Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/05/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0602437-32.1998.4.03.6105/SP
2007.03.99.010694-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : WILLIAM VALERIO QUIRINO DE SOUZA
ADVOGADO : SP078126 NELSON EDUARDO SERRONI DE OLIVA e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 98.06.02437-0 9 Vr CAMPINAS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIMES DE GESTÃO TEMERÁRIA E CORRUPÇÃO PASSIVA. PRELIMINAR REJEITADA. INFRAÇÃO DO DEVER DE COMUNICAÇÃO DE NOVO ENDEREÇO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. MATERIALIDADES E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. INAPLICABILDIADE DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. CONCURSO MATERIAL. RECURSO DA DEFESA IMPROVIDO. RECURSO DA ACUSAÇÃO PROVIDO.
1. O apelante infringiu o dever de comunicar ao Juízo seu novo endereço, nos termos do artigo 367, do Código de Processo Penal, dando causa à sua revelia e, portanto, não pode agora alegar nulidade, conforme o quanto disposto no artigo 565, do Diploma Processual Penal. Preliminar rejeitada.
2. Em tema de nulidades processuais, o nosso Código de Processo Penal acolheu o princípio pas de nullité sans grief, do qual se infere que somente há de se declarar a nulidade de ato processual, quando, além de alegada opportuno tempore, reste comprovado o efetivo prejuízo dela decorrente (art. 563, do Código de Processo Penal e Súmula 523, do Supremo Tribunal Federal).
3. O crime previsto no artigo 4º, da Lei nº 7.492/86, exige a aferição de elemento normativo do tipo, admitindo o legislador a impossibilidade material de uma previsão apriorística de todas as modalidades de conduta fraudulenta ou temerária na gestão de instituição financeira, com o escopo de delegar ao Poder Judiciário a função integrativa da norma e assim criar um instrumento jurídico repressivo que se ajustasse continuamente aos fatos sociais, acompanhando a evolução das práticas financeiras e das novas modalidades de ilicitude surgidas.
4. É de se notar, não obstante, que o risco inerente à atividade bancária tem que ser limitado, com os gestores do sistema procedendo com o cuidado de quem administra numerários de milhares de investidores e pode, em eventual conduta irresponsável, colocar em perigo a saúde do próprio sistema.
5. Embora se trate de tipo penal aberto, os Tribunais Pátrios consolidaram o entendimento de que o artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, incrimina a atuação negocial arriscada e imprudente, nociva aos interesses da instituição financeira, e em manifesta contrariedade às normas e regulamentos vigentes, avessa à cautela e prudência mínimas normalmente exigíveis dos gestores de instituições financeiras, submetendo a grave risco o patrimônio da sociedade e dos clientes da instituição.
6. A materialidade delitiva do crime previsto no artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 restou evidente em razão da prática de inúmeras operações irregulares, tais como concessão de empréstimos a clientes acima do limite de alçada do gerente geral, realização de contratações com clientes sem a devida análise prévia das efetivas condições econômico-financeiras de garantia, manutenção de cadastros desatualizados dos clientes, retificação de limites de créditos rotativos de diversos tomadores de empréstimos, concessão de empréstimos sem a formalização de contratos e desconto de duplicatas sem confirmação da veracidade em relação à sua emissão.
7. A autoria delitiva e o dolo são incontestáveis, já que o acusado, na condição de gerente geral de agência da Caixa Econômica Federal, geriu temerariamente a instituição financeira com plena ciência da ilicitude de suas condutas, tendo solicitado inclusive empréstimos aos clientes que obtiveram aumento em seus limites de crédito.
8. Vantagens indevidas foram solicitadas pelo acusado, em razão de sua função como gerente geral, o que configura o delito de corrupção passiva.
9. Os empréstimos solicitados pelo réu somente foram feitos após ele aumentar os limites de créditos rotativos, com a conseqüente elevação de seus cheques especiais, dos clientes, o que enseja a submissão de sua conduta no artigo 317, caput, do Código Penal.
10. Inaplicável à espécie o princípio da consunção, em que uma norma é absorvida por outra em razão do crime previsto pela primeira não passar de mero incidente, de uma fase de realização no iter criminis do delito previsto pela última, que representa a etapa mais avançada.
11. Quanto ao delito de corrupção passiva, na terceira fase de dosimetria da pena, considerando que o réu incorreu no tipo previsto no artigo 317, caput, do Código Penal, deve ser afastada a causa de aumento prevista no §1º, do citado dispositivo, uma vez que a vantagem indevida foi solicitada depois de já ter infringindo seu dever funcional.
12. Inexistindo impugnação da acusação e em respeito ao princípio non reformatio in pejus, a pena privativa de liberdade deve ser reduzida para em 2 (dois) anos de reclusão e a de multa em 10 (dez) dias-multa.
13. Tendo em vista que o acusado tomou empréstimos dos clientes inúmeras vezes, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, com unidade de desígnios, deve ser aplicada a causa de aumento relativa à continuidade delitiva, prevista no artigo 71, do Código Penal, no patamar mínimo de 1/6 (um sexto), considerando que solicitou a vantagem indevida apenas de poucos clientes se comparado com o total de pessoas que atendia diariamente na agência bancária, resultando na pena definitiva de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
14. Em relação ao delito de gestão temerária, as conseqüências do crime revelaram-se graves, ensejando a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
15. Ainda que o delito em tela seja formal, pois dispensa a ocorrência de prejuízos efetivos a terceiros para se consumar, as conseqüências do crime revelaram-se graves, ensejando a fixação da pena-base acima do mínimo legal, pois a Caixa Econômica Federal sofreu efetivos prejuízos, em razão de alguns empréstimos terem sido concedidos sem os respectivos contratos ou títulos, o que impossibilitou a via direta de execução, bem como alguns de seus clientes, ao "emprestarem" dinheiro ao acusado.
16. Os motivos do crime revelaram-se reprováveis em função do réu, no exercício de emprego público na empresa pública federal, ter agido por simples cobiça, já que concedeu irregularmente empréstimos a alguns clientes para, em seguida, pedir-lhes dinheiro emprestado, o que enseja a manutenção da pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa.
17. Ausentes agravantes e atenuantes, deve ser afastada a continuidade delitivas em face do complexo de condutas ilícitas cometidas pelo acusado terem consistido justamente na própria gestão temerária, que só é constatável quando um número considerável de decisões tomadas pelo controlador ou administrador da instituição financeira forem suficientes para colocar em risco a credibilidade do mercado financeiro, razão pela qual afasto a continuidade delitiva, restando na pena definitiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa.
18. O réu praticou o crime de gestão temerária através de condutas distintas e independentes daquelas que resultaram no delito de corrupção passiva, devendo incidir o concurso material de delitos, resultando na sanção de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de reclusão e pagamento de 81 (oitenta e um) dias-multa.
19. Preliminar argüida pela defesa rejeitada e, no mérito, apelação da defesa improvida e apelação do Ministério Público Federal provida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar argüida pela defesa em apelação e, no mérito, negar-lhe provimento e dar provimento à apelação do Ministério Público Federal para reconhecer o concurso material de crimes e excluir a causa de aumento prevista no §1º, do artigo 317, do Código Penal, resultando na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, e pagamento de 81 (oitenta e um) dias-multa pela prática dos crimes previstos nos artigos 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 e 317, caput, do Código Penal, mantida, no mais, a r. sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 05 de maio de 2014.
Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0602437-32.1998.4.03.6105/SP
2007.03.99.010694-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : WILLIAM VALERIO QUIRINO DE SOUZA
ADVOGADO : SP078126 NELSON EDUARDO SERRONI DE OLIVA e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 98.06.02437-0 9 Vr CAMPINAS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Trata-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelo réu WILLIAM VALÉRIO QUIRINO DE SOUZA contra sentença que o condenou pela prática dos crimes previstos no artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 e artigo 317, §1º, do Código Penal, em concurso material.


Narra a denúncia que William Valério Quirino de Souza, no ano de 1994, na qualidade de gerente geral, geriu temerariamente a agência da Caixa Econômica Federal em Amparo/SP ao conceder diversos empréstimos irregulares sem a competente análise econômico-financeira dos contratados, solicitado para tanto vantagem indevida dos respectivos clientes (fls. 02/05).


A denúncia foi recebida em 30 de outubro de 2000 (fls. 112/113).


Após regular instrução, foi proferida sentença, publicada em 22 de setembro de 2006 (fl. 412), que julgou procedente a ação penal para condenar o acusado William Valério Quirino de Souza ao cumprimento da pena total de 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática dos delitos previstos no artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 (dois anos e seis meses de reclusão e setenta dias-multa) e no artigo 317, §1º, do Código Penal (dois anos e oito meses de reclusão e treze dias-multa), resultante da aplicação da pena mais grave acrescida de 2/3 (dois terços), em face da continuidade delitiva (quinze crimes), além do pagamento de 83 (oitenta e três) dias-multa, no valor unitário do mínimo legal, nos termos do artigo 72, do Código Penal (fls. 401/411).


Em razões recursais, o Ministério Público Federal requer o afastamento do concurso formal, pois restou configurado o concurso material entre os delitos, a aplicação da pena prevista no artigo 317, caput, do Código Penal e o reconhecimento da continuidade delitiva apenas quanto ao delito de corrupção passiva (fls. 418/423).


A defesa, por sua vez, pleiteia, preliminarmente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa decorrente de ausência de intimação do réu para constituir novo defensor para apresentar alegações finais. No mérito, pugna, em síntese, pela absolvição, alegando que os fatos não constituíram infração penal, o delito de corrupção passiva não se consumou, a não configuração do delito descrito no artigo 317, §1º, do Código Penal, a inconstitucionalidade do crime de gestão fraudulenta ou sua absorção pelo crime de corrupção passiva. Subsidiariamente, requer a redução das penas de ambos os delitos ao mínimo legal.


Foram apresentadas contrarrazões (fls. 434/436 e 480/488).


A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opina, em parecer, pelo provimento do recurso da defesa para absolver o réu do crime de gestão temerária e corrupção passiva por atipicidade de condutas ou, subsidiariamente, caso seja mantida a condenação, para reconhecer a absorção do crime de gestão temerária pelo de corrupção passiva na sua figura simples, reduzir as penas ao mínimo legal e pelo provimento do recurso da acusação para excluir o tipo qualificado do delito de corrupção passiva, restando prejudicado o reconhecimento do concurso material de crimes (fls. 491/505).


É o relatório.


À revisão.



Antonio Cedenho
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0602437-32.1998.4.03.6105/SP
2007.03.99.010694-2/SP
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : WILLIAM VALERIO QUIRINO DE SOUZA
ADVOGADO : SP078126 NELSON EDUARDO SERRONI DE OLIVA e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 98.06.02437-0 9 Vr CAMPINAS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO:


Inicialmente, verifica-se que o Juízo a quo em 19.08.2005 determinou a intimação da defesa para apresentação das alegações finais, nos termos do artigo 500, do Código de Processo Penal, revogado posteriormente pela Lei nº 11.719, de 20.06.2008 (fl. 377).


Contudo, apesar de devidamente intimada, não houve manifestação da defesa na fase do revogado artigo 500, do Código de Processo Penal (fl. 378), razão pela qual o magistrado determinou a intimação do réu para que, no prazo de 5 (cinco) dias, constituísse novo defensor nos autos para apresentação das alegações finais, ressalvando que findo o prazo sem manifestação, ser-lhe-ia nomeado defensor dativo (fl. 379).


Expedida cartas precatórias ao Juiz de Direito da Comarca de Caçapava/SP (fl. 380) para intimar o acusado a constituir novo defensor, o Oficial de Justiça certificou que não o encontrou nos endereços constantes na respectiva carta (fls. 381 e 385v) pois, segundo informações dos atuais residentes, ele não reside mais naqueles locais, o que ensejou a nomeação da defensora dativa para atuar em sua defesa (fl. 387).


Desta forma, o ora apelante infringiu o dever de comunicar ao Juízo seu novo endereço, nos termos do artigo 367, do Código de Processo Penal, dando causa à sua revelia e, portanto, não pode agora alegar nulidade, conforme o quanto disposto no artigo 565, do Diploma Processual Penal. Nesse sentido, julgado do E. Superior Tribunal de Justiça:


"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ROUBO. ALEGAÇÕES FINAIS NÃO APRESENTADAS PELO DEFENSOR CONSTITUÍDO. NOMEAÇÃO DE DATIVO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO DEFENSOR DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPROCEDÊNCIA.
1. Não se reconhece nulidade a que deu causa o próprio Paciente, primeiro pela inércia de seu defensor constituído, e, segundo, pela não comunicação ao juízo da sua mudança de domicílio, conforme se depreende do disposto no art. 565 do Código de Processo Penal.
(...)."
(HC 38.924/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 16.04.2007, p. 218)

Ademais, em tema de nulidades processuais, o nosso Código de Processo Penal acolheu o princípio pas de nullité sans grief, do qual se infere que somente há de se declarar a nulidade de ato processual, quando, além de alegada opportuno tempore, reste comprovado o efetivo prejuízo dela decorrente, nos termos do artigo 563, do Código de Processo Penal, e da Súmula 523, do Supremo Tribunal Federal, verbis: "No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu."


No presente caso, ausente prejuízo no presente feito, vez que foi nomeada defensora dativa em favor do réu, que apresentou as alegações finais.


Nesse sentido, julgados do E. Superior Tribunal de Justiça e desta E. 5ª Turma:


"PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTE - NULIDADE - DEFESA PRELIMINAR FEITA POR DEFENSOR DATIVO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. NULIDADE DOS DEMAIS ATOS DE DIFÍCIL COMPROVAÇÃO - NECESSIDADE DE EXAME DOS AUTOS.EXCESSO DE PRAZO SUPERADO COM A SENTENÇA. PRISÃO EM FLAGRANTE - LIBERDADE PROVISÓRIA - CRIME EQUIPARADO A HEDIONDO - SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA - RÉU PRIMÁRIO E DE BONS ANTECEDENTES - RECONHECIMENTO IMPLÍCITO NA SENTENÇA PELO DEFERIMENTO DE CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE PREJUDICADA E PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1- Só a ausência de defesa anula o processo, sendo que a sua deficiência não tem o condão de fazê-lo.
2- Conquanto a ampla defesa compreenda, no aspecto da defesa técnica, a escolha do advogado, se o réu notificado para apresentar defesa preliminar nos crimes previstos na Lei 11.343/06, não o faz e o Juiz, sem notificar pessoalmente o advogado constituído, escoado o prazo legal, nomeia-lhe defensor, que a faz a contento, não se comprovando qualquer prejuízo ao acusado, não há que se declarar eventual nulidade.
(...)."
(HC 89913/GO, 6ª Turma, Rel. Desembargadora Convocada do TJ/MG Jane Silva, DJe 24/03/2008)
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2º, INCISOS I E II, E ART. 157, § 2º, INCISOS I E II, C/C ART. 14, INCISO II, C/C ART. 71, CAPUT, TODOS DO CÓDIGO PENAL. NULIDADE. INTIMAÇÃO PARA AUDIÊNCIA REALIZADA POR CARTA PRECATÓRIA. RÉU REPRESENTADO POR DEFENSOR AD HOC. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. SÚMULAS 155 E 523 DO STF. REGIME PRISIONAL. GRAVIDADE EM ABSTRATO DO DELITO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS TOTALMENTE FAVORÁVEIS.
I - "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu" (Súmula nº 523/STF).
II - A ausência do advogado constituído na audiência de oitiva de testemunhas não acarreta nulidade se o paciente foi representado por defensor dativo, que compareceu ao ato e atuou de forma efetiva e diligente, não se verificando qualquer prejuízo à defesa (Precedente).
(...)"
(HC 68335/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro Felix Fischer, DJ 03/09/2007, p. 197)
"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. JÚRI. DISPENSA DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS COM A CLÁUSULA DE IMPRESCINDIBILIDADE. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO SEM A PRÉVIA INTIMAÇÃO DO DEFENSOR CONSTITUÍDO. NULIDADES INOCORRENTES. ADEMAIS, MATÉRIAS PRECLUSAS POR NÃO DEDUZIDAS OPPORTUNO TEMPORIS. NÃO DEMONSTRADO PREJUÍZO AO RÉU, NÃO HÁ QUE SE FALAR EM NULIDADE DO JULGAMENTO (art. 563, CPP). Ordem denegada."
(HC 11740/PE, 5ª Turma, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 11/12/2000, p. 219)
"PENAL - ROUBO - ART. 157, § 2º, incisos I e II, DO CP - INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - NULIDADE EM DECORRÊNCIA DA AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO DEFENSOR CONSTITUÍDO PARA O INTERROGATÓRIO DO RÉU - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO - PRELIMINARES REJEITADAS - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA - RELEVÂNCIA - ART. 61, I, DO CP - OCORRÊNCIA - RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO - ADMISSIBILIDADE - USO DE ARMA DE FOGO - EXTENSÃO AO CO-AUTOR - CONCURSO DE PESSOAS - CARACTERIZAÇÃO - PENA FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS - RECURSOS DESPROVIDOS.
(...)
2. O acusado Jefferson foi devidamente assistido por defensor nomeado pelo Juízo "a quo", não decorrendo da alegada ausência da intimação pessoal nenhum prejuízo à defesa. Portanto, em homenagem ao princípio "pás de nullité sans grief", não há que se falar em nulidade do processo.
3. É de se ressaltar que o próprio apelante, que não se encontrava certo da presença de seu defensor constituído na audiência, solicitou, quando de sua intimação para o interrogatório, a nomeação de defensor dativo para acompanhar o ato processual.
4. Preliminares rejeitadas.
(...)"
(ACR 200661100026804, relatora Des. Fed. Ramza Tartuce, DJF3 16/09/2008)

Destarte, rejeito a preliminar argüida pela defesa e passo ao exame do mérito.


O crime previsto no artigo 4º, da Lei nº 7.492/86, exige a aferição de elemento normativo do tipo, admitindo o legislador a impossibilidade material de uma previsão apriorística de todas as modalidades de conduta fraudulenta ou temerária na gestão de instituição financeira, com o escopo de delegar ao Poder Judiciário a função integrativa da norma e assim criar um instrumento jurídico repressivo que se ajustasse continuamente aos fatos sociais, acompanhando a evolução das práticas financeiras e das novas modalidades de ilicitude surgidas.


Conforme leciona Manoel Pedro Pimentel (in "Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: Comentários à Lei 7.492, de 16.06.86", Revista dos Tribunais: São Paulo, 1987, p. 49), gerir significa administrar, dirigir, regular, comandar, e, invocando a definição de Elias de Oliveira, segundo o qual "Por gestão fraudulenta deve entender-se todo ato de direção, administração ou gerência, voluntariamente consciente, que traduza manobras ilícitas, com emprego de fraudes, ardis e enganos. Ao passo que gestão temerária significa a que é feita sem a prudência ordinária ou com demasiada confiança no sucesso que a previsibilidade normal tem como improvável, assumindo riscos audaciosos em transações perigosas ou inescrupulosamente arriscando dinheiro alheio".


Já Guilherme de Souza Nucci acerca da gestão temerária preleciona:


"45. Análise do núcleo do tipo: gerir significa administrar, gerenciar, dirigir. O objeto da gestão é a instituição financeira, tal como definido no art. 1.º desta Lei. Logo, o tipo diz respeito à tomada de decisões administrativas na instituição financeira, conforme dispõem a lei e seu estatuto. Deve haver grande risco."

Deste modo, diferenciam-se a gestão fraudulenta da gestão temerária justamente porque esta, se não tem a caracterização da fraude propriamente dita, consubstancia-se numa situação de grande risco nas decisões tomadas pelo administrador, que não toma a cautela que é devida, especialmente em se tratando de instituição financeira, em que há interesse tanto de acionistas e investidores, quanto pela própria saúde do sistema em si.


É importante notar, outrossim, que é necessária uma interpretação restritiva do tipo "gestão temerária", evitando-se confundir-se o abuso do risco irresponsável e, portanto, criminoso, daquela advinda da mera incapacidade gerencial do administrador.


A possibilidade de perdas, bem assim, deve ultrapassar os limites do razoável, uma vez que a atividade capitalista, mesmo em se tratando de instituição financeira, pressupõe um grau de risco que deve ser exacerbado para ensejar a aplicação da lei penal ao caso concreto. Nesse sentido, a lição de José Carlos Tórtima:


"O risco, dentro de limites razoáveis, é ínsito à atividade negocial, sobretudo no terreno em que operam as instituições financeiras. Nas operações com os chamados derivativos, por exemplo, são bem conhecidas as incertezas deste mercado de índices ou preços futuros de mercadorias, no qual os investidores apostam em cotações que oscilarão em torno de fatores um tanto aleatórios. Nada obstante, as incertezas naturais do mercado não devem ser encaradas como sinônimo de simples aventura com os recursos da empresa financeira e de seus clientes, cabendo aos gestores da primeira, através dos instrumentos de proteção (hedge) e controle que o próprio mercado oferecer, administrar tais riscos e evitar situações capazes de acarretar sérios prejuízos aos investidores ou mesmo de levar a instituição à derrocada. Adotadas as cautelas devidas para a consecução de determinados fins lícitos (v.g. maior retorno financeiro em aplicação de renda variável), eventuais consequências adversas estariam no espectro do chamado risco permitido, reconhecido pela doutrina.
(Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (Uma contribuição ao Estudo da Lei 7.492/86). Rio de Janeiro. Lúmen Juris. 2002. p. 35-36).

Corroborando o entendimento esposado, lecionam Paulo Afonso Brum Vaz e Ranier Souza Medina:


"Em todo caso, é razoável a ponderação de CALLEGARI no sentido de que não se pode considerar o risco causado pelo administrador de instituição financeira genericamente , porque "o importante não é como se deveria comportar um gestou ou administrador ideal dentro de uma instituição financeira, mas a conduta exigida deste dentro da situação em que se verifica o comportamento discutido". Não se deve, contudo, proceder a uma simples comparação com outros gestores, como sugere o ilustre penalista gaúcho na sequência do trabalho referido, pois poderíamos colecionar uma sucessão de atos de gestão temerária institucionalizados. É preciso, então, avaliar, objetivamente, se o agente considerou as normas prudenciais preconizadas pelos órgãos de supervisão do SFN, adotou providências voltadas a preservar não apenas a saúde da instituição, mas de todo o sistema financeiro, inclusive no que tange à própria concorrência. A análise, portanto, transcende à verificação da conduta do "gestor médio" e não busca um padrão ideal de administração financeira, mas uma cautela minimamente imputável a quem exerce atividade de tamanha responsabilidade e risco.
(Direto Penal Econômico e crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Editora Modelo, São Paulo, 2012, p. 160).

É de se notar, não obstante, que o risco inerente à atividade bancária tem que ser limitado, com os gestores do sistema procedendo com o cuidado de quem administra numerários de milhares de investidores e pode, em eventual conduta irresponsável, colocar em perigo a saúde do próprio sistema. Nesse sentido, a lição dos mesmos autores ora citados:


"Embora paradoxalmente o sistema econômico estimule, a mais não poder, a prática de manobras audaciosas por parte de seus gestores para maximizarem a lucratividade em plena sociedade de risco, o legislador visa à proteção do próprio regime capitalista dos seus principais beneficiários (os capitalistas), na medida em que estabelece, no âmbito da função de prevenção geral do Direito Penal, um necessário limite às ações dos agentes do sistema financeiro que coloquem em demasiado risco a sobrevivência do próprio mercado financeiro".
(Paulo Afonso Brum Vaz e Ranier Souza Medina. Direto Penal Econômico e crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, Editora Modelo, São Paulo, 2012, p. 164).

A discussão acerca da constitucionalidade do artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, em razão da veiculação de tipo penal aberto, com a conseqüente afronta ao princípio da reserva legal, já se encontra superada na jurisprudência, na medida em que a produção do resultado naturalístico deixou de integrar o preceito primário da norma sob exame, diferentemente do que ocorria no artigo 3º, inciso IX, da Lei nº 1.521/51 (Lei de Economia Popular), que o descrevia como crime de resultado e exigia a produção do resultado naturalístico falência ou insolvência da instituição, como decorrência da gestão, ou o descumprimento de cláusulas contratuais com prejuízo dos interessados. Trata-se agora de crime de mera conduta, no qual basta a realização do comportamento típico para a incidência da norma.


Nesse sentido, julgado do E. Superior Tribunal de Justiça:


"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. GESTÃO FRAUDULENTA. CRIME DE MERA CONDUTA. PRESENÇA DE SUFICIENTES INDÍCIOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA RELATIVOS AOS FATOS NARRADOS NA PEÇA ACUSATÓRIA. ORDEM DENEGADA.
1. Não há que se falar em inconstitucionalidade do tipo previsto no art. 4º da Lei nº 7.492/86, considerando ser o referido ilícito de mera conduta, ou seja, aquele que descreve apenas o comportamento do agente sem levar em consideração o resultado da ação.
(...)."
(HC 38385/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJ 21/03/2005, p. 411)

Assim, embora se trate de tipo penal aberto, os Tribunais Pátrios consolidaram o entendimento de que o artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, incrimina a atuação negocial arriscada e imprudente, nociva aos interesses da instituição financeira, e em manifesta contrariedade às normas e regulamentos vigentes, avessa à cautela e prudência mínimas normalmente exigíveis dos gestores de instituições financeiras, submetendo a grave risco o patrimônio da sociedade e dos clientes da instituição.


In casu, a materialidade delitiva do crime previsto no artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 restou evidente em razão da prática de inúmeras operações irregulares, tais como concessão de empréstimos a clientes acima do limite de alçada do gerente geral, realização de contratações com clientes sem a devida análise prévia das efetivas condições econômico-financeiras de garantia, manutenção de cadastros desatualizados dos clientes, retificação de limites de créditos rotativos de diversos tomadores de empréstimos, concessão de empréstimos sem a formalização de contratos e desconto de duplicatas sem confirmação da veracidade em relação à sua emissão, conforme apurado em procedimentos administrativos (apenso), devidamente corroborado por depoimentos testemunhais prestados em Juízo.


A testemunha Tânia Maria Reato, gerente geral da Caixa Econômica Federal na agência Moraes Salles em Campinas/SP à época dos fatos, designada para compor a comissão de sindicância destinada a apurar irregularidades na concessão de créditos na agência de Amparo/SP, declarou: "(...) que a sindicância foi instaurada porque havia um relatório de auditoria interna apontando irregularidades na concessão de empréstimos consistentes em valores acima do limite de alçada do gerente geral, cargo ocupado pelo acusado à época; que a auditoria apontou também a existência de quatro ou cinco empréstimos de veículos em nome do acusado; que o acusado liquidou o empréstimo de veículos antes do término da auditoria; que na sindicância também foi apurado que o acusado efetuou desconto de duplicatas "frias" que teriam sido sacadas pelo responsável pela empresa Iarres, que seria de propriedade do senhor José Fauze; que foram visitadas as empresas mencionadas nas duplicadas tendo sido constatado que a maioria delas situavam-se no mesmo endereço, em salas comerciais, em cima de um prédio de propriedade de José Fauze, proprietário da Iarres Companhia Ltda; que havia também endereço de local onde se situava um consultório odontológico, sendo que nesse consultório constava da duplicada como sendo uma tecelagem; que foram conferidos os CGC's das empresas mencionadas nas duplicatas e os CGC's não correspondiam aos nomes das empresas e nem aos locais onde estavam estabelecidas; (...) que foram apuradas irregularidades outras consistentes em ter o acusado tomado empréstimos de pessoas clientes da Caixa; que esses empréstimos eram feitos pelos clientes da Caixa Econômica que tinha o seu crédito aumentado pelo acusado e que faria a cobertura; que o acusado pagaria as prestações dos empréstimos ou faria a cobertura do limite dos cheques especiais; (...) que os clientes que efetuaram os empréstimos acabaram sendo executados, porque o acusado não efetuou o pagamento conforme o combinado; que com alguns clientes havia a elaboração de contrato aumentando o limite de crédito e com outros cliente não havia o devido contrato de modo que a caixa não pôde executá-lo; que o senhor Miguel Cassouf proprietário da empresa Cassouf Comercial teria emprestado um cheque seu ao acusado, para que o acusado pudesse cobrir alguns empréstimos efetuados e depois pagaria o valor do cheque ao senhor Miguel; que até o término da apuração sumária o citado Miguel Cassouf não recebeu o valor correspondente ao cheque emprestado; que o Miguel Cassouf era o proprietário da lotérica Cassouf Comercial; que a empresa I. Arres Companhia Ltda era de propriedade do senhor José Fauze, que esse cidadão informou que haviam feito um contrato de simulação de compra e venda de um terreno para poder legalizar o valor que ele estava prestando ao acusado para a quitação dos veículos; que um dos veículos havia sido vendido pelo acusado para a esposa do senhor Fauze; que houve também um financiamento irregular feito ao senhor Fauze de um outro veículo, que segundo se lembra seria um Ômega, sendo que nesse financiamento o veículo não se encontrava alienado em favor da Caixa Econômica, como seria de rigor; que o senhor Fauze procurou efetuar o pagamento de todas as duplicatas simuladas, utilizando-se para tanto de um cheque fraudado, que foi devolvido por irregularidades, que esse cheque seria produto de sumiço de um talão em que havia contraordem de pagamento, não se sabendo como foi parar em mãos do senhor Fauze; que em relação a Fernandes Bores Brandão o acusado também efetuou empréstimos, aumentando o limite da concessão de cheque especial; com o aumento de limite Fernando Bores Brandão teria emprestado dinheiro ao acusado; que essa operação também não foi precedida de contrato; que o cheque emitido como empréstimo do Fernando Bores Brandão foi creditado na conta do acusado, não sabendo a depoente de que forma ocorreu essas transferência, não se lembrando se foi através do cheque ou transferência de conta a conta; que constatou-se também que o acusado efetuou empréstimos pessoais e também em nome de sua esposa; que nesses empréstimos foram realizados acima da capacidade financeira do acusado; que para quitar um empréstimo o acusado efetuava um outro empréstimo, fazendo uma verdadeira rolagem de dívida; que o montante dos empréstimos efetuados foi num valor muito alto, bem superior à capacidade financeira do acusado; que a somatória na moeda da época seria de quase um bilhão; que com relação à maioria dos clientes as operações eram normais e as irregularidades se verificavam com um número pequeno de clientes que seriam amigos do acusado; que em geral as irregularidades consistiam em falta de cadastro, ausência de contrato, empréstimo acima da capacidade financeira e no caso específico da empresa I. Arres Ltda o desconto de duplicatas sem confirmação da veracidade em relação à sua emissão; que soube posteriormente que o acusado havia sido demitido; (...)"(fls. 195/198).


Elucidativo é o depoimento da testemunha Antônio Ferreira Dionísio Júnior, também destacado para realizar apuração sumária na agência de Amparo, o qual disse: "(...) que foram constatadas as seguintes irregularidades: desconto de duplicatas feito pela empresa I. Harriz Ltda cujos CGC's dos sacados não correspondiam à razão social deles; que outra irregularidade ocorreu com a empresa mencionada ma denúncia Delport's Shopping Comércio de Roupas cujo proprietário não teria se beneficiado do empréstimo concedido; (...) que o afastamento do acusado da gerência determinado pela Superintendência foi por ter sido constatada a existência de empréstimos que ultrapassavam o limite de sua alçada bem como pela inadimplência dos tomadores desses empréstimos; que á época dos fatos em razão da inflação existente era praxe o aumento do limite rotativo do cheque especial; que em relação a Fernando Bores Brandão foi constatado o aumento do crédito rotativo e a ele teria sido concedido um empréstimo mas ele alegou que não se beneficiou do referido empréstimo e sim o acusado; que na concessão desse crédito rotativo também não houve contrato, por não ter sido localizado; que em relação ao senhor Fauze dono da empresa I. Harriz Companhia Ltda constatou-se o desconto de duplicatas simuladas; (...) que como gerente o depoente pode afirmar que o acusado geriu temerariamente a gerência da Caixa Econômica Federal em Amparo; (...) que o aumento do crédito rotativo que normalmente eram feitos pelos gerentes eram de acordo com os índices inflacionários ou às vezes um pouco abaixo para a garantia da própria Caixa Econômica; (...) que os empréstimos a gerentes de agências normalmente são autorizados pelo gerente de operações ou pela superintendência mas em relação ao acusado os contratos de empréstimos por ele contraídos eram assinados por gerentes adjuntos da própria agência de Amparo, pessoas que ocupavam posição hierárquica inferior à do acusado; (...)" (fls. 199/201).


A corroborar os fatos, a testemunha Fernando Boris Brandão afirmou que: "(...) era cliente da CEF agência de Amparo e também amigo do acusado; em virtude dessa amizade, ele me solicitou dinheiro emprestado; eu lhe respondi que não tinha dinheiro para emprestar-lhe, tendo ele respondido "agora você já tem porque eu aumentei o seu limite de crédito no cheque especial"; então, concedi-lhe o empréstimo solicitado e, após isso, o réu não mais me pediu dinheiro emprestado, só que passou a aumentar de forma reiterada o limite de crédito no meu cheque especial para cobrir os encargos cobrados em relação a quantia que eu lhe emprestei e que havia sido originária desse limite fornecido pelo cheque especial; o montante que emprestei ao acusado foi se avolumando no decorrer do tempo e atingiu uma cifra que não mais se compatibilizava com novo aumento do limite do cheque especial, ocasião em que o denunciado me propôs firmar um contrato de empréstimo, mas eu me recusei; o réu chegou a me pagar uma parte do valor que lhe emprestei; (...)"(fl. 228).


A seu turno, a testemunha Miguel Kassouk respondeu que: "(...) sou dono de lotérica e também correntista da Caixa Econômica Federal (CEF) de Amparo; em 1994, na época do plano real, o acusado, que era gerente da CEF, concedeu-me um limite de R$ 20.000,00 no meu cheque especial; após algum tempo, ele me pediu emprestado R$ 15.000,00 dizendo que o empréstimo seria breve; atendi a solicitação e emiti um cheque de R$ 15.000,00 que foi coberto pelo limite do meu cheque especial; eu tinha amizade com o réu; eu procurava ter um bom relacionamento com o gerente da CEF e que tal entidade era quem autorizava o funcionamento da minha lotérica; o réu não pagou o empréstimo na data avençada; para evitar o aumento daquele débito, após 4 ou 5 meses eu vendi algumas linhas telefônicas para quitar o débito; (...) paguei uma quantia abaixo de R$ 17.000,00 para quitar aquele empréstimo; (...) quando emprestei os 15 mil reais, a moeda ainda não era o Real; o réu me deu um cheque em garantia no valor de 15 mil reais; posteriormente ele me deu um outro cheque para cobrir o valor dos juros; os cheque que o réu me entregou não cobriam o valor total do empréstimo; não recebi esses cheques; alguns dos cheques de menor valor que o réu me entregou foram pagos; eu tinha cheque especial antes do réu ser gerente; a CEF aumentou meu limite do cheque especial em várias oportunidades. (...)"(fl. 229).


Assim, resta evidente a atividade temerária, uma vez que ultrapassou os limites dos riscos razoáveis dentro de uma instituição financeira e não atendeu aos regramentos impostos pelo próprio Sistema Financeiro Nacional.


A autoria delitiva e o dolo são incontestáveis, já que o acusado, na condição de gerente geral da agência de Amparo/SP da Caixa Econômica Federal, geriu temerariamente a instituição financeira com plena ciência da ilicitude de suas condutas, tendo solicitado inclusive empréstimos aos clientes que obtiveram aumento em seus limites de crédito.


E, ademais, infere-se que vantagens indevidas foram solicitadas pelo acusado, em razão de sua função como gerente geral, o que configura o delito de corrupção passiva.


Constata-se, porém, que os empréstimos solicitados pelo réu somente foram feitos após ele aumentar os limites de créditos rotativos, com a conseqüente elevação de seus cheques especiais, dos clientes, o que enseja a submissão de sua conduta no artigo 317, caput, do Código Penal.


Inaplicável à espécie o princípio da consunção, em que uma norma é absorvida por outra em razão do crime previsto pela primeira não passar de mero incidente, de uma fase de realização no iter criminis do delito previsto pela última, que representa a etapa mais avançada.


Aplica-se esse princípio como critério de resolução de um conflito aparente de normas penais quando comprovado que a prática do crime-meio é estritamente necessária ou constitua em fase normal de preparação ou de execução do crime-fim.


É necessário, ainda, que ambos os crimes possuam o mesmo desígnio, pressupondo a análise de existência de um nexo de dependência das condutas ilícitas, para que se verifique a possibilidade de absorção daquele menos grave pelo mais danoso, de forma que não pode ser aplicado automaticamente, sem considerar as circunstâncias fáticas do caso concreto.


In casu, os delitos em tela foram praticados com desígnios autônomos, já que condutas independentes foram realizadas para prejudicar tão somente a confiança no mercado e a saúde financeira das instituições, bens jurídicos tutelados pelo tipo penal de gestão temerária, sem relação alguma com o cometimento do crime de corrupção passiva, cujo bem jurídico protegido é a administração em geral, razão pela qual o delito de gestão temerária não constitui meio necessário à consumação do crime de corrupção passiva, havendo, portanto, concurso material de crimes.


Dessa forma, é de rigor condenar o acusado William Valério Quirino de Souza como incurso nas penas do artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 e artigo 317, caput, do Código Penal.


Passo à análise da dosimetria das penas.


A pena-base deve ser fixada considerando-se as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, ou seja, a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima. A finalidade dessas circunstâncias, denominadas judiciais, por balizarem uma atuação jurisdicional fundada num exercício discricionário, é a de permitir a aplicação de penas individualizadas e proporcionais aos delitos praticados, que sejam necessárias e suficientes para promover a reprovação e a prevenção da conduta.


Quanto ao delito de corrupção passiva, a pena-base restou fixada no mínimo legal, não havendo insurgência a respeito.


Na segunda fase, inexistem agravantes, tampouco atenuantes.


Porém, na terceira fase, considerando que o réu incorreu no tipo previsto no artigo 317, caput, do Código Penal, deve ser afastada a causa de aumento prevista no §1º, do citado dispositivo, uma vez que a vantagem indevida foi solicitada depois de já ter infringindo seu dever funcional.


Assim, inexistindo impugnação da acusação e em respeito ao princípio non reformatio in pejus, reduzo a pena privativa de liberdade para em 2 (dois) anos de reclusão e a de multa em 10 (dez) dias-multa.


Tendo em vista que o acusado tomou empréstimos dos clientes inúmeras vezes, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, com unidade de desígnios, deve ser aplicada a causa de aumento relativa à continuidade delitiva, prevista no artigo 71, do Código Penal, no patamar mínimo de 1/6 (um sexto), considerando que solicitou a vantagem indevida apenas de poucos clientes se comparado com o total de pessoas que atendia diariamente na agência bancária, resultando na pena definitiva de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.


Em relação ao delito de gestão temerária, conforme reconhecido na r. sentença, as conseqüências do crime revelaram-se graves, ensejando a fixação da pena-base acima do mínimo legal.


Ainda que o delito em tela seja formal, pois dispensa a ocorrência de prejuízos efetivos a terceiros para se consumar, as conseqüências do crime revelaram-se graves, ensejando a fixação da pena-base acima do mínimo legal, pois a Caixa Econômica Federal sofreu efetivos prejuízos, em razão de alguns empréstimos terem sido concedidos sem os respectivos contratos ou títulos, o que impossibilitou a via direta de execução, bem como alguns de seus clientes, ao "emprestarem" dinheiro ao acusado.


E, ainda, os motivos do crime revelaram-se reprováveis em função do réu, no exercício de emprego público na empresa de cunho federal, ter agido por simples cobiça, já que concedeu irregularmente empréstimos a alguns clientes para, em seguida, pedir-lhes dinheiro emprestado.


Assim, a pena-base deve ser mantida em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa.


Na segunda fase, ausentes agravantes e atenuantes.


Na terceira, a r. sentença reconheceu a incidência da continuidade delitiva, nos seguintes termos:


"(...)
Foram onze contratos celebrados com a I. Harriz; um contrato com a Delport's e outro com a testemunha Fernando; duas elevações dos limites de crédito de Kassouf (totalizando 15 infrações); o que pode ser verificado da sindicância.
São crimes idênticos e praticados nas mesmas condições de lugar e modo de execução, caracterizando o crime continuado descrito no artigo 71 do CP.
Aliás, três dos clientes acima mencionados afirmaram que o uso do crédito foi destinado a "empréstimos" ao réu, como exposto no exame da autoria e materialidade. (...)"
(fl. 410)

Contudo, entendo que essa sequência de condutas irregulares cometidas pelo acusado consistiu justamente na própria gestão temerária, que só é possível de ser constatada justamente em razão da ocorrência de número considerável de decisões tomadas pelo controlador ou administrador da instituição financeira suficientes para colocar em risco a credibilidade do mercado financeiro, razão pela qual afasto a continuidade delitiva, restando na pena definitiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 70 (setenta) dias-multa.


A MMª Juíza a quo entendeu que houve concurso formal entre delitos, o que ensejou o apelo do Parquet para reformar a r. sentença neste ponto e reconhecer o concurso material entre delitos.


Com razão o Ministério Público Federal, pois, conforme analisado no campo da materialidade delitiva, o réu praticou o crime de gestão temerária através de condutas distintas e independentes daquelas que resultaram no delito de corrupção passiva.


Inaplicável o artigo 68, parágrafo único, do Código Penal, pois não houve concurso de causas de aumento previstas na parte especial, em que o juiz limitar-se-ia a um só aumento, mas a presença de concurso material e continuidade delitiva, causas de aumento descritas na parte geral do estatuto repressivo.


Destarte, as penas devem ser somadas, nos termos do artigo 69, do Código Penal, resultando na sanção de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de reclusão e pagamento de 81 (oitenta e um) dias-multa.


O valor unitário do dia-multa deve ser mantido no mínimo legal.


O regime inicial de cumprimento de pena deve ser mantido no semiaberto em face do quantum de pena, o que inviabiliza a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos dos artigos 33, §2º, "b" e 44, inciso I, ambos do Código Penal.


Diante do exposto, rejeito a preliminar argüida pela defesa em apelação e, no mérito, nego-lhe provimento e dou provimento à apelação do Ministério Público Federal para reconhecer o concurso material de crimes e excluir a causa de aumento prevista no §1º, do artigo 317, do Código Penal, resultando na pena de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente no regime semiaberto, e pagamento de 81 (oitenta e um) dias-multa pela prática dos crimes previstos nos artigos 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 e 317, caput, do Código Penal, mantida, no mais, a r. sentença.


É o voto.


Antonio Cedenho
Desembargador Federal


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