D.E. Publicado em 29/07/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do voto do Juiz Federal Convocado Fernão Pompêo (Relator). Acompanharam o Relator os Desembargadores Federais Luiz Stefanini (em antecipação de voto) e André Nekatschalow (em voto vista, pela conclusão), o Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita, e a Desembargadora Federal Cecília Marcondes (Presidente da Seção - art. 158, III, do RITRF 3R). Divergiram, para negar provimento ao recurso, os Desembargadores Federais Paulo Fontes (em antecipação de voto), Cotrim Guimarães (deu-se por esclarecido para votar), Antonio Cedenho, e o Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira. Deixaram de votar, por estarem ausentes quando da leitura do relatório, os Desembargadores Federais Peixoto Júnior, Cecília Mello, José Lunardelli e Nino Toldo.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Em que pese a profunda admiração e respeito que nutro pelo ilustre Relator, Juiz Federal Convocado Fernão Pompêo, ousei divergir de Sua Excelência, apresentando a seguir os fundamentos do meu voto. Para tanto, reporto-me ao relatório já apresentado a este colegiado.
Entende o ilustre Relator que os presentes embargos infringentes devem ser providos, restabelecendo-se a sentença de primeiro grau que julgou procedente a pretensão possessória dos autores, para seguir o entendimento já adotado por esta Primeira Seção no julgamento dos embargos infringentes interpostos na ação declaratória nº 2001.60.00.003866-3 e nas ações possessórias a ela conexas - como é o caso da presente ação.
Naquela ocasião este colegiado decidiu, por maioria, que deveria prevalecer o voto vencido da lavra da eminente Desembargadora Federal Suzana Camargo, adotando o entendimento ali sufragado de que as terras em questão, inseridas no perímetro objeto do procedimento demarcatório da Terra Indígena Buriti, não poderiam ser definidas como terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, nos moldes ditados pelo artigo 231 da Constituição Federal, porque na data da sua promulgação (05/10/1988) "já não eram ocupadas por indígenas e a posse dos autores era exercida pacificamente de há muitos anos". Tal raciocínio fundamentou-se na premissa de que o referido instituto constitucional insculpido no § 1º do artigo 231 da Lei Maior já teria sido interpretado pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, limitando-se exclusivamente às situações fáticas de presença física indígena na terra encontradas naquela data.
Lidamos, portanto, com o conceito de "marco temporal", aludido dentre as dezenove condicionantes elencadas no julgamento da Pet 3388 pela Corte Suprema, atinente ao emblemático caso Raposa Serra do Sol, condicionantes que, em princípio, passariam a nortear genericamente as demarcações de terras indígenas no país, direcionadas tanto ao Executivo quanto ao Judiciário na análise do tema.
Contudo, peço vênia para discordar da aplicação, neste momento, daquela interpretação conferida por esta Primeira Seção no julgamento da ação declaratória nº 2001.60.00.003866-3 e das demais ações possessórias que envolvem o conflito em torno da região de Buriti, a mesma adotada no voto vencido que se busca fazer prevalecer por meio dos embargos infringentes ora em análise.
A meu ver, a afirmação de que a ausência física da comunidade indígena de Buriti na área a ser demarcada indicaria a ausência de posse tradicional, impedindo assim o reconhecimento da natureza indígena das terras e, consequentemente, sua demarcação, denota uma interpretação equivocada do chamado "marco temporal" estipulado no julgamento da referida Ação Popular pelo Supremo Tribunal Federal. Com efeito, uma análise mais detida da ementa e dos votos ali proferidos revela que a questão não foi posta de maneira tão simples.
Em verdade, o Pretório Excelso consignou que a aferição da tradicionalidade, a fim de se constatar a existência do direito indígena originário de posse sobre uma determinada gleba de terra, não está vinculada à presença física da comunidade na área, ressalvando expressamente que tal verificação deve ocorrer casuisticamente, afastando-se o critério do chamado "marco temporal" nas hipóteses em que os indígenas tenham sido expulsos das terras por força de renitente esbulho praticado por não-índios.
De fato, interpretação como a que querem fazer prevalecer os embargantes indicaria um entendimento contraditório com a própria vontade da Constituição, que quis efetivamente garantir direitos históricos das comunidades indígenas. Ao se estabelecer uma situação de fato existente em outubro de 1988 como o norte do reconhecimento desses direitos, estaríamos vedando qualquer possibilidade de reparo de situações de injustiça, situações de expropriação dessas comunidades indígenas acontecidas no decorrer dos séculos XIX e XX, que foram palco de disputas fundiárias muito intensas e que, muitas vezes, não foram levadas adiante pelos índios até por um caráter sociológico, digamos, mais pacífico da comunidade. E, a meu ver, é esse o caso dessa comunidade Terena de Buriti.
Limitar-se genericamente a esse marco temporal para afirmar que uma comunidade indígena como um todo está restrita a cerca de 2.000 hectares de terra, sem uma análise maior, mais abrangente das especificidades históricas da lide, parece-me realmente preocupante.
Desse modo, não reputo correta a premissa de que o Supremo Tribunal Federal consolidara o entendimento de que o conceito de terra tradicionalmente ocupada previsto no artigo 231 da Constituição Federal - parâmetro para o reconhecimento do direito originário de posse indígena e para a atividade administrativa de demarcação das terras indígenas - teria genérica limitação na condicionante do "marco temporal", relativo à data da promulgação do texto constitucional.
Ao contrário, naquela mesma oportunidade, como dito, abordou-se expressa exceção a esse limite, contrapondo-se o "marco temporal da ocupação" ao "marco da tradicionalidade da ocupação", como se infere do seguinte trecho da ementa daquele julgado (grifei):
"(...) 11. O CONTEÚDO POSITIVO DO ATO DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. 11.1. O marco temporal de ocupação. A Constituição Federal trabalhou com data certa -- a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) -- como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. 11.2. O marco da tradicionalidade da ocupação. É preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios. Caso das "fazendas" situadas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja ocupação não arrefeceu nos índios sua capacidade de resistência e de afirmação da sua peculiar presença em todo o complexo geográfico da "Raposa Serra do Sol". (...) O que termina por fazer desse tipo tradicional de posse um heterodoxo instituto de Direito Constitucional, e não uma ortodoxa figura de Direito Civil. Donde a clara intelecção de que OS ARTIGOS 231 E 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL CONSTITUEM UM COMPLETO ESTATUTO JURÍDICO DA CAUSA INDÍGENA. 11.4. O marco do conceito fundiariamente extensivo do chamado "princípio da proporcionalidade". A Constituição de 1988 faz dos usos, costumes e tradições indígenas o engate lógico para a compreensão, entre outras, das semânticas da posse, da permanência, da habitação, da produção econômica e da reprodução física e cultural das etnias nativas. O próprio conceito do chamado "princípio da proporcionalidade", quando aplicado ao tema da demarcação das terras indígenas, ganha um conteúdo peculiarmente extensivo.
12. DIREITOS "ORIGINÁRIOS". Os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam foram constitucionalmente "reconhecidos", e não simplesmente outorgados, com o que o ato de demarcação se orna de natureza declaratória, e não propriamente constitutiva. Ato declaratório de uma situação jurídica ativa preexistente. Essa a razão de a Carta Magna havê-los chamado de "originários", a traduzir um direito mais antigo do que qualquer outro, de maneira a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, mesmo os materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação de posse em favor de não-índios. Atos, estes, que a própria Constituição declarou como "nulos e extintos" (§ 6º do art. 231 da CF). (...)" (Pet 3388, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009 REPUBLICAÇÃO: DJe-120 DIVULG 30-06-2010 PUBLIC 01-07-2010 EMENT VOL-02408-02 PP-00229 RTJ VOL-00212- PP-00049)
A propósito, é importante anotar que a Corte Suprema recentemente julgou os embargos de declaração opostos em face do citado acórdão sob relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, em sessão realizada em 23/10/2013, quando, especificamente provocado a dizer se as condicionantes ali estipuladas se aplicariam a outras comunidades e terras indígenas, o Plenário esclareceu pontualmente essa questão, afirmando que as dezenove condicionantes firmadas na apreciação do caso Raposa Serra do Sol - dentre as quais o limite do marco temporal - não são de aplicação vinculante ou obrigatória às demais causas que envolvam a questão indígena, mormente a posse e demarcação das terras tradicionalmente ocupadas, seja em direção aos tribunais, seja ao Poder Executivo, conforme se lê na seguinte ementa (grifei):
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO POPULAR. DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. 1. Embargos de declaração opostos pelo autor, por assistentes, pelo Ministério Público, pelas comunidades indígenas, pelo Estado de Roraima e por terceiros. Recursos inadmitidos, desprovidos, ou parcialmente providos para fins de mero esclarecimento, sem efeitos modificativos. 2. Com o trânsito em julgado do acórdão embargado, todos os processos relacionados à Terra Indígena Raposa Serra do Sol deverão adotar as seguintes premissas como necessárias: (i) são válidos a Portaria/MJ nº 534/2005 e o Decreto Presidencial de 15.04.2005, observadas as condições previstas no acórdão; e (ii) a caracterização da área como terra indígena, para os fins dos arts. 20, XI, e 231, da Constituição torna insubsistentes eventuais pretensões possessórias ou dominiais de particulares, salvo no tocante à indenização por benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (CF/88, art. 231, § 6º). 3. As chamadas condições ou condicionantes foram consideradas pressupostos para o reconhecimento da validade da demarcação efetuada. Não apenas por decorrerem, em essência, da própria Constituição, mas também pela necessidade de se explicitarem as diretrizes básicas para o exercício do usufruto indígena, de modo a solucionar de forma efetiva as graves controvérsias existentes na região. Nesse sentido, as condições integram o objeto do que foi decidido e fazem coisa julgada material. Isso significa que a sua incidência na Reserva da Raposa Serra do Sol não poderá ser objeto de questionamento em eventuais novos processos. 4. A decisão proferida em ação popular é desprovida de força vinculante, em sentido técnico. Nesses termos, os fundamentos adotados pela Corte não se estendem, de forma automática, a outros processos em que se discuta matéria similar. Sem prejuízo disso, o acórdão embargado ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em se cogite da superação de suas razões. (Pet 3388 ED, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 23/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-023 DIVULG 03-02-2014 PUBLIC 04-02-2014)
Portanto, ainda que tenha sido assumida como marco temporal a data da promulgação da Constituição Federal, a Corte Suprema acrescentou de forma clara a esse critério que as áreas não ocupadas fisicamente por comunidades indígenas no dia 05/10/1988 em decorrência de persistente esbulho por parte de não-índios (seja por atos estatais, seja de particulares) não perdem a condição de terras de ocupação tradicional. Assim, a titulação privada de domínio que remonta à data anterior a esse marco, ou mesmo a presença física de não-índios e a comercialização dessas terras, ainda que vindas de décadas atrás, não desconstituem o direito indígena.
Nesse sentido, inclusive, seguiu a corrente vencida neste colegiado por ocasião do julgamento da ação declaratória nº 2001.60.00.003866-3, explicitada no voto-vista apresentado pelo eminente Desembargador Federal Antonio Cedenho, do qual ressalto alguns trechos elucidativos (grifei):
"Compartilho do entendimento do Ilustre Relator, Desembargador Federal Nelton dos Santos, na parte em que se expressou no sentido de que o julgamento destes Embargos Infringentes deve reger-se pela orientação dada pelo C. STF quando do julgamento da Pet. nº 3.388.
Ocorre que, restringir a leitura dessa decisão histórica à sua ementa pode conduzir o leitor a uma interpretação limitada sobre a matéria, qual seja, a de que o marco temporal da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene seria a data da promulgação da Constituição Federal (05/10/1988), uma vez que está expressamente consignado no item 11 da referida Ementa , transcrita pelo I. Relator (fl. 5.479).
Mas o exame cuidadoso dos Votos dos Ilustres Ministros da Corte Constitucional revela que tal julgamento não se limitou à data de 05/10/88, estendendo-se até alcançar os primórdios da formação do Estado Brasileiro. Para essa compreensão, considero necessário trazer as questões que foram apreciadas e julgadas pelo STF nos autos da noticiada Ação Popular, que pretendia a desconstituição da demarcação contínua da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol (Petição nº 3.388), em sessão realizada em 19/03/2009, mesmo porque, conforme ressaltou em seu voto o Ministro Marco Aurélio "Não restam dúvidas, porém, que a conclusão adotada na presente ação norteará a atuação da Corte nas demais."
(...) Prosseguindo, entendo que o marco temporal de 05/10/88 não é o único critério definidor das terras indígenas, válido apenas para impedir a ocupação de outras propriedades ou a migração das comunidades indígenas, a partir dessa data.
Isso porque, limitar o direito às terras àqueles indígenas que já estavam na posse de determinada área importaria em excluir dessa proteção os que delas foram desapossados e, com isso, legitimar os atos nulos praticados pelo Estado do Mato Grosso, no caso, que transferiu aos particulares o que não lhe pertencia, já que de terras devolutas não se tratavam, situação que o Poder Judiciário não pode legitimar.
Assim, permitir a data de 05/10/88 como o único sinal de ocupação que se põe para o estabelecimento de limites territoriais indígenas, é aceitar o pressuposto utilitarista do Direito, consistente em pesar custos e benefícios de determinado fato e apenas esperar uma avaliação mais ampla das conseqüências sociais, tendentes a acomodação.
Mas o que se exige da Justiça é muito mais, dela se requer diretrizes que corrijam as desvantagens sociais e econômicas, pois na moldura do caso em questão o afastamento dos índios, embora paulatino, não foi voluntário.
Nesse quadro, reitero a manifestação do Ministro Eros Grau, já transcrita acima: "Repito: essas terras são protegidas contra os esbulhos posteriores à Constituição de 1988, mas também contra elas são inválidos e de nenhum efeito os títulos de propriedade anteriores." (destaquei)
De igual forma, considero relevante a manifestação da I. Desembargadora Federal Ramza Tartuce, em sua Declaração de Voto, apresentada por ocasião do julgamento das Apelações Cíveis interpostas nestes autos pela União Federal, FUNAI e MPF (fls. 4.599/4.608 - volume 20):
"(...)
E, no caso, não consta que a área objeto desta ação seja área de extinto aldeamento indígena.
Não consta tenham os indígenas deixado de ocupá-la algum dia, por vontade própria e em passado remoto, ali retornando após o decurso de tempo suficiente para justificar o título de domínio defendido pelos autores nestes autos.
Não consta, ainda, que a área em questão tenha sido declarada terras devolutas para habilitar a alienação feita pelo Estado aos autores e imprimir eficácia ao título de domínio lavrado em favor dos autores.
(...)" (fl. 4.600)
Na hipótese dos autos, conforme a prova testemunhal, o desapossamento restou comprovado através dos depoimentos, um deles "do indígena Armando Gabriel, nascido em 1918, sendo o cacique mais antigo dos Terenas", transcrito na sentença (fl. 4.152). Portanto, a retirada não ocorreu sponte propria.
(...) Portanto, a questão das terras indígenas ultrapassa os conceitos civilistas de posse e propriedade para alcançar foros de garantia constitucional, contexto no qual deve ser analisado e julgado o inconformismo recursal que ora se aprecia.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO aos Embargos Infringentes."
Na mesma linha seguiu o julgamento majoritário dos recursos de apelação aqui reapreciados, com esteio no voto-condutor do eminente Desembargador Federal André Nabarrete, acompanhado pela ilustre Desembargadora Federal Ramza Tartuce, de cuja ementa se extrai a conclusão - fundada nos elementos probatórios destes autos e daqueles em que deduzida a pretensão declaratória dos particulares - de que ficara demonstrado o caráter originário da presença dos índios nas terras, prevalecendo assim seu direito constitucionalmente assegurado:
"(...) - As terras não foram desocupadas espontaneamente, mas foram obtidas por meio de inegável expulsão dos indígenas. O contato dos Terena com as terras do Buriti, não obstante a expulsão e o confinamento, jamais se extinguiu e continua vivo até os dias atuais.
- A final, a conclusão dos estudos designados pelo Juízo na ação declaratória n.º 2001.60.00.003866-3 foi peremptória no sentido de que a área periciada pode ser conceituada como de tradicional ocupação indígena.
- Quanto ao cabimento da conceituação jurídica das terras da região do Buriti como tradicionalmente ocupadas pelos Terena, o conhecido Alvará Régio de 1º de abril de 1680, estendido posteriormente, em 1758, a todo o Brasil reconheceu como originário o direito dos índios às próprias terras, fonte primária e congênita da posse. (...) Conseqüentemente, as alienações feitas a particulares pelo Estado de Mato Grosso do Sul das terras dos Terena como se fossem devolutas não têm legitimidade, bem assim os títulos acostados aos autos e a cadeia dominial derivada, independentemente da boa fé dos adquirentes."
Por todo o exposto, penso não ser correta a assertiva genérica de impossibilidade de demarcação de terras indígenas, por não se enquadrarem de antemão no conceito de ocupação tradicional, no caso de formal titulação civil por particulares e ausência de ocupação física por indígenas na data da promulgação da atual Constituição, em especial por não ser essa a exata interpretação dada ao tema pelo Supremo Tribunal Federal.
Assim, diante desses desdobramentos e, sobretudo, dessa análise feita pela Corte Constitucional acerca do valor jurídico daquelas condicionantes firmadas no caso Raposa Serra do Sol, entendo que podemos chegar à adoção de diverso entendimento na apreciação dos presentes embargos infringentes.
Destarte, julgo que não há como prevalecer o entendimento sufragado no voto vencido a propósito do não reconhecimento do direito do grupo indígena Terena à posse da área objeto da discussão.
E outra questão a ser destacada diz respeito ao fato de que o julgamento da ação declaratória ainda não é definitivo, estando pendentes de apreciação pelas cortes superiores os recursos excepcionais interpostos pelas partes. Nessa esteira, julgo de certo modo temerário o provimento dos presentes embargos infringentes, para julgar procedente o pedido de reintegração de posse, entendendo que seria mais prudente manter o estado atual da situação ao revés de determinar a desocupação dessas áreas pela comunidade.
Ainda que se deva buscar, sem dúvida, a coerência entre decisões judiciais, em especial nas hipóteses de ações conexas, como é o caso, entendo que o julgamento da ação declaratória não deve, necessariamente, condicionar a análise do conflito possessório, mormente por se tratar de julgamento ainda não definitivo e proferido antes da mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal nos embargos declaratórios opostos no caso Raposa Serra do Sol.
Por fim, aponto ainda uma terceira questão a fundamentar minha divergência em relação ao voto do ilustre Relator, relativa ao meu posicionamento quanto à carência de ação dos autores da demanda declaratória, dentre os quais os ora embargantes, ante a falta de interesse jurídico-processual e legitimidade para o manejo de pedido de declaração da inexistência de posse tradicional indígena sobre a área objeto de demarcação administrativa pela União.
Anoto que a ação declaratória em comento foi movida antes da edição da portaria do Ministério da Justiça que declarou a área como de posse permanente da comunidade indígena, sobrevinda já no curso do processo (Portaria n° 3.079, de 28/09/2010).
Ainda que se possa aferir direto interesse econômico dos particulares detentores dos imóveis rurais inseridos na área a ser demarcada como terra indígena, tal interesse não se traduz na legitimidade e interesse processuais para demandar previamente no Judiciário pedido declaratório naqueles termos, como inclusive já decidiu este Tribunal em caso semelhante (grifei):
"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. AÇÃO DECLARATÓRIA QUE OBJETIVA PRONUNCIAMENTO JUDICIAL NO SENTIDO DE QUE AS TERRAS EM QUESTÃO SÃO PARTICULARES E NÃO TERRAS PÚBLICAS INDÍGENAS. (...) DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE ASSEGURA AOS ÍNDIOS O DIREITO À DEMARCAÇÃO DE SUAS TERRAS. COMUNIDADE KAIOWA, DESCENDENTE DOS ÍNDIOS GUARANI, QUE SEMPRE HABITARAM A TERRA INDÍGENA GUYRAROKA, ONDE ESTÁ LOCALIZADA A FAZENDA CANA VERDE, NO MUNICÍPIO DE CAARAPÓ/MS, DA QUAL O AGRAVADO É DETENTOR DO DOMÍNIO. INOCORRÊNCIA DE HIPÓTESE DE EXTINTO ALDEAMENTO INDÍGENA. PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE GOZA DE PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE E VERACIDADE E QUE RESPEITOU O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. AGRAVO NÃO CONHECIDO COM RELAÇÃO À FUNAI E PROVIDO QUANTO À UNIÃO FEDERAL. (...) III - A prova de domínio particular não impede o processo administrativo de demarcação das terras indígenas, devendo tal alegação ser apreciada pela Administração. IV - Em razão do princípio federativo que impõe a separação e a harmonia entre os Poderes, não cabe ao Judiciário antecipar-se na apreciação das provas do alegado domínio sobre as terras indígenas, ainda que preventivamente, através de ação declaratória, sendo o autor carecedor da ação. V - Segundo as disposições contidas no artigo 231, caput, e §§ 2º, 4º e 6º, da Constituição Federal, a posse e o domínio privado não impedem a demarcação das terras indígenas, mas apenas asseguram o direito à indenização das benfeitorias de boa-fé e da propriedade, esta se anterior à Carta Constitucional de 1934. VI - Tutela antecipada que, ademais de concedida por decisão nula, violou o princípio federativo e desconsiderou a absoluta falta de relevância dos fundamentos da ação subjacente. VII - A demarcação das terras indígenas decorre de imperativo constitucional (arts. 231 e 67 do ADCT). VIII - Segundo se deflui dos autos, não se trata de extinto aldeamento indígena, uma vez que os índios da comunidade KAIOWA, descendente dos índios Guarani, sempre habitaram a região. IX - No cumprimento das determinações constitucionais a FUNAI tem empreendido, através de processos administrativos, o itinerário de identificação e delimitação dessas terras, o mesmo ocorrendo com relação à terra indígena GUYRAROKA, localizada no Município de Caarapó/MS. X - Os atos administrativos gozam da presunção de legalidade e veracidade. XI - Eventual irregularidade na demarcação não está imune ao controle do judiciário. XII - O processo demarcatório suspenso pela decisão agravada não implica a perda imediata da posse. Inexistência de dano irreparável ou de difícil reparação (CPC, art, 273, I) que justificasse a concessão de tutela antecipada. XIII - Agravo não conhecido com relação à FUNAI e provido quanto à UNIÃO FEDERAL." (TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, AI 0064533-70.2005.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HENRIQUE HERKENHOFF, julgado em 09/12/2008, e-DJF3 Judicial 2 DATA:18/12/2008 PÁGINA: 165)
A corrente jurisprudencial acima expressada, a que me filio, entende não ser possível o ajuizamento de ações declaratórias para dizer se uma determinada área é ou não indígena, antes mesmo de o Poder Executivo, no exercício de suas atribuições legais e constitucionais, ter concluído os respectivos estudos, integrantes de procedimentos complexos que exigem, por exemplo, a confecção de laudos técnicos históricos e antropológicos.
Contudo, diante até da existência de uma situação histórica de conflitos sociais já instalados, os produtores rurais eventualmente se antecipam e batem à porta do Poder Judiciário para obter a tutela declaratória, muitas vezes com um suporte fático-probatório muito menor e num âmbito de cognição mais restrito do que aquele propiciado no procedimento de demarcação da terra indígena, e que poderá vir a ser judicializado após a atuação administrativa do Poder Executivo declarando a existência ou não de posse tradicional na área estudada, seara na qual deve ser instaurada a questão, ao menos de forma inicial.
Assim, encontramos na jurisprudência essa ressalva de que permitir ao Poder Judiciário antecipar-se à conclusão do procedimento administrativo de demarcação, declarando uma área como não indígena e fechando a questão sob o manto da coisa julgada, implicaria, inclusive, ofensa ao princípio da separação dos poderes.
Ante todo o exposto, nego provimento aos embargos infringentes, para manter o julgamento de improcedência do pedido inicial de reintegração de posse.
É COMO VOTO.
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VOTO-VISTA
O Eminente Juiz Federal Convocado Fernão Pompêo deu provimento aos Embargos Infringentes para fazer prevalecer o voto vencido (fls. 1.750/1.755).
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VOTO
Trata-se de embargos infringentes opostos pelos apelados, em face do V. acórdão proferido pela Quinta Turma desta E. Corte que reformou, por maioria de votos, nos autos da ação de reintegração de posse, a sentença monocrática, ao dar provimento às apelações da União Federal e do Ministério Público Federal, para "julgar improcedente a ação e cassar quaisquer liminares que tenham sido concedidas aos autores", vencida a Senhora Relatora, que dava parcialmente provimento às apelações da União Federal e da FUNAI, apenas para determinar a exclusão da multa diária cominada na sentença, e negava provimento ao recurso do Ministério Público Federal.
Pleiteiam, pois os embargantes a prevalência do voto vencido.
Após apresentar relatório, o qual eu adoto, o E. Relator deu provimento ao presente recurso, para prevalecer o voto vencido.
Destaca-se que o presente feito está vinculado ao proc. Nº 2001.60.00.003866-3, já julgado nesta C. Corte.
A matéria é complexa de forma que após a colheita dos votos dos E. pares que integram esta C. Seção, observou-se o empate.
A parte embargante, autora na presente relação jurídica processual, defende a prevalência do voto vencido, sob o fundamento de que as áreas objeto do presente feito não se enquadram no conceito de "terras tradicionalmente ocupadas por índicos" nos termos dos ditames constitucionais.
Registra-se que na ação declaratória, Proc. 2001.60.00.003866-3, já julgada prevaleceu o voto vencido, tendo em vista o fato de que na data da promulgação, não constituía aldeamento indígena, as terras objeto de discussão.
Pois bem, para dar início à análise do presente feito, mister se faz examinar os ditames do ordenamento pátrio que regem a matéria, bem como os fatos discutidos nos respectivos autos, para solução da lide.
De acordo com os ditames da Constituição Federal de 1988, em seus arts. 231 e 232, resta estabelecido que:
"Art. 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
§ 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.
Art. 232 - Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo."
Por outro lado, a Súmula 650 do C. Supremo Tribunal Federal estabelece que:
"Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto."
Assim, observa-se que o Constituinte estabeleceu as condições para garantir o direito dos silvícolas às terras consideradas aldeamentos indígenas, a saber, que estejam na posse do indígenas, na data da promulgação da Constituição Federal, que sejam utilizadas para suas atividades produtivas e que tais terras sejam imprescindíveis para a preservação dos recursos ambientais e a seu bem-estar.
De outra banda, mister se faz atentar ao instituto jurídico das sesmarias, de origem portuguesa que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção. O Estado, recém-formado e sem capacidade para organizar a produção de alimentos, decidiu legar a particulares essa função.
Destaca-se que este sistema surgira em Portugal durante o século XIV, com a Lei das Sesmarias de 1375, criada para combater a crise agrícola e econômica que atingia o país e a Europa, e que a peste negra agravara.
Quando da conquista do território brasileiro efetivado a partir de 1530, o Estado português decidiu utilizar o sistema sesma rial em território brasileiro, com algumas adaptações.
Assim, a partir do momento em que chegaram ao Brasil os capitães-donatários, titulares das capitanias hereditárias, a distribuição de terras a sesmeiros (em Portugal era o nome dado ao funcionário real responsável pela distribuição de sesmarias, no Brasil, o sesmeiro era o titular da sesmaria) passou a ser prioridade, pois a sesmaria é que iria garantir a instalação das atividades agrícolas na colônia.
Desta feita, a função primordial do sistema de sesmarias era estimular a produção. Desta feita, quando o titular da propriedade não iniciava a produção dentro dos prazos estabelecidos, seu direito de posse poderia ser cassado.
Pois bem, consoante bem colocado pela E. Desembargadora Federal Suzana Camargo, com base nas lições de Linhares de Lacerda, (Tratado das Terras do Brasil, Vol. III Rio de Janeiro, Ed. Alba, 1960, pg. 124), por meio de Lei Imperial nº 1114/1860, foram revalidadas as vendas de terras já efetuadas com respectiva regularização das áreas situadas nas Províncias do Amazonas, Pará, Paraná e Mato Grosso.
Cumpre ser asseverado que, consoante também destacado pela E. Julgadora, o Estado de Mato Grosso, em 14/11/1928, editou Decreto 834/28 reservando aos índios Terena, 2.090 hectares, onde foram assentados, desde então, sendo a referida demarcação se encontra registrada em Cartório sob o nº 9.258 (doc. fls. 422/423 do Proc. 2001.60.00.003866-3).
Assim sendo, conclui-se que terras foram distribuídas àqueles que tinham interesse em exercer atividades agrícolas pelos vários estados federativos, inclusive Mato Grosso.
Pois bem, analisando os respectivos autos, observa-se que a autora, ora embargante, sob a alegação de que é proprietária da Fazenda Alegre, situada no Município Sidrolândia/MS, afirma que o referido imóvel foi objeto de esbulho pelos silvícolas de origem Terena, da Aldeia de Buriti, os quais integram o polo passivo da presente relação jurídica processual.
Analisando as provas juntadas nos respectivos autos, verifica-se que tais índios não ocupavam, na data da promulgação da CF/88, a área, objeto da demanda, cuja titularidade se encontra nas mãos dos não índios há muitas décadas.
Conforme está demonstrado nos respectivos autos, os indígenas invadiram as áreas objeto de litígio em 30/06/2003, conforme Boletim de Ocorrência 410/2003. Também é constatado que os silvícolas chegaram às terras pelos fundos e rumaram à Sede do imóvel.
Portanto, não se encontravam na posse das terras.
Ademais, ainda que a parte autora deste feito não integre o Proc. Nº 2001.60.00.00386 de acordo com o laudo pericial apresentado 6-3, ao analisar a área, objeto de conflito, os peritos afirmam que "os atuais proprietários exerciam posse pacífica destas terras até 1999, tendo-as adquirido de boa-fé e mantendo boa relação com os Terena". (fls. 2.493 do ref. Proc. juntado às fls. 964 do presente feito)
Por outro lado, observa-se que a titularidade dos autores de parte das terras se deu em 05/05/69, comprovada por meio de escritura onde se verifica os limites do imóvel Fazenda São Roque, denominada Furna de Estrela. (doc. fls. 08/13), e a maior parte da terra está vinculada à matrícula feita em 24/11/99 (fls.13 e 09), demonstrada está a invasão ocorrida em 2003.
Também, cumpre ser asseverado que está comprovado nos respectivos autos que desde o Século XIX já se havia levado a registro a posse das terras, objeto de discussão, (documentos de fls. 3795/3797 do Proc. 2001.60.00003866-3), do que se extrai que o local vem a ser antiga sesmaria.
Ademais, não há prova irrefutável da ocupação dos índios e de sua respectiva expulsão de forma violenta, entretanto, provada está a invasão por parte dos indígenas.
De acordo com o bem fundamentado voto da E. Relatora:
"Tanto é verdade, que, após serem acomodados (os índios) nos 2.090 hectares da área da Reserva Buriti, passaram a conviver pacificamente com os proprietários. Trabalhando para estes até recentemente, quando resolveram dar início ao processo sistemático de invasão das fazendas ora disputadas.
..." (fls. 1410)
Aliás, as testemunhas ouvidas em Juízo, todas de origem indígena, afirmam a posse pacífica daqueles não índios, no que tange a região em litígio, em que a autora tem título de propriedade (fls. 1.46869 - índio Leonardo, 1471/74 - índio Manoel L. da Silva, e de David Diniz Leite, fls. 3974 do Proc. 2003.60.00.007903-0, conforme citado às fls. 670/671 e 1.411 dos respectivos autos).
Além de ser afirmado pelos mesmos depoentes que durante muitas décadas a região foi adequada para as atividades do homem branco, tendo o índio Leonardo iniciado a trabalhar na área em 1942.
Também está demonstrada a invasão, consoante os docs. de fls. 113/114 e 268/269.
Desta forma, incontroversa a afirmativa da autora, ora embargante, no sentido de que tem a posse pacífica, por seus antecedentes, tanto em decorrência dos depoimentos colhidos em processo citado, como também em decorrência da juntada de escrituras públicas, documentos estes que gozam de fé pública.
Não fosse tudo, ainda deve ser ressaltado que às fls. 16/23, dos respectivos autos, constam declarações anuais do produtor rural, certificado de cadastro de imóvel rural, além de notificação de lançamento, identificado sob o número no CNPJ indicado.
A tese defendida pela maioria que fez o v. Acordão se fundamentou no fato de as terras terem sido dos índios, vez que é afirmado pelo E. Desembargador Federal André Nabarrete que as terras "eram ocupadas tradicionalmente por eles" concluindo ser "o bastante para a sua manutenção no local". (grifo não é do original)
Portanto, o esbulho se mostrou incontroverso, demonstrada a invasão das terras, objeto do presente litígio, da mesma forma que demonstrado está que o aldeamento indígena não se constituía no momento da promulgação da Magna Carta de 1988.
Ademais, cumpre ser asseverado que as provas produzidas nos autos principais (Proc. 2001.60.00.003866-3) são robustas para demonstrar a cessão da área para o desenvolvimento de atividades agrícolas, além do que para a segurança jurídica é imprescindível que aos mesmos fatos sejam proferidas decisões de igual teor.
Ante o exposto, pedindo vênia aos que do meu voto divergem, acompanho o E. Relator, para dar provimento ao presente recurso.
É como voto.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Anoto, de início, que estou esclarecido para votar, uma vez que se trata de matéria que já tive a oportunidade de apreciar em outros feitos.
No tocante ao mérito, não considero que seja um marco jurídico o voto do ilustríssimo ex-ministro Carlos Britto para a situação fundiária nacional, porque não há súmula e nem muito menos súmula vinculante.
Houve um entendimento em relação à ocupação daquela área da Raposa Serra do Sol, uma decisão específica, evidentemente com repercussão geral. Mas essa repercussão não está no plano da súmula ou das súmulas vinculantes, enfim, é um entendimento que eu reputo como sendo aplicável àquele caso concreto e sem vincular a análise da ocupação ou da terra tradicional ou por parte do julgador.
Conforme muito bem apontado pelo Acórdão da 5ª Turma, no presente caso, existem elementos no sentido de se tratar de terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e que não foram desocupadas espontaneamente; há provas que o processo trouxe aqui, fortes nesse sentido, motivo pelo qual peço vênia ao eminente relator para negar provimento aos embargos infringentes.
É como voto.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Trata-se de embargos infringentes interpostos pelo espólio de Celina Ferreira Correa em face de acórdão que, por maioria, deu parcial provimento às apelações do MPF, da União e da FUNAI, para julgar improcedente pedido de reintegração de posse da Fazenda Furna Estrela, situada no Município de Dois Irmãos do Buriti/MS.
A Primeira Seção, sob o fundamento de que não existem provas da ocupação da área por índios Terena na data da promulgação da CF de 88, deu provimento ao recurso.
Ousei divergir da posição do eminente relator, pelas razões expostas na sequência.
As condicionantes adotadas pelo Supremo Tribunal Federal na demarcação da Reserva Indígena "Raposa Serra do Sol" (Petição n° 3.388/RR), em especial a manutenção da posse tradicional diante de esbulho renitente, não foram observadas na análise dos novos limites da Terra Indígena Buriti.
Embora a CF tenha limitado os direitos originários dos índios às ocupações que se estendam a outubro de 88, a inexistência de presença indígena no momento é relativizada na hipótese da preservação do vínculo material e espiritual do silvícola com a terra.
A tradicionalidade demanda uma associação entre o espaço geográfico e as necessidades em geral do povo nativo. Ela não se perde pela simples cessação do contato físico: os membros do grupo podem mantê-la no modo de vida adotado, fazendo ritualizações, reivindicações e incursões "clandestinas" para caça, pesca, visitas, rememorações.
O vínculo fundiário apenas cessa, se houver abandono voluntário ou a população tradicional não reagir às invasões, esbulhos de terceiros, a ponto de gradativamente as gerações não receberem ensinamentos, conhecimentos sobre o lugar.
Naturalmente, não é necessário o uso de violência, que desemboque em constantes conflitos; muitos grupos indígenas são culturalmente pacíficos ou não iniciam uma reação devido ao maior poderio político e material do invasor. A ruptura da tradicionalidade reclama a desagregação do valor da terra nas práticas, costumes e crenças da tribo, por esquecimento espontâneo ou decorrente de fator externo.
A desintegração não ocorre, quando os membros da etnia conservam o espaço como elemento de identificação cultural e só não o retomam fisicamente, em razão da estruturação do ocupante atual. O esbulho consumado em certa ocasião se torna renitente na expressão usada pelo STF, deixando de ostentar a durabilidade, a estabilidade e mansidão que justificam o encerramento da função tradicional.
A condicionante se aplica inteiramente à ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti.
Desde que os índios Terena foram expulsos das áreas que ocupavam no Alto Buriti e na Serra do Maracaju, eles nunca esqueceram a origem fundiária: segundo o Resumo do Relatório Circunstanciado da FUNAI, os representantes do grupo foram ao Rio de Janeiro para denunciar a espoliação progressiva (1937), levaram posteriormente um abaixo-assinado ao pessoal do Exército com a mesma intenção (1951) e enviaram ofícios à FUNAI para a revisão/recomposição dos limites da terra (1981, 1983 e 1985).
A perícia produzida na ação declaratória n° 2001.60.00.003866-3 - de iniciativa dos proprietários que buscam a reintegração de posse -, reforça a ligação cultural do território: por intermédio de pesquisas arqueológicas e antropológicas, o perito relatou que os índios Terena, desde a perda da posse civil, mantêm incursões na área para pesca e caça, fazem referências ritualísticas ao lugar e identificaram vários trechos destinados especificamente a sepultamentos e cerimônias religiosas, o que demonstra o repasse do conhecimento fundiário para gerações seguintes à vitimada pelas invasões.
As sucessivas reivindicações e a presença do espaço nos costumes, crenças e práticas do Grupo Indígena Terena em momento relativamente próximo da promulgação da CF de 88 tornam renitente o esbulho praticado, mantendo a tradicionalidade da ocupação e inviabilizando a reintegração de posse de terceiros.
Voto, assim, pelo desprovimento dos embargos infringentes.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Inicialmente, registro a profunda admiração e respeito que nutro pelo E. Relator.
Analisando detidamente o processo e as questões controvertidas, peço venia ao Exmo. Relator para divergir, nos pontos a seguir, pelas razões que passo a expor.
Do direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas
Consoante amplamente sedimentado pela doutrina e jurisprudência, a demarcação de terras indígenas decorre do reconhecimento constitucional do direito originário dos índios à posse permanente e ao usufruto exclusivo sobre as terras tradicionalmente ocupadas, cuja propriedade é da União (art. 20, XI, da Constituição da República), tratando-se, portanto, de ato declaratório de uma situação jurídica preexistente.
Por tal razão, o constituinte originário estabeleceu que eventuais títulos privados sobre tais terras serão considerados nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos (art. 231, § 6º, da Constituição da República).
Depreende-se que o constituinte estabeleceu um comando expresso de nulidade e extinção de pretensos direitos adquiridos por não índios sobre terras indígenas, cujos efeitos se estendem sobre vínculos jurídicos de origem pré-constitucional. Essa previsão visa ao resguardo da igualdade material dos indígenas, assegurando-lhes os meios para a digna subsistência, preservação e reprodução física e cultural.
Nesse sentido, sendo a Constituição da República o vértice axiológico do ordenamento jurídico, mostram-se inadmissíveis interpretações que busquem atribuir prevalência a situações jurídicas contrárias aos comandos da vigente ordem constitucional. Sobre a questão, elucida a doutrina:
No caso em exame, a demanda tem por objeto pretensão possessória, cuja causa de pedir consubstancia-se em suposto esbulho promovido por índios em área em relação à qual, embora submetida a processo demarcatório, subsistem títulos legitimadores de posse a favor de não índios.
Do interdito possessório
Em conformidade com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, a demarcação de terra indígena constitui ato formal, de natureza declaratória, que tem por escopo o reconhecimento de um direito pré-existente (originário). Trata-se de ato administrativo que goza de presunção de legitimidade e veracidade (presunção juris tantum), cabendo à parte contrária impugná-lo, mediante a apresentação de provas inequívocas, aptas a infirmá-lo. Confira-se:
Nesses termos, não se mostra cabível a oposição baseada em direito possessório, com fulcro em títulos legitimadores de posse, como fundamento a obstar, por si, a realização do processo de demarcação de terra indígena e os diversos atos administrativos que o compõem, os quais gozam de presunção de legitimidade e se encontram amparados em comando constitucional preeminente, sendo vedado, inclusive, o manejo de ação de interdito possessório contra a demarcação. Nesse sentido:
Portanto, questionamentos acerca do direito real à posse do bem litigioso ou de eventuais vícios que maculem a validade do processo de demarcação de terras indígenas, somente poderão ser submetidos à apreciação judicial por meio de ação petitória ou demarcatória, respectivamente.
Tal entendimento decorre do fato de que, consoante já reconhecido pelo STJ, a demarcação de terras indígenas não configura esbulho possessório ou qualquer forma de perda ou restrição da propriedade, posto que se trata de ato meramente declaratório de uma situação jurídica pré-existente. Confira-se:
Por outro lado, em se tratando de ação fundada em hipótese de ocupação promovida por índios em propriedades efetivamente particulares (esbulho), tal como se alega no presente feito, mostra-se cabível, em princípio, o interdito possessório.
Não obstante, no caso, impõem-se determinadas ponderações à análise da pretensão possessória.
Primeiramente, é incontroverso que a situação jurídica subjacente encontra-se envolta em quadro social complexo, tratando-se de circunstância de elevada conflituosidade, ensejadora de impacto com elevada carga político-econômico-social sobre os envolvidos. O provimento jurisdicional, portanto, tem de se constituir com base em uma estrutura dialética, devendo o deslinde da controvérsia ser orientado pela ponderação de direitos fundamentais dos indivíduos atingidos pela situação jurídica coletiva.
Nesse sentido já se manifestou a Corte Especial do STJ (IF 92/MT, DJe 04/02/2010, Rel. Min. Fernando Gonçalves), que, ao apreciar demanda fundada em grave situação de esbulho, promoveu um juízo de ponderação de direitos fundamentais, por meio do qual atribuiu prevalência ao direito da dignidade da pessoa humana sobre o direito de propriedade. Confira-se:
A pretensão deduzida nos autos, portanto, não pode ser analisada apenas à luz do formal preenchimento dos requisitos previstos no art. 561, do Código de Processo Civil, impondo-se, igualmente, a realização de um exame de proporcionalidade para o caso concreto.
Por outro lado, verifica-se que, no caso em tela, a pretensão possessória fundamenta-se no entendimento de que a área alegadamente esbulhada, compreendida no âmbito dos limites territoriais do procedimento demarcatório da Terra Indígena Buriti, não seria passível de demarcação como terra indígena, porquanto demonstrada a existência de titulação e ocupação por não-índios desde período anterior ao marco temporal estabelecido pelo STF na Pet. 3.388/RR, qual seja, a data da promulgação da Constituição da República de 1988.
Ocorre que, na hipótese de a referida terra vir a ser reconhecida, pela União, como pertencente a povos indígenas, recaindo-lhe a proteção do art. 231, § 6º, da Constituição da República, não será mais cabível o presente interdito possessório, sob pena de, a pretexto de tutelar-se direito possessório, configurar-se, por via oblíqua, incabível oposição ao próprio ato administrativo demarcatório.
Dessa forma, para além das considerações acima expostas, relativas à necessária ponderação de valores quando da apreciação da pretensão reintegratória, impõe-se, igualmente, a análise do fundamento relativo à tese do denominado "marco temporal", inobstante a presente demanda, por sua natureza, não tenha por objeto matéria relativa ao domínio do bem litigioso.
Do marco temporal
Os parâmetros para a efetiva delimitação das circunstâncias que se subsumem ao conceito de "terras tradicionalmente ocupadas pelos índios" e "por eles habitadas em caráter permanente" (art. 231, § 1º, da Constituição da República) vieram a ser delimitados pela jurisprudência quando do julgamento, pelo STF, em 19/03/2009, da Pet. 3.388/RR (Rel. Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009 REPUBLICAÇÃO: DJe-120 DIVULG 30-06-2010 PUBLIC 01-07-2010 EMENT VOL-02408-02 PP-00229 RTJ VOL-00212- PP-00049), denominado "Caso Raposa Serra do Sol".
No julgamento, o Min. Menezes Direito consignou, em sua voto, à luz da interpretação constitucional, a imprescindibilidade do reconhecimento da terra indígena para a preservação das comunidades que titularizam sua ocupação:
É cediço que a terra apresenta relevância central para os indígenas, sendo imprescindível à sua subsistência. Esse aspecto foi reafirmado, no caso Raposa Serra do Sol, pelo Min. Menezes Direito, que consignou que, uma vez constatado o denominado fato indígena, resta suplantado qualquer direito de cunho privado, que não poderá prevalecer sobre os direitos dos índios:
Examinadas tais premissas, resta perquirir acerca da denominada teoria do fato indígena, referida na fundamentação acima transcrita, a qual embasou o entendimento estabelecido no julgamento da Pet. 3.388/RR.
De acordo com essa concepção, consideram-se terras indígenas aquelas que, na data da promulgação da Constituição da República, eram ocupadas por indígenas, adotando-se, assim, o marco temporal de 5 de outubro de 1988 como referencial para o dado da ocupação do espaço geográfico.
Seguindo-se tal entendimento, deve-se analisar, em cada caso, em vista do conjunto probatório produzido, a situação fática acerca da existência, ou não, de ocupação tradicional, de acordo com o marco temporal fixado pelo STF.
Nesse ponto, deve-se ressaltar que, embora a decisão proferida na Pet. 3.388/RR não tenha produzido efeito erga omnes, porquanto desprovida de eficácia vinculante em sentido formal, o marco temporal para configuração da tradicionalidade da ocupação indígena veio a ser consolidado posteriormente, no julgamento do RMS nº 29.087 - denominado "Caso Guyrároka" (DJe 14/10/2014) -, em que reafirmou-se, no voto proferida pela Min. Cármem Lúcia, o mesmo entendimento estabelecido pelo Min. Roberto Barroso no julgamento da Pet. 3.388-ED, segundo o qual, "embora não tenha efeitos vinculantes em sentido formal, o acórdão do caso Raposa Serra do Sol ostenta a força moral e persuasiva de uma decisão da mais alta Corte do País, do que decorre um elevado ônus argumentativo nos casos em que se cogite de superação das suas razões".
Efetivamente, portanto, as decisões proferidas em casos futuros devem considerar, em sua análise, a força persuasiva - embora não vinculante - dos fundamentos determinantes fixados pelo STF nos aludidos precedentes.
Não obstante, é relevante ponderar que, a despeito do entendimento estabelecido nos precedentes acima referidos, não é possível afirmar, no atual estágio de desenvolvimento da jurisprudência acerca da matéria, que a teoria do fato indígena - a partir da qual estipulou-se como referencial para o dado da ocupação do espaço geográfico a data da promulgação da Constituição da República de 1988 - tenha restado definitivamente firmada pela Corte Constitucional.
Nesse ponto, observa-se que, em recentes decisões, o Plenário do STF, em 16/08/2017, utilizou-se de fundamentos diversos para julgar as Ações Civis Originárias nº 362 e 366, cuja controvérsia era concernente à tradicionalidade da ocupação indígena sobre áreas submetidas a processo demarcatório.
Em seu voto, o Rel. Min. Marco Aurélio consignou que, desde a Constituição da República de 1934, é reconhecido o direito dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, havendo tal previsão sido igualmente estabelecida pela Constituição da República de 1988 (art. 20, XI, e art. 231). Com base em tais fundamentos constitucionais, bem como no teor dos laudos antropológicos produzidos naqueles autos, o STF concluiu que as áreas objeto das referidas demandas (Parque Nacional do Xingu e Reservas Indígenas Nambikwára e Parecis) constituem, de fato, áreas habitadas historicamente por indígenas.
Da análise dos votos proferidos pelo Rel. Min. Marco Aurélio nas referidas Ações Civis Originárias, depreende-se a inexistência, dentre os fundamentos determinantes, de referência à teoria do fato indígena (e, portanto, ao marco temporal aludido na Pet. 3.388/RR), havendo a conclusão acerca da ocupação tradicional das terras por povos indígenas se pautado, essencialmente, pelos laudos antropológicos produzidos, os quais referem-se apenas à ocupação histórica da região.
Em vista de tais precedentes, depreende-se que a tese do marco temporal não se presta a constituir fundamento idôneo a limitar, aprioristicamente, a efetivação do processo demarcatório, sob pena de violação ao comando constitucional de demarcação das terras indígenas pela União (art. 231, da Constituição da República; e art. 67, do ADCT).
Do esbulho renitente
Em relação ao aludido marco temporal, deve-se observar que a interpretação atribuída ao art. 20, XI, da Constituição da República, no caso Raposa Serra do Sol, foi expressamente ressalvada em relação às hipóteses em que restar caracterizado o denominado esbulho renitente.
De acordo com tal entendimento, caso demonstrado que a ausência de ocupação indígena no marco temporal estabelecido pelo STF tenha se dado por força de atos de extrusão e remoção compulsória (renitente esbulho), promovidos por parte de não índios, restará preservado o reconhecimento da ocupação tradicional indígena. Resguarda-se, assim, a tutela dos direitos dos índios às suas terras, ainda que sua ocupação se encontrasse obstada em 05/10/1988, em razão de esbulho.
Nesses termos, destacou o Min. Carlos Ayres Britto, em seu voto, no julgamento da Pet. 3.388/RR:
No que tange aos aldeamentos extintos, restou pacificado não constituírem bens da União, enquanto terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (art. 20, XI, da Constituição da República), consoante firmado na Súmula 650, do STF.
Em relação, porém, ao tratamento jurídico dispensado às áreas sujeitas a renitente esbulho, em que a expulsão dos indígenas decorreu da ocupação de suas terras por não índios, a jurisprudência veio a estabelecer contornos específicos, em precedentes que se seguiram ao leading case Raposa Serra do Sol.
Nesse sentido, verifica-se que nos casos "Terra Guyrároka" (RMS nº 29.087, DJe 14/10/2014) e "Terra Indígena Limão Verde" (ARE nº 803.462-Agr-MS, DJe 12/02/2015) sedimentou-se a concepção do esbulho renitente em sentido estrito, de acordo com a qual mostra-se possível o reconhecimento da expulsão de comunidades indígenas - de modo a excepcionar a necessidade de ocupação da terra no marco temporal de 05/10/1988 -, caso verificadas circunstâncias de fato que demonstrem a existência de controvérsia possessória judicializada, ou, ainda, a presença de conflito possessório que perdure até a data da promulgação da Constituição da República de 1988.
Acerca de todo o exposto, esclarece a doutrina, em síntese:
Ante o exposto, deve-se ter em vista que a conclusão acerca da inexistência de ocupação tradicional indígena imprescinde da efetiva realização dos estudos antropológicos previstos no Decreto nº 1.775/1996 (art. 2º). Ressalta-se, ainda, que tal estudo deve aferir não apenas a existência de eventual ocupação indígena em 05/10/1988, mas tem de analisar, igualmente, se a ausência de índios na região se deu por força de atos de extrusão e remoção compulsória (renitente esbulho), conforme consignado no julgamento da Pet. 3.388/RR e sedimentado pela jurisprudência nos casos "Terra Guyrároka" (RMS nº 29.087, DJe 14/10/2014) e "Terra Indígena Limão Verde" (ARE nº 803.462-Agr-MS, DJe 12/02/2015).
A observância a tais parâmetros constitui pressuposto para a estabilidade e coerência da jurisprudência, bem como à efetivação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia (artigos 926 e 927, § 4º, ambos do Código de Processo Civil).
Portanto, no caso, a ausência física da comunidade indígena de Buriti, na área sob litígio, ao tempo da promulgação da Constituição da República de 1988, não constitui fundamento a autorizar, por si, a conclusão no sentido da inexistência de tradicional ocupação indígena sobre o local.
Cumpre anotar, por fim, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos possui precedentes no mesmo sentido, apontando, à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos - internalizada pelo Decreto nº 678/92 -, que, na hipótese de restar caracterizada a expulsão de indígenas e o impedimento de acesso a suas terras, por força de renitente esbulho, é imperioso que se assegure o direito daquela comunidade tradicional à recuperação do local de ocupação (Corte IDH, Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai, sentença de 29 de março de 2006).
Exposto o conjunto normativo que rege a matéria e os delineamentos atribuídos pela interpretação jurisprudencial, depreende-se que, no caso em exame - embora a matéria de fundo não tenha por objeto a discussão do domínio do bem litigioso -, estão presentes elementos probatórios indicativos de que a área sob litígio constitui terra de tradicional ocupação indígena, bem como de que, inobstante a inexistência de ocupação física ao tempo da promulgação da Constituição da República de 1988, a desocupação não se deu espontaneamente, mas por força de atos de remoção compulsória promovidos por não-índios.
A esse respeito, é ampla a prova documental produzida, mormente as conclusões extraídas dos extensos estudos apresentados pelo laudo pericial judicial de fls. 822/1.298 ("Perícia Antropológica e Histórica da Área Reivindicada pelos Terena para ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti, Municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, Mato Grosso do Sul, Brasil").
Nesses termos, em vista da necessária ponderação de valores que deve permear a análise de pretensões possessórias sobre situações jurídicas coletivas complexas que envolvem direitos fundamentais, bem como em face da existência de elementos probatórios indicativos da tradicional ocupação indígena sobre a área em litígio, devem ser julgados improcedentes os presentes embargos infringentes, para que seja mantido o julgamento de improcedência do pedido de reintegração de posse.
Ante o exposto, nego provimento aos embargos infringentes.
É o voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de embargos infringentes interpostos pelo Espólio de Geraldo Corrêa da Silva e Celina Ferreira Corrêa, inconformados com o v. acórdão da E. 5ª Turma desta Corte Regional, que, por maioria, deu parcial provimento às apelações interpostas pela União, pelo Ministério Público Federal e pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI contra a r. sentença que, em primeiro grau de jurisdição, julgara procedente o pedido de reintegração de posse dos imóveis componentes da Fazenda Furna Estrela.
O acórdão ora embargado, fruto dos votos exarados pelos e. Desembargadores Federais André Nabarrete e Ramza Tartuce, vem assim ementado:
Na ocasião, restou vencido o voto proferido pela e. Desembargadora Federal Suzana Camargo, que negava provimento ao recurso ministerial e dava parcial provimento às apelações da União e da Fundação Nacional do Índio - FUNAI apenas para excluir a multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) cominada na sentença (fls. 1356/1.427).
Segundo Sua Excelência, o pedido inicial deve ser julgado procedente pelos seguintes motivos:
a) "ainda que tenham sido ocupadas por indígenas em passado remoto, é igualmente certo que, atualmente e já há muitas décadas, encontram-se povoadas por outros que não os silvícolas, notadamente os produtores rurais ora autores, com dezenas de imóveis registrados em Cartórios Imobiliários em nome de particulares, inexistindo qualquer resquício de posse tradicional indígena" (fls. 1.370);
b) o Supremo Tribunal Federal "empresta à expressão 'tradicionalmente ocupadas', constante do § 1º do artigo 231 da atual Constituição Federal, significado relativo apenas às situações fáticas encontradas quando de sua promulgação" (fls. 1.379);
c) A Súmula 650 do Excelso Pretório estabelece que "os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamento extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto" (fls. 1.380);
d) os autores "sempre se mantiveram na posse e propriedade dos imóveis ora em discussão, à qual pode ser somada a posse pacificamente exercida por seus antecessores". (fls. 1.391);
e) dos documentos constantes dos autos da ação declaratória nº 2001.60.00.003866-3, tida como principal em relação às demais demandas, de natureza possessória "extrai-se que aquela região se refere a uma antiga sesmaria e que a ocupação e posse datam da metade do século XIX, já levados a registro desde então" (fls. 1.407).
f) "quando os autores não exercitavam sua posse e sua propriedade pessoalmente, faziam-no através de prepostos e empregados, principalmente por meio da atividade de criação de gado" (fls. 1.409);
g) "não existe nos autos comprovação segura de que os índios tenham sido expulsos das áreas que alegam que ocupavam ancestralmente (nada mais do que as áreas em litígio) mediante grave violência ou ameaça física", tanto que, "após serem acomodados nos 2.090 hectares da área da Reserva Buriti, passaram a conviver pacificamente com os proprietários, trabalhando para estes até recentemente, quando resolveram dar início ao processo sistemático de invasão das fazendas ora disputadas" (fls. 1.410);
h) a posse indígena sobre as áreas ora em litígio, se efetivamente existiu, está tão distante da nova realidade fática que a situação ora vigente se tornou irreversível" (fls. 1.419).
Pretendem os embargantes que prevaleça, no âmbito desta Seção, o voto vencido (fls. 1.538/1.576).
A Fundação Nacional do Índio - FUNAI (1.590/1.619), a União (fls. 1.620/1644) e o Ministério Público Federal (fls. 1.647/1.669), por sua vez, sustentam o acerto dos votos vencedores, traduzidos na ementa supra.
A Fundação Nacional do Índio - FUNAI requereu a juntada de cópia da Portaria n.º 3.079, de 28 de setembro de 2010, do Ministério da Justiça, "que declarou a área objeto das ações originárias como de ocupação tradicional indígena" (fls. 1.710/1.711), documento a respeito do qual se manifestaram a União (fls. 1.717), os embargantes (fls. 1.721/1.737) e o Ministério Público Federal (fls. 1.739).
É o relatório.
Feito submetido à revisão.
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VOTO
Inicialmente, impõe-se esclarecer o colegiado sobre alguns pontos fundamentais para a formação do convencimento no caso em exame.
Antes de adentrar à análise do presente caso mostra-se relevante consignar que esta c. Primeira Seção já analisou a mesma questão fático-jurídica em três julgamentos anteriores, mais especificamente, no julgamento dos embargos infringentes interpostos nos autos da ação declaratória nº 2001.60.00.003866-3, nos autos da ação de interdito proibitório nº 2003.60.00.008669-1/MS e nos autos da ação de reintegração de posse nº 2003.60.00.005222-0/MS.
A parte ora embargante integra o polo ativo da ação declaratória nº 2001.60.00.003866-3, em litisconsórcio com outros proprietários de terras na área da chamada Reserva Indígena Buriti, na região do município de Sidrolândia, no estado do Mato Grosso do Sul, sendo de fundamental importância mencionar que aquela ação foi considerada principal em relação às demais ações possessórias a ela conexas.
Peço vênia para relacionar os feitos em referência: processo nº 2003.60.00.008669-1/MS (com embargos infringentes já julgados por esta c. Primeira Seção); processo n° 2001.60.00.005222-0/MS (com embargos infringentes já julgados por esta c. Primeira Seção); processo n° 2000.60.00.001770-9/MS (feito também incluído na pauta de julgamento do dia de hoje); processo n° 2000.60.00.002890-2/MS (feito também incluído na pauta de julgamento do dia de hoje); e processo n° 2005.03.99.021636-2 (trata-se do presente feito).
Na aludida ação declaratória os ora embargantes e demais litisconsortes objetivam o reconhecimento de que as propriedades por eles tituladas não se enquadrariam no conceito de terras tradicionalmente ocupadas por índios, nos exatos termos previstos no artigo 231 da Constituição Federal, pleiteando a declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº 1.775/96 e das portarias expedidas pela FUNAI, e, ainda, a invalidade dos atos praticados com base nas mencionadas portarias, em especial, os levantamentos e estudos antropológicos e de avaliação objetivando a demarcação administrativa da área indígena Terena.
Na oportunidade em que foram firmados os precedentes por esta c. Primeira Seção nos autos dos Embargos Infringentes nº 2001.60.00.003866-3/MS (acórdão datado de 21/06/2012), votaram pelo provimento e, por consequência, pela prevalência do voto vencido da lavra da e. desembargadora federal Suzana Camargo, os eminentes desembargadores federais Nelton dos Santos (relator), André Nekatschalow (voto-vista), Luiz Stefanini, Cecília Melo, Peixoto Júnior e José Lunardelli (voto-vista), tendo restado vencidos os excelentíssimos desembargadores federais Cotrim Guimarães, Antônio Cedenho (voto-vista) e Ramza Tartuce, que lhes negavam provimento.
Prevaleceu naquela ocasião, portanto, a exegese no sentido de que as terras sobre as quais versam o litígio não se incluem na definição constitucional de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, uma vez que em 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal) já não eram ocupadas por indígenas e a posse dos autores era exercida pacificamente de há muitos anos, conforme ementa a seguir transcrita:
Publicado o acórdão foram opostos embargos de declaração, os quais foram rejeitados por unanimidade em sessão realizada em 04/07/2013, conforme consulta realizada ao Sistema de Informações Processuais desta e. Corte Regional.
No mesmo sentido concluiu esta c. Primeira Seção em relação às ações possessórias conexas, propostas por alguns dos litisconsortes da ação declaratória, em julgamento realizado na mesma data (21/06/2012), cujas ementas peço vênia para transcrever:
Anoto não ter havido o trânsito em julgado nas aludidas ações em razão da interposição de recurso especial e extraordinário, conforme consulta ao Sistema de Informações Processuais, bem como aos autos da ação declaratória nº 2001.60.00.003866-3/MS que ainda se encontram na Subsecretaria desta c. Primeira Seção.
Faço constar, por fim, que, a meu ver, todos os processos mencionados deveriam ter sido julgados naquela mesma oportunidade, como ocorreu na fase do julgamento das apelações, tendo em vista a relação direta de dependência entre as ações possessórias e a ação declaratória, o que evitaria o grave risco de prolação de decisões conflitantes envolvendo a mesma área em litígio.
Após o intróito necessário, passo ao exame do presente caso.
A apelação foi distribuída por prevenção à c. Quinta Turma (fls. 1.337).
Por ocasião do julgamento da apelação prevaleceu o voto divergente do eminente desembargador federal André Nabarrete, ao qual se somou o da eminente desembargadora federal Ramza Tartuce, resultando na ementa reproduzida no relatório supra.
Naquela oportunidade restou vencido o voto da então relatora, a eminente desembargadora federal Suzana Camargo que, quanto ao mérito, negava provimento aos recursos interpostos, concluindo sua fundamentação nos seguintes termos "considerando os elementos constantes dos autos de nº 2001.60.00.003866-3, tenho que as terras objeto desta ação possessória não podem ser enquadradas no conceito de 'terras tradicionalmente ocupadas pelos índios', consoante requerido pelo texto constitucional, o que desautoriza a ocupação 'manu militari' pelos silvícolas, a pretexto de 'reocupação' de terras que outrora lhes teriam pertencido. Nesse sentido, a desocupação das áreas pelos índios, com a manutenção do 'status quo ante' se faz de rigor, preservando as instituições jurídicas e sociais naquela região (fls. 1422).
Segundo Sua Excelência, "o entendimento de nossa Corte Constitucional (...) empresta à expressão 'tradicionalmente ocupadas', constante do § 1º do artigo 231 da atual Constituição Federal, significado relativo apenas às situações fáticas encontradas quando de sua promulgação" (fls. 1.379).
Ressaltou, ainda, em outros trechos do voto vencido que "as áreas em questão há décadas, para dizer o mínimo, saíram da posse dos silvícolas, e há muito tempo já se encontram no comércio" (fls. 1.386), esclarecendo, mais adiante que (fls. 1.421), "a respeito dessas áreas não mais se encontra tal moldura constitucional, pois estão todas desmatadas, contando, agora, com inúmeros pastos, gado, currais, poços artesianos,casas, fazenda, dentre tantas outras coisas inerentes às atividades agropecuárias e, grosso modo, ao padrão de vida "branco".
Especialmente em relação à natureza possessória do pedido formulado nestes autos, peço vênia para transcrever o seguinte trecho do voto vencido (fls. 1.422/1426), conforme segue:
E, ainda, peço vênia para transcrever, o trecho do voto condutor, proferido pelo e. desembargador federal André Nabarrete, na parte que se refere ao pedido possessório (fls. 1.494/1.496), conforme segue:
Observo, uma vez mais, que na presente ação possessória, cujos autores integram também o pólo ativo da ação declaratória, foi proferido julgamento antecipado em primeira instância com base nas provas produzidas no feito principal (ação declaratória nº 2001.60.00.003866-3), em especial a prova pericial e as provas produzidas em audiência de conciliação.
O pedido formulado na ação declaratória foi julgado procedente, com o reconhecimento expresso do domínio em favor dos proprietários rurais. Não obstante reformada pela c. Quinta Turma em sede de apelação, a sentença restou posteriormente restabelecida pelo julgamento desta c. Seção que deu provimento aos embargos infringentes para prevalecer o voto vencido, que negava provimento às apelações interpostas pelos réus naqueles autos.
Diante da dinâmica processual que os diversos feitos mencionados trilharam no âmbito deste tribunal, o desfecho do presente recurso não tem como seguir rumo diverso daquele que norteou o julgamento anterior desta c. Seção, quando restou reconhecido pela maioria do colegiado que as terras sobre as quais versam o litígio não se incluem na definição de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, uma vez que em 05 de outubro de 1988 já não eram ocupadas por indígenas e a posse dos autores era exercida pacificamente, nos termos do voto vencido da e. desembargadora federal Suzana Camargo.
Trata-se de exegese que se impõe no escopo precípuo de se evitar o grave risco de decisões conflitantes envolvendo processos conexos que discutem a mesma questão jurídica em uma mesma região rural em conflito, a prestigiar-se a segurança jurídica decorrente dos precedentes jurisprudenciais desta e. Corte Regional, dirimindo com coerência, ao menos nesta sede, um conflito de interesses de tamanha envergadura social, de repercussão nacional, envolvendo a região onde se situa a denominada Reserva Índigena Buriti, no estado do Mato Grosso do Sul.
E, tratando-se o presente feito de pedido de natureza possessória, conforme destacado no voto vencido restou demonstrada nos autos a presença dos requisitos dos artigos 926 e seguintes do Código de Processo Civil. A posse da parte embargante, precedida de antecessores, restou comprovada por meio dos documentos apresentados às fls. 08/26. Já o esbulho restou incontroverso nos autos por meio do boletim de ocorrência lavrado pela Delegacia de Polícia de Sidrolândia/MS relatando a invasão da propriedade (fls. 27); pela mensagem dirigida ao Superintendente da Polícia Federal no Mato Grosso do Sul (fls. 28); pelas notícias publicadas em jornais (fls. 29/33 e 42/43); pelo termo de reunião realizada na sede da Procuradoria da República do Mato Grosso do Sul (fls. 111/112) e pela informação lançada por dois oficiais de justiça em 14/10/2003, no sentido de que se encontravam na área cerca de 40 famílias, tendo sido orientados pelo Delegado de Polícia a aguardar a tentativa de desocupação pacífica (fls. 226).
Por tais razões, impõe-se a prevalência do voto vencido também nestes autos.
Diante da fundamentação exposta, dou provimento aos embargos infringentes para fazer prevalecer o voto vencido.
É como voto.
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