D.E. Publicado em 04/04/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação para reduzir a pena-base e afastar a circunstância agravante da reincidência, fixando a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, comunicando-se o Juízo das Execuções Penais e o Ministério da Justiça, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
O Ministério Público Federal, em 04/07/2007, denunciou STEFANO SANFILIPPO, qualificado nos autos, nascido aos 24/11/1956, cidadão italiano, como incurso no artigo 304 c.c. artigo 297, ambos do Código Penal. Consta da denúncia (fls.02/03):
A denúncia foi recebida em 12/07/2007 (fls.56).
Processado o feito, sobreveio sentença da lavra da MM. Juíza Federal Substituta Ivana Barba Pacheco, registrada em 29/08/2008 (fls.125-139 e 140), que condenou o réu como incurso no artigo 304 c/c art. 297, 61, I, 63 e 64, todos do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 15 (quinze) dias-multa, fixados no valor unitário mínimo, negando-lhe o direito de apelar em liberdade e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
O Ministério Público Federal tomou ciência da r. sentença em 18/09/2008 (fls.140 verso) e não apelou.
Expedida Guia de Recolhimento Provisória em 23/09/2008 (fls. 144).
Apela o réu às fls.171-175, postulando: a) a absolvição em razão de concurso formal entre a conduta dos autos e de tráfico de drogas, apurada no processo nº 2006.61.19.000403-7, no qual o acusado foi condenado à pena de 03 (três) anos e 10 (dez) meses de reclusão; b) alternativamente, em caso de manutenção da condenação, diminuição da pena imposta ao mínimo legal, considerando-se a atenuante da confissão; c) desclassificação do delito para o crime previsto no artigo 308, do Código Penal; d) diminuída a pena privativa de liberdade ao mínimo legal, seja ela substituída por penas restritivas de direitos; e d) alteração do regime inicial de cumprimento de pena para semiaberto.
Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls.178-189, pelo desprovimento do recurso interposto.
A Procuradoria Regional da República, em parecer de lavra da Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, opinou pelo improvimento do apelo (fls192-197).
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
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VOTO
O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):
Em que pese a ausência de insurgência, no apelo, quanto à materialidade e à autoria, verifico que a materialidade delitiva restou demonstrada pelo Laudo de Exame Documentoscópico (fls.19-22) e a autoria é evidenciada pelo próprio interrogatório do réu em juízo, o qual confessou o uso do documento falso e que tinha conhecimento da falsidade (fls. 80-81).
Quanto ao pedido de aplicação do concurso formal entre a conduta dos autos e a de tráfico de drogas, apurada no processo nº 2006.61.19.000403-7, sob a alegação "da FINALIDADE e PROPÓSITO serem únicos, sendo certo que para poder realizar o tráfico, precisou utilizar, como MEIO para conduta delituosa, o referido documento falso", não procede a pretensão da Defesa.
Trata-se de condutas criminosas autônomas e praticadas em datas distintas. No processo nº 2006.61.19.000403-7, foi apurado o crime de tráfico internacional de drogas, sendo que o apelante foi preso em flagrante em 19/01/2006.
No curso da instrução, apurou-se que o passaporte que o réu usaria para embarcar com a droga é falso e que o mesmo passaporte foi utilizado, em 27/11/2005, para a sua entrada no território nacional, conduta essa que foi objeto da denúncia oferecida nos presentes autos.
Como se percebe, o crime de uso de documento falso foi praticado em condição de tempo diversa do crime de tráfico, sendo que o tráfico ocorreu em 19/01/2006, enquanto o uso de documento falso se deu em 27/11/2005.
Assim, não restam preenchidos os requisitos do concurso formal, que ocorre quando o agente, mediante uma única conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. No caso dos autos, o réu praticou duas condutas: uso de passaporte falso e transporte de drogas e em datas diversas.
Ainda que assim não fosse, não há, também, que se falar em aplicação do princípio da consunção, pois o crime de uso de documento falso não é meio necessário à prática do delito de tráfico de drogas.
Isso porque é plenamente viável praticar-se o crime de tráfico internacional de drogas utilizando-se do próprio passaporte, descaracterizando-se a relação entre meio e fim, imprescindível para a aplicação do princípio da consunção.
Portanto, trata-se de desígnios autônomos, de vontades independentes para a prática de delitos distintos, cujos bens jurídicos tutelados também são diversos: no crime de uso de documento falso, tutela-se a fé pública, a moral e a credibilidade da Administração Pública; no crime de tráfico de drogas, tutela-se a saúde pública.
Com o uso de passaporte falso, procurou o réu ocultar a sua verdadeira identidade, demonstrando finalidade diversa da perquirida na prática do crime de tráfico de entorpecentes.
No sentido da inaplicabilidade do princípio da consunção nos casos de crime de uso de documento falso de tráfico de drogas aponto precedentes so Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Portanto, inaplicável o concurso formal, bem como o princípio da consunção.
O pedido de desclassificação do crime de uso de documento falso para o crime de falsa identidade não comporta acolhimento.
Há que se distinguir o crime de uso de documento falso (art. 304) e o crime de falsa identidade (art. 307).
A prática do crime de falsa identidade se perfaz quando, por exemplo, o agente simplesmente se apresenta como sendo alguém que não é, sem que para tanto seja necessária a apresentação de qualquer documento.
No caso do crime de uso de documento falso, ao contrário, o agente se utiliza de um documento para se identificar. Ocorre, nesse caso, a apresentação de um documento espúrio.
O Supremo Tribunal Federal, no HC 1003314, constante do Informativo 628, manifestou-se acerca da diferença entre os dois delitos. Confira-se do acórdão:
No caso dos autos, conforme atesta o laudo de exame documentoscópico de fls. 19-22, o passaporte é falso e foi, efetivamente, utilizado pelo réu para ingressar no Brasil, como atesta o carimbo imigratório às fls. 24 do documento. Dessa forma, a conduta do réu se enquadra no tipo do artigo 304 do Código Penal.
Portanto, a condenação pelo crime de uso de documento público falso é de rigor e fica mantida.
Passo à análise da dosimetria da pena.
Na primeira fase da dosimetria da pena, o MM. Juízo a quo fixou-a acima do mínimo legal, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, pelos seguintes fundamentos (fls. 134/135):
Em relação à culpabilidade, o fato do réu não ter agido de inopino, mas com tempo de refletir a respeito da conduta e persistir no intento criminoso, constitui circunstância ínsita ao dolo.
Com efeito, dificilmente se poderia cogitar da hipótese do cometimento de crime de uso de passaporte materialmente falsificado que não fosse praticado de forma premeditada.
No que tange à personalidade, não verifico nos autos elementos que permitam a sua valoração. As razões indicadas pelo Juízo a quo não justificam o agravamento da pena-base, até mesmo porque, no caso do uso de documento falso, não há elementos nos autos que indiquem que tenha sido cometido com motivação econômica.
Assim, reduzo a pena-base para o mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo.
Na segunda fase da dosimetria, o MM. Juízo a quo considerou a presente a circunstância agravante da reincidência, em razão da condenação do réu no processo nº 2006.61.19.000403-7, em concurso com a atenuante da confissão, fazendo prevalecer a agravante.
Ocorre que, como assinalado, o crime de tráfico de drogas pelo qual o réu foi condenado ocorreu em 19/01/2006, como consta da cópia da denúncia (fls.05), e nestes autos o réu está sendo acusado de crime de uso de documento falso ocorrido em 27.11.2005 (fls.02), portanto anteriormente ao crime de tráfico de drogas.
Nos termos do artigo 63 do Código Penal, "verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgadoa sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior"
No caso dos autos, o crime levado em consideração como apontamento de reincidência foi cometido posteriormente ao crime de que se cuida nestes autos, não havendo que se falar em reincidência.
Assim, o apelo merece provimento quanto ao ponto, a fim de se afastar a circunstância agravante da reincidência.
Ainda na segunda fase da dosimetria da pena, incide a circunstância atenuante da confissão espontânea, tal como reconhecida na sentença apelada.
Contudo, inviável a minoração da pena aquém do patamar mínimo, porque válido o entendimento sumulado nº 231 do Superior Tribunal de Justiça que aduz que "a incidência da circunstância atenuante não pode coincidir à redução da pena abaixo do mínimo legal".
Referido enunciado tem amparo legal, pois se o tipo tem previsão de pena mínima, esta deve ser respeitada. As circunstâncias atenuantes e agravantes não possuem no Código Penal um balizamento do quantum pode ser diminuído ou aumentado. O entendimento sustentando na sentença recorrida implicaria em admitir a possibilidade de aplicação de pena igual a zero, o que se afigura absurdo. Dessa forma, o entendimento não afronta o princípio constitucional da legalidade, ao contrário, está exatamente de acordo com o mesmo.
Também não se verifica afronta ao princípio constitucional da individualização da pena, posto que essa se dá dentro dos limites mínimo e máximo estabelecidos pelo legislador ordinário.
No mesmo sentido do entendimento consubstanciado na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça já manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral:
Na terceira fase da dosimetria, sem causas de aumento ou diminuição, pela qual a pena definitiva resta fixada em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (onze) dias-multa, no valor unitário mínimo.
Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, observo que, operada a redução da pena-base, neste recurso, para o mínimo legal, incabível a fixação de regime inicial de cumprimento da pena mais gravoso que o determinado em função da quantidade da pena, nos termos do artigo 33, §2º do CP. Nesse sentido pacificou-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, consubstanciado na Súmula 440:
Portanto, sendo a pena-base fixada no mínimo legal, e a pena definitiva em 02 nos e 10 meses de reclusão, é de rigor a fixação do regime aberto, nos termos do citado artigo 33, §2º, alínea "c" do CP.
Quanto à substituição da pena privativa de liberdade, pelos mesmos fundamentos aventados no item anterior, haveria de ser reformada a sentença, que a negou, uma vez que preenchidos os requisitos do artigo 44 do Código Penal.
Contudo, considerando que o réu foi preso em flagrante em 13/01/2006 e permaneceu preso durante o processo, tendo sido condenado pelo crime de tráfico de drogas à pena de 03 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, entendo que a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, neste momento processual, lhe seria prejudicial.
Pelo exposto, dou parcial provimento à apelação para reduzir a pena-base e afastar a circunstância agravante da reincidência, fixando a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão, no regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, comunicando-se o Juízo das Execuções Penais e o Ministério da Justiça.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 24/03/2014 09:28:20 |