Propostas de Financiamento, aprovando encaminhamento dos mesmos, para deliberação, ao Conselho Curador do Banco da Terra.

Por sua vez, é delegada à cada Unidade Conveniada competência para estruturar uma Unidade Técnica com o propósito de executar o Programa de Reordenação Fundiária e promover a aplicação dos recursos do Banco da Terra, sendo-lhe atribuídos os seguintes encargos:


a) coordenar a ação dos diferentes órgãos envolvidos na execução do Programa, em particular dos Conselhos de Desenvolvimento Rural, dos Agentes Financeiros e dos demais parceiros;
orientar os candidatos sobre as normas do Banco da Terra, a elaboração de Cartas Consulta, de Propostas de Financiamento e sobre as condições de financiamento a que estarão obrigados, garantindo-lhes amplo acesso às informações a respeito da tramitação de suas propostas de financiamento;
avaliar e aprovar as Propostas de Financiamento formulados pelos beneficiários;
encaminhar ao agente financeiro as propostas de financiamento devidamente aprovadas, devendo constar a assinatura do técnico responsável pela análise, bem como do Coordenador da Unidade Técnica;
acompanhar o trâmite das propostas de financiamento encaminhadas ao agente financeiro e fornecer informações aos beneficiários sobre as mesmas;
promover a fiscalização e emitir o correspondente laudo necessário para as liberações de recursos para as obras de infra-estrutura básica previstas nas propostas de financiamento;
receber e aprovar a prestação de contas dos serviços topográficos;
acompanhar diretamente ou através de parcerias, os beneficiários na implementação de seus projetos, de forma a garantir-lhes apoio e a solucionar com agilidade os eventuais problemas encontrados;
garantir a coleta e a sistematização dos dados relativos à execução do Programa e a seus impactos, bem como encaminhar os relatórios de acompanhamento mensal à Secretaria Executiva do Conselho Curador do Banco da Terra , até o 15º dia do mês subseqüente, segundo modelo definido;
fiscalizar e controlar a efetiva aplicação e o retorno dos recursos pelos beneficiários por meio de extrato ou cópia do aviso de cobrança a ser remetido pelo agente financeiro;
processar a substituição de possível membro de associação ou cooperativa que venha a desativar suas atividades por razão justificada, desde que o substituto satisfaça as diretrizes do Banco da Terra, e assuma integral e solidariamente a responsabilidade pela dívida.

Em 29 de junho de 2000, foi firmado um Termo de Cooperação entre o Fundo de Terras e da Reforma Agrária - Banco da Terra, a Associação dos Municípios do Vale do Paranapanema (AMVAPA) e a Força Sindical, visando o desenvolvimento de ações conjuntas destinadas à implementação e gestão do Banco da Terra nos municípios associados, sendo definidas as competências de cada órgão, nos seguintes termos:


é atribuição do Banco da Terra:
aprovar o Programa de Reordenação Fundiária apresentado pela Associação, verificando sua compatibilização com as diretrizes e as normas de aplicação dos recursos do Banco da Terra;
provisionar os recursos financeiros previstos no Programa de Reordenação Fundiária aprovado para a realização das ações propostas;
acompanhar, supervisionar e fiscalizar o cumprimento das metas decorrentes do presente Termo de Cooperação;
fornecer subsídios técnicos que garantam o bom desempenho do Banco da Terra;
é atribuição da AMVAPA:
elaborar o Programa de Reordenação Fundiária, contendo diretrizes regionais, metas e ações dos Municípios Associados, abrangendo o período de três anos;
responsabilizar-se pela execução do Programa de Reordenação Fundiária;
implantar, estruturar e operar, com recursos humanos qualificados e equipamentos adequados, no mínimo, uma Unidade Técnica, para a execução das ações do Banco da Terra;
estruturar, em parceria com instituições públicas e privadas, um eficiente serviço de assessoramento técnico e gerencial aos beneficiários do Banco da Terra, com foco na elaboração e execução de projetos de desenvolvimento local;
promover a capacitação inicial dos produtores rurais, orientando a formação de associações e cooperativas para a obtenção de crédito pelo Banco da Terra;
buscar e garantir recursos de contrapartida, assegurando aos beneficiários do Banco da Terra condições adequadas de vida, particularmente em termos de educação, saúde, transporte e assistência técnica;
garantir a transparência do Programa, o acesso amplo às informações relativas ao seu desempenho e à tramitação das propostas de financiamento apresentadas pelos beneficiários do Banco da Terra;
assegurar a participação da sociedade civil no Conselho Regional, bem como a parceria com os diferentes órgãos atuantes no desenvolvimento rural nas diversas regiões de atuação do Programa;
apresentar os Planos de Aplicação Anuais, os relatórios e as prestações de contas relativos à execução do Programa, bem como garantir o acesso às informações por parte das entidades encarregadas da avaliação do Programa e das auditorias;
fiscalizar a confecção e instalação de placa indicativa do financiamento do BANCO DA TERRA no empreendimento, conforme as exigências estabelecidas pela Secretaria Executiva do Conselho Curador do Banco da Terra, em local adequado, de fácil visualização, assim como acompanhar quanto ao estado de conservação durante a vigência do financiamento.
é atribuição da Força Sindical:
implantar, estruturar e operar, com recursos humanos qualificados e equipamentos adequados, no mínimo, uma Unidade Técnica, para a execução das obras das ações do Banco da Terra;
estruturar, em parceria com instituições públicas e privadas, um eficiente serviço de assessoramento técnico e gerencial aos beneficiários do Banco da Terra, com foco na elaboração e execução de projetos de desenvolvimento local;
promover a capacitação inicial dos produtores rurais, orientando a formação de associações e cooperativas para a obtenção de crédito pelo Banco da Terra;
garantir a transparência do Programa, o acesso amplo às informações relativas ao seu desempenho e à tramitação das propostas de financiamento apresentadas pelos beneficiários do Banco da Terra;
apresentar os relatórios e as prestações de contas relativos à execução do Programa, bem como garantir o acesso às informações por parte das entidades encarregadas da avaliação do Programa e das auditorias;
fiscalizar a confecção e instalação de placa indicativa do financiamento do BANCO DA TERRA no empreendimento, conforme as exigências estabelecidas pela Secretaria Executiva do Conselho Curador do Banco da Terra, em local adequado, de fácil visualização, assim como acompanhar quanto ao estado de conservação durante a vigência do financiamento.
(fls. 763/767)

Os documentos acostados aos autos atestam que em agosto de 2000, a Força Sindical e a AMVAPA (Associação dos Municípios do Vale do Paranapanema), representados respectivamente por seus Presidentes Paulo Pereira da Silva e Miderson Zanello Milleo (então Prefeito de Taquaritinga), elaboraram e encaminharam ao Conselho Curador do Banco da Terra um Programa de Reordenação Fundiária para assentamento de trabalhadores rurais, a ser implantado na região, com as seguintes metas:


Nº de famílias área total (ha) área família (ha) custo/família(R$) custo/ha (R$)

200 2.000 10 20.000,00 1.500,00


Origem aquisição de imóveis infra-estrutura outros total

Banco da Terra 3.000.000,00 1.000.000,00 --------- 4.000.000,00

Próprios ------------- -------------- 128.000,00 128.000,00

Terceiros ------------- --------------- 348.000,00 348.000,00

TOTAL 3.000.000,00 1.000.000,00 476.000,00 4.476.000,00


Nos termos do Programa de Reordenação Fundiária (PRF), a Força Sindical atuaria como a Unidade Técnica responsável pela operacionalização do Programa, incumbida inclusive de analisar e aprovar a carta consulta e a proposta de financiamento, além do dever de aplicar os recursos próprios (R$ 128.000,00) com ações de capacitação integral dos beneficiários, funcionando a FETAESP (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo) como órgão de apoio e AMVAPA (Associação dos Municípios do Vale Paranapanema) como parceiras.

O Programa foi aprovado pelo Conselho Curador do Banco da Terra, no qual a Força Sindical tinha assento como conselheira, sendo destinado à região representada pela AMVAPA, composta de 15 (quinze Municípios), entre os quais Piraju, a quantia de R$ 4.000.000,00.

Na cidade de Piraju, após apresentação do projeto pelo então Prefeito e ora Réu, Maurício de Oliveira Pinterich, e por dois secretários municipais, foi criada pelos trabalhadores rurais, em dezembro de 2000, a Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, com o objetivo de participar do programa de financiamento de compra de terras mediante recursos federais, provindos do Banco da Terra e repassados pelo Banco do Brasil em Piraju.

Ainda em dezembro de 2000, os corréus RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA, JOÃO PEDRO DE MOURA, PAULO PEREIRA DA SILVA, MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO, MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, AFFONSO FERNADES SUNIGA e JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA, utilizando-se de formulário padrão do Banco da Terra, firmaram "DECLARAÇÃO DE INTENÇÃO DE VENDA" da Fazenda Ceres à Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, mediante financiamento do Banco da Terra, pelo valor de R$ 2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil reais).

Em janeiro de 2001, os trabalhadores da Associação visitaram a Fazenda e aprovaram a compra.

Em 19 de março de 2001, o então Presidente da Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, o senhor Júlio Piacenza Galhardo, protocolizou carta consulta junto ao Conselho de Desenvolvimento Rural de Piraju, instruída com os documentos exigidos pelo Banco da Terra.

No dia seguinte, foi proferido parecer favorável, assinado tão-somente pelo Presidente do Conselho, o Diretor de Agricultura de Piraju, o réu Rubens Rogério de Oliveira.

Para a confecção da Proposta de Financiamento da Fazenda Ceres, Maurício de Oliveira Pinterich, então Prefeito de Piraju e Presidente da AMVAPA, solicitou a ajuda dos corréus Milton Camolesi de Almeida e Anísio Silva. Depreende-se da prova documental acostada aos autos que Anísio Silva apenas subscreveu termo de responsabilidade técnica de financiamento do Banco da Terra, como exigência para o pagamento dos honorários.


II - DA PROVA PERICIAL


De acordo com o laudo pericial juntado aos autos (fls. 4.233/4334 e esclarecimentos às fls. 4790/4806), a Fazenda Ceres apresenta as seguintes características:


"Propriedade rural denominada Fazenda Ceres, com aproximadamente 740 hectares, apresentando como cobertura vegetal do solo, capins do gênero das brachiárias em grande parte da área aproveitável, pequena porção da cultura do café e pequena porção de sistemas hortifrutigranjeiros, totalizando 40% da propriedade. 49% do imóvel são ocupados por vegetação nativa associada à mananciais e afloramento de rochas. Os 11% restantes são ocupados por benfeitorias não reprodutivas (agrovilas e prédios inutilizados) e demais áreas inaproveitáveis.
B.5 - Solos da Fazenda Ceres
O padrão de solos da propriedade vistoriada, compreende basicamente os Argissolos, Podzólicos Vermelho-amarelo, PVA 79, Distróficos (ácidos), textura média, relevo ondulado, e outra porção de pequenos afloramentos de rochas em relevo escarpado. Em outra pequena porção da propriedade, menos de 18%, encontram-se os Latossolos, LV 73, Distroférricos, latossolos vermelho-amarelos, textura argilosa, relevo suave a ondulado.
B.6 - Aptidão Agrícola
A propriedade rural vistoriada, com base nos critérios de interpretação de Lepsch - Manual para Levantamento Utilitário do Meio Físico e Classificação de Terras no Sistema de Capacidade de Uso - 1983, apresentou em termos percentuais:
52,96% - CLASSE VIII: Terras impróprias para cultura, pastagem ou reflorestamento comercial, podendo servir apenas como abrigo e proteção de fauna e flora silvestre.
12,35% - CLASSE VI: Terras adaptadas para pastagens e/ou reflorestamento comercial, com problemas simples de conservação, cultiváveis apenas em casos especiais de algumas culturas permanentes protetoras do solo.
3,06% - CLASSE V: Terras adaptadas em geral para pastagens e/ou reflorestamento comercial, sem necessidade de práticas especiais de conservação, cultiváveis apenas em casos muito especiais.
12,20% - CLASSE IV: Terras cultiváveis apenas ocasionalmente ou em extensão limitada, com sérios problemas de conservação.
18,30% - CLASSE III: Terras cultiváveis com problemas complexos de conservação.
1,13% - CLASSE II: Terras cultiváveis com problemas simples de conservação.

Em relação ao valor da Fazenda Ceres, apurou-se que:


Com base nos parâmetros comparativos adotados (preço médio dos imóveis rurais com área superior a 240 hectares e com benfeitorias e o valor da Fazenda Taquaruçu, propriedade vizinha à Fazenda Ceres, com as mesmas características agronômicas mas com área global menor), concluiu o Perito que:
"A Fazenda Ceres foi adquirida por 34% acima do preço médio das terras do Município de Piraju e 54% acima do valor estimado para a Fazenda Taquaruçu no ano de 2001" (fl. 4.246)

Levando em conta a proposta apresentada para o assentamento na Fazenda Ceres e as características do imóvel, destacou o Expert que:


1. Sob o ponto de vista fundiário, os 740,6 hectares destinados ao assentamento de 72 famílias, mesmo sob a condição de sistema coletivo de exploração, não atende os critérios preconizados pelo INCRA, quanto a área mínima necessária ao sustento e desenvolvimento de uma família assentada, pois esta originalmente está compreendida em tamanho muito próximo ao módulo fiscal da região em questão, neste caso de 20 hectares para o município de Piraju, portanto, o PRF proposto, confere área de 10,28 hectares, portanto 51,4% menor que o módulo suscitado.
2. Ainda quanto à área de 740,6 hectares escolhida para o assentamento rural, observa-se nítido equívoco quanto à classificação dos solos da referida propriedade, enquadrando-se com 86% de latossolo roxo (altamente fértil), e ainda, nítida contradição por ocasião da classificação da capacidade de uso dos solos, onde foi apontado 330,62 hectares de classe II e III, com topografia ondulada + cobertura vegetal nativa, onde sabe-se que os solos enquadrados em classe de capacidade de uso II, não apresentam necessidades severas a título de conservação, e ainda, solos cobertos com vegetação nativa em topografia ondulada, não permitem sua utilização para implementação de cultivo ou pastoreio e até mesmo reflorestamento comercial, jamais podendo condizer-se na classe III.
3. Agora quanto a área aproveitável da propriedade, o mesmo projeto sugere equivocadamente a possibilidade de uso de cerca de 65% da área total da Faz. Ceres, para os projetos produtivos acima descritos, o que não condiz com a realidade, como demonstrado pelos levantamentos de campo e de fotointerpretação apresentados no escopo deste laudo.
4. Ainda sobre os projetos agropecuários, verificou-se a previsão de utilização de uma área de pouco mais de 340 hectares, deixando-se de utilizar área dita "agricultável" de 141,13 hectares, onde sugere-se uma pequena coincidência de previsão de uso para projetos, de apenas 46% da propriedade em tela, valor muito próximo da área realmente tecnicamente passível de utilização agropecuária, encontrada no escopo deste laudo, ou seja, 49,8% do imóvel (incluindo agrovilas).
5. Quanto ao valor previsto para investimento em projetos produtivos, cerca de R$ 849.804,40 em 276,2 hectares, média de investimento de R$ 3.076,77 por hectare, nota-se a insuficiência dos valores pleiteados, uma vez que atualmente, somente a cultura de implantação do café nos 129 hectares previstos, consumiria valores da ordem de R$ 1.186.026,00, e mesmo para época, ano de 2001, estes facilmente suplantariam o valor total de investimentos a serem pleiteados junto ao PRONAF.
6. Quanto à escolha dos projetos, os mesmos não apresentam definidamente o sistema tecnológico de implantação, condução e real capacidade de pagamento dos investimentos, principalmente quando implementados em áreas agrícolas com sérios problemas de conservação de solo, fertilidade média para baixa e mecanização dificultosa.
7. Ainda sobre o valor pleiteado para projetos produtivos + aquisição de propriedade (R$ 51.518,54 por beneficiário), por família assentada para o ano de 2001, mais uma vez, nota-se discrepância com os valores previstos para esta atividade (assentamentos rurais), segundo levantamento do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, os custos com gastos diretos com o assentamento, incluindo diária de servidores, obtenção de imóvel rural, implantação do projeto, primeiros créditos de custeio e investimentos, no ano de 2005, são da ordem de R$ 31.000,00 por família na média e R$ 58.100,00 na região sudeste, compreendendo área de lotes rurais com quase o dobro das medidas previstas no projeto da Fazenda Ceres. Destarte, conclui-se que tal empreendimento na forma como foi planejado, estaria fadado a falhar, como comprovado atualmente por ocasião da vistoria pericial "in loco".
E. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o raciocínio técnico expresso e fundamentado no escopo deste laudo pericial, o valor do hectare da terra da Fazenda Ceres, para o ano de 2001, seria de R$ 2.008,26.
Consoante aos valores propostos para realização do empreendimento, a título de assentamento rural de 72 famílias na propriedade rural vistoriada, conclui-se que estes são insuficientes para o sucesso da atividade agropecuária, com o agravante da existência de pouca área agricultável para realização das atividades previstas e posterior sustento de todas essas famílias.

Respondendo aos questionamentos formulados pelos Réus acerca da potencialidade de exploração de atividade sucroalcooleira na Fazenda Ceres, circunstância apta a valorizar a terra, informou o Perito que as áreas passíveis de cultivo da cana de açúcar, em razão da topografia, da composição dos solos e da localização, são diversas daqueles em que localizada a Fazenda Ceres. A topografia do imóvel é desfavorável à exploração da atividade sucroalcooleira, na media em que a tecnologia atual e as leis ambientais e trabalhistas conduzem à mecanização verticalizada, não havendo qualquer indicativo de propostas formuladas pela AAFFT neste sentido.

O laudo pericial foi elaborado de acordo com as normas técnicas vigentes, levando em conta as características específicas da Fazenda Ceres, não sendo apresentados pelas partes elementos suficientes a desconstituí-lo.


III - DA PROVA ORAL - DEPOIMENTOS PESSOAIS E TESTEMUNHAIS


Todos os Réus prestaram depoimentos pessoais, dos quais destacam-se as seguintes passagens:


1) MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO - fls. 3.848/3.853

Engenheiro florestal e técnico na área agrária da AMVAPA. Prestava acompanhamento técnico aos interessados em obter financiamento pelo Banco da Terra, através de esclarecimentos e orientações. Analisava as propostas de financiamento. Disse que:


(...) costumava também visitar as propriedades rurais que as associações pretendiam adquirir para verificar se de fato existiam e se a propriedade parecia ou não condizente com a exploração econômica pretendida. No caso dos autos, afirma que procedeu também da forma descrita, ou seja, já conhecia com detalhes a proposta da AAFFT antes de elaborar seu parecer, pois já havia efetuado várias orientações quanto ao projeto que a associação pretendia executar, e já havia visitado a Fazenda Ceres. Sua visita à Fazenda Ceres não foi formalizada por documentos. Sua preocupação era apenas de verificar superficialmente se o solo e o relevo da propriedade eram condizentes com a exploração econômica pretendida pela AAFFT. A associação tinha o objetivo de cultivar café na propriedade. A fazenda Ceres já era bastante conhecida no município pelo cultivo do café. Assim, muito embora o depoente não tenha feito uma análise aprofundada do solo e do relevo da propriedade (a análise do solo exigiria análise química), está convicto de que a propriedade poderia ser utilizada para o plantio de café.
(...)
Quanto à composição do solo, afirma que o latossolo não é necessariamente o solo de melhor qualidade para a agricultura. O melhor solo é, na verdade, uma espécie de solo podzólico denominado "terra roxa estruturada". Há várias espécies de latossolo e de solo podzólico de diferentes qualidades. Assim, pode haver variedades de latossolo melhores para o cultivo do que o solo podzólico e vice-versa. O depoente esclarece que o latossolo amarelo não ocorre na região de Piraju. Trata-se de solo característico da Amazônia e muito pobre para o cultivo. Perguntado sobre o fato de ter sido mencionada essa espécie de solo no projeto da AAFFT e se não havia estranhado esse fato, já que o próprio depoente reconhece não haver essa espécie de solo na região, disse que confiou na informação por não ter condições de fazer a análise química do solo da Fazenda Ceres. Disse também que, de qualquer forma, por saber que a fazenda historicamente mantinha cafezais e por ser pequena a área coberta pelo latossolo amarelo, tal fato acabou por não lhe chamar a atenção.

2) MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH - fls. 3.654/3.859

Prefeito reeleito de Piraju à época dos fatos. Foi um dos fundadores da AMPAVA, associação integrada por 16 municípios da região de Piraju, com o objetivo de tornar possível a cooperação entre eles em prol do desenvolvimento regional. Foi convidado pelo governador Mário Covas para integrar o braço regional do Banco da Terra, sendo informado que a Força Sindical apresentava-se como parceira do Estado na qualidade de unidade técnica do Banco da Terra. O Banco da Terra financiou onze assentamentos na região abrangida pela AMVAPA. Alega que as denúncias relativas à fazenda Ceres partiram de um adversário político seu, o advogado Francisco Mendes. Esclareceu que:


O início da atividade do Banco da Terra gerou uma movimentação do pessoal da Prefeitura e da AMVAPA e também da população local, especialmente os corretores e os agricultores pertencentes às associações em torno da seleção das terras que estariam aptas a receber os assentamentos. Havia um consenso de que apenas cerca de cinco propriedades estariam aptas a esse fim, dentre elas a Fazenda Ceres, uma vez que essa propriedade tinha cultura de café, água, pastagem e era cortada por uma estrada pavimentada de modo a que de um lado da estrada ficava cerca de um terço e do outro cerca de dois terços da propriedade. Assim, o acesso e o escoamento de produção eram bons. Foi a AAFFT quem escolheu a fazenda. A AAFFT foi formada do seguinte modo: quando correu a notícia do início das atividades do Banco da Terra, diversos trabalhadores rurais procuraram a Prefeitura para ingressar no projeto; aqueles trabalhadores que efetivamente comprovaram a condição de sem terra mediante declarações de ex-empregadores ou declarações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais ou do Sindicato Rural, foram instruídos a construir uma associação entre si, uma vez que de outro modo não poderiam obter os recursos; dessa forma, os trabalhadores que vieram procurar a Prefeitura individualmente, receberam orientação sobre como poderiam associar-se, orientação esta que abrangia o aconselhamento sobre os aspectos jurídicos da criação da associação. Em vista disso, o depoente explica que a criação da AAFFT foi "provocada" pela Prefeitura por imposição das próprias incumbências que lhe eram acometidas pelo programa do Banco da Terra. (...) Não sabe quem fez a negociação do preço da Fazenda Ceres. Sabe apenas que o corretor era o Sr. Douglas Ribas e que o valor negociado foi submetido à assembléia da AAFFT e aprovado. Nem a Prefeitura nem a AMVAPA participaram da negociação do valor.

3) MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA - fls. 3.861/3.864

É médico veterinário, fez mestrado em nutrição de ruminantes e especialização em agronegócios. Ministrava curso em Avaré sobre projetos agropecuários e sobre sua participação nos fatos narrados disse que:


Foi procurado por Júlio Galhardo, então presidente da AAFFT, para prestar serviços em relação a um projeto envolvendo a fazenda Ceres. O depoente foi informado de que o serviço consistiria na elaboração do projeto de produção que seria apresentado para obtenção de financiamento do Banco da Terra para aquisição da fazenda. Como o projeto envolvia não apenas a especialidade do depoente (agropecuária), mas também exigia conhecimento de agronomia, o depoente questionou se porventura poderia prestar os serviços em conjunto com um agrônomo. Pretendia convidar um amigo seu de Avaré, engenheiro agrônomo, o co-réu Anísio. Foi informado de que não haveria problema na contratação de Anísio. (...) Foi à fazenda juntamente com Anísio e, após a visita, resolveram aceitar prestar o serviço e efetivamente o fizeram, recebendo ao final a remuneração prevista no regulamento do Banco da Terra, equivalente a 2% do valor do projeto pagos diretamente pelo Banco do Brasil. O valor foi dividido meio a meio entre o depoente e Anísio. (...) Não sabe como a AAFFT teve conhecimento de seus serviços. Não sabe se alguém indicou seus serviços a AAFFT. (...) Não é verdade que estaria apenas prestando uma "ajuda" ao prefeito Maurício. Sequer conhecia o prefeito. Apenas havia sido apresentado a ele uma única vez por volta do ano de 2000 num evento social da Caixa Econômica Federal. (...) Não é verdade que o projeto fosse fraudulento ou que a Força Sindical o alterasse livremente. O projeto foi todo baseado em trabalho efetivo e prolongado tanto do depoente quanto de Anísio. Ambos empregaram bastante tempo, dias e noites, na elaboração do projeto. Conversaram muito com Miguel Cáceres, que era o coordenador, a fim de que o projeto contemplasse a utilização e a remuneração da mão de obra das famílias assentadas. O projeto então era adequado às exigências do emprego da mão de obra. O projeto foi efetivamente assinado tanto pelo depoente quanto por Anísio. Anísio era, ademais, o principal subscritor, pois era o engenheiro agrônomo. O depoente não se lembra de ter assinado termo de responsabilidade técnica. Nada sabe esclarecer acerca da composição do solo da fazenda, pois essa não é sua área de competência técnica. Isso cabia ao engenheiro agrônomo. Todos os dados utilizados no projeto foram efetivamente colhidos na fazenda. O depoente e Anísio declararam no projeto que o valor negociado para a aquisição da fazenda estava dentro dos valores praticados na região. Para afirmar isso basearam-se no conhecimento que tinham sobre os negócios feitos com terras naquela época na região, mas essas informações não estavam documentadas.
(...) Com relação ao que está dito no depoimento prestado ao Ministério Público relativamente ao recebimento dos honorários, esclarece que de fato houve atraso na liberação dos valores. Em vista disso, como ouvia que era a Força Sindical quem poderia solucionar qualquer questão envolvendo o Banco da Terra, procurou saber quem seria o responsável na Força Sindical e dirigiu-se para lá juntamente com Anísio. Confirma ter conversado com João Pedro de Moura e que João Pedro de Moura realmente condicionou a liberação dos honorários à prestação de serviços gratuitamente por três anos aos assentados da fazenda Ceres. Perguntado se não era absurdo que para receber os honorários aceitasse trabalhar ainda mais tempo de graça, afirmou que isso hoje parece absurdo, mas que na época parecia a única coisa a se fazer.

4) ANÍSIO SILVA - fls. 3.865/3.868

Engenheiro agrônomo e esclarece sua participação nos seguintes termos:


Participou da elaboração da proposta de financiamento da Fazenda Ceres a convite de Milton, de quem é bastante amigo, a ponto de freqüentarem a casa um do outro. (...) O projeto envolvia além da parte agrícola também a parte veterinária. Por esse motivo, o depoente sozinho não tinha condições de elaborar o projeto. Os conhecimentos de Milton eram importantes na parte de criação de animais. Milton foi convidado a prestar os serviços pelo Prefeito Maurício. (...) O depoente não conhecia o pessoal da AAFFT. Apenas foi contratado por intermédio de Milton. Não sabe como o Prefeito conheceu Milton. Afirma que a proposta elaborada para a AAFFT é verdadeira e foi efetivamente confeccionada pelo depoente e por Milton. Visitaram aproximadamente quatro vezes a Fazenda Ceres enquanto elaboravam a proposta. Colheram dados não apenas da Fazenda Ceres, como também da região como um todo, pois trabalhavam na região. A proposta era redigida em formulários próprios do Banco da Terra e não é verdade que fosse alterada pela Força Sindical. O depoente e Milton mandavam a proposta para a AMVAPA para que Miguel orientasse sobre os erros existentes. O depoente e Milton viam o que estava errado e refaziam a proposta. Quando a proposta foi finalizada, os dois a enviaram a AMVAPA e imaginavam que receberiam de volta o documento para assinatura. Não foi o que ocorreu. O documento ficou sem assinatura. Milton em momento algum disse ao depoente que os serviços eram para "ajudar o Prefeito". Quanto ao solo da fazenda, o depoente disse ter sido ele próprio o responsável por constatar que a composição era de latossolo roxo e amarelo. Verificou apenas que a proporção do latossolo roxo era menor do que aquela que acabou constando da proposta e o latossolo amarelo ocupava uma área maior do que aquela que aparecia na proposta. Confrontado com a informação de que o laudo produzido pelo Ministério Público indicava uma composição totalmente diversa, o depoente esclareceu que não foi feita análise química do solo e que atestou as variedades de solo com base apenas na coloração. Não mencionou essa circunstância no projeto. Não sabe dizer por que não fizeram a análise química (morfológica) do solo. Talvez porque faltasse dinheiro. Não sabe. Com relação aos honorários, esclarece que descobriram que, como em todo projeto de financiamento agrícola, seriam de 2%. Foram informados inicialmente de que receberiam pela AAFFT. Depois descobriram que o recebimento seria pela Força Sindical. Depois que a fazenda já tinha sido até comprada, foram até a Força Sindical em São Paulo, onde foram inicialmente atendidos por uma mulher e depois pelo Sr. Américo, que lhes disse que iria fazer uma viagem à região e logo após autorizaria ao gerente do Banco do Brasil que efetuasse o pagamento. Nenhuma condição foi imposta ao pagamento dos honorários. O valor foi depositado integralmente na conta do depoente por meio de DOC e o depoente repassou metade do valor para Milton. (...) disse que realmente tiveram que aceitar continuar trabalhando para a AAFFT, até que começassem a sair os financiamentos do PRONAF, como condição para a liberação dos honorários. (...) O gerente do Banco do Brasil somente pagou os honorários depois que o depoente assinou um termo de responsabilidade técnica. Sem isso não liberaria os honorários. Não fazia parte dos serviços do depoente e de Milton avaliar o imóvel. Não chegaram, portanto, a atestar qual seria o valor razoável de compra. No entanto, participaram das discussões da AAFFT sobre se o valor negociado estava ou não dentro do valor de mercado. O depoente e Milton consideravam, pela experiência que tinham na região, que o valor estava de acordo com o de mercado.
(...) No início, o depoente e Milton baseavam-se na área do terreno que constava dos documentos do cartório. Depois foi medida a fazenda com GPS e foi verificado que a área da fazenda era menor. Pelo que se lembra, a parte menor correspondia à área da estrada. Depois foi feito um acerto entre a AAFFT e o antigo proprietário da fazenda. O acerto foi feito mediante a devolução de parte do dinheiro pelo vendedor. A fazenda foi então comprada considerando a área maior.
(...) Não é possível a identificação do tipo de solo apenas pela cor. É preciso também fazer a análise química e física. O Banco da Terra não pediu que fosse feita a análise química. Não é comum entre as pessoas que negociam uma propriedade rural pedir a análise química do solo.

5) JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA - fls. 3.890/3.895

Engenheiro agrônomo. À época dos fatos, estava cedido ao Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA e atuava especificamente na Secretaria Executiva do Banco da Terra, como coordenador técnico.

A função da Secretaria era assessorar o Conselho Curador do Banco da Terra, colegiado de ministros que deliberava sobre os programas de reordenação fundiária no âmbito do Banco da Terra. Esses programas fixavam metas de assentamento e produção regionais e eram elaborados pelas unidades técnicas regionais do banco. O MDA firmava termos de cooperação técnica com os Estados da federação ou com associações de municípios.

No caso dos programas do Estado de SP, os termos foram firmados com associações de municípios. A associação responsável pela região da Fazenda Ceres era a AMVAPA, a quem competia elaborar o programa de reordenação fundiária e aprovar cada uma das propostas de financiamento. Era a AMVAPA - e não o MDA - a responsável por autorizar a liberação de recursos para a compra da Fazenda.

O MDA apenas avaliava e aprovava (ou não) o programa de reordenação fundiária elaborado por cada unidade técnica e acompanhava se as metas dos programas estavam sendo atingidas e se as regras do Banco da Terra eram observadas na consecução dos programas.

O Conselho Curador fixava as verbas a serem alocadas para cada unidade técnica com base nos programas de reordenação fundiária. As verbas eram disponibilizadas às unidades técnicas não para cada um dos projetos especificamente, mas para a execução global dos programas. O MDA disponibilizava a verba de cada unidade técnica mediante depósito à disposição do agente financeiro, no caso o Banco do Brasil. Uma vez disponibilizada a verba, cabia a cada unidade técnica liberá-la aos projetos específicos apresentados ao Banco da Terra.

Em razão das denúncias formuladas na imprensa e de questionamentos suscitados por um vereador de Piraju à Secretaria Executiva do Banco da Terra, o MDA antecipou a visita à Fazenda Ceres, onde compareceram o depoente e o correu Valtemir. Tinham a incumbência específica de verificar se foram atendidas as etapas de elaboração e aprovação do projeto previstas nas normas do Banco da Terra, bem como fazer um levantamento dos preços médios de terras na região. Não foi determinado que fizessem análises técnicas da propriedade (análise de solo ou verificação das condições concretas de produtividade) pois isso não era incumbência do MDA mas sim do engenheiro agrônomo contratado pela associação de agricultores e responsável técnico pelo projeto.

A AMVAPA tinha a prerrogativa e a responsabilidade de aprovar o projeto elaborado pelo engenheiro agrônomo e liberar ou não o financiamento pleiteado.

Fizeram 2 ou 3 visitas à Fazenda Ceres e verificaram que a fazenda possuía casas de colonos e instalações para beneficiamento de café (constava da proposta de financiamento que haveria um cafezal com 8.000 pés). Havia um cafezal na fazenda. Não fizeram a medição técnica do número de pés de café que integrava o cafezal, pois este não era o objeto da visita e nem sua atribuição. Não fizeram uma análise técnica aprofundada, mas uma análise documental e visual.

Constataram que na proposta de financiamento havia menção à existência de mais benfeitorias do que aquelas efetivamente encontradas, informação que eles fizeram constar, posteriormente, no relatório de acompanhamento e controle.

Constataram que a avaliação do preço do imóvel havia sido feito com base nas benfeitorias efetivamente existentes na propriedade.

Com relação ao preço das terras na região da AMVAPA, procuraram obter o preço médio dos imóveis efetivamente vendidos ou ofertados à venda na época da visita.

O Conselho Curador do Banco da Terra não analisava o preço específico das terras que integravam cada um dos projetos financiados pelo Banco da Terra, salvo na fase de acompanhamento e controle das metas e dos parâmetros dos programas de reordenação fundiária elaborados por cada unidade técnica regional. A análise do Conselho Curador era feita a posteriori e não como condição para a aprovação de cada proposta de financiamento em particular ou para liberação dos recursos relativos a cada uma dessas propostas.

As unidades técnicas, no caso a AMVAPA, tinham a obrigação de aprovar as propostas e apresentar um relatório ao Conselho Curador sobre o emprego das verbas disponibilizadas.

Em relação à Força Sindical, pelo que se recorda o depoente ela era parceira do MDA no que se refere à capacitação dos agricultores beneficiados com os financiamentos do Banco da Terra e firmou um termo de cooperação com o MDA nesse sentido. A parceria abrangia as unidades técnicas regionais escolhidas pela Força Sindical.

Afirma que o Prefeito de Piraju era Presidente da AMVAPA participou das diligências realizadas pelo depoente, mesmo porque era ele quem poderia fornecer os recursos de logística e prestar informações importantes para a avaliação, mas esclarece que não houve qualquer tipo de interferência indevida da AMVAPA.

A respeito da qualidade do solo e do preço da Fazenda Ceres, esclareceu que:


A predominância de latossolos na propriedade foi aferida visualmente pelo depoente, com base em seus conhecimentos técnicos de engenheiro agrônomo, embora sem realização de análise específica da composição do solo, ou seja, o cotejamento entre as informações da proposta de financiamento e as características da fazenda foi feito de forma genérica. (...) O depoente esclarece que o tipo de solo não necessariamente interfere com a viabilidade do empreendimento agropecuário. Tudo depende do tipo de aproveitamento pretendido. No caso da Fazenda Ceres, havia um cafezal e benfeitorias para o beneficiamento do café, o que mostra a viabilidade dessa cultura no local. Além disso, pretendia-se empreender no local criação de gado e utilizar cerca de dois hectares de terra para horticultura intensiva em estufas. Essa atividade era especialmente facilitada pelo fato de ser a fazenda cortada por uma estrada asfaltada, o que favoreceria o escoamento da produção.
(...)
O valor pago pelo hectare da fazenda Ceres estava abaixo do valor indicado pelo IEA para a região em que a fazenda se situa. Esse documento consta do relatório como uma das informações coletadas na aferição do preço do imóvel. O valor disponibilizado pelo IEA dizia respeito ao preço médio das terras com benfeitorias. O preço pesquisado pelo depoente e pelos outros técnicos foi o preço médio. Não houve, portanto, avaliação em separado das benfeitorias da Fazenda Ceres. A conclusão do relatório do depoente e dos outros técnicos que com ele trabalharam foi que o preço pago pela Fazenda Ceres estava condizente com o preço médio praticado na região na época. O depoente acredita que esta questão específica não foi avaliada pelo Conselho Curador do Banco da Terra.

6) AFFONSO FERNANDES SUNIGA - fls. 3.897/3.898

Era proprietário da Fazenda Ceres, juntamente com seu irmão Joaquim.

Joaquim quis vender a fazenda e ficou responsável por quase toda a negociação.

O depoente lembra de ter conversado com o Prefeito Maurício e com o corretor Douglas, mas não participou da negociação do preço, feita por seu irmão, Maurício e Douglas.

Com o pagamento recebido, quitou algumas dívidas em seu nome e de seus filhos.


7) JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA - fls. 3.899/3.901

Era proprietário da Fazenda Ceres, com seu irmão. Não colocaram a fazenda à venda. Foi procurado pelo corretor Douglas, que propôs a venda do imóvel, informando que o interessado na compra era o Banco da Terra. Foi procurado várias vezes por Douglas, sempre recusando a proposta.

Recebeu então a visita de Douglas e do Prefeito Maurício, que informou que a Prefeitura já havia gasto muito dinheiro para tornar possível o negócio e insistiu na venda. O depoente esclareceu que precisava conversar com seu irmão e combinaram, naquela ocasião, que a comissão do vendedor seria reduzida de R$ 120.000,00 para R$ 90.000,00.

Seu irmão lhe autorizou a fazer o que quisesse e ele fez o negócio, acertando o preço do imóvel com o corretor Douglas, fixando o valor do alqueire em R$ 7.000,00. Na região, o valor cobrado era de R$ 8.200,00.

Após a concretização do negócio, surgiram notícias de que a fazenda havia sido superavaliada, razão pela qual ele contratou uma empresa (EMBRAESP) para fazer um laudo de avaliação, sendo atestado que o valor do alqueire era de R$ 8.200,00.

Sobre a retificação da área da fazenda, esclarece que a área maior já constava da escritura de compra da fazenda da antiga proprietária, senhora Ana Marques Lupo. Na época em que estava sendo concretizado o negócio de venda da Fazenda pelo Banco da Terra, constatou-se que a área real da fazenda era menor. Foi Douglas quem cuidou da retificação. O depoente não sabe dizer, portanto, porque a retificação foi feita por escritura pública e não pela via judicial. Esclarece também que posteriormente foi constatado que o agrimensor havia incluído na nova medida a área da estrada que corta a fazenda. O valor correspondente a essa área, cerca de trinta e poucos mil reais, já foi devolvido.


8) RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA - fls. 3.974/3.976

Morava e possuía um imóvel rural em Piraju à época dos fatos. Era Presidente do Sindicato Rural de Piraju.

Os governos estadual e federal decidiram fazer um assentamento rural através do Banco da Terra, em Piraju. A associação dos trabalhadores rurais, então criada (Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju), escolheu a Fazenda Ceres. Não lembra o valor pago nem o tamanho da área.

Conhece a Fazenda Ceres e sabe que em sua área havia uma parte inapropriada para agricultura pois era reserva ambiental; que o Banco da Terra exigia que uma parte do imóvel fosse reserva ambiental. Disse que a parte remanescente da Fazenda era boa para a agricultura.

Participou da reunião realizada na Prefeitura de Piraju, na qual foi aprovada a carta consulta relativa à aquisição da Fazenda Ceres.


9) PAULO PEREIRA DA SILVA - fls. 3.979/3.980

Era Presidente da Força Sindical à época dos fatos e disse que:


Não participou de venda ou compra da fazenda; que a Força Sindical apenas qualificava os trabalhadores rurais para participarem do programa Banco da Terra, não participando da negociação das terras; que a força sindical, depois de já comprada a terra, treinava os trabalhadores para trabalhar na terra; que não visitou a Fazenda Ceres antes de ser comprada; que não era função da força sindical analisar a terra que estava sendo comprada e nem os preços; que foram feitos outros dezoito convênios com o Banco da Terra e que em todos eles a função foi treinar e qualificar os trabalhadores; que a função de comprar e avaliar as terras era da Associação dos Municípios ou dos próprios trabalhadores; que o Sr. João Pedro de Moura era o coordenador da Força Sindical e assinava apenas para dar um de acordo para treinar as famílias que estavam sendo assentadas; que não havia necessidade de se assinar os convênios em datas específicas; que após a denúncia de que a Fazenda Ceres tinha sido vendida com super-faturamento, inclusive, expondo o réu publicamente, o réu decidiu verificar o valor de venda de fazendas na região no mesmo período, no cartório da Piraju-SP, e constatou que quatro fazendas tinham sido vendidas com preço abaixo da Fazenda Ceres, e outras cinqüenta fazendas com preço bem acima do preço da Fazenda Ceres; que muitas delas foram compradas pelo empresário Antonio Ermírio de Moraes.

10) JONAS JAMIL LESSA LOPES - fls. 3.985/3.988

Ingressou na Secretaria Executiva do Conselho Curador do Banco da Terra em agosto de 2001, após a compra da Fazenda Ceres.

Não participou de auditoria na fazenda, mesmo porque não tinha competência para fazer auditoria.

Subscreveu o relatório de acompanhamento, elaborado por 4 pessoas.

João Cláudio e Valtemir fizeram a visita in loco na fazenda para levantamento de dados, informações e documentos que pudessem elucidar os fatos.

Ratifica o relatório elaborado.

Nega que tenha ocorrido superfaturamento porque com base nas informações levantadas, o preço ficou um pouco abaixo da média da região levantada no relatório.

O poder de decisão pertinente ao contrato de financiamento e consequentemente à compra da fazenda pertencia à agência regional, estruturada pela AMVAPA, que era o consórcio responsável pela execução do programa na região.

O relatório de acompanhamento consistia numa captura de informações, dados e documentos que pudessem constatar se os procedimentos para a execução do programa pela agência regional tinham sido cumpridos. Quem determinou a elaboração do relatório foi Max Bezerra, Secretário Executivo do Conselho Curador do Banco da Terra.

Disse que de uma maneira geral a classificação do solo tem pouca influência no preço da terra; que a viabilidade financeira e técnica de um empreendimento depende mais de outros fatores, tais como o acesso, a localização, recursos hídricos, eletrificação, benfeitorias do imóvel, a tecnologia de produção, a atividade que se quer explorar. (...) a Fazenda Ceres, dentre as atividades propostas era a exploração de bovinocultura, ovinocultura, produção de café, hortaliças em estufa; que o imóvel tinha poucas limitações para essas atividades e as que tinha poderiam ser superadas por tecnologias preconizadas pelos órgãos de pesquisa; que o que foi verificado pela equipe integrada pelo depoente é que o empreendimento estava adequado aos termos do programa de reordenação fundiária.


11) JOÃO PEDRO DE MOURA - fls. 3.989/3.991

Era assessor do Presidente da Força Sindical. Não faz parte da competência da Força Sindical autorizar a compra da fazenda.

O Ministro Raul Jungman procurou a Força Sindical, que representa 800.000 trabalhadores rurais do Estado de São Paulo, para participar do projeto Banco da Terra, na qualidade de divulgador do programa e de assessoramento dos trabalhadores rurais beneficiados. A função da força sindical se limitava à promoção de palestras nas agências do Banco da Terra, com o objetivo de esclarecer as partes interessadas.

A Fazenda Ceres foi o primeiro processo feito em São Paulo em foi de competência da AMVAPA. A seleção de famílias foi feita pela AMVAPA, assim como coube à AMVAPA a indicação de técnicos para a elaboração da carta consulta e estudo da viabilidade econômica. A Força Sindical fez uma palestra na primeira fase do projeto. Não sabe como foi feita a escolha da fazenda, nega que a Força tenha tido qualquer influência na escolha.

Conheceu a fazenda depois que ela já havia sido comprada, com o objetivo de implementar vários cursos para os trabalhadores.

Disse que a Força Sindical nunca pagou honorários a peritos; tal atribuição cabia ao Banco da Terra. A Força apenas autorizava o pagamento desde que cumpridas as etapas do programa de qualificação profissional.

Sua função era dar anuência para a liberação de vários tipos de pagamento, inclusive das próprias fazendas.

Não conhece nem quem comprou nem quem vendeu a fazenda Ceres.

A Força Sindical tinha uma equipe técnica de agrônomos que era vinculada a FETAESP - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo; a equipe não tinha atribuição para alterar projetos, apenas o Banco da Terra podia fazê-lo.

Todos os projetos passavam pela Força Sindical para verificação do cumprimento das etapas de qualificação profissional.

Os honorários não eram destinados à associação, mas aos técnicos.

Reconhece que fez a exigência de que os técnicos tinham que dar assistência aos agricultores, porque achou um absurdo que eles ganhassem tanto apenas para elaborar o projeto e a carta consulta.


12) VALTEMIR DOS SANTOS - fls. 4.011/4.020

Trabalhava como gerente operacional no Ministério do Desenvolvimento Agrário, na secretaria do Banco da Terra, cuidando de todo o trâmite operacional envolvendo a alocação de recursos do Banco da Terra ao Banco do Brasil. Compareceu à Fazenda Ceres para verificar a consonância da proposta apresentada com as condições locais.


Foram ouvidas, ainda, diversas testemunhas, arroladas pelo Ministério Público Federal e pelos Réus, sendo relevantes para a análise da discussão os seguintes depoimentos:


1) LUÍS ANTONIO BASILE SOBRINHO - fls. 4.025/4.028

É engenheiro agrônomo e foi diretor de agricultura da Prefeitura Municipal de Piraju de 1997 a 2000. Participou do início das discussões a respeito do Banco da Terra e é contrário à proposta pois não acredita em associações, cooperativas ou sindicatos. Não acha viável que um grupo heterogêneo de pessoas trabalhe em conjunto no cultivo da terra. Não trabalhava mais na Prefeitura na época da compra da Fazenda Ceres.

Entende que a Fazenda Ceres não atende aos requisitos do programa do Banco da Terra porque a propriedade não era divisível do ponto de vista agronômico, não sendo possível distribuir os recursos hídricos em caso de divisão em glebas menores. Além disso, o terreno era muito heterogêneo.

Informou que a Fazenda sempre foi conhecida na região como produtora de café.

Prestou novo depoimento judicial, juntado às fls. 5.266/5287, esclarecendo que os agricultores selecionados eram pessoas de pouca instrução. Afirmou que parte da área da fazenda Ceres não é aproveitável para a agricultura porque é terra íngreme e com mata.

Em relação ao depoimento anterior, esclareceu que havia dito que o programa não prestava, não a fazenda, disse que o programa não prestava, que esse tipo de associação não funcionaria em lugar nenhum e que a fazenda não prestava para esse programa por que ela é indivisível. É que quando divide um imóvel rural, tem que dar ao condômino condição igual, vez que na divisão tem que dar condição igual para todos e essa não dava.Não dá para dividir em setenta e duas glebas e dar para cada um pedaço com terra plana, terreno arenoso, com "A.P.P.", com água, é isso.


2) FRANCISCO DE ASSIS NOGUEIRA RODRIGUES - fls. 4.029/4.031

É engenheiro agrônomo e em 2001 foi convidado por um grupo de pessoas da Prefeitura, da AMVAPA e da Associação de Agricultores para elaborar o projeto de viabilidade técnico-econômica do empreendimento envolvendo a Fazenda Ceres. Declinou do convite em razão do curto espaço de tempo para realizar o trabalho.


3) LUIZ OTÁVIO MOTTA - fls. 4.032/4.035

Inscreveu-se no programa do Banco da Terra, em Piraju, e foi um dos 72 beneficiários.

Participou da assembléia que antecedeu a vistoria da Fazenda Ceres e depois participou da própria vistoria.

A Força Sindical era a entidade responsável pela coordenação estadual do programa.

A AMVAPA, coordenada por Miguel Cáceres Filho, era responsável pela coordenação regional.

Após seis meses da última assembléia, em que foi deliberada a compra da Fazenda, começou a haver divergências entre os associados.

O depoente foi um dos onze que se desligou, vez que o ideal associativo não estava sendo colocado em prática.

Foi indicado, posteriormente, para exercer o cargo de coordenador técnico da AMVAPA, por indicação de Miguel Cáceres. Permaneceu na atividade por dois anos.

Não sabe informar como se deu a escolha da Fazenda Ceres e nem quem negociou o preço. Lembra que durante uma assembléia um beneficiário comentou que a fazenda estava à venda e sugeriu que a comprassem.

O valor informado e aprovado por todos era de R$ 7.500,00 o alqueire. Nada foi mencionado, na ocasião, a respeito de eventual superavaliação do imóvel. Os boatos começaram quando foi publicada uma reportagem no jornal.


4) MIGUEL CHIBANI BAKR - fls. 4.036/4.038

Era gerente da agência do Banco do Brasil em Piraju à época dos fatos.

Assinou a escritura de compra e venda da Fazenda Ceres por ordem da União Federal, que figurou no contrato como credora hipotecária.

Na qualidade de gerente, tinha que verificar se os agricultores associados tinham restrições cadastrais para o crédito, se de fato não eram funcionários públicos e se de fato eram agricultores.

Para liberar os recursos do financiamento, precisava de autorização do Conselho Curador do Banco da Terra, representado pela Força Sindical.

O Banco do Brasil é mero intermediário para o repasse dos recursos.


5) JOSÉ EDUARDO POZZA - fls. 4.039/4.041

À época dos fatos, tinha um escritório de contabilidade e prestava serviços contábeis aos antigos proprietários da Fazenda Ceres, Joaquim e Affonso.

Era também membro da cooperativa agrícola e nessa qualidade integrava o conselho municipal responsável por aprovar as cartas consulta no âmbito do Banco da Terra.

Recebeu os documentos dos 72 interessados em participar da compra da Fazenda Ceres. Estavam todos em ordem e após realizar a análise os devolveu à prefeitura.


6) JOÃO PEREIRA DE GUSMÃO FILHO - fls. 4.046/4.051

É agricultor e membro da associação de agricultores que adquiriu a fazenda Ceres, ocupando na ocasião o cargo de secretário.

Durante a campanha para a Prefeitura, Maurício Pinterich foi se apresentar ao depoente e informou-se que "o Banco da Terra caiu no meu colo", havendo a possibilidade de agricultores da região tornarem-se proprietários.

O depoente inscreveu-se no programa e foi chamado como suplente.

Posteriormente foi admitido e seu cadastro foi aprovado. Teve então que associar-se a 71 agricultores e assumiu o cargo de secretário, a pedido do então presidente da associação, Julião Galhardo, e de Gervásio Pozza, um dos secretários municipais de Maurício Pinterich.

Teve conhecimento de que a compra da Fazenda Ceres já estava mais ou menos acertada. A compra foi acertada pela diretoria executiva da associação de agricultores antes de ele tornar-se secretário. Participaram da escolha da fazenda o presidente da associação, Julião Galhardo, o secretário municipal Gervásio Pozza e o Prefeito Maurício Pinterich.

Já conhecia a fazenda e sabia que na parte boa havia cultura de café e na parte ruim, a maior, composta por morros e pedras, havia pasto.

Afirma que não assinou a escritura de compra da fazenda, muito embora estivesse presente no ato.

Posteriormente descobriu que a escritura foi passada por R$ 7.515,00 o alqueire, mas todo mundo da associação sabia que a compra da fazenda tinha sido acertada por R$ 5.500,00 o alqueire.

Afirma que não o deixaram assinar a escritura e nem ler o documento; apenas posteriormente é que teve conhecimento de seu conteúdo.

Confirma ter visto Anísio Silva e Milton Camolesi de Almeida prestando serviços à associação e sabe que eles estiveram na fazenda Ceres, mas não sabe quem os contratou. Informa que Julião e Gervásio costumavam fazer as contratações.

Não sabe se a Força Sindical teve participação na compra da fazenda. Sabia que a Força Sindical iria oferecer cursos aos membros das associações. Nunca houve, no entanto, cursos promovidos pela Força Sindical.

Os membros da associação receberam treinamento do SENAR.

Considera que o valor de R$ 5.500,00, por alqueire, já é superavaliado. Disse que:


(...) mesmo convicto de que a fazenda estava superavaliada com o preço de R$ 5.500,00 o alqueire, não quis se desligar da associação porque tinha medo e porque achava que se metade das promessas feitas fossem cumpridas o negócio daria certo. O depoente explica que na época era dito aos associados menos informados que em dois anos eles estariam com um carro zero na garagem. Dizia-se também que haveria grande facilidade de crédito bancário. Os associados tinham então grande expectativa de fazer o negócio. O depoente achava que se resolvesse deixar a associação iria frustrar o negócio e sofreria "represálias" dos demais.

7) WILSON INÁCIO DA SILVA - fls. 4350/4352

Agricultor, foi o primeiro beneficiário do programa da fazenda Ceres e participou de várias reuniões da associação.

Consta de seu depoimento que:


(...) na fazenda, tinha uma parte boa de terra, próxima à colônia; grande parte da fazenda possuía terra não produtiva, 'areião'; não havia condições de dividir para plantar, pois não dava nem meio alqueire para cada um; o depoente ficou na fazenda um ano, mais ou menos; até sua saída, ainda não havia sido feita a divisão da terra produtiva; o depoente sempre foi agricultor em Piraju; a maioria das fazendas possui terra roxa, produtiva; mas aquela fazenda específica, possuía pouca área produtiva, em comparação com outras fazendas de Piraju, que possuem muita área produtiva.
(...) se fosse dividida só a parte boa para a agricultura, acredita que não daria para o gasto, pois tinha em torno de 70 famílias; se a parte boa fosse dividida, não daria nem um alqueire para uma família; em um alqueire não dá para produzir praticamente nada.

8) LUIZ OTAVIO MOTTA - fls. 5.288/5307

Foi um dos beneficiados pelo programa realizado na fazenda Ceres, mesmo sendo solteiro. É formado em zootecnia.

Em relação à área, disse que "tem uma grande área que é reserva local e tem umas dezoito nascentes de água e tem a área agricultável e enfim, acredito que de vinte a trinta por cento é reserva local".

Quanto aos demais beneficiados, esclareceu que era um pessoal "simples, mas a grande maioria era alfabetizada e só que eram simples".

Informou que foi realizada uma assembléia entre os trabalhadores e eles escolheram a fazenda Ceres por eliminação das demais. Na ocasião foram apresentadas pelo menos três outras opções. Disse também que houve discussão sobre o preço da fazenda e a compra foi aprovada após visita dos interessados ao local.

A fazenda foi vendida por R$ 2.300.000,00, aproximadamente R$ 7.000,00/R$ 7.500,00 o alqueire, que era o preço de mercado à época.

Informou que as outras opções apresentadas tinham valor bem superior.


9) DOUGLAS HOWTHORNE RIBAS - fls. 5.327/5353

É corretor de imóveis e participou da venda da fazenda Ceres. Afirma que foi adotado o valor de mercado, mas o preço era tão bom que não havia outro imóvel nas mesmas condições, todos eram bem mais caros.

Procurou o proprietário da fazenda Ceres, o Sr. Joaquim Zuniga, e perguntou se ele tinha interesse em vender o imóvel.

Teve conhecimento de que a AMVAPA estava procurando uma fazenda e ofereceu então à fazenda Ceres. Conversou então com Gervázio Pozza, responsável pela AMVAPA.

Já havia levado outras pessoas interessadas na compra da fazenda.

Boa parte da área da fazenda não era aproveitável, mas o preço do alqueire compensava. Nos casos em que a área aproveitável era maior, quase de 100%, o preço subia para R$ 20.000,00 o alqueire.

Joaquim pediu o valor de R$ 2.300.000,00, sem margem de negociação. A comissão paga pelo negócio foi de R$ 90.000,00.

Disse que houve uma re-ratificação da escritura porque foi constatada uma divergência com a área topográfica. A alteração foi feita pelo proprietário Joaquim, diretamente no cartório.


10) GERVAZIO POZZA FILHO - fls. 5.383/5407

Jornalista. Integrava a equipe da Prefeitura de Piraju quando o projeto do Banco da Terra foi autorizado para o Estado de São Paulo. Também fazia parte da AMVAPA e foi designado para auxiliar o projeto.

Foi procurado pelo corretor de imóveis Douglas e indagado se havia interesse da AMVAPA em comprar a fazenda Ceres. O depoente orientou Douglas a procurar o "Zilo" (Luiz Antônio Basile Sobrinho), secretário ou diretor da agricultura, e a associação.

Também foi procurado por outros corretores, oferecendo outros imóveis.

Acredita que 30% da área da fazenda Ceres é inaproveitável.

Foi pago o preço de mercado.

A decisão pela compra da fazenda foi tomada depois da visita feita ao imóvel pela associação dos agricultores e pelos técnicos contratados pelo programa.


O conjunto probatório revela a existência de inúmeras irregularidades no Programa de Reordenação Fundiária envolvendo a compra da Fazenda Ceres, irregularidades que caracterizam, inequivocamente, atos de improbidade administrativa.

Por óbvio que tal conclusão não se apresenta de forma imediata e não emerge da análise pontual dos atos praticados por cada Réu, mas é alcançada através do exame conjunto de tudo quanto restou apurado na fase de investigação administrativa pelo Ministério Público Federal e na fase judicial.

Inicialmente foram treze Réus denunciados; com o óbito de José Cristian houve o desmembramento e a ação prosseguiu em relação aos demais.

A maneira mais didática de compreender o envolvimento de cada um é, na esteira do raciocínio desenvolvido pelo juízo a quo, analisar as atuações dos dois principais decisórios, quais sejam, de um lado o Banco da Terra, a AMVAPA, a Prefeitura e a Força Sindical e de outro lado os proprietários vendedores do imóvel rural.


1) AMVAPA - PREFEITURA DE PIRAJU - BANCO DA TERRA - FORÇA SINDICAL

A compra da Fazenda Ceres para assentamento dos agricultores, mediante financiamento do Banco da Terra, foi previamente acertada entre os interessados no negócio, antes mesmo que se verificassem as condições da terra a ser adquirida e o interesse dos agricultores que ali iriam residir e trabalhar.

O então Prefeito de Piraju, Maurício de Oliveira Pinterich, ao ter conhecimento do projeto financiado pelo Banco da Terra, começou a procurar no município algum imóvel compatível com a proposta, movimentando, a partir daí, toda a máquina administrativa para alcançar seu objetivo.

O corréu Rubens Rogério de Oliveira, então Diretor de Agricultura de Piraju e Presidente do Conselho de Desenvolvimento Rural de Piraju, emitiu sozinho parecer favorável na carta consulta formulada pelo presidente da Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, em tempo recorde, qual seja, um dia após a apresentação do documento. Não houve convocação do Conselho de Desenvolvimento Rural e nem deliberação acerca da questão, como exige o artigo 8º, alínea 'd' do Regulamento da Terra então vigente:


d) Cabe ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural receber e analisar a Carta Consulta quanto à sua aprovação e encaminhamento à Unidade Técnica;

Segundo restou apurado no processo administrativo perante o Ministério Público Federal, embora o Conselho tivesse oito membros, além do Presidente, o único conselheiro que assinou a "suposta" ata da reunião ocorrida em 20 de março de 2001 foi José Eduardo Pozza, que confirmou que assinou o documento dias depois da data nele aposta, a pedido de Rubens Rogério de Oliveira, fato confirmado em juízo, como se vê à fl. 4.039, ao esclarecer que:


Não participou da reunião do conselho em que foi aprovada a carta consulta relativa à fazenda Ceres"

Por sua vez, o secretário do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, o senhor Paulo Sérgio Vianna Mattosinho, que subscreveu a ata, afirmou que não se lembrava da reunião.

Uma vez aprovada a carta consulta, a proposta de financiamento e seus projetos foram entregues a Miguel Francisco Saez Cáceres Filho que, na mesma data, na condição de técnico da área agrária da AMVAPA, subscreveu parecer favorável ao financiamento, sem realizar qualquer análise aprofundada. Isso ocorreu em 23 de março de 2001, três dias após a aprovação da carta consulta.

Embora Miguel tenha afirmado que anteriormente já havia comparecido algumas vezes à Fazenda Ceres, o fato é que um mais aprofundado estudo deveria ser realizado no momento do parecer, em que todas as questões técnicas envolvidas deveriam ser abordadas.

Mas não foram.

Tal parecer subscrito por Miguel também foi assinado por Maurício de Oliveira Pinterich e João Pedro de Moura, na qualidade de assessor do Presidente da Força Sindical.

A decisão favorável (aprovação do financiamento), assinada por Miguel, Maurício e João Pedro, foi comunicada à Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, emitindo-se então um certificado atestando que a associação estava apta a participar do Programa no Banco da Terra.

Para elaboração da Proposta de Financiamento da Fazenda Ceres, o réu Maurício de Oliveira Pinterich contratou Milton Camolesi de Almeida, médico veterinário e residente em outra cidade. Milton, por sua vez, contratou o engenheiro agrônomo Anísio Silva para colaborar na elaboração da Proposta.

Milton Camolesi de Almeida e Anísio Silva foram contratados para consecução da vistoria e avaliação do imóvel, definição do projeto produtivo, cálculo das prestações e definição de projetos de infra-estrutura básica. Eles não assinaram a Proposta de Financiamento da Fazenda Ceres. Milton apenas subscreveu um "Termo de Responsabilidade Técnica de Financiamento do Banco da Terra" da fazenda, face à exigência do então gerente do Banco do Brasil, o Sr. Miguel Chibano Bakr, para o pagamento dos honorários deles, já que não poderia fazê-lo sem que houvesse um responsável técnico pela elaboração da proposta.

Apurou-se, ainda, que houve falsificação da Proposta de Financiamento da Fazenda Ceres e seus projetos. É que de acordo com o avençado entre as partes, o valor da Fazenda Ceres (terra e benfeitorias) era de R$ 2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil reais), correspondente a R$ 3.105,62 (três mil, cento e cinco reais e sessenta e dois centavos) por hectare e R$ 7.515,60 (sete mil, quinhentos e quinze reais e sessenta centavos) por alqueires, sendo o total de 740,5926 hectares (306,03 alqueires). No entanto, conforme restou apurado pelo topógrafo Sidney Antônio Carrara, a área total da fazenda é de 731,3240 hectares (302,20 alqueires). Desta forma, o hectare da Fazenda Ceres foi pago a R$ 3.144,99 (três mil cento e quarenta e quatro reais e noventa e nove centavos) e R$ 7.610,89 (sete mil, seiscentos e dez reais e oitenta e nove centavos) por alqueire.

Na ocasião, Paulo Pereira da Silva era Presidente da Força Sindical e era assessorado por João Pedro de Moura.

A Força Sindical, como já mencionado nas linhas anteriores, era a unidade técnica responsável pela operacionalização do Programa Banco da Terra.

Tanto Paulo Pereira da Silva tinha conhecimento da negociação envolvendo a Fazenda Ceres, que mencionou tal projeto, como um de seus principais, quando em campanha política do seu partido (PTB).

Ora, não é crível que na condição de Presidente da Força Sindical e tendo conhecimento das relevantes funções exercidas pela entidade no programa do Banco da Terra, o réu não se preocupasse em acompanhar, passo a passo, a regularidade da negociação. A Fazenda Ceres mostrava-se nitidamente inadequada aos objetivos lançados, fato efetivamente constatado pelo laudo pericial, mas ainda assim foi adquirida com recursos públicos.

A participação de seu assessor na negociação, João Pedro de Moura, é incontestável. Conforme depoimentos prestados pelas testemunhas, João Pedro participou inclusive da visita feita pelos agricultores à Fazenda Ceres antes da tomada da decisão "oficial" aprovando o imóvel, fato que demonstra que desde o início a Força Sindical, representada por Paulo Pereira e João Pedro, estava envolvida nas irregularidades.

A prova documental apresentada atesta que era bastante amplo o raio de atuação da Força Sindical, abrangendo desde a participação na aprovação da carta consulta até a aplicação de recursos próprios (com ações de capacitação integral dos beneficiários).

O depoimento prestado pelo gerente do Banco do Brasil em Piraju, o senhor Miguel Chibani Bakr, destaca a importância da atuação da Força:


Para liberar os recursos do financiamento, o depoente precisava de autorização da curadoria do Banco da Terra, representada pela Força Sindical. (fl. 4.036)

Em outubro de 2001, após diversas denúncias veiculadas na imprensa envolvendo a aquisição da Fazenda Ceres, o Ministério do Desenvolvimento Agrário determinou a realização de uma auditoria, designando os corréus João Cláudio de Souza, Jonas Jamil Lessa Lopes, Valtemir dos Santos e José Cristian do Carmo Mendes (excluído do pólo passivo da presente ação) para tal mister.

João Cláudio, Jonas, Valtemir e José Cristian elaboraram um relatório de acompanhamento e controle da fazenda Ceres, concluindo que:


(...)
5) A distribuição territorial do empreendimento, preconizado na Proposta de Financiamento, está condizente com todas as suas fases que devem ser consideradas no planejamento do uso do solo, dentre as quais, sustentabilidade econômica, financeira, técnica, ambiental e social;
6) De acordo com a Proposta de Financiamento, o empreendimento a ser desenvolvido no imóvel adquirido, Fazenda Ceres, demonstra viabilidade econômica;
7) O valor pago pelo imóvel, denominado Fazenda Ceres, financiado pelo BANCO DA TERRA, está perfeitamente enquadrado dentro do preço de mercado, não tendo havido, portanto, de acordo com o levantamento de preços realizado por esta equipe, superfaturamento.

(fls. 02/18 do Apenso XII)


As conclusões lançadas pelo relatório, além de se mostrarem totalmente dissociadas da realidade, não apresentaram qualquer fundamento teórico que lhes desse suporte. Trata-se, a bem da verdade, de documento produzido com a única finalidade de justificar as irregularidades já cometidas, com o nítido intuito de legalizá-las.

Depreende-se dos depoimentos prestados pelos corréus que não foram feitas análises aprofundadas para a elaboração do relatório, mas simples coleta e reunião de informações, sem qualquer rigor técnico.


2) PROPRIETÁRIOS/VENDEDORES DA FAZENDA CERES

Joaquim Fernandes Zuniga e Affonso Fernandes Suniga eram os antigos proprietários da Fazenda Ceres e decidiram vendê-la após serem consultados pelo corretor de imóveis Douglas Howthorne Ribas.

O corretor Douglas disse que procurou Joaquim e Affonso quando teve conhecimento de que a AMVAPA estava procurando uma fazenda para assentamento de trabalhadores mediante financiamento do Banco da Terra.

Alguns detalhes curiosos envolvendo a transação.

Affonso e Joaquim firmaram as "Declarações de Intenção de Venda" para a Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju/SP, relativa à Fazenda Ceres, em formulário padrão do Banco da Terra, pelo preço de R$ 2.300.000,00 (dois milhões e trezentos mil reais), em 28 de dezembro de 2000.

No entanto, apenas em 14 de janeiro de 2001 é que os agricultores pertencentes à associação referida aprovaram a compra da fazenda.

Também posteriormente foi apresentada a Proposta de Financiamento ao Banco da Terra, indicando o mesmo valor do imóvel, com base nos dados levantados pelos corréus Milton Camolesi e Anísio Silva.

Ou seja: tudo indica que houve um pré-acertamento do preço do imóvel, de forma a não haver qualquer empecilho na negociação.

O depoimento prestado pela testemunha Francisco de Assis Nogueira Rodrigues confirma este entendimento ao afirmar que:


O preço já estava definido. Não se lembra qual era o valor exato. Acho que era algo em torno de R$ 2.100.000,00 ou R$ 2.300.000,00. (fl. 4.029)

É interessante ressaltar que o mesmo imóvel (Fazenda Ceres) havia sido oferecido para venda três meses antes ao fazendeiro Nelson Monteiro de Souza, pelo valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) o alqueire, equivalente a R$ 1.239,60 (um mil, duzentos e trinta e nove reais e sessenta centavos) o hectare.

Esclarecedoras as informações colhidas do depoimento da testemunha João Pereira de Gusmão, membro da AAFFT que exercia, à época dos fatos, a função de secretário:


O depoente 'nasceu' agricultor. Deixou a lavoura aos 17 anos de idade para servir o exército. Depois voltou para a agricultura e quase perdeu tudo o que tinha na lavoura. A partir disso decidiu dedicar-se ao comércio e trabalhou como comerciante durante muitos anos, vendendo todo tipo de coisa. Resolveu voltar à agricultura quando soube do programa do Banco da Terra. O depoente é membro da associação de agricultores que adquiriu a Fazenda Ceres. Hoje ocupa a presidência da associação. Na época dos fatos narrados na inicial ocupava o cargo de secretário. Perguntado sobre como se deu o seu ingresso no programa do Banco da Terra e a escolha da Fazenda Ceres, passou a esclarecer o que segue. Durante a campanha eleitoral em que Maurício Pinterich era candidato para reeleição, passou fazendo campanha na casa em que morava o depoente. Maurício Pinterich 'bateu em sua porta', diz o depoente referindo-se à visita. Nessa ocasião, Maurício Pinterich disse ao depoente o seguinte: 'o Banco da Terra caiu no meu colo'. Com isso queria dizer que haveria oportunidade de agricultores da região tornarem-se proprietários. O depoente aguardou que o projeto começasse e quando viu no jornal o anúncio para as inscrições inscreveu-se no programa. Não havia sido admitido entre os 72 primeiros agricultores. Ficou como suplente. Nessa época trabalhava em Itapetininga. Quando foi chamado para integrar o grupo de 72 agricultores, a respeito do que foi avisado por sua esposa, já que não estava em Piraju, foi a Piraju e fez o cadastro na agência do Banco do Brasil. O funcionário do banco verificou que o depoente já tinha sido cliente, pois havia tomado um financiamento agrícola no passado, e que tinha uma boa ficha cadastral. O cadastro foi, então, aprovado. O depoente teve então de associar-se aos outros 71 agricultores e somente então é que passou a conhecê-los. Aceitou assumir o cargo de secretário da associação a pedido do então presidente, Julião Galhardo, e de Gervásio Pozza que era titular de uma das secretarias do Prefeito Maurício Pinterich. Disseram que a associação precisava de um secretário e por isso convidaram o depoente. Foi somente então que o depoente veio a saber que estava mais ou menos certa a compra da Fazenda Ceres. A compra somente ainda não tinha sido concretizada porque alguns associados tinham restrições de CPF e tiveram de ser substituídos. Além disso, iriam pedir a isenção do ITBI. O depoente, na qualidade de secretário, teve de assinar o pedido de isenção. O depoente já conhecia a Fazenda Ceres. O irmão do depoente foi amigo do administrador da Fazenda Ceres, Rafael Cassanho, por volta de 1977 ou 1978. Nessa época, o depoente foi encontrar seu irmão e acabou indo conhecer a fazenda. Lembra-se de que na parte boa da fazenda havia cultura de café e de que a parte ruim (maior parte da área), composta por morros e pedras, era utilizada para pasto. A pecuária não exige solo bom. Basta pasto e água. Não se lembra a quantidade de café que era produzida na época. Dizia-se que a produção era alta. A compra da fazenda foi acertada pela diretoria executiva da associação de agricultores antes de o depoente tornar-se secretário. Participaram da escolha da terra e da decisão quanto à compra da Fazenda Ceres o então presidente Julião Galhardo, o secretário municipal Gervásio Pozza e o prefeito Maurício Pinterich, na qualidade de presidente da AMVAPA. O depoente estava na época muito incomodado com o fato de que quando andava na rua as pessoas costumavam 'intimá-lo' perguntando se 'estava levando algum'. Contou a Julião Galhardo sobre essa sensação de incômodo perguntando a ele se havia alguma coisa errada com a compra da fazenda. Julião disse ao depoente que os comentários eram apenas 'intriga' de pessoas que não conseguiram participar do grupo e que já estava nervoso com os boatos. O depoente perguntou então a Julião por que ele não deixava a presidência da associação. Julião disse que não queria sair, pois sua intenção não era ficar na terra e apenas ocupar a presidência. Julião disse ao depoente que 'não precisava de terra'. O depoente gosta de ler tudo antes de assinar. Hoje que é presidente da associação de agricultores já sabe por que não 'deixaram que assinasse' a escritura de compra da Fazenda Ceres, muito embora estivesse presente ao ato da assinatura, já que estava no cartório no momento em que o documento foi assinado. Puseram o secretário-tesoureiro para assinar no lugar do depoente. Quando assinou o documento pedindo isenção de ITBI o depoente havia demorado uns quinze minutos para ler o documento. Alguém lhe disse na ocasião que o pessoal da diretoria executiva havia achado que o depoente seria 'carne de cabeça', ou seja, pessoa que iria dar trabalho, tendo em vista o tempo que levou lendo o pedido de isenção de ITBI. Esse é o motivo provável de não lhe terem deixado assinar a escritura de compra da fazenda. Ao ler o documento posteriormente, já na qualidade de presidente da associação, descobriu que a escritura foi passada por R$ 7.515,00 o alqueire, enquanto todo mundo da associação sabia que a compra da fazenda tinha sido acerta por R$ 5.500,00 o alqueire. O depoente acredita que se o tivessem deixado assinar a escritura, ele provavelmente teria lido o documento e visto que o valor era maior que o acertado e não teria assinado. Por isso é que provavelmente não o deixaram assinar o documento (fls. 4.046/4.051)

De tudo quanto apurado, é incontestável a participação dos doze corréus denunciados (MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO, MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, PAULO PEREIRA DA SILVA, JOÃO PEDRO DE MOURA, RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA, ANÍSIO SILVA, JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA, AFFONSO FERNANDES SUNIGA, VALTEMIR DOS SANTOS, JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA e JONAS JAMIL LESSA LOPES) nas irregularidades envolvendo a aquisição da Fazenda Ceres.

Para a compra do imóvel foram utilizados recursos públicos, sem que fossem respeitadas as condições impostas pela legislação.

Ao contrário do que determinam as regras legais, primeiramente eram realizados os atos e somente depois eram cumpridas as formalidades, com o nítido propósito de "encobrir" as falcatruas cometidas.

Como se já não bastasse a gravidade das condutas praticadas, os corréus prejudicaram inúmeras famílias de agricultores rurais, de pouca ou nenhuma instrução, que foram iludidas com a possibilidade de ter uma terra própria e dela extrair seu sustento.

Pessoas simples e trabalhadoras firmaram dívidas de aproximadamente R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), cada uma, com a ilusão de que o financiamento que lhes fora concedido seria pago com a produção.

Infelizmente, não foram informados de que a terra então adquirida estava muito longe de produzir o que foi divulgado.

A um só tempo foram feridos os princípios que regem a administração pública, especialmente os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, inscritos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, e configurados os atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, verbis:


Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV - celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)
XV - celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Por todo o exposto, está devidamente configurada a participação dos doze corréus denunciados (MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO, MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, PAULO PEREIRA DA SILVA, JOÃO PEDRO DE MOURA, RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA, ANÍSIO SILVA, JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA, AFFONSO FERNANDES SUNIGA, VALTEMIR DOS SANTOS, JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA e JONAS JAMIL LESSA LOPES), merecendo reforma a r. sentença recorrida na parte em que julgou improcedente a pretensão em relação aos corréus MIGUEL FRANCISCO SAEZ CÁCERES FILHO e RUBENS ROGÉRIO DE OLIVEIRA.


As disposições inscritas na Lei nº 8.429/92 aplicam-se tanto ao agente público (aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual) como àquele que, mesmo não ostentando tal condição, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta, como determinam os artigos 2º e 3º.

O artigo 12 da Lei nº 8.429/92 disciplina as sanções a serem aplicadas aos agentes que praticam os atos de improbidade, na medida de sua responsabilidade e levando em conta a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente - quando o caso, nos seguintes termos:


Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

A r. sentença recorrida aplicou as seguintes penalidades:


- aos Réus JOAQUIM FERNANDES ZUNIGA e AFFONSO FERNANDES SUNIGA, pela prática dos atos de improbidade descritos nos artigos 9º e 3º da Lei nº 8.429/92, foram impostas as sanções de (i) ressarcimento do dano causado, em solidariedade, decorrente de enriquecimento ilícito pelo recebimento de valor superfaturado da Fazenda Ceres, a ser revertido em favor da União Federal; (ii) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 2 (duas) vezes o valor do acréscimo patrimonial, em rateio, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (iii) suspensão dos direitos políticos, por 8 (oito) anos, e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 10 (dez) anos;
aos Réus MAURÍCIO DE OLIVEIRA PINTERICH, JOÃO PEDRO DE MOURA, MILTON CAMOLESI DE ALMEIDA e ANÍSIO SILVA, pela prática dos atos de improbidade descritos no artigo 10 da Lei nº 8.429/92, foram impostas as sanções de (i) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 1 (uma) vez o valor do acréscimo patrimonial apurado nos autos com a compra e venda da Fazenda Ceres, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (ii) suspensão dos direitos políticos, por 5 (cinco) anos, e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 5 (cinco) anos;
ao Réu PAULO PEREIRA DA SILVA, pela prática do ato de improbidade administrativa de que trata o artigo 10 da Lei nº 8.429/92, foram aplicadas as sanções de (i) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 1 (uma) vez o valor do acréscimo patrimonial apurado nos autos com a compra e venda da Fazenda Ceres, em rateio com os Réus indicados no item b, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (ii) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 5 (cinco) anos;
aos Réus JOÃO CLÁUDIO DA SILVA SOUZA, VALTEMIR DOS SANTOS e JAMIL LESSA LOPES, pela prática do ato de improbidade administrativa inscrito no artigo 11 da Lei nº 8.429/92, foram impostas as sanções de (i) pagamento de multa civil, a ser revertida para a União, fixada em 5 (cinco) vezes o valor das suas respectivas remunerações da época, incidindo sobre o montante correção monetária pelo INPC, a partir da publicação da sentença, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação; (ii) suspensão dos direitos políticos por 3 (três) anos e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, por 3 (três) anos.

Os Réus foram condenados, ainda, a pagar custas processuais em rateio e honorários advocatícios, em rateio, fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), nos termos do artigo 20, § 3º do Código de Processo Civil.

As sanções impostas foram aplicadas com razoabilidade e proporcionalidade, considerando as condutas praticadas por cada um dos Réus, merecendo algumas alterações nos pontos a seguir indicados.

Requerem a UNIÃO FEDERAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL a reforma parcial da sentença para que os corréus Maurício de Oliveira Pinterich, João Pedro de Moura, Milton Camolesi de Almeida, Anísio Silva e Paulo Pereira da Silva sejam condenados à pena de ressarcimento de danos, vez que suas condutas foram determinantes para a compra superfaturada da Fazenda Ceres.

Os recursos não merecem ser providos neste item.

As provas colhidas nos autos, embora atestem que os Réus tiveram participação decisiva na compra da Fazenda Ceres, valendo-se das funções então exercidas para alcançar suas finalidades, não autorizam concluir que eles obtiveram qualquer vantagem econômica pessoal. Nada foi demonstrado neste sentido, sendo desproporcional a aplicação da pena de ressarcimento e suficientes as sanções já impostas.

Requerem o acolhimento dos recursos, ainda, para que sejam alteradas as penas de multa imputadas aos corréus Maurício de Oliveira Pinterich, João Pedro de Moura, Milton Camolesi de Almeida, Anísio Solva e Paulo Pereira da Silva, fixando-a em 1 (uma) vez o valor do acréscimo patrimonial para cada réu, e não em rateio como determinado pelo juízo.

Com razão os apelantes.

A multa prevista na lei de improbidade tem natureza civil, sancionatória e caráter educativo, devendo ser aplicada a cada um dos réus no valor fixado pelo juízo a quo, não em rateio, mas individualmente.

Embora para efeitos de análise tenham sido destacados os diversos núcleos decisórios (AMVAPA, Força Sindical, Prefeitura de Piraju, Banco da Terra, proprietários da Fazenda), as condutas dos Réus foram individualizadas e configuram, cada uma, atos graves de improbidade a ensejar a responsabilidade individual, inclusive na fixação da multa.

Insurgem-se também contra a não aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos em relação a Paulo Pereira da Silva, ao fundamento de que sua incidência não está atrelada à atuação do réu como agente político, mas é pautada pela gravidade do ato de improbidade administrativa. De mais a mais, alegam que o Réu Paulo Pereira da Silva, ao contrário do que consta na sentença, atuou com nítida roupagem de agente político, representando o Estado na implementação de políticas agrárias.

De início, cumpre destacar que a aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos não está vinculada à atuação do réu como agente político, sendo equivocado afirmar que ela só se aplica aos casos em que comprovado o nexo entre a função exercida e a irregularidade praticada.

Certamente não foi esta a pretensão do legislador porque se o fosse tornaria expressa tal condição, considerando sua natureza restritiva a direito fundamental expressamente consagrado no texto constitucional.

A pena de suspensão deve ser aplicada em razão da gravidade do ato e considerando a proporcionalidade em relação à conduta do agente.

O réu Paulo Pereira da Silva, na condição de Presidente da Força Sindical, ratificou inúmeras irregularidades cometidas na aquisição da Fazenda Ceres, não tomando as cautelas devidas e desejadas de um agente político.

No entanto, sua participação nos fatos não enseja a aplicação da pena de suspensão, com todas as conseqüências daí decorrentes, especialmente a sua condição atual, de deputado federal eleito democraticamente.

Pelas mesmas razões, deve ser acolhido o pedido formulado pelo Réu João Pedro de Moura para que seja afastada a pena de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) anos, por se revelar medida desproporcional às irregularidades cometidas.

Por fim, insurgem-se o Ministério Público Federal e a União Federal contra a não quantificação do dano pelo juízo sentenciante, sob a alegação de que há elementos suficientes nos autos para sua apuração, especialmente os dados apurados pelo Perito Judicial.

Também aqui com razão.

As provas documentais e pericial juntadas aos autos são claras e expressas ao apontar o exato valor do dano causado ao patrimônio público, qual seja, R$ 1.150.000,00 (hum milhão, cento e cinqüenta mil reais), equivalente a 54% (cinqüenta e quatro por cento) do valor da venda da Fazenda Ceres, não havendo justificativa a postergar a fixação para a fase executiva.

Em face de todo o exposto, nego provimento ao agravo retido, rejeito a matéria preliminar, nego provimento às apelações dos réus e dou parcial provimento às apelações do Ministério Público Federal e da União Federal para estipular o pagamento de multa civil aos corréus Maurício de Oliveira Pinterich, João Pedro de Moura, Milton Camolesi de Almeida, Anísio Solva e Paulo Pereira da Silva, fixando-a em 1 (uma) vez o valor do acréscimo patrimonial para cada réu, assim como para quantificar o dano causado, no valor de R$ 1.150.000,00 (hum milhão, cento e cinqüenta mil reais), equivalente a 54% (cinqüenta e quatro por cento) do valor da venda da Fazenda Ceres, bem como dou parcial provimento à apelação de João Pedro de Moura para afastar a condenação de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, na forma da fundamentação.

Traslade-se cópia desta decisão aos autos da Medida Cautelar nº 0000021-07.2003.4.03.6125 e do Agravo de Instrumento nº 0013661-17.2006.4.03.0000 em apenso.

É como voto.







Consuelo Yoshida
Desembargadora Federal


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