Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/05/2014
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006762-76.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.006762-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : JUAN CARLOS CASTANEDA DE LA CRUZ reu preso
ADVOGADO : SP212565 KATYANA ZEDNIK CARNEIRO e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : JOSE LUIS OCHOA DE LA ROCA
ADVOGADO : SP212565 KATYANA ZEDNIK CARNEIRO e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
CO-REU : JOSE PAULO LOPEZ QUINTEROS

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. FURTO QUALIFICADO E MOEDA FALSA. AUSÊNCIA DE CONEXÃO PROBATÓRIA. DESCABIMENTO DA PRORROGAÇÃO DE COMPETÊNCIA. ANULAÇÃO DO PROCESSO COM RELAÇÃO AO CRIME DE FURTO QUALIFICADO. MATERIALIDADE E AUTORIA DO CRIME DE MOEDA FALSA COMPROVADAS. DOLO NÃO DEMONSTRADO. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO DESPROVIDA. APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA.
1.Apelações da Acusação e do réu JUAN CARLOS, contra sentença que condenou o réu JUAN CARLOS como incurso nos artigos 155, §4º, inciso II, e 289, §1º, do CP - Código Penal, à pena de 05 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão; absolveu o réu JOSE LUIS da imputação do artigo 289, §1º, do CP, e condenou-o como incurso no artigo 155, §4º, inciso II, do CP, à pena de 02 anos e 08 meses de reclusão.
2. Tratando-se de crime de furto em que figura como vítima particular, não havendo portanto qualquer interesse da União ou de suas autarquias e empresas, a competência da Justiça Federal somente se justificaria se houver conexão probatória ou instrumental com o crime de moeda falsa, nos termos do artigo 76, inciso III do Código de Processo Penal.
3. A prova do crime de moeda falsa restringe-se ao encontro das cédulas em poder do réu, ou seja, resume-se ao testemunho do policial que encontrou as cédulas no bolso de um dos acusados. Já a prova do crime de furto é diversa, posto que alcança o esquema fraudulento para distrair a atenção da vítima, proprietária do computador, bem como a subtração propriamente dita, sendo necessária a oitiva dos policiais, da vítima do furto, e da funcionária do hotel.
4. Ausente a conexão probatória ou instrumental, não se justifica a prorrogação de competência da Justiça Federal, ainda que ambos os crimes tenha sido praticados pela mesma pessoa e nas mesmas circunstâncias de tempo e local. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
5. Não há nos autos nenhuma prova no sentido de que JOSÉ LUIS, ao menos, tivesse conhecimento da existência das cédulas falsas encontradas no bolso de JUAN CARLOS.
6. Quanto ao réu JUAN CARLOS, é certo que a materialidade delitiva restou comprovada pelo laudo pericial e também que a autoria restou comprovada nos autos. Contudo, não restou comprovado o elemento subjetivo do tipo, eis que no crime de moeda falsa o dolo inclui o conhecimento da falsidade.
7. A constatação do dolo, nos casos em que o agente nega o conhecimento da falsidade, deve ser feita de acordo com as circunstâncias em que se deu a introdução da moeda em circulação, e de sua apreensão. Precedentes.
8. Não se verifica prova cabal para a condenação, haja vista que a afirmativa do acusado de que desconhecia a falsidade das notas apreendidas é plausível. O objetivo do acusado era furtar a valise e a pergunta sobre a cotação da moeda estrangeira serviu apenas de desculpa para justificar sua presença no saguão do hotel, sem despertar maiores suspeitas.
9. Processo anulado de ofício quanto ao crime de furto qualificado. Apelação da Acusação desprovida. Apelação da Defesa provida.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, por unanimidade, de ofício, anular o processo quanto ao crime de furto qualificado, desde o recebimento da denúncia, inclusive, determinando a extração de cópia integral dos autos e remessa ao Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos/SP; e por maioria, negar provimento à apelação do Ministério Público Federal; e dar provimento à apelação do réu JUAN CARLOS para absolvê-lo da imputação do crime do artigo 289, § 1º, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo voto do Desembargador Federal José Lunardelli, vencido o Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, que dava parcial provimento ao recurso ministerial e dava provimento à apelação da defesa, em menor extensão.



São Paulo, 06 de maio de 2014.
MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006762-76.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.006762-0/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : JUAN CARLOS CASTANEDA DE LA CRUZ reu preso
ADVOGADO : KATYANA ZEDNIK CARNEIRO e outro
APELANTE : Justica Publica
APELADO : JOSE LUIS OCHOA DE LA ROCA
ADVOGADO : KATYANA ZEDNIK CARNEIRO e outro
APELADO : OS MESMOS
CO-REU : JOSE PAULO LOPEZ QUINTEROS

RELATÓRIO

O Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita (Relator):


O Ministério Público Federal denunciou, em 29/09/2006, JUAN CARLOS CASTANEDA DE LA CRUZ, JOSE LUIS OCHOA DE LA ROCA e JOSE PAULO LOPEZ QUINTEROS, qualificados nos autos, de nacionalidade peruana, nascidos, respectivamente, aos 24/06/1969, 21/12/1966 e 07/02/1954, como incursos nos artigos 155, §4º, incisos II e IV, e 289, §1º, todos do CP - Código Penal, em concurso material. Consta da denúncia:


... DO FURTO
No dia 05 de setembro de 2006, por volta das 13h15min, no Hotel Marriot, situado na Av. Monteiro Lobato, s/nº, altura do km 02 da Rodovia Hélio Schmidt, nas proximidades do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, JUAN CARLOS CASTANEDA DE LA CRUZ subtraiu, para si e para JOSE LUIS OCHOA DE LA ROCA e JOSE PAULO LOPEZ QUINTEROS, uma mala de couro preta para laptop, marca Gerdau, contendo documentos, avaliada em R$300,00 (trezentos reais), da posse da vítima Sério Lima Rossi, hóspede do estabelecimento, no momento em que este se encontrava no balcão da recepção do hotel, preparando-se para fechar a conta.
Sérgio colocara a mala para laptop no chão, do seu lado direito e encostara no balcão da recepção. Conversava com a atendente quando percebeu que algumas pessoas se colocavam a seu lado. Enquanto JUAN e seu comparsa JOSE LUIS OCHOA DE LA ROCA formavam aglomeração e distraíam a atendente do balcão, Celise Nascimento Moreira, o próprio JUAN se abaixou e trocou a mala da vítima por outra falsa, também para laptop, da marca Dell, e saiu imediatamente do local. A vítima só percebeu a troca e a subtração da mala original quando terminou se acertar as contas e se abaixou para pegá-la...
DA MOEDA FALSA
No dia 05 de setembro de 2006, por volta das 13h15min, JUAN CARLOS CASTANEDA DE LA CRUZ, JOSE LUIS OCHOA DE LA ROCA e JOSE PAULO LOPEZ QUINTEROS, em unidade de desígnios, guardavam, trazendo consigo, pelo menos três cédulas de US$100,00 (cem dólares) falsas, com as quais se dirigiram ao Hotel Marriot, situado na Av. Monteiro Lobato, s/nº, altura do km 02 da Rodovia Hélio Schmidt, nas proximidades do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, a bordo do automóvel Fiat/Palio Fire Flex, cor azul, placa DSA1562, com o intuito de trocá-las por reais, em operação de câmbio a ser realizada no balcão do estabelecimento hoteleiro.
Chegando ao hotel, JUAN, JOSE LUIS E JOSE PAULO estacionaram o veículo e desceram. JOSE LUIS OCHOA DE LA ROCA se dirigiu com JUAN ao balcão da recepção, e perguntou à atendente Celise Nascimento Moreira se poderia efetuar a troca de dólares, pois necessitava fazer o pagamento de um amigo. Celise lhe informou que a cotação do dia era de R$ 1,80 (um real e oitenta centavos). JOSE LUIS reclamou que no Aeroporto a cotação era de R$ 2,00 (dois reais), ao que Celise replicou dizendo que por norma do hotel a taxa de conversão dólar-real era mesmo mais baixa. Momentos depois JOSE LUIS, depois de se confundir com os argumentos, retornou com a quantia de US$ 200,00, o que pôs os seguranças do hotel de alerta, em virtude da troca de euros falsos da qual o estabelecimento fora vítima dias antes. Celise tentou manter conversa com JOSE LUIS, para que a segurança do hotel tivesse tempo de acionar a polícia, quando o hóspede Sérgio deu o alerta de que sua mala fora furtada. Na aglomeração de seguranças e policiais que se seguiu, JOSE LUIS logrou sair do local, sendo detido depois no estacionamento...

A denúncia foi recebida em 29/08/2006 (fls. 109/110).

Após instrução, sobreveio sentença, da lavra da MM. Juíza Federal Noemi Martins de Oliveira, publicada em 19/03/2007 (fl. 618), que:

a) condenou o réu JUAN CARLOS CASTANEDA DE LA CRUZ como incurso nos artigos 155, §4º, inciso II, e 289, §1º, do CP, às penas, respectivas, de 02 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão e 11 dias-multa, no valor unitário mínimo, e de 03 anos de reclusão e 10 dias-multa, no valor unitário mínimo, totalizando, em razão do concurso material, 05 anos, 02 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 21 dias-multa;

b) absolveu o réu JOSE LUIS OCHOA DE LA ROCA da imputação do artigo 289, §1º, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do CPP - Código de Processo Penal, e condenou-o como incurso no artigo 155, §4º, inciso II, do CP, à pena de 02 anos e 08 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 13 dias-multa, no valor mínimo legal, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes: i) prestação pecuniária equivalente a 10 cestas básicas, no valor de cem reais cada, destinada a entidade social a ser eleita pelo Juízo da execução, e ii) pagamento de 10 dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo;

c) absolveu o réu JOSE PAULO LOPEZ QUINTEROS das imputações formuladas na denúncia, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do CPP.

Apela o réu JUAN CARLOS (fl. 645). Razões às fls. 707/716 pedindo a fixação de regime inicial menos gravoso para o cumprimento da pena.

O Ministério Público Federal também apela (fls. 647/655). Requer a) a condenação do réu JOSÉ LUIS também pelo crime de moeda falsa; b) o reconhecimento dos maus antecedentes de JUAN CARLOS e JOSÉ LUIS; c) seja afastada a atenuante da confissão espontânea de JUAN CARLOS.

Contrarrazões da Defesa de JUAN CARLOS e JOSE LUIS (fls. 675/681).

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, opinou pelo provimento do recurso da Acusação e pelo desprovimento do recurso da Defesa (fls. 718/729).


É o relatório.

Ao MM. Revisor.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006762-76.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.006762-0/SP
APELANTE : JUAN CARLOS CASTANEDA DE LA CRUZ reu preso
ADVOGADO : SP212565 KATYANA ZEDNIK CARNEIRO e outro
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APELADO(A) : JOSE LUIS OCHOA DE LA ROCA
ADVOGADO : SP212565 KATYANA ZEDNIK CARNEIRO e outro
APELADO(A) : OS MESMOS
CO-REU : JOSE PAULO LOPEZ QUINTEROS

VOTO

O Juiz Federal Convocado MÁRCIO MESQUITA (Relator):


QUANTO AO CRIME DE FURTO QUALIFICADO, o processo deve ser anulado desde o recebimento da denúncia, inclusive, por incompetência da Justiça Federal.

Tratando-se de crime de furto em que figura como vítima particular, não havendo portanto qualquer interesse da União ou de suas autarquias e empresas, a competência da Justiça Federal somente se justificaria se houver conexão probatória ou instrumental com o crime de moeda falsa, nos termos do artigo 76, inciso III do Código de Processo Penal.

A conexão probatória ocorre quanto a prova de um crime influa na prova do outro ou, de alguma forma, seja conveniente que as provas sejam feitas no mesmo processo.

No caso dos autos, as condutas são distintas, mesmo que tenham sido praticadas pelo mesmo autor e na mesma ocasião. Uma situação é a conduta do furto, qualificado pela fraude, em que um agente se aproximou do balcão, distraiu a vítima e outro agente se apoderou da valise, e a outra conduta é a simples posse da cédula falsa que foi descoberta quando os réus foram presos pela conduta do furto. Não há nenhuma influência da prova de um fato na prova do outro fato.

Note-se que a denúncia não imputa aos réus a conduta de tentar passar as cédulas falsas no mesmo balcão do hotel, caso em que poderia se cogitar de conexão instrumental. Ao contrário, a denúncia imputa aos réus o crime do artigo 289, §1º do CP - Código Penal, na modalidade "guardar", surpreendidos portanto as cédulas quando foram presos pelo crime de furto, já no estacionamento do hotel.

Dessa forma, a prova do crime de moeda falsa restringe-se ao encontro das cédulas em poder do réu, ou seja, resume-se ao testemunho do policial que encontrou a moeda falsa no bolso de um dos acusados.

Já a prova do crime de furto é diversa, posto que alcança o esquema fraudulento para distrair a atenção da vítima, proprietária do computador, bem como a subtração propriamente dita, sendo necessária a oitiva dos policiais, da vítima do furto, e da funcionária do hotel.

Como se vê, nem as testemunhas sequer são as mesmas, exceto os policiais que efetuaram a prisão e que não presenciaram nenhuma tentativa, por parte dos réus, de passar moeda falsa.

Dessa forma, não havendo conexão probatória ou instrumental, cabe à Justiça Federal julgar apenas o crime de sua competência, qual seja, o de moeda falsa, e à Justiça Estadual o crime de furto.

No sentido de que, ausente a conexão probatória ou instrumental, não se justifica a prorrogação de competência da Justiça Federal, ainda que ambos os crimes tenha sido praticados pela mesma pessoa e nas mesmas circunstâncias de tempo e local, situa-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:


PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO, QUADRILHA, DESOBEDIÊNCIA E MOEDA FALSA. CONEXÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
DESMEMBRAMENTO DO FEITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA APRECIAÇÃO APENAS DO DELITO DE MOEDA FALSA.
1. A conexão ocorre quando a situação fática se enquadrar em alguma das hipóteses previstas no art. 76 do Código de Processo Penal.
2. Inexiste a conexão quando as condutas são absolutamente distintas, não havendo nenhuma relação de dependência probatória, ainda que o autor dos delitos seja a mesma pessoa ou tenham sido descobertos na mesma circunstância temporal.
3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da Vara e Juizado Especial de Joaçaba - SJ/SC, ora suscitado, para processar e julgar apenas o crime de moeda falsa.
(STJ, CC 107.606/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/04/2010, DJe 07/05/2010)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MOEDA FALSA, USO DE DOCUMENTO FALSIFICADO, ROUBO QUALIFICADO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. Inexistindo conexão entre o delito de moeda falsa e os demais crimes de competência do Juízo Estadual, não há que se falar em competência da Justiça Federal.
2. Conflito conhecido para declarar-se competente o Juízo de Direito da Vara Criminal de Santana do Livramento/RS, o suscitado.
(STJ, CC 100.483/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 18/12/2008)
PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. CRIMES DE MOEDA FALSA E DE PORTE DE ARMA. AUSÊNCIA DE CONEXÃO PROBATÓRIA ENTRE OS DELITOS. CISÃO DOS INQUÉRITOS, A FIM DE QUE CADA JUÍZO PROCESSE E APURE OS CRIMES DE SUAS RESPECTIVAS COMPETÊNCIAS. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA DO INDICIADO PELA SUPOSTA PRÁTICA DO SEGUNDO CRIME (PORTE ILEGAL DE ARMA). COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.
1. Ausente conexão, mesmo que probatória, entre os crimes de moeda falsa e porte de arma de fogo, este último supostamente praticado por um dos indiciados apenas, que, ademais, não está sendo acusado de participar do primeiro delito (moeda falsa), não há que se falar em competência da Justiça Federal para o processamento do Inquérito Policial em relação a todos os crimes.
2. Não evidenciada a alegada conexão entre os possíveis delitos, uns de competência da Justiça Estadual, outros de competência da Justiça Federal, deve ser desmembrado o Inquérito, para que cada juízo processe e apure os crimes de suas respectivas competências.
Precedentes do STJ.
3. Parecer do MPF pela improcedência do conflito, para fixar a competência do Juízo Federal suscitante.
4. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da 1a. Vara Criminal de Ponta Grossa/PR, o suscitado.
(STJ, CC 90.380/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/02/2008, DJe 10/03/2008)

Assim, anulo o processo, relativamente ao crime de furto qualificado, desde o recebimento da denúncia, inclusive, restando prejudicadas as apelações quanto ao ponto, e determino a extração de cópia integral dos autos e remessa ao Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos/SP


QUANTO AO CRIME DE MOEDA FALSA, examino primeiramente a apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

O recurso não prospera. Com o corréu JOSÉ LUIS, foi encontrada a quantia de $142,00 (cento e quarenta e dois dólares), cujas notas se revelaram verdadeiras, conforme laudo de fls.330-334.

Ademais, não há nos autos nenhuma prova, nenhuma declaração no sentido de que JOSÉ LUIS, ao menos, tivesse conhecimento da existência das cédulas falsas encontradas no bolso de JUAN CARLOS.

Desse modo, não prospera a apelação do Ministério Público Federal, sendo de rigor a manutenção da absolvição de JOSÉ LUIS com relação ao delito de moeda falsa.


Quanto à apelação do réu JUAN CARLOS, comporta provimento para absolver o réu.

É certo que a materialidade delitiva restou comprovada pelo laudo pericial de fls. 330-334, que examinou 04 (quatro) cédulas de $100,00 (cem dólares) apreendidas em seu poder, de numeração AB 65839937, FL 46295693B e FL 36295195B, concluindo pela autenticidade da primeira e pela falsidade das três últimas notas e que se trata de falsificação não grosseira, com capacidade de enganar o homem médio.

Também é certo que a autoria restou comprovada nos autos. As cédulas falsas foram encontradas em poder do acusado quando da realização da revista pessoal por ocasião do flagrante pela prática do delito de furto. Contudo, aduz o réu que desconhecia a falsidade das cédulas.

Contudo, não restou comprovado o elemento subjetivo do tipo, eis que no crime de moeda falsa o dolo inclui o conhecimento da falsidade. Nesse sentido a observação de José Silva Júnior, "in" Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, de Alberto Silva Franco e outros, Ed.RT, 6ª ed., pg.3.349, quanto ao parágrafo 1º do artigo 289 do Código Penal: "o dolo aqui exigido também é o genérico, ou seja, basta o conhecimento por parte do introdutor ou passador de que a moeda é falsa".

A constatação do dolo, nos casos em que o agente nega o conhecimento da falsidade, deve ser feita de acordo com as circunstâncias em que se deu a introdução da moeda em circulação, e de sua apreensão. Nesse sentido situa-se a boa orientação jurisprudencial, v.g.:


PENAL. MOEDA FALSA. ARTIGO 289, § 1º, DO CP. INTRODUZIR E GUARDAR. DOLO. CONTINUIDADE DELITIVA. REINCIDÊNCIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. 1. Para a configuração do tipo previsto no art.289, § 1º, do Código Penal é imprescindível que se comprove, de qualquer forma, que o agente sabia efetivamente que portava moeda falsa. 2. A dificuldade para aferimento e comprovação do dolo nos crimes desta natureza exige a verificação dos elementos indicativos externos que expressam a vontade do agente, contendo em si todos os detalhes e circunstâncias que envolvem o evento criminoso, tais como a reação diante da descoberta da falsidade da cédula, o local onde elas foram encontradas, as mentiras desveladas pelas provas, entre outros. Demonstrado que o réu tinha ciência quanto à falsidade das moedas, está elidida a tese de ausência de dolo sob a alegação de desconhecimento de sua inautenticidade.
(TRF- 4ª Região - ACR 200404010001274 - Relator Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz - DJ 25/05/2005 pg.893)
PENAL. CRIME DE MOEDA FALSA. ARTIGO 289, § 1º DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. DESCONHECIMENTO DA FALSIDADE. AUSÊNCIA DO DOLO. CONJUNTO PROBATÓRIO. l. A partir dos estudos de Welzel, o dolo é elemento subjetivo do tipo, a tipicidade abrange o dolo. Conseqüentemente, não havendo o dolo ou a culpa na conduta do agente, diz-se que o fato é atípico. 2. No crime de moeda falsa o elemento subjetivo do tipo é o dolo, com conhecimento da falsidade da moeda, sendo de rigor que o juiz analise "detalhadamente e com cuidado as circunstâncias que envolvem os fatos, pois se o sujeito nega que tenha ciência da falsidade, deve o julgador se socorrer dessas circunstâncias, dos indícios e presunções. Se o juiz ficar adstrito às declarações do acusado, quando à negativa do conhecimento da falsidade, dificilmente conseguirá proferir um decreto condenatório"...
(TRF- 4ª Região - ACR 200004011040178 - Relator Des.Fed. Tania Terezinha Cardoso Escobar - DJ 30/05/2001 pg.260)
PENAL. CRIME DE MOEDA FALSA. PROVA DO DOLO. I - Materialidade e autoria do delito provadas no conjunto processual. II - Pressuposta a impenetrabilidade da consciência, se o réu nega o dolo, não há outra possibilidade de apuração da verdade do elemento anímico a não ser pelo raciocínio lógico que caracteriza as provas indiretas.
(TRF- 3ª Região - ACR 199961060034000- Relator Des.Fed. Peixoto Junior - DJ 07/11/2002 pg.369)

Na se verifica, pelas circunstâncias fáticas, prova cabal para a condenação, haja vista que a afirmativa do acusado de que desconhecia a falsidade das notas apreendidas é plausível. Confira-se do excerto:


...nega ter ciência da falsidade das cédulas de dólar encontradas em seu poder. Afirma que a sua mãe ocasionalmente lhe envia dinheiro do Japão, onde mora com seu marido, sendo que ambos exercem a agricultura. Naquela oportunidade a sua mãe lhe remeteu, via western union, importância de quinhentos dólares, sacado pelo depoente no valor equivalente a moeda nacional. Parte dessa doação o depoente afirma que iria encaminhar a seus filhos residentes em Lima/Peru... Acrescenta o depoente que o dinheiro recebido, em Real, fora convertido em Dólar, numa casa de câmbio na Sé. Afirma ainda que não foi ao hotel Marriot para realizar operação de câmbio, esclarecendo que foi lá com o intuito de ver a cotação de hospedagem para uma irmã mais velha residente no Japão... Advertido da possibilidade de redução da pena em virtude da atenuante relativa à confissão... o réu passa a afirmar que foi ao hotel para pegar a mala...

Resta evidente que o objetivo do acusado era furtar a valise e que a pergunta sobre a cotação da moeda estrangeira serviu apenas de desculpa para justificar sua presença no saguão do hotel, sem despertar maiores suspeitas. Tal fato é corroborado pela troca das valises.

Se o objetivo fosse efetuar o câmbio das cédulas falsas, como se explica o fato de o acusado já portar consigo uma valise, do mesmo tipo que a da vítima, para efetuar a troca?

É evidente que o furto fraudulento já estava previamente planejado, provavelmente com visitas anteriores ao local, onde foi identificada a potencial vítima. Os acusados entraram no hotel, fizeram uma pesquisa de cotação, observaram o local, a vítima com a maleta contendo o notebook, saíram, retornaram, se aproximaram do balcão, distraíram a recepcionista, perguntando sobre a cotação do dólar e JUAN efetuou a troca das valises.

Quando o acusado nega o conhecimento da falsidade, o dolo só pode extraído das circunstâncias de sua conduta exterior, como, por exemplo, quanto tenta efetuar compras de pouco valor para obter troco, ou quando tenta fugir ao ser abordado pela polícia, o que não ocorreu no presente caso.

Ademais, o local em que se deu a prisão não é uma casa de câmbio, mas sim o próprio saguão de um hotel. Percebe-se claramente que foi todo um esquema armado para obter a valise.

Além disso, o réu é estrangeiro, portava nota também verdadeira, negou o conhecimento da falsidade, a conduta imputada a ele é apenas de guarda não de introdução em circulação, não existindo nos autos nenhuma outra circunstância que permita superar essa negativa de conhecimento da falsidade, que é verossímil. Então, na presença de dúvida razoável, de se decidir em favor do réu.

Portanto, inexistindo prova indene de dúvidas acerca do conhecimento da falsidade das notas, impõe-se a absolvição de JUAN CARLOS, relativamente ao crime de moeda falsa.

E, absolvidos os réus, restam prejudicadas as questões levantadas na apelação do MPF quanto à dosimetria da pena.


Pelo exposto, de ofício, anulo o processo quanto ao crime de furto qualificado, desde o recebimento da denúncia, inclusive, determinando a extração de cópia integral dos autos e remessa ao Juízo de Direito da 4ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos/SP; nego provimento à apelação do Ministério Público Federal; e dou provimento à apelação do réu JUAN CARLOS para absolvê-lo da imputação do crime do artigo 289, § 1º, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, expedindo-se alvarás de soltura clausulados.

É como voto.



MARCIO MESQUITA
Juiz Federal Convocado


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