Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 15/05/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000368-52.2002.4.03.6003/MS
2002.60.03.000368-0/MS
RELATOR : Juiz Federal Convocado HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ARISTEU SALOMAO FUNES
ADVOGADO : SP221135 ALEXANDRE LOPES RIBEIRO e outro
No. ORIG. : 00003685220024036003 1 Vr TRES LAGOAS/MS

EMENTA

PENAL. ARTIGO 312, § 1º DO CÓDIGO PENAL - PECULATO-FURTO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. SENTENÇA REFORMADA PARA CONDENAR O RÉU, NOS TERMOS DEDUZIDOS NA DENÚNCIA.
1. O réu foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 312, § 1º, do Código Penal.
2. Autoridade e materialidade comprovadas. Conjunto probatório mostra de forma clara e segura que o réu praticou o delito em questão ao subtrair combustível, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade proporcionada pela qualidade de Policial Rodoviário Federal.
3. Apelação ministerial provida para condenar o apelado como incurso no delito tipificado no art. 312, § 1º, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma pena de prestação de serviços à comunidade e por uma prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos, acrescida de 11 (onze) dias-multa.
4. Decretada a perda da função pública (art. 92, inc. I, "a", do Código Penal).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso ministerial para condenar o apelado, pela prática de um delito tipificado no art. 312, § 1º, do CP, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 06 de maio de 2014.
HÉLIO NOGUEIRA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000368-52.2002.4.03.6003/MS
2002.60.03.000368-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal TORU YAMAMOTO
APELANTE : Justica Publica
APELADO : ARISTEU SALOMAO FUNES
ADVOGADO : ALEXANDRE LOPES RIBEIRO e outro
No. ORIG. : 00003685220024036003 1 Vr TRES LAGOAS/MS

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO: Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Publico Federal contra a r. sentença (fls. 886/888) proferida pela 1ª Vara Federal de Três Lagoas, que julgou improcedente a ação e absolveu o réu ARISTEU SALOMÃO FUNES, com fulcro no art. 386, VII, por considerar inexistente prova suficiente a ensejar uma condenação pelo delito tipificado no art. 312, § 1º, do Código Penal.
Em razões de apelação, o Parquet Federal, preliminarmente, requer a abertura de vista ao apelado para que se manifestasse quanto à juntada do Relatório Final Conclusivo da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. No mérito busca a condenação do réu pelo delito apontado na denúncia, sob o argumento de que há nos autos, provas suficientes da autoria e materialidade delitivas, a ensejar um edito condenatório (fls. 895/903).
A Defesa, em contrarrazões, espera a manutenção da sentença absolutória (fls. 991/1.012).
A Procuradoria Geral da República, por sua ilustre representante, Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, opinou pelo provimento do recurso Ministerial, com a consequente reforma da sentença absolutória e condenação do réu ARISTEU SALOMÃO FUNES, nos termos deduzidos na denúncia (fls. 913/919).
É o relatório.
À revisão.


TORU YAMAMOTO
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000368-52.2002.4.03.6003/MS
2002.60.03.000368-0/MS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ARISTEU SALOMAO FUNES
ADVOGADO : SP221135 ALEXANDRE LOPES RIBEIRO e outro
No. ORIG. : 00003685220024036003 1 Vr TRES LAGOAS/MS

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO HÉLIO NOGUEIRA:

ARISTEU SALOMÃO FUNES foi denunciado como incurso nas penas do artigo 312, § 1º, do Código Penal, tendo sido absolvido pelo Juízo Federal de Três Lagoas/MS, em 07.07.10, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

Consta da denúncia (fls. 02/04) que:


(...)
Consta do incluso inquérito policial, instaurado em virtude de Auditoria realizada pela Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal - PRF, que o denunciado, valendo-se da facilidade que lhe proporcionava a condição de policial rodoviário federal, subtraiu combustíveis destinados ao abastecimento das seguintes viaturas funcionais da PRF: GM C20, placas HQH 4676 e GM C20, placas HQH 4672.
Verificou-se que essas viaturas da PRF, além de outras (GM C20, placas HQH 5306 e VW/GOL, placas JFO 9116), continham um furo na lente protetora do painel de velocímetro e hodômetro, indicando claramente que houve adulteração mecânica da quilometragem constante dos hodômetros (vide laudo de fls. 427/432), visando justificar falsos abastecimentos.
Outrossim, constatou-se que o denunciado, no dia 01.06.2001, abasteceu a viatura placas HQH 4672 com 129,20 (cento e vinte e nove vírgula vinte) litros de combustível (fl. 366). Já no dia 18.06.2001, abasteceu a viatura placas HQH 4676 com 128 (cento e vinte e oito) litros (fl. 369), voltando a abastecer a mesma viatura em 27.06.2001, com outros 128 (cento e vinte e oito) litros de combustível (fl. 369).
Ocorre que, por meio do laudo pericial de fls. 613/616, apurou-se que os tanques de combustível das viaturas placas HQH 4672 e HQH 4676 possuem a capacidade total de 126 (cento e vinte e seis) litros.
Como não há como abastecer as referidas viaturas com quantidade de combustível superior a 126 (cento e vinte e seis) litros, ainda que o tanque estivesse completamente seco, conclui-se que houve a aquisição indevida de combustível por parte do denunciado.
Depreende-se, portanto, a existência de claros indícios de que o denunciado em questão subtraiu, no mês de junho de de 2001, pelo menos parte do combustível que adquiriu com recursos públicos federais, supostamente para abastecer as viaturas da PRF placas HQH 4672 e HQH 4676 .
Some-se a isso o fato de que testemunhas observaram ARISTEU levando consigo galão de combustível vazio, tendo-o enchido em determinadas oportunidades, quando abastecia viatura da PRF.
(...)

Passo à análise da pretensão recursal Ministerial, que objetiva a reforma da sentença de primeiro grau para que seja condenado o recorrido pelo crime de peculato-furto.
Da análise dos autos, verifico que a materialidade do delito restou sobejamente demonstrada pelos seguintes elementos:
a) Relatório de Vistoria em Viaturas (fls. 09/88), demonstrando a existência de furos nos painéis e marcas de adulteração na numeração dos hodômetros das viaturas;
b) Laudo de Exame em Material (fls. 432/437), que confirmou que os furos constantes nos painéis não são originais de fábrica e foram produzidos com um instrumento pontiagudo, além de comprovar a existência de "sulcos e ranhuras" nos contadores e dígitos dos hodômetros, "que indicaram ter havido a utilização de instrumento com ponta nessas regiões";
c) Laudo de Exame em Veículos (fls. 618/621), que confirmou a capacidade de armazenamento total dos tanques de combustíveis em 126 lts., o qual, analisado em conjunto com relatórios de abastecimentos (fls. 369/374), demonstram a ocorrência de abastecimentos em quantidades superiores ao volume dos tanques;
Anote-se que o laudo pericial efetuado nas viaturas foi conclusivo, atestando que a capacidade dos tanques era de 126 litros, não fazendo qualquer menção a alguma mangueira ou reservatório/adequação dos tanques passíveis de armazenar mais 5 litros de combustível.
O argumento lançado na sentença no sentido de que todos os postos de gasolina que abasteceram as referidas viaturas poderiam apresentar problemas, não possui qualquer indício nos autos, não podendo ser presumido, diante do conjunto probatório que evidencia fatos suficientes da ocorrência do desvio de combustível. Agregue-se, como bem constou do parecer do órgão ministerial, tal argumento também não se sustenta "porque todas as bombas de todos os postos de combustível onde verificados abastecimentos superiores à capacidade dos tanques teriam de apresentar o mesmo problema. O que, para fins processuais, não pode ser presumido" (fls. 195-v).
Não se pode olvidar que depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de sindicância administrativa da Polícia Rodoviária Federal (fl. 102/103, 107/108, 111/112 e 114/115), assim como em sede policial (fl. 596/598, 603/604), apontam para a ocorrência de apropriação de combustível pelo apelado.
Já em Juízo, deve-se registrar o depoimento prestado por Marcos Rodrigues Peixoto (fls. 759/762), do qual se destacam os seguintes trechos:
"...Que por cerca de três ou quatro vezes, o depoente viu que havia um galão de vinte litros vazio na parte de trás da viatura da PRF. Que o único PRF que o depoente via carregando galão de vinte litros vazio, atrás da viatura, era o PRF Aristeu. (...) Recorda que seu ex-padrasto Milton lhe disse certa vez que em uma determinada oportunidade havia recebido combustível doado pelo PRF Aristeu, mas não sabe porque Aristeu deu o combustível para Milton.
...Que retifica a sua afirmação acima prestada, acerca do número de vezes que o acusado Aristeu encheu o galão de vinte litros no posto de combustível. Que na verdade todas as vezes em que o depoente saiu junto com o PRF Aristeu, este pegava um galão de combustível de vinte litros vazio na residência dele e colocava na viatura. Que Aristeu abastecia a viatura e também enchia o galão de combustível, e posteriormente Aristeu deixava o galão cheio na residência. (...) Que nunca viu Aristeu pagando o combustível colocado no galão. Que só presenciou Aristeu preenchendo a ficha de abastecimento."

Por seu turno, Milton da Silva Rodrigues, em Juízo, declarou (fls. 795/796):
"Que, na época em que trabalhou no Posto da PRF, recebeu, como pagamento, vinte litros de gasolina. Que foi Aristeu que lhe entregou o combustível na casa do depoente. Que o PRF Aristeu disse ao depoente que a Delegacia estava 'no vermelho', mas estava sobrando combustível. Que essa foi a única vez que recebeu gasolina como pagamento."
Desse modo, a materialidade delitiva encontra-se plenamente demonstrada.
Também se mostrou inconteste, a autoria por parte do réu, na conduta delitiva prevista no artigo 312, § 1º, do Código Penal.
Os depoimentos destacados acima são suficientes a demonstrar a apropriação de combustível pelo apelado, denotando que Aristeu se aproveitava do acesso que o seu cargo lhe proporcionava para obter combustível que era de propriedade da Polícia Rodoviária Federal.
Anote-se que a conclusão da Consultoria Jurídica da PRF juntada às fls. 959/983 aponta o recorrido como o autor das condutas evidenciadas, ou seja, irregularidades no abastecimento das viaturas da 8ª Delegacia de Três Lagoas/MS, e consequente desvio de combustível, são de tal ordem que impõe a imposição de penalidade mais gravosa, qual seja, a de suspensão por 20 dias (fls. 979)
Pelo exposto, contrariamente à versão apresentada pelo réu, quando de seu interrogatório judicial (fls.697/699), no sentido de não ter conhecimento das irregularidades nas viaturas, bem como que, por uma única vez transportou um galão de combustível na viatura, o conjunto probatório coligido é francamente a ele desfavorável e é farto quanto à comprovação de que, com sua conduta, o réu, valendo-se de sua qualidade de funcionário público, para a subtração de bem público, incorreu na prática do crime de peculato-furto previsto no artigo 312, § 1º, do Código Penal, carecendo de reforma o r. decisum.
A despeito de eventual alegação de inexistência de prejuízo ou mesmo incidência do princípio da insignificância, o delito em comento sequer exige a ocorrência de prejuízo à Administração Pública, conforme o entendimento deste E. Tribunal:

CRIMINAL - PECULATO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PRINCÍPIO DA BAGATELA OU INSIGNIFICÂNCIA INCABÍVEIS 1. A autoria e a materialidade delitivas restaram devidamente comprovadas, ante o material fático probatório colacionado, tais como relatórios de apuração administrativa e depoimentos testemunhais. 2. No crime de peculato, o sujeito passivo da infração penal é a Administração Pública, e a consumação do delito se dá com a violação do dever de fidelidade do agente para com o Estado, sendo a vantagem patrimonial alcançada, mero exaurimento. 3. Recurso provido
(ACR nº 00101561620044036102, Rel. Des. Fed. LUIZ STEFANINI, p. e-DJF3 05/05/2008)
Assim, comprovadas a materialidade e a autoria do crime, porquanto presentes nos autos elementos probatórios de que ARISTEU SALOMÃO FUNES agiu voluntária e conscientemente com o fim subtrair bem público em proveito próprio ou alheio, valendo-se da facilidade proporcionada pela qualidade de Policial Rodoviário Federal, a sentença deve ser reformada, condenando-se o réu, como incurso no delito capitulado no artigo 312, § 1º, do Código Penal.
Passo à análise da dosimetria da pena.
Fixo a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor unitário mínimo legal, levando-se em conta as circunstâncias judiciais de que trata o artigo 59 do Código Penal, as quais não lhe são desfavoráveis.
Ao contrário do afirmado pelo órgão ministerial em suas alegações finais (fls. 847/862), não há elementos nos autos que indicam ser desfavoráveis as circunstâncias relativas a conduta social e a personalidade, uma vez que a repetição na conduta está descrita na denúncia e caracteriza continuidade delitiva, conforme será considerado na terceira fase da dosimetria. Já as circunstâncias relativas ao motivo do crime, também apontados como desfavoráveis, constituem elementos do próprio tipo penal, não podendo ser utilizados para majoração da pena-base.
Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes, bem como causas especiais de aumento ou diminuição.
Uma vez que o acusado defende-se dos fatos descritos na denúncia e não da capitulação jurídica constante da peça inicial, deve ser sopesada, nessa terceira fase, a continuidade delitiva, uma vez que, apesar de não constar a indicação da capitulação, a denúncia descreve três condutas típicas de mesma espécie ocorridas em 01.06.2001, 18.06.2001 e 27.06.2001, de modo que as condições de tempo, lugar e modo de execução apontam para a continuidade, nos termos do art. 71 do CP, razão pela qual acresço em 1/6 a pena-base, tornando definitiva a pena privativa de liberdade em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, acrescida de 11 (onze) dias-multa.
O regime inicial para desconto da pena será o aberto (art. 33, § 2º, "c", CP).
Preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos, nos termos do art. 44 do CP, substituo a pena privativa de liberdade por uma pena de prestação de serviços à comunidade, em entidade assistencial, a ser definida pelo Juízo da Execução, bem como por uma prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos, corrigidos monetariamente até a data do efetivo pagamento.
Diante do quantum da pena e da natureza do delito, tendo o apelado, valendo-se da função pública que exercia, violado dever perante a Administração Pública, decreto, com fundamento no art. 92, inc. I, "a", do CP, a perda do cargo de policial rodoviário federal.
Por esses fundamentos, dou provimento à apelação ministerial e condeno o réu ARISTEU SALOMÃO FUNES, como incurso no delito tipificado no art. 312, § 1º, c.c. art. 71, ambos do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, que fica substituída por uma pena de prestação de serviços à comunidade, em entidade assistencial, a ser definida pelo Juízo da Execução, bem como por uma prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos, corrigidos monetariamente até a data do efetivo pagamento, acrescida de 11 (onze) dias-multa. Decretada, ainda, a perda do cargo de policial rodoviário federal, nos termos do art. 92, inc. I, "a", do CP.
É como voto.

HÉLIO NOGUEIRA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
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Data e Hora: 08/04/2014 15:02:52