Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/04/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006591-22.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.006591-9/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : STEFANO SANFILIPPO reu preso
ADVOGADO : SP174899 LUIZ AUGUSTO FAVARO PEREZ (Int.Pessoal)
CODINOME : STEFANO CIOTTI reu preso
APELADO(A) : Justica Publica

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. CONCUIRSO COM O CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO: INAPLICABILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DO ARTIGO 308 DO CÓDIGO PENAL: IMPOSSIBILIDADE. PENA-BASE REDUZIDA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA AFASTADA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL EM RAZÃO DE CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE: INVIABILIDADE. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA: APLICAÇÃO DA SÚMULA 440/STJ. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITITIVA DE DIREITOS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Apelação da Defesa contra a sentença que condenou o réu como incurso no artigo 304 c.c. artigo 297, 61, I, 63 e 64, todos do Código Penal, à pena de 03 anos de reclusão.
2. Materialidade delitiva demonstrada pelo Laudo de Exame Documentoscópico e autoria evidenciada pelo próprio interrogatório do réu em Juízo, o qual confessou o uso do documento falso e que tinha conhecimento da falsidade.
3. Não restam preenchidos os requisitos do concurso formal, que ocorre quando o agente, mediante uma única conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. No caso dos autos, o réu praticou duas condutas: uso de passaporte falso e transporte de drogas, e em datas diversas.
4. Ainda que assim não fosse, não há que se falar em aplicação do princípio da consunção, pois o crime de uso de documento falso não é meio necessário à prática do delito de tráfico de drogas. É plenamente viável praticar o crime utilizando-se do próprio passaporte descaracterizando-se, por conseguinte, a imprescindível relação entre meio e fim.
5. Trata-se de desígnios autônomos, de vontades independentes para a prática de delitos distintos, cujos bens jurídicos tutelados também são diversos: no crime de uso de documento falso, tutela-se a fé pública, a moral e a credibilidade da Administração Pública; no crime de tráfico de drogas, tutela-se a saúde pública. Com o uso de passaporte falso, procurou o réu ocultar a sua verdadeira identidade, demonstrando finalidade diversa da perquirida na prática do crime de tráfico de entorpecentes. Inaplicabilidade do princípio da consunção nos casos de crime de uso de documento falso de tráfico de drogas. Precedentes.
6. Incabível a desclassificação do crime de uso de documento falso para o crime de falsa identidade. A prática do crime de falsa identidade se perfaz quando o agente simplesmente se apresenta como sendo alguém que não é, sem que para tanto seja necessária a apresentação de qualquer documento. No caso do crime de uso de documento falso, ao contrário, o agente se utiliza de um documento para se identificar.
7. Conforme atesta o laudo de exame documentoscópico, o passaporte é falso e foi, efetivamente, utilizado pelo réu para ingressar no Brasil, como atesta o carimbo imigratório aposto no documento. Dessa forma, a conduta se amolda ao tipo do artigo 304 do Código Penal.
8. Pena-base reduzida. Com relação à culpabilidade, o fato de o réu não ter agido de inopino, mas com tempo de refletir a respeito da conduta e persistir no intento criminoso, constitui circunstância ínsita ao dolo. Dificilmente se poderia cogitar da hipótese do cometimento de crime de uso de passaporte materialmente falsificado que não fosse praticado de forma premeditada. No que tange à personalidade, não verifica-se nos autos elementos que permitam a sua valoração.
9. O crime levado em consideração como apontamento de reincidência foi cometido posteriormente ao crime de que se cuida nestes autos, não havendo que se falar em reincidência. Afastada a circunstância agravante.
10. Inviável a minoração da pena aquém do patamar mínimo, porque válido o entendimento sumulado nº 231 do Superior Tribunal de Justiça que aduz que "a incidência da circunstância atenuante não pode coincidir à redução da pena abaixo do mínimo legal". Precedente do Supremo Tribunal Federal.
11. Operada a redução da pena-base para o mínimo legal, incabível a fixação de regime inicial de cumprimento da pena mais gravoso que o determinado em função da quantidade da pena. Aplicação da Súmula 440/STJ.
12. Preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal, a sentença haveria de ser reformada neste ponto. Contudo, considerando que o réu permaneceu preso durante todo o processo, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, neste momento processual, lhe seria prejudicial.
13. Apelação parcialmente provida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação para reduzir a pena-base e afastar a circunstância agravante da reincidência, fixando a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, comunicando-se o Juízo das Execuções Penais e o Ministério da Justiça, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 25 de março de 2014.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006591-22.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.006591-9/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : STEFANO SANFILIPPO reu preso
ADVOGADO : SP174899 LUIZ AUGUSTO FAVARO PEREZ (Int.Pessoal)
CODINOME : STEFANO CIOTTI reu preso
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RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


O Ministério Público Federal, em 04/07/2007, denunciou STEFANO SANFILIPPO, qualificado nos autos, nascido aos 24/11/1956, cidadão italiano, como incurso no artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal. Consta da denúncia (fls.02/03):


... Apurou-se que, no dia 27 de novembro de 2005, nas dependências do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, STEFANO SANFILIPPO fez uso de documento público falso, consistente no passaporte italiano n° 928054S nominado a Stefano Ciotti, ao apresentá-lo às autoridades encarregadas do controle imigratório de entrada no território nacional, conforme faz prova o carimbo aposto na fl. 24 do documento de viagem acostado à fl. 20.
A materialidade delitiva restou comprovada pelo Laudo de Exame Documentoscópico de fls. 16/19, o qual atesta que o passaporte usado pelo denunciado é inautêntico e diverge de similar autêntico nos seguintes padrões: qualidade e textura do papel, qualidade da impressão, qualidade e precisão das perfurações, tonalidade da coloração, ausência de marca d'água e de fibras coloridas imiscuídas na massa do papel, ausência de impressões calcográficas, imitação da marca d'água por impressão, comportamento mediante exposição à luz ultravioleta.
De acordo com o Consulado Geral da Itália em São Paulo, o passaporte nº 928054S não foi emitido na data constante de sua fl. 02, e o nome verdadeiro do denunciado, que se apresentou às autoridades imigratórias, às autoridades policiais e a este D. Juízo como Steffano Ciotti, é Stefano Sanfilippo (fls. 43 e 50).
A autoria também é inconteste diante do carimbo imigratório aposto na fl. 24 do passaporte, que atesta sua efetiva utilização perante as autoridades policiais encarregadas do controle de tráfego internacional.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia STEFANO SANFILIPPO como incurso nas sanções do artigo 304 c.c. 297, ambos do Código Penal ...

A denúncia foi recebida em 12/07/2007 (fls.56).

Processado o feito, sobreveio sentença da lavra da MM. Juíza Federal Substituta Ivana Barba Pacheco, registrada em 29/08/2008 (fls.125-139 e 140), que condenou o réu como incurso no artigo 304 c/c art. 297, 61, I, 63 e 64, todos do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 15 (quinze) dias-multa, fixados no valor unitário mínimo, negando-lhe o direito de apelar em liberdade e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

O Ministério Público Federal tomou ciência da r. sentença em 18/09/2008 (fls.140 verso) e não apelou.

Expedida Guia de Recolhimento Provisória em 23/09/2008 (fls. 144).

Apela o réu às fls.171-175, postulando: a) a absolvição em razão de concurso formal entre a conduta dos autos e de tráfico de drogas, apurada no processo nº 2006.61.19.000403-7, no qual o acusado foi condenado à pena de 03 (três) anos e 10 (dez) meses de reclusão; b) alternativamente, em caso de manutenção da condenação, diminuição da pena imposta ao mínimo legal, considerando-se a atenuante da confissão; c) desclassificação do delito para o crime previsto no artigo 308, do Código Penal; d) diminuída a pena privativa de liberdade ao mínimo legal, seja ela substituída por penas restritivas de direitos; e d) alteração do regime inicial de cumprimento de pena para semiaberto.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls.178-189, pelo desprovimento do recurso interposto.

A Procuradoria Regional da República, em parecer de lavra da Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, opinou pelo improvimento do apelo (fls192-197).


É o relatório.

Ao MM. Revisor.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006591-22.2006.4.03.6119/SP
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VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


Em que pese a ausência de insurgência, no apelo, quanto à materialidade e à autoria, verifico que a materialidade delitiva restou demonstrada pelo Laudo de Exame Documentoscópico (fls.19-22) e a autoria é evidenciada pelo próprio interrogatório do réu em juízo, o qual confessou o uso do documento falso e que tinha conhecimento da falsidade (fls. 80-81).

Quanto ao pedido de aplicação do concurso formal entre a conduta dos autos e a de tráfico de drogas, apurada no processo nº 2006.61.19.000403-7, sob a alegação "da FINALIDADE e PROPÓSITO serem únicos, sendo certo que para poder realizar o tráfico, precisou utilizar, como MEIO para conduta delituosa, o referido documento falso", não procede a pretensão da Defesa.

Trata-se de condutas criminosas autônomas e praticadas em datas distintas. No processo nº 2006.61.19.000403-7, foi apurado o crime de tráfico internacional de drogas, sendo que o apelante foi preso em flagrante em 19/01/2006.

No curso da instrução, apurou-se que o passaporte que o réu usaria para embarcar com a droga é falso e que o mesmo passaporte foi utilizado, em 27/11/2005, para a sua entrada no território nacional, conduta essa que foi objeto da denúncia oferecida nos presentes autos.

Como se percebe, o crime de uso de documento falso foi praticado em condição de tempo diversa do crime de tráfico, sendo que o tráfico ocorreu em 19/01/2006, enquanto o uso de documento falso se deu em 27/11/2005.

Assim, não restam preenchidos os requisitos do concurso formal, que ocorre quando o agente, mediante uma única conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. No caso dos autos, o réu praticou duas condutas: uso de passaporte falso e transporte de drogas e em datas diversas.

Ainda que assim não fosse, não há, também, que se falar em aplicação do princípio da consunção, pois o crime de uso de documento falso não é meio necessário à prática do delito de tráfico de drogas.

Isso porque é plenamente viável praticar-se o crime de tráfico internacional de drogas utilizando-se do próprio passaporte, descaracterizando-se a relação entre meio e fim, imprescindível para a aplicação do princípio da consunção.

Portanto, trata-se de desígnios autônomos, de vontades independentes para a prática de delitos distintos, cujos bens jurídicos tutelados também são diversos: no crime de uso de documento falso, tutela-se a fé pública, a moral e a credibilidade da Administração Pública; no crime de tráfico de drogas, tutela-se a saúde pública.

Com o uso de passaporte falso, procurou o réu ocultar a sua verdadeira identidade, demonstrando finalidade diversa da perquirida na prática do crime de tráfico de entorpecentes.

No sentido da inaplicabilidade do princípio da consunção nos casos de crime de uso de documento falso de tráfico de drogas aponto precedentes so Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. USO DE DOCUMENTO FALSO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. CONCURSO MATERIAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A aplicação do princípio da consunção, critério de resolução de conflitos aparentes de normas, exige que haja uma relação de dependência entre o "crime meio" e o "crime fim", de tal forma que, excluído o primeiro, mostra-se inviável a ocorrência do segundo. 2. Na espécie, impossível o reconhecimento de crime único, pois a utilização de documento falso não se caracteriza como meio necessário para a configuração do tráfico de drogas , sendo mais acertada a aplicação da regra do concurso material. Precedente. 3. Recurso especial a que se nega provimento.
STJ, 5ª Turma, REsp 1134361/PR, Rel.Min. Jorge Mussi, j. 21/09/2010, DJe 11/10/2010
PENAL E PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO ARTIGO 304 CP - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. TRÁFICO DE DROGAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO- INAPLICABILIDADE - FALSA IDENTIDADE. DELITO SUBSIDIÁRIO. PENA-BASE. REDUZIDA MAS MANTIDA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CULPABILIDADE INTENSA. CONTINUIDADE DELITIVA. CARACTERIZADA. UTILIZOU O DOCUMENTO ADULTERADO POR DUAS VEZES. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. I. A materialidade do delito restou demonstrada pelo Laudo de Exame Documentoscópico II -. A autoria e dolo restaram demonstrados pelo conjunto probatório, inclusive pela confissão do acusado, na fase policial e judicial. III - Não procede o pedido de aplicação do princípio da consunção, uma vez que o falso aqui tratado não foi meio necessário à prática do crime de tráfico internacional de entorpecentes. IV - Não é possível agravar a pena com alusão ao desajuste na personalidade e na conduta social dos acusados se tal avaliação se funda no registro de ação penal em curso, com condenação não transitada em julgado, como é o caso dos autos, visto que tal juízo choca-se com a Súmula 444 do STJ. V - Entretanto, a culpabilidade do apelante é intensa, pois tinha plena ciência que, para praticar o delito de tráfico de entorpecentes, teria que usar documento falso, e, inclusive, contribuiu para a adulteração do passaporte, pois forneceu sua foto para substituir a verdadeira, razão pela qual a pena-base deve ser majorada em 1/6 (um sexto). VI - Com razão a magistrada sentenciante ao reconhecer a continuidade delitiva, uma vez que o apelante confessou, em seu interrogatório judicial, ter usado o passaporte adulterado em duas ocasiões, quais sejam, quando ingressou no território nacional e quando dele tentou sair, tendo, nas duas ocasiões, apresentado o passaporte falso perante as autoridades brasileiras. VII - Recurso parcialmente provido.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 00015846220034036181, Rel. Des.Fed. José Lunardelli, j. 30/08/2011, DJe 15/09/2011)

Portanto, inaplicável o concurso formal, bem como o princípio da consunção.


O pedido de desclassificação do crime de uso de documento falso para o crime de falsa identidade não comporta acolhimento.

Há que se distinguir o crime de uso de documento falso (art. 304) e o crime de falsa identidade (art. 307).

A prática do crime de falsa identidade se perfaz quando, por exemplo, o agente simplesmente se apresenta como sendo alguém que não é, sem que para tanto seja necessária a apresentação de qualquer documento.

No caso do crime de uso de documento falso, ao contrário, o agente se utiliza de um documento para se identificar. Ocorre, nesse caso, a apresentação de um documento espúrio.

O Supremo Tribunal Federal, no HC 1003314, constante do Informativo 628, manifestou-se acerca da diferença entre os dois delitos. Confira-se do acórdão:


HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. AGENTE QUE SE UTILIZA DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR SUA CONDIÇÃO DE FORAGIDO. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO DELITO DESCRITO NO ART. 304 DO CP. ORDEM DENEGADA. 1. A utilização de documento falso para ocultar a condição de foragido do agente não descaracteriza o delito de uso de documento falso (art. 304 do CP). 2. Não se confunde o uso de documento falso com o crime de falsa identidade (art. 307 do CP), posto que neste não há apresentação de qualquer documento, mas tão-só a alegação falsa quanto à identidade...
(STF, HC 103314, 2ª Turma, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 24/05/2011).

No caso dos autos, conforme atesta o laudo de exame documentoscópico de fls. 19-22, o passaporte é falso e foi, efetivamente, utilizado pelo réu para ingressar no Brasil, como atesta o carimbo imigratório às fls. 24 do documento. Dessa forma, a conduta do réu se enquadra no tipo do artigo 304 do Código Penal.


Portanto, a condenação pelo crime de uso de documento público falso é de rigor e fica mantida.


Passo à análise da dosimetria da pena.


Na primeira fase da dosimetria da pena, o MM. Juízo a quo fixou-a acima do mínimo legal, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, pelos seguintes fundamentos (fls. 134/135):


... É de se considerar que o réu não agiu de inopino, ao contrário, sabia que iria fazer uso do passaporte falso, teve tempo para refletir a respeito dessa conduta e ainda assim persistiu no intento criminoso. Ressalte-se, ainda, que o motivo do crime foi a utilização do passaporte falso para a consecução do delito de tráfico internacional de entorpecentes.
Por seu turno, tenho como totalmente desabonadoras a personalidade e a conduta do réu, haja vista que se está a tratar de indivíduo que se dispõe a cruzar fronteiras internacionais desprendendo-se facilmente de sua comunidade como meio de angariar alguns poucos dinheiros, revelando, dessa forma, desprezo pela vida ordeira em sociedade e perto de seu seio familiar.
...
Assim, atenta aos ditames do artigo 59 do Código Penal, não as tenho como favoráveis, impondo, pois, a necessidade de exacerbação da pena-base,...

Em relação à culpabilidade, o fato do réu não ter agido de inopino, mas com tempo de refletir a respeito da conduta e persistir no intento criminoso, constitui circunstância ínsita ao dolo.

Com efeito, dificilmente se poderia cogitar da hipótese do cometimento de crime de uso de passaporte materialmente falsificado que não fosse praticado de forma premeditada.

No que tange à personalidade, não verifico nos autos elementos que permitam a sua valoração. As razões indicadas pelo Juízo a quo não justificam o agravamento da pena-base, até mesmo porque, no caso do uso de documento falso, não há elementos nos autos que indiquem que tenha sido cometido com motivação econômica.

Assim, reduzo a pena-base para o mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo.

Na segunda fase da dosimetria, o MM. Juízo a quo considerou a presente a circunstância agravante da reincidência, em razão da condenação do réu no processo nº 2006.61.19.000403-7, em concurso com a atenuante da confissão, fazendo prevalecer a agravante.

Ocorre que, como assinalado, o crime de tráfico de drogas pelo qual o réu foi condenado ocorreu em 19/01/2006, como consta da cópia da denúncia (fls.05), e nestes autos o réu está sendo acusado de crime de uso de documento falso ocorrido em 27.11.2005 (fls.02), portanto anteriormente ao crime de tráfico de drogas.

Nos termos do artigo 63 do Código Penal, "verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgadoa sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior"

No caso dos autos, o crime levado em consideração como apontamento de reincidência foi cometido posteriormente ao crime de que se cuida nestes autos, não havendo que se falar em reincidência.

Assim, o apelo merece provimento quanto ao ponto, a fim de se afastar a circunstância agravante da reincidência.


Ainda na segunda fase da dosimetria da pena, incide a circunstância atenuante da confissão espontânea, tal como reconhecida na sentença apelada.

Contudo, inviável a minoração da pena aquém do patamar mínimo, porque válido o entendimento sumulado nº 231 do Superior Tribunal de Justiça que aduz que "a incidência da circunstância atenuante não pode coincidir à redução da pena abaixo do mínimo legal".

Referido enunciado tem amparo legal, pois se o tipo tem previsão de pena mínima, esta deve ser respeitada. As circunstâncias atenuantes e agravantes não possuem no Código Penal um balizamento do quantum pode ser diminuído ou aumentado. O entendimento sustentando na sentença recorrida implicaria em admitir a possibilidade de aplicação de pena igual a zero, o que se afigura absurdo. Dessa forma, o entendimento não afronta o princípio constitucional da legalidade, ao contrário, está exatamente de acordo com o mesmo.

Também não se verifica afronta ao princípio constitucional da individualização da pena, posto que essa se dá dentro dos limites mínimo e máximo estabelecidos pelo legislador ordinário.

No mesmo sentido do entendimento consubstanciado na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça já manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral:


AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.
STF, RE 597270 QO-RG/RS, Rel.Min. Cezar Peluso, j. 26/03/2009, DJe 04/06/2009.

Na terceira fase da dosimetria, sem causas de aumento ou diminuição, pela qual a pena definitiva resta fixada em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (onze) dias-multa, no valor unitário mínimo.


Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, observo que, operada a redução da pena-base, neste recurso, para o mínimo legal, incabível a fixação de regime inicial de cumprimento da pena mais gravoso que o determinado em função da quantidade da pena, nos termos do artigo 33, §2º do CP. Nesse sentido pacificou-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consubstanciado na Súmula 440:


Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.

Portanto, sendo a pena-base fixada no mínimo legal, e a pena definitiva em 02 nos e 10 meses de reclusão, é de rigor a fixação do regime aberto, nos termos do citado artigo 33, §2º, alínea "c" do CP.


Quanto à substituição da pena privativa de liberdade, pelos mesmos fundamentos aventados no item anterior, haveria de ser reformada a sentença, que a negou, uma vez que preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal.

Contudo, considerando que o réu foi preso em flagrante em 13/01/2006 e permaneceu preso durante o processo, tendo sido condenado pelo crime de tráfico de drogas à pena de 03 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, entendo que a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, neste momento processual, lhe seria prejudicial.


Pelo exposto, dou parcial provimento à apelação para reduzir a pena-base e afastar a circunstância agravante da reincidência, fixando a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, comunicando-se o Juízo das Execuções Penais e o Ministério da Justiça.

É como voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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