Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 25/08/2014
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002619-76.2007.4.03.6000/MS
2007.60.00.002619-5/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : AKE BERNARD VAN DER VINNE
ADVOGADO : MS011243 SORAYA DANIELLI HAMMOUD BRANDAO e outro
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO

EMENTA

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LAVOURA DE ALGODÃO TRANSGÊNICO NÃO AUTORIZADA PELA COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA. AGRICULTOR AUTUADO PELA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL (MAPA). OGM POSTERIORMENTE LIBERADO PELA CTNBIO. DECISÃO JUDICIAL QUE DEVE SE ORIENTAR CONFORME A REGRA DO ART. 462 DO CPC, OPTANDO PELA PREVALÊNCIA DA NORMA MAIS BENÉFICA AO CIDADÃO, JUSTO PORQUE O QUE ANTES ERA VEDADO TORNOU-SE PERMITIDO PELA AUTORIDADE PÚBLICA. AUTO DE INFRAÇÃO ANULADO EM PARTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA ESSE FIM.
1. O apelante foi autuado e multado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por sua Superintendência Federal no Estado do Mato Grosso do Sul, em 21/12/2006, (1) por cultivar comercialmente 137 hectares de algodão geneticamente modificado não autorizado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e (2) por utilizar semente de cultivar não inscrita no Registro Nacional de Cultivares (RCN) do MAPA, com fulcro nos artigos 41 da Lei nº 10.711/2003; 187, II, do Decreto nº 5.153/2004; 6º, VI e 29 da Lei nº 11.105/2005; 69, II e XXVII, do Decreto nº 5.591/2005.
2. Fatos que motivaram a impetração de mandado de segurança - buscando anular o auto de infração com referência as duas imposições - denegado em primeiro grau de jurisdição.
3. Após a publicação da sentença, a própria CTNBio editou o Parecer Técnico nº 1598/2008, liberando a partir de 18/9/2008 a comercialização do algodão geneticamente modificado Roundup Ready, Evento MON 1445, tolerante ao herbicida glisofato - justamente a espécie encontrada na lavoura do apelante e que ensejou a lavratura do auto de infração. Necessidade de se adequar a decisão judicial a regra geral do art. 462 do CPC (o que antes era vedado e ensejou punição, restou permitido pela Administração Pública); aplicação de regra mais favorável ao cidadão.
4. O STJ manteve acórdão do TRF da 1ª Região acerca do mesmo assunto - impugnação de auto de infração decorrente de safra de algodão geneticamente modificado Roundup Ready, posteriormente liberado pelo CTNBio - onde prevaleceu a norma mais favorável, consubstanciada no Parecer Técnico nº 1598/2008 da CTNBio, para afastar imputação cronologicamente anterior, fundamentada nos artigos 6º, VI e 29 da Lei nº 11.105/2005 e artigo 69, II e XXVII, do Decreto nº 5.591/2005 (STJ - AREsp nº 424.238/MT, 2013/0367740-2, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, 14/11/2013).
5. Analisando-se a hipótese dos autos sob a ótica da permissão ulterior editada pelo Poder Público, e desse precedente, verifica-se que a multa imposta pela administração federal ao apelante, em razão do cultivo comercial de 137 hectares de algodão geneticamente modificado não autorizado, teve sua fundamentação esvaziada pela posterior publicação de parecer favorável do seu próprio órgão técnico consultivo, que é o CTNBio. Em outras palavras, torna-se ilógico persistir na penalização de fato que pouco tempo depois da sua ocorrência foi "autorizada" pela administração federal.
6. Fica afastada a imputação relativa ao cultivo comercial de 137 hectares de algodão geneticamente modificado não autorizado pela CTNBio, com fulcro nos artigos 6º, VI e 29 da Lei nº 11.105/2005 e artigo 69, II e XXVII, do Decreto nº 5.591/2005, e consequente multa no valor de R$ 67.000,00, fundada no artigo 73, II, do Decreto nº 5.591/2005, ante o advento do Parecer Técnico nº 1598/2008 da CTNBio.
7. Resta mantida a imputação acerca da utilização de semente de cultivar não inscrita no Registro Nacional de Cultivares (RCN) do MAPA, nos termos do artigo 41 da Lei nº 10.711/2003 e artigo 187, II, do Decreto nº 5.153/2004, e a multa de R$ 6.000,00, conforme artigo 200, II, do Decreto nº 5.153/2004.
8. Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à APELAÇÃO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 14 de agosto de 2014.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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Data e Hora: 15/08/2014 10:36:31



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002619-76.2007.4.03.6000/MS
2007.60.00.002619-5/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : AKE BERNARD VAN DER VINNE
ADVOGADO : MS011243 SORAYA DANIELLI HAMMOUD BRANDAO e outro
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, RELATOR:

Trata-se de APELAÇÃO interposta por AKE BERNARD VAN DER VINNE contra a sentença denegatória do MANDADO DE SEGURANÇA que objetiva autorização para beneficiamento/comercialização de algodão transgênico, da safra 2006/2007, suspenso pelo Superintendente Federal de Agricultura no Estado do Mato Grosso do Sul.

Consoante a inicial, o impetrante foi autuado pela Superintendência Federal de Agricultura em 21/12/2006, por cultivar em sua fazenda, no município de Maracajú/MS, 137 hectares de algodão com presença da proteína transgênica CP4-EPSPS, ficando proibido de utilizar, substituir, manipular, comercializar, remover ou transportar a produção sem prévia autorização do órgão fiscalizador. Em decorrência, foram lavradas multas nos valores de R$ 6.000,00 e R$ 67.000,00, restando o impetrante obrigado a (1) informar ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) as datas previstas para início e finalização da colheita, com declaração de armazenamento do produto a campo; (2) não beneficiar o produto até decisão final sobre a sua destinação; (3) destruir, por meio de aração profunda, as soqueiras e restos culturais da lavoura; (4) destruir a produção (caroço e fibra), após a conclusão do processo administrativo e manifestação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 2/29, 35/42).

Ainda de acordo com a inicial, o impetrante interpôs recurso administrativo em 27/3/2007, todavia, o mesmo pendia de conhecimento. Não obstante, o algodão, prestes a ser colhido, corria risco de deteriorar caso não fosse beneficiado (fls. 2/29).

Assim, alegando-se - em apertada síntese - que a pluma do algodão, sem DNA, não é atingida pela transgenia; a fazenda do impetrante está fora da área em que foi proibida a plantação de algodão transgênico, nos termos da Portaria/MAPA nº 437/2005; a análise da proteína transgênica CP4-EPSPS pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) era protelada desde 2004; requereu-se (1) liminarmente, a autorização para beneficiar/comercializar a pluma do algodão, separando-se o caroço para análise OU apenas para beneficiar da pluma do algodão, a fim de evitar o perecimento da colheita; (2) no mérito, a nulidade do auto de infração nº 199/2006, dos termos de fiscalização nº 625/2006 e nº 626/2006 e do termo de suspensão de comercialização nº 183/2006 OU a diminuição da multa. Deu-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (fls. 2/29).

O feito foi distribuído em 12/4/2007 ao Juízo da 1ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que indeferiu a liminar (fls. 74/76).

Contra essa decisão, o impetrante interpôs o AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 2007.03.00.047674-6, distribuído nessa Corte à relatoria do Desembargador Federal LAZARANO NETO, que negou o pedido de efeito suspensivo (fls. 193/195).

O Superintendente Federal de Agricultura no Estado do Mato Grosso do Sul prestou informações, asseverando que (1) a Portaria/MAPA nº 437/2005, seguindo recomendação do Parecer Técnico/CTNBio nº 480/2004, proíbe o cultivo de qualquer tipo de algodão transgênico em algumas porções do território nacional, liberando as demais áreas desde que atendidos os requisitos da Lei nº 11.105/2005; (2) à época, a CTNBio só havia autorizado o cultivo comercial do algodão Bollgard Evento 531; (3) na propriedade do impetrante foi detectado o plantio do algodão Roundup Ready, com a presença da proteína transgênica CP4-EPSPS, que não possui registro ou parecer técnico favorável do CTNBio e de cultivo proibido em todo o território nacional; (4) não houve limitação à ampla defesa, pois consta no termo de fiscalização nº 625/2006 que a amostra do material analisado foi entregue ao impetrante; (5) o procedimento utilizado na fiscalização, descrito na Instrução de Serviço Conjunta CSM/CBIO/SDA nº 1/2006, foi rigorosamente observado; (6) o MAPA pode autorizar a colheita, mas não o beneficiamento do algodão, capaz de propiciar a liberação de organismos geneticamente modificados (OGM) no meio ambiente, e nem a sua comercialização (fls. 150/157).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL opinou pela denegação da segurança (fls. 185/191).

Em 28/2/2008, foi publicada a sentença denegatória da segurança (fls. 197/200).

AKE BERNARD VAN DER VINNE, nas razões de APELAÇÃO, repete os mesmos argumentos expostos na inicial para pleitear a concessão da segurança, determinando-se a nulidade do auto de infração nº 199/2006, dos termos de fiscalização nº 625/2006 e nº 626/2006 e do termo de suspensão de comercialização nº 183/2006, no que concerne à comercialização pluma do algodão, que não se enquadra no conceito de OGM. Subsidiariamente, requer a aplicação de advertência no lugar da multa OU a redução do seu valor (fls. 206/229).

O recurso, recebido no efeito devolutivo, foi distribuído nessa Corte em 10/6/2008 à relatoria do Desembargador Federal LAZARANO NETO (fls. 232, 236).

A PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA, no parecer, opinou pelo desprovimento da APELAÇÃO (fls. 237).

Em 13/4/2009, a defesa reiterou o pedido de concessão da segurança para anulação das multas aplicadas pelo MAPA (que inscreveu AKE BERNARD VAN DER VINNE em Dívida Ativa), considerando que a CTNBio, ao analisar requerimento da empresa MONSANTO DO BRASIL LTDA, aprovou em 19/9/2008 o plantio e a comercialização do algodão Roundup Ready, tolerante ao glisofato, por não oferecer risco ao meio ambiente. Informou, ainda, que esse fato motivou a impetração de novo MANDADO DE SEGURANÇA, mas o Juízo a quo extinguiu o feito, entendendo que a retroatividade da decisão da CTNBio deveria ser objeto de análise por essa Corte, no bojo da APELAÇÃO (fls. 240/242).

Em 14/8/2009, a defesa requereu a antecipação dos efeitos da tutela, para exclusão do nome de AKE BERNARD VAN DER VINNE do CADIN (fls. 245/248).

Em 24/8/2009, o Desembargador Federal LAZARANO NETO negou o pedido de antecipação da tutela - ...Indefiro o pedido de antecipação de tutela, eis que ausente o requisito da verossimilhança das alegações, considerando que foi denegada a segurança e recebida a apelação apenas no efeito devolutivo. Ademais, não há nos autos comprovação de garantia de eventual multa aplicada... (fls. 250).

O feito foi redistribuído a minha relatoria em 22/10/2012, por sucessão.

É o relatório.

Sem revisão.




VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, RELATOR:

O presente recurso refere-se ao auto de infração nº 199/2006 lavrado em 21/12/2006 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por sua Superintendência Federal no Estado do Mato Grosso do Sul, em face de AKE BERNARD VAN DER VINNE, em razão (1) do cultivo comercial de 137 hectares de algodão geneticamente modificado não autorizado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e (2) da utilização de semente de cultivar não inscrita no Registro Nacional de Cultivares (RCN) do MAPA, com fulcro nos artigos 41 da Lei nº 10.711/2003; 187, II, do Decreto nº 5.153/2004; 6º, VI e 29 da Lei nº 11.105/2005; 69, II e XXVII, do Decreto nº 5.591/2005 (fls. 38).

O auto de infração nº 199/2006 desdobrou-se em duas multas, uma no valor de R$ 67.000,00, pelo cultivo comercial de 137 hectares de algodão geneticamente modificado não autorizado pela CTNBio (fls. 126/128), e outra no valor de R$ 6.000,00, pela utilização de semente de cultivar não inscrita no RCN do MAPA (fls. 123/125). A saber:


PRIMEIRA IMPUTAÇÃO: cultivo comercial de 137 hectares de algodão geneticamente modificado não autorizado pela CTNBio. Fundamentação da imputação: artigos 6º, VI e 29 da Lei nº 11.105/2005 (de Biossegurança) e artigo 69, II e XXVII, do Decreto nº 5.591/2005 (que regula a Lei nº 11.105/2005):

Lei nº 11.105/2005 (de Biossegurança):
Art. 6o Fica proibido:
VI - liberação no meio ambiente de OGM ou seus derivados, no âmbito de atividades de pesquisa, sem a decisão técnica favorável da CTNBio e, nos casos de liberação comercial, sem o parecer técnico favorável da CTNBio, ou sem o licenciamento do órgão ou entidade ambiental responsável, quando a CTNBio considerar a atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental, ou sem a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança - CNBS, quando o processo tenha sido por ele avocado, na forma desta Lei e de sua regulamentação;
Art. 29. Produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM ou seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

Decreto nº 5.591/2005 (que regula a Lei nº 11.105/2005):
Art. 69.  Considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole as normas previstas na Lei no 11.105, de 2005, e neste Decreto e demais disposições legais pertinentes, em especial:
II - realizar atividades de pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados sem autorização da CTNBio ou em desacordo com as normas por ela expedidas;
XXVII - produzir, armazenar, transportar, comercializar, importar ou exportar OGM e seus derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização.

Multa: R$ 67.000,00
Fundamentação da multa: artigo 73, II, do Decreto nº 5.591/2005 (que regula a Lei nº 11.105/2005):

Art. 73.  A multa será aplicada obedecendo a seguinte gradação:
II - de R$ 60.001,00 (sessenta mil e um reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) nas infrações de natureza grave;

SEGUNDA IMPUTAÇÃO: utilização de semente de cultivar não inscrita no Registro Nacional de Cultivares (RCN) do MAPA
Fundamentação da imputação: artigo 41 da Lei nº 10.711/2003 (sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas) e artigo 187, II, do Decreto nº 5.153/2004 (que regula a Lei nº 10.711/2003):

Lei nº 10.711/2003 (sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas):
Art. 41. Ficam proibidos a produção, o beneficiamento, o armazenamento, a análise, o comércio, o transporte e a utilização de sementes e mudas em desacordo com o estabelecido nesta Lei e em sua regulamentação.
Parágrafo único. A classificação das infrações desta Lei e as respectivas penalidades serão disciplinadas no regulamento.
Decreto nº 5.153/2004 (que regula a Lei nº 10.711/2003):
Art.  187.  É proibido ao usuário de sementes ou de mudas, e constitui infração de natureza grave:
II - utilizar sementes ou mudas de espécie ou cultivar não inscrita no RNC, ressalvados os casos previstos no art. 19 deste Regulamento.

Multa: R$ 6.000,00
Fundamentação da multa: artigo 200, II, do Decreto nº 5.153/2004 (que regula a Lei nº 10.711/2003):

Art. 200.  Para a infração que não se enquadrar ao disposto no art. 199, a pena de multa será aplicada na forma seguinte:
II - a partir de R$ 2.000,00 (dois mil reais) até R$ 6.000,00 (seis mil reais), quando se tratar de infração de natureza grave;

Após a decisão denegatória da segurança em primeiro grau de jurisdição, adveio a notícia de que a CTNBio em 18/9/2008 liberou a comercialização do algodão geneticamente modificado Roundup Ready, Evento MON 1445, tolerante ao herbicida glisofato - justamente a espécie encontrada na lavoura do apelante e que ensejou a lavratura do auto de infração nº 199/2006.

Confira-se o extrato do Parecer Técnico nº 1598/2008 da CTNBio:


O Presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, no uso de suas atribuições e de acordo com o artigo 14, inciso XIX, da Lei 11.105/05 e do Art. 5º, inciso XIX do Decreto 5.591/05, torna público que na 116ª Reunião Ordinária, ocorrida em 18 de setembro de 2008, a CTNBio apreciou e emitiu parecer técnico para o seguinte processo:
Processo nº:01200.004487/2004-48
Requerente: Monsanto do Brasil Ltda.
CNPJ: 64.858.525/0001-45
Endereço: Avenida das Nações Unidas, 12901, Torre Norte 7º Andar, São Paulo-SP
Assunto: Liberação Comercial de algodão geneticamente modificado
Extrato Prévio: 242/2004 publicado no D.O.U 195 de 08/10/2004, Seção 3, página 06
Decisão: Deferido
A CTNBio, após apreciação do pedido de Parecer Técnico para liberação comercial de algodão geneticamente modificado (Algodão Roundup Ready, Evento MON 1445) bem como de todas as progênies provenientes do evento de transformação evento MON 1445 e seus derivados de cruzamento de linhagens e populações não transgênicas de algodão com linhagens portadoras do evento MON 1445, concluiu pelo seu DEFERIMENTO nos termos deste parecer técnico.
A Monsanto do Brasil Ltda. solicitou à CTNBio Parecer Técnico relativo à biossegurança do algodão (Gossypium hirsutum) geneticamente modificado tolerante ao herbicida glifosato, designado Algodão Roundup Ready, para efeito de sua liberação ao livre registro, uso no meio ambiente, consumo humano ou animal, comércio ou uso industrial e qualquer outro uso e atividade relacionada a esse OGM ou linhagens ou cultivares dele derivadas, assim como os subprodutos obtidos, respeitadas as demais legislações e exigências aplicáveis a qualquer utilização das espécies cultivadas do gênero Gossypium vigentes no país. O Algodão Roundup Ready Evento MON 1445 foi produzido por transformação genética mediada por Agrobacterium tumefaciens contendo o plasmídio PV-GHGT07, utilizando como planta receptora a variedade de algodão Coker 312. Nesse plasmídio estão presentes os genes cp4 epsps, nptII, add e gox. O gene cp4-epsps inserido foi obtido a partir de um trecho específico do DNA da bactéria Agrobacterium sp. cepa CP4 e codifica a enzima CP4-EPSPS (CP4 5-enolpiruvilshiquimato-3-fosfato sintase), que confere às plantas de algodão o atributo que possibilita o uso em pós-emergência do herbicida glifosato, para manejo de plantas daninhas, sem causar injúria à lavoura de algodão. O gene nptII codifica a proteína Neomicina Fosfotransferase tipo II, que confere tolerância aos antibióticos neomicina e canamicina. O gene aad, que codifica a proteína AAD (3´(9)-O-aminoglicosídeo adeniltransferase - marcador de seleção de resistência a antibióticos), não é expresso em tecido vegetal. O gene gox codifica a enzima GOX (glifosato oxidoredutase) que é responsável por metabolizar o herbicida glifosato. O gene gox não foi transferido para o algodão, e consequentemente, a proteína GOX não foi detectada no Algodão Roundup Ready evento MON 1445. Não existe qualquer evidência de que os organismos doadores dos genes inseridos sejam patogênicos ao homem. As análises moleculares e de segregação (padrão Mendeliano de 3:1) mostraram que o T-DNA foi parcialmente inserido em um único lócus do genoma do algodão. A estabilidade genética do evento MON 1445 foi determinada pelo padrão de estabilidade hereditária, pela integridade do DNA inserido e pela estabilidade do fenótipo em várias condições ambientais determinadas em várias gerações de linhagens obtidas por retrocruzamento com cultivares elite. Essa estabilidade foi também demonstrada pela integridade do DNA inserido e pela funcionalidade da proteína CP4 EPSPS expressa em linhagens obtidas por cruzamento com uma cultivar adaptada para plantio em ambiente brasileiro. As proteínas EPSPS e NPTII, as quais não têm histórico de toxicidade ou alergenicidade, resultantes da expressão dos transgenes se mostraram equivalentes às presentes na natureza. O gene epsps está presente tanto em plantas quanto em microrganismos, enquanto nptII está presente em muitas espécies de microrganismos, inclusive em bactérias intestinais e no gênero Bacillus encontrados em solos no Brasil. Estudos in vitro demonstraram que em fluidos intestinais simulados (pH 1,2 e pH 7,5) a proteína EPSPS é degradada rapidamente, o que é comum no trato digestivo de mamíferos com proteínas que apresentam risco mínimo de toxicidade ou alergenicidade. Além disso, os estudos de toxicidade oral aguda em camundongos mostraram que tanto EPSPS quanto NPTII não apresentam potencial tóxico quando administradas oralmente na dosagem de 572 mg/kg corporal e 5 g/kg corporal respectivamente. As duas proteínas transgênicas CP4 EPSPS E NPTII estão na natureza, amplamente distribuídas entre os microganismos de onde foram derivadas. A introgressão de um transgene para plantas silvestres de algodão só poderia ocorrer se este conferisse uma forte vantagem seletiva, superior às desvantagens conferidas pelos alelos que estão geneticamente ligados ao transgene. No entanto, a característica de tolerância a herbicida é reconhecida como não sendo capaz de dotar os genótipos receptores de qualquer vantagem adaptativa fora de áreas agrícolas, uma vez que fora destas áreas, os potenciais genótipos silvestres receptores não sofrem ação da pressão seletiva do herbicida e, portanto, a eventual polinização destes genótipos não resultaria em introgressão gênica. As avaliações das características fenotípicas e agronômicas do Algodão Roundup Ready evento MON 1445 cultivar DP50RR realizadas no Brasil têm resultados semelhantes aos encontrados em outras regiões do mundo em plantio experimental e comercial. Com exceção da tolerância ao herbicida glifosato, resultante da expressão do gene cp4 epsps, o Algodão Roundup Ready evento MON 1445 demonstra características fenotípicas e agronômicas equivalentes ao padrão de linhagens parentais convencionais e de cultivares comerciais de algodão convencional. O glifosato é um herbicida pós-emergente, pertencente ao grupo químico das glicinas substituídas, classificado como não-seletivo e de ação sistêmica. Apresenta largo espectro de ação, possibilitando controle de plantas daninhas anuais ou perenes, tanto de folhas largas como estreitas. Esse herbicida encontra-se registrado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA para fins agrícolas e no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA do Ministério do Ministério do Meio Ambiente para fins não agrícolas, além de possuir monografia aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. As informações indicam que as plantas transgênicas não diferem fundamentalmente dos genótipos de algodão não transformado, à exceção da tolerância ao glifosato. Adicionalmente, não há evidência de reações adversas ao uso do Algodão Roundup Ready. Por essas razões, não existem restrições ao uso deste algodão ou de seus derivados seja para alimentação humana ou de animais. Diante do exposto, a liberação comercial do Algodão Roundup Ready, evento 1445 não é potencialmente causadora de dano à saúde humana e animal, nem de significativa degradação do meio ambiente. Conforme estabelecido no art. 1º da Lei 11.460, de 21 de março de 2007, "ficam vedados a pesquisa e o cultivo de organismos geneticamente modificados nas terras indígenas e áreas de unidades de conservação". Não existem variedades crioulas de algodoeiros e as cadeias de algodoeiros especiais, convencionais e transgênicos têm convivido de modo satisfatório, sem que tenham sido divulgados relatos de problemas de coexistência. Conforme o Anexo I da Resolução Normativa nº 5, de 12 de março de 2008, a requerente terá o prazo de 30 (trinta dias) a partir da publicação deste Parecer Técnico, para adequar sua proposta de plano de monitoramento pós-liberação comercial. No âmbito das competências do art. 14 da Lei 11.105/05, a CTNBio considerou que o pedido atende às normas e à legislação pertinente que visam garantir a biossegurança do meio ambiente, agricultura, saúde humana e animal.
A CTNBio esclarece que este extrato não exime a requerente do cumprimento das demais legislações vigentes no país, aplicáveis ao objeto do requerimento.
A íntegra deste Parecer Técnico consta do processo arquivado na CTNBio. Informações complementares ou solicitações de maiores informações sobre o processo acima listado deverão ser encaminhadas por escrito à Secretaria Executiva da CTNBio.
Dr. Walter Colli
Presidente da CTNBio
(www.ctnbio.gov.br - destaquei)

Recentemente, em sessão da Sexta Turma dessa Corte, acompanhei voto da Desembargadora Federal CONSUELO YOSHIDA em caso análogo, onde se negou provimento ao apelo interposto em MANDADO DE SEGURANÇA referente à auto de infração por plantio de 110 hectares de algodão geneticamente modificado Roundup Ready, salientando-se que ...a superveniente liberação geral do cultivo e comercialização do algodão transgênico Roundup Ready (RR) não enseja a perda do objeto da impetração e nem tampouco tem o condão de infirmar o auto de infração... Confira-se a ementa:


ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ALGODÃO. OGM. PRODUÇÃO DE ESPÉCIE NÃO AUTORIZADA. AUSÊNCIA PARECER FAVORÁVEL DA CTNBIO. UTILIZAÇÃO DE SEMENTES IRREGULARES. AUTO DE INFRAÇÃO. PROIBIÇÃO DE BENEFICIAMENTO E COMERCIALIZAÇÃO. LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS.
1. A superveniente liberação geral do cultivo e comercialização do algodão transgênico Roundup Ready (RR) não enseja a perda do objeto da impetração e nem tampouco tem o condão de infirmar o auto de infração.
2. A verificação da existência ou não do ilícito deve levar em conta o ordenamento jurídico à época em que o ato foi praticado, ressalvadas as hipóteses legais que específica e expressamente autorizam a retroação de normas mais benéficas em matéria de infração, situação que não ocorre no caso vertente.
3. Não incumbe ao Poder Judiciário estabelecer qual cultivo transgênico tem potencial lesivo ao meio ambiente, mas aos órgãos técnicos cuja competência foi atribuída pela Lei 11.105/05 (biossegurança).
4. A lei de regência proíbe a liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados e seus derivados, para fins comerciais, antes do parecer técnico favorável da CTNBio.
5. Ainda que a pluma do algodão não fosse considerada um OGM, não há dúvidas de que se trata de um derivado, cujo cultivo e comercialização exigem parecer prévio do órgão técnico competente.
6. Segundo consta dos autos, à época da fiscalização, a CTNBio só havia autorizado o cultivo comercial do algodão transgênico Bollgard Evento 531 (proteína Cry1Ac), por intermédio do Parecer Técnico 513/2005, e não o algodão transgênico Roundup Ready (proteína CP4-EPSPS), encontrado na lavoura do impetrante.
7. A fiscalização apurou a utilização de sementes de cultivar que na ocasião não estavam inscritas no Registro Nacional de Cultivares - RNC do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
8. Consoante o Termo de Fiscalização n.º 643/2007, assinado pelo preposto da propriedade rural, foram entregues a ele amostras para fins de contraprova ("duplicatas"), com a recomendação de que permanecessem congeladas, nos temos do disposto no art. 76, § 1º, do Decreto 5.153/2004.
9. Ademais, se fosse do interesse do impetrante impugnar judicialmente as amostras colhidas, deveria ter eleito ação cujo procedimento comportaria dilação probatória, não podendo se valer, para tanto, da estreita via do mandado de segurança.
10. Também não restou demonstrado o cerceamento de defesa no âmbito administrativo. Com efeito, o impetrante apresentou defesa prévia e recurso administrativo, sendo que o auto de infração foi finalmente julgado procedente.
11. De acordo com a Nota Técnica Conjunta CBIO/CSM-DFIA/DAS, da Secretaria de Defesa Agropecuária do ministério da Agricultura, o mero beneficiamento gera risco de liberação inadvertida de organismo geneticamente modificado no meio ambiente. Portanto, a proibição do beneficiamento da produção interditada se justificou à época, sobretudo à luz do princípio ambiental da precaução. Pelo mesmo motivo, revelou-se razoável a proibição da comercialização.
12. A fixação das multas atendeu aos critérios estabelecidos nas Leis 10.711/03 (sementes) e 11.105/03 (biossegurança), não podendo a infração ser singelamente considerada de natureza leve, a justificar a mera imposição da pena de advertência, sobretudo considerando a extensão da lavoura e da importância da preservação do meio ambiente (CRFB, art. 225).
13. Precedente: TRF-3, Terceira Turma, AMS 00026214620074036000, Rel. Juiz Federal Convocado Valdeci dos Santos, e-DJF3 Judicial 1 30/03/2010, p. 560.
14. Apelação improvida. Agravo regimental prejudicado.
(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AMS 0005495-04.2007.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 13/02/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/02/2014)

Agora, novamente debruçando-me sobre a questão, deve modificar meu pensamento, atento ao disposto no art. 462 do CPC (regra geral) e a precedente do C. STJ, de relatoria do Ministro BENEDITO GONÇALVES, que monocraticamente negou provimento ao AGRAVO interposto pela FAZENDA NACIONAL contra decisão que inadmitiu o RECURSO ESPECIAL em face de acórdão do TRF da 1ª Região, acerca da mesma matéria - impugnação de auto de infração decorrente de safra de algodão geneticamente modificado Roundup Ready, posteriormente liberado pelo CTNBio.

A saber:


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUTO DE INFRAÇÃO. SAFRA DE ALGODÃO GENETICAMENTE MODIFICADO SEM AUTORIZAÇÃO DA CTNBIO. ADVENTO PARECER FAVORÁVEL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA NORMA MAIS FAVORÁVEL AO CIDADÃO. ANÁLISE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. OMISSÃO NÃO CARACTERIZADA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
DECISÃO
A Fazenda Nacional pretende a admissão de recurso especial que interpôs contra acórdão proferido pelo TRF da 1ª Região, assim ementado:
ADMINISTRATIVO. IMPUGNAÇÃO A AUTO DE INFRAÇÃO. SAFRA DE ALGODÃO GENETICAMENTE MODIFICADO SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DA CTNBIO. SUSPENSÃO DA COMERCIALIZAÇÃO. ADVENTO DE PARECER TÉCNICO FAVORÁVEL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA NORMA MAIS FAVORÁVEL. UTILIZAÇÃO DE SEMENTES EM DESACORDO COM O ESTABELECIDO EM LEI E/OU NÃO INSCRITAS NO REGISTRO NACIONAL DE CULTIVARES. MANUTENÇÃO DE MULTA.
1. Ação ordinária ajuizada objetivando obter a declaração de nulidade do ato administrativo relativo à autuação, multa e suspensão de comercialização da safra de algodão 2005/2006 sobe a alegação de que teria sido plantado algodão geneticamente modificado pela proteína CP4 EPSPS sem prévia autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CNTBio.
2. Dois anos depois da autuação, a CNTBio emitiu o Parecer Técnico
nº 1598 liberando a comercialização do algodão geneticamente modificado objeto dos presentes autos.
3. A aplicação do entendimento mais benéfico contido no aludido parecer à autuação que o precede é possível pela imposição à espécie
do princípio da prevalência da norma mais favorável ao cidadão, prestigiada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. (Precedentes: RMS 30.553/PE, RMS 20.883/PE, RMS 19.942/PE) e pela doutrina: "A justificativa para essa substituição de princípios na solução de conflitos normativos está ligada, justamente, à idéia de dignidade humana e, por conseguinte, à idéia expansionista de direitos. Aqui os critérios tradicionais de solução de antinomias, que se orientam por uma lógica interpretativa fundamentalmente formal (não pautada pelos valores em jogo), são substituídos por uma lógica interpretativa essencialmente material, orientada pela prevalência da norma que melhor guarida dê à dignidade da pessoa, ou seja, pela prevalência da norma mais favorável, mas protetiva e mais benéfica à pessoa humana." (Flávia Piovesan e Daniela Ikawa: Segurança Jurídica e Direitos Humanos - o Direito à Segurança de Direitos. In "Constituição e Segurança Jurídica", Coordenador Carmem Lúcia Antunes Rocha, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 57).
4. O parecer técnico liberando a comercialização do produto descaracterizou parte da infração imputada ao apelado: aquela prevista no art. 6º (inciso VI) e no artigo 29 da Lei n. º 11.105/05 e nos incisos II e XXVIII, do artigo 69 do Decreto nº 5.591/05. Quanto às disposições contidas no artigo 41 da Lei nº 10.711/03, e no inciso II do art. 187 do regulamento aprovado pelo Decreto nº 5.153/04 - utilização de sementes em desacordo com o estabelecido em lei e/ou não inscritas no RNC - o reconhecimento da não nocividade do algodão geneticamente modificado pela proteína CP4 EPSPS não afeta a autuação efetivada pelos fiscais agropecuários.
5. Apelação e remessa necessária, tida por interposta, parcialmente providas.
No recurso especial, aduz violação dos artigos 535 e 458 do CPC, por considerar que o acórdão impugnado foi omisso quanto ao enquadramento da conduta do recorrido - plantio de algodão geneticamente modificado pela proteína CP4 EPSPS não autorizado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CNTBio - como infração administrativa, por força da Lei n. 11.105/2005.
O recurso especial foi inadmitido sobre os seguintes fundamentos: (i) ausência de omissão; (ii) aplicação da Súmula 211 do STJ, diante da ausência de prequestionamento; (iii) aplicação da Súmula n. 284 do STF.
No agravo, o agravante alega que seu recurso especial preenche os requisitos de admissibilidade, pelo que merece ser admitido.
É o relatório.
Decido.
O recurso especial que se pretende admitido tem origem em autos de ação ordinária ajuizada por Mauro Fernando Schaedler em desfavor da União, objetivando a declaração de nulidade do ato administrativo relativo à autuação, multa e suspensão de comercialização da safra de algodão 2005/2006, ao argumento de que teria sido plantado algodão geneticamente modificado sem prévia autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CNTBio.
O acórdão a quo, no que interessa e com grifo nosso, consignou e decidiu que:
[...] O autor/apelado foi autuado por ter sido encontrado em sua plantação algodão geneticamente modificado, sem prévia autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, infringindo, segundo os fiscais, as disposições contidas no artigo 41 da Lei nº 10.711/03, inciso II do art. 187 do regulamento aprovado pelo Decreto nº 5.153/04; combinados com o inciso VI do art. 6º e artigo 29 da Lei nº 11.105/05 e incisos II e XXVIII, do artigo 69 do Decreto nº 5.591/05 (Auto de Infração de fls. 39/40).
Os referidos dispositivos tratam a matéria da seguinte forma: [...]
O apelado sofreu a autuação no dia 29 de junho de 2006.
Todavia, no ano de 2008, a CTNBio emitiu o Parecer Técnico nº 1598 (116ª Reunião Ordinária realizada em 18/09/2008), liberou a comercialização do algodão geneticamente modificado objeto do auto de infração impugnado nos presentes autos. Transcrevo o extrato do aludido parecer, obtido no sítio da Comissão na internet (www.ctnbio.gov.br): [...]
Na época da fiscalização (29/06/2006) a autuação foi justificada em razão da falta de estudos conclusivos acerca dos riscos que o "organismo geneticamente modificado" apresenta para a saúde humana, animal ou ao meio ambiente.
A aplicação do entendimento mais benéfico contido no aludido parecer (proferido em setembro de 2008) à autuação que o precede (auto de infração datado de 29/06/2006) é possível pela imposição a espécie do "princípio da prevalência da norma mais favorável ao cidadão" prestigiada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Confiram-se: [...]
Considero, portanto, que o advento do parecer técnico acima transcrito, em 2008, liberando a comercialização do produto, teve o condão de descaracterizar parte da infração imputada ao apelado: aquela prevista no art. 6º (inciso VI) e no artigo 29 da Lei nº 11.105/05 e nos incisos II e XXVIII, do artigo 69 do Decreto nº 5.591/05 (dispositivos acima transcritos que transcrevo novamente a fim de facilitar o entendimento da imputação): [...]
Em suma, a sentença está correta ao reconhecer a legalidade da apreensão do produto e ao afastar as imputações relativas à Lei nº 11.105/2005 (art. 6º, VI e art. 29) e ao Decreto nº 5.591/2005 (art. 69, inc. II e XXVIII). Falha, todavia, ao entender que "a Administração Pública carece de pretensão punitiva..." (fl. 770) quanto à utilização de sementes em desacordo com o estabelecido em lei e/ou não inscritas no RNC (Lei nº 10.711/03, art. 41 e Regulamento aprovado peio Decreto nº 5.153/04, art. 187, II). [...]
Pelo exposto, julgo parcialmente procedentes a apelação da União e a remessa oficial, tida por interposta, para reconhecer a legalidade da apreensão do produto e afastar as imputações contidas no auto de infração de fl. 40 relativas à Lei nº 11.105/2005 (art. 6º, VI e art. 29) e ao Decreto nº 5.591/2005 (art. 69, inc. II e XXVIII) e manter a multa aplicada quanto à utilização de sementes em desacordo com o estabelecido em lei e/ou não inscritas no RNC (Lei nº 10.711/03, art. 41 e Regulamento aprovado pelo Decreto nº 5.153/04, art. 187, II).
É como voto.
Do que se observa, o Tribunal de origem, atento ao princípio da prevalência da norma mais favorável ao cidadão, concluiu pela possibilidade de aplicação do entendimento mais benéfico, previsto no Parecer Técnico n. º 1598, que precede à autuação em comento, liberando a comercialização do algodão geneticamente modificado.
A pretensão não merece prosperar, porquanto, como se nota, nos termos em que decidido pelo acórdão a quo, não há falar em violação do art. 535 do CPC, pois o Tribunal de origem julgou a matéria, de forma clara, coerente e fundamentada, pronunciando-se, suficientemente, sobre os pontos que entendeu relevantes para a solução da controvérsia atinente ao não enquadramento da conduta do recorrido, caracterizada pelo plantio de algodão geneticamente mofidicado pela proteína CP4 EPSPS não autorizado pela CNTBio, como infração administrativa. Precedentes: REsp 1.102.575/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 1/10/2009; EDcl no MS 13.692/DF, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 15/9/2009; AgRg no Ag 1.055.490/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 14/9/2009.
Nesse contexto, anota-se que é inviável a análise, em sede de recurso especial, da aplicação do princípio da norma mais favorável ao cidadão, sob pena de usurpação da competência do STF. Nesse sentido: [...] (AgRg no Ag 1146506/PE, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17/09/2009, DJe 13/10/2009).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo.
(STJ - AREsp nº 424.238/MT, 2013/0367740-2, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, 14/11/2013)

Contra essa decisão do Ministro BENEDITO GONÇALVES, a FAZENDA NACIONAL interpôs AGRAVO REGIMENTAL, também desprovido (STJ - AgRg no AREsp 424238/MT, 2013/0367740-2 Ministro BENEDITO GONÇALVES, 06/02/2014).

O que importa, todavia, é que referido acórdão do TRF da 1ª Região, atacado sem sucesso pela FAZENDA NACIONAL perante o C. STJ, fez prevalecer a norma mais favorável, consubstanciada no Parecer Técnico nº 1598/2008 da CTNBio, que a partir de 18/9/2008 liberou a comercialização do algodão geneticamente modificado Roundup Ready, Evento MON 1445, tolerante ao herbicida glisofato, concluindo pelo afastamento da imputação cronologicamente anterior, fundamentada nos artigos 6º, VI e 29 da Lei nº 11.105/2005 (de Biossegurança) e artigo 69, II e XXVII, do Decreto nº 5.591/2005 (que regula a Lei nº 11.105/2005).

Com efeito, analisando-se a hipótese dos autos sob a ótica desse precedente, verifica-se que a multa imposta pela administração federal ao apelante, em razão do cultivo comercial de 137 hectares de algodão geneticamente modificado não autorizado, teve sua fundamentação esvaziada pela posterior publicação de parecer favorável do seu próprio órgão técnico consultivo, que é o CTNBio.

Em outras palavras, torna-se ilógico persistir na penalização de fato que pouco tempo depois da sua ocorrência foi "autorizado" pela própria administração federal, à luz do art. 462 do CPC.

No sentido da prevalência de norma mais benéfica, colaciono os seguintes julgados:


RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - MILITARES DO ESTADO DE PERNAMBUCO - APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE LICENCIAMENTO A BEM DO SERVIÇO NA VIGÊNCIA DO DECRETO Nº 20.910/32 - POSSIBILIDADE DE REVISÃO NA VIA ADMINISTRATIVA - ART. 40, §§ 1º E 2º, I, DA LEI ESTADUAL Nº 11.817/2000 - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DA NORMA MAIS FAVORÁVEL AO CIDADÃO - POSSIBILIDADE DE RETROATIVIDADE DA NORMA ADMINISTRATIVA PARA BENEFICIAR O SERVIDOR - RECURSO PROVIDO.
1. A despeito de as sanções disciplinares terem sido aplicadas na vigência do Decreto nº 20.910/32, cujo art. 1º previa o prazo prescricional de cinco anos para revisão, com fundamento no princípio da prevalência da norma mais favorável ao cidadão, os Recorrentes possuem direito líquido e certo de terem o mérito do seu pedido de revisão apreciado, na via administrativa, com base no art. 40, § 1º e 2º, I, da Lei Estadual nº 11.817/2000.
2. Recurso provido para reconhecer o direito líquido e certo dos Recorrentes quanto à apreciação do mérito de seu pedido de revisão, na via administrativa, com base no art. 40, § 1º e 2º, I, da Lei Estadual nº 11.817/2000.
(STJ - RMS 19.942/PE, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2005, DJ 21/11/2005, p. 301)
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. INFRAÇÃO AMBIENTAL. RECEBIMENTO DE PRODUTO FLORESTAL SEM COBERTURA DE DOF. SANÇÕES DE APREENSÃO E MULTA. RETROAÇÃO BENÉFICA DE NOVA PREVISÃO LEGAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
...
9. No tocante ao valor da multa, a impetrante apenas aludiu a excesso e desproporcionalidade na sua fixação, porém sem maior fundamentação contra o arbitramento administrativo. Seja como for, a norma, tal qual aplicada, fixava o valor da multa, por m³, até R$ 500,00, tendo sido cominado o teto da previsão normativa em virtude de ter sido praticada a infração, com especial intento de ocultar e burlar a fiscalização, "devido à empresa estar recebendo e consumindo produto florestal triturado, para se isentar da obrigatoriedade da Reposição Florestal e/ou madeira de lei da espécie peroba conforme constatado in loco". Não se tratou, portanto, de aquisição apenas sem licença respectiva, mas ocultação da natureza do produto para tornar dispensável o DOF, segundo a apuração da autoridade administrativa, a justificar a cominação feita a partir dos limites normativos então vigentes.
10. O Decreto 3.179/1999, porém, foi alterado pelo Decreto 6.514/2008, e a infração, imputada à impetrante, passou a ser regida, no novo texto, pelo artigo 47, de modo que continuou sendo infração a aquisição de lenha - ainda que transformada em cavaco - sem a exibição do documento próprio, no caso o DOF, porém a multa pecuniária antes fixada entre o mínimo de R$ 100,00 e o máximo de R$ 500,00 por m³, agora se encontra prevista no valor fixo de R$ 300,00 por m³, cabendo a aplicação retroativa da norma mais benéfica, tal como já, inclusive, destacado pela Procuradoria Federal Especializada do IBAMA no parecer administrativo lançado no respectivo procedimento.
11. Apelação a que se dá parcial provimento para conceder a ordem no sentido apenas de reduzir o valor da multa, por m³, de R$ 500,00 para R$ 300,00, nos termos do artigo 47 do Decreto 6.514/2008, mantida no mais a sentença apelada.
(TRF3 - AMS 00114103420074036000, DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, TERCEIRA TURMA, e-DJF3 30/8/2013)
ADMINISTRATIVO. CAUTELAR. PROCESSO DISCIPLINAR. RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA. PRINCÍPIO GERAL DE DIREITO. APLICAÇÃO RETROATIVA DA PORTARIA Nº 1376/93 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. SUSPENSÃO DO ATO ADMINISTRATIVO PUNITIVO.
1. Tendo a conduta do recorrido deixado de ser considerada infração em razão da edição de norma posterior, deve-se aplicar a retroatividade da norma mais benéfica, por se tratar de princípio geral de direito, com a consequente suspensão do ato administrativo punitivo.
2. De acordo com o disposto na Portaria nº 1376/93 do Ministério da Saúde, norma plenamente aplicável ao caso em razão do princípio da retroatividade da norma mais benéfica, a triagem de doadores não é mais atividade privativa do médico, podendo ser realizada por todos os profissionais da saúde, desde que sob orientação e supervisão médica.
3. Nos termos da moderna doutrina e jurisprudência, o controle judicial do ato administrativo que culmine em aplicação de penalidade disciplinar é ampla, não se limitando apenas à averiguação da conveniência, necessidade ou oportunidade da pena. Desse modo, a análise da legalidade do ato disciplinar pelo Poder Judiciário alcança os motivos que levaram a prática do ato administrativo, devendo, por conseguinte, haver causa legítima para a aplicação da penalidade questionada. (AC 0030684-39.2011.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 p.181 de 30/11/2012)
4. Apelação a que se nega provimento.(TRF1 - AC 199934000188445, JUIZ FEDERAL CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS, 7ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 19/4/2013)

Repito: na medida em que sobreveio a dita autorização, o mandamus deve ser julgado conforme a regra do art. 462 do CPC.

Assim, no caso dos autos, afasto a imputação relativa ao cultivo comercial de 137 hectares de algodão geneticamente modificado não autorizado pela CTNBio, com fulcro nos artigos 6º, VI e 29 da Lei nº 11.105/2005 e artigo 69, II e XXVII, do Decreto nº 5.591/2005, e consequente multa no valor de R$ 67.000,00, fundada no artigo 73, II, do Decreto nº 5.591/2005, ante o advento do Parecer Técnico nº 1598/2008 da CTNBio, que a partir de 18/9/2008 liberou a comercialização do algodão geneticamente modificado Roundup Ready, Evento MON 1445, tolerante ao herbicida glisofato.

De outro lado, mantenho a imputação acerca da utilização de semente de cultivar não inscrita no Registro Nacional de Cultivares (RCN) do MAPA, nos termos do artigo 41 da Lei nº 10.711/2003 e artigo 187, II, do Decreto nº 5.153/2004, e a multa de R$ 6.000,00, conforme artigo 200, II, do Decreto nº 5.153/2004.

Por todo o exposto, dou parcial provimento à APELAÇÃO.

É o voto.



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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