D.E. Publicado em 09/09/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
A DESEMBARGADORA FEDERAL ALDA BASTO:
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em 18/08/2005, objetivando o reconhecimento da prática de atos de improbidade administrativa por parte de TUFIK JOSÉ CHARABE, consoante previsão contida no artigo 9º, inciso I, e artigo 11, caput, ambos da Lei nº 8.429/92, pois, no exercício do cargo de Auditor Fiscal do Trabalho, teria afrontado os princípios regentes da Administração Pública, especialmente a moralidade, legalidade e lealdade às instituições, exigindo vantagem indevida para deixar de praticar ato de ofício. Requerida a condenação do réu, cumulativamente, à perda dos valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, à perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito a dez anos, ao pagamento de multa civil no valor de até três vezes o acréscimo patrimonial e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos, bem como aos ônus sucumbenciais. Atribuído à causa o valor de R$15.000,00 em agosto de 2005.
Narra o autor que, na data de 27/09/2002, foi o réu preso em flagrante delito na sede da empresa GOD LINE IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E REPRESENTAÇÃO LTDA., em virtude de ter exigido para si, na qualidade de servidor público e em razão da função de Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho, do sócio da referida empresa, CARLOS ALBERTO EUGÊNIO APOLINÁRIO, vantagem indevida no importe inicial de R$15.000,00, o qual veio depois a ser reduzido para R$7.000,00, a fim de deixar de autuar a sociedade quanto a irregularidades constatadas na ocasião da fiscalização, relacionadas à inobservância dos deveres insculpidos na legislação trabalhista. Informou o autor tal proceder ter sido objeto da Ação Penal nº 2002.61.81.006401-5, sendo o requerido denunciado pela prática de concussão (artigo 316, caput, do CP), do Processo Administrativo Disciplinar nº 46219.027616/2002-43, o qual culminou na aplicação da penalidade de demissão ao réu (artigos 117, IX, 127, III e 137 da Lei nº 8.112/90), além da Representação e Inquérito Civil Público nº 1.34.001.004077/2003-66, os quais instruíram a prefacial.
Decretada pelo magistrado de 1º grau a tramitação do feito em segredo de justiça e, ainda, determinada a notificação do réu nos termos do artigo 17, § 7º, da LIA e da União para os fins do artigo 17, § 3º, do mesmo diploma (fl. 575).
O requerido, advogando em causa própria, apresentou defesa preliminar à fls. 587/605. Preliminarmente, aduziu a inépcia da inicial, dada a ausência do interesse processual, além da impossibilidade jurídica do pedido. Quanto aos fatos, sustentou tratar-se a realidade fática de perseguição funcional "encomendada para sua demissão", pois em 24 anos de exercício de função pública nunca houve qualquer fato que desabonasse sua lisura, registrando inclusive estar inscrito nos quadros da OAB desde 1972 e lecionar Direito do Trabalho. Informou ter impetrado o MS 9318 (2003/0173997-0) perante o C. STJ, a fim de reverter a penalidade de demissão aplicada com base em provas ilegítimas. Sustentou ser indevida sua demissão e, igualmente, o ajuizamento da presente, antes do trânsito em julgado no âmbito criminal, destacando não restar caracterizada qualquer conduta prescrita pela Lei de Improbidade Administrativa, dada a inexistência de indevido aumento patrimonial, de lesão ao erário ou de afronta aos princípios da Administração. Aduziu ter sido ele a vítima na situação, posto envolvido em uma "teia de mentiras" criada pelo então candidato ao Governo do Estado de São Paulo e sua equipe eleitoral, Carlos Apolinário, com o objetivo de incrementar os índices nas pesquisas eleitorais após o término do período da propaganda eleitoral, através de promoção pessoal e produção da imagem de um "homem acima de qualquer suspeita, modelo de honestidade e incorruptível". Aduziu o flagrante ter sido forjado em conjunto com os Promotores de Justiça e "pavões na mídia", José Carlos Blat e Roberto Porto, os quais inclusive foram afastados de seus cargos em virtude do cometimento de diversas irregularidades e por abuso de poder, estando o requerido já injustamente condenado pela mídia, dada a velocidade com que propagado o caso pelas "sanguinárias emissoras de televisão", as quais o tornaram "culpado daquele e de muitos crimes", quando em verdade o montante recebido era relativo à consultoria na área trabalhista. Pugnou pelo acatamento das preliminares e, sucessivamente, pela improcedência da ação.
Manifestação da União às fls. 640/641, requerendo a concessão de prazo para se manifestar sobre seu ingresso na lide, pois a depender de prévia e expressa autorização do Procurador-Geral da União (Ordem de Serviço nº 002 de 08/03/2002 e Circular PGU nº 2002/007).
Às fls. 642/643, o magistrado a quo recebeu a peça inicial fundamentadamente, nos termos do artigo 17, § 9º, da LIA e determinou o regular processamento do feito com a citação do réu, intimação da União para declinar o interesse em integrar a lide e do MPF para apresentar as cópias da mencionada ação penal.
A contestação foi colacionada às fls. 655/660, repisando os termos da defesa preliminar, vindo a União a requerer seu ingresso na lide na qualidade de assistente litisconsorcial do autor (fls. 650/653), pleito deferido à fl. 662, ocasião em que o Juízo também determinou nova intimação do MPF para apresentar as peças da ação penal e das partes para especificação de provas.
As cópias relativas ao trâmite da ação penal nº 2002.61.81.006401-5 constam de fls. 663/952.
O MPF declinou não pretender produzir provas (fl. 663), sucedendo-se o mesmo tanto em relação ao requerido, o qual aduziu serem suficientes os elementos dos autos (fl. 956), como em relação à União (fls. 960), vindo o Juízo a quo a entender pela desnecessidade da apresentação de alegações finais ante a não realização de audiência de instrução e julgamento, determinando a conclusão dos autos para prolação de sentença (fl. 961).
Manifestação do requerido às fls. 964/965, informando ter pugnado pela declaração de extinção da punibilidade na ação penal supracitada (prescrição) e, ainda, às fls. 974/979, para juntada de matérias veiculadas por jornais de grande circulação, relativamente à pessoa de Carlos Apolinário.
Colacionado o V. Acórdão julgamento da ação penal por esta E. Corte Regional às fls. 981/988, afastando a prescrição e reconhecendo a existência da prática delituosa, dando parcial provimento ao apelo do réu tão somente para redução da pena aplicada.
Conclusos os autos, sobreveio sentença julgando parcialmente procedente a ação, condenando o réu à pena de demissão do cargo de Auditor Fiscal do Trabalho, à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos, ao pagamento de multa civil no valor de três vezes o pretendido acréscimo patrimonial, corrigido a partir da data do ilícito até o efetivo pagamento, além da proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos (artigo 12, I, da LIA), bem como aos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa corrigido, pro rata, dada a sucumbência mínima do MPF. Custas e despesas processuais ex lege (fls. 990/998).
O requerido apresentou apelação (fls. 1004/1020), sustentando a nulidade da sentença, pois não "discutiu as provas dos autos", em especial as por ele ofertadas, ignorando a contradição entre os depoimentos dos "acusadores", pautando-se apenas nas alegações do autor e na opinião pública e, ainda, deixando de aplicar o princípio da legalidade, tipicidade, culpabilidade, razoabilidade e proporcionalidade, em violação à razoável duração do processo. Aduziu não haver qualquer prova de sua atuação em razão da inidoneidade da versão apresentada por Carlos Apolinário, homem de moral "simulada", donde não mereceria qualquer crédito pelo Judiciário, não detendo confiabilidade, de igual modo, a atuação dos Promotores envolvidos no flagrante. Repisou, no mais, os termos da defesa, no sentido de não ter incorrido em qualquer conduta ímproba, pois comparecera à empresa extraoficialmente, como "advogado ou professor a pedido de um colega", e não como Auditor Fiscal, ou seja, não estava no exercício da função pública e podia receber valores em razão de consultoria na área da legislação trabalhista, situação apta a excluir a "antijuridicidade" de sua conduta, inclusive porque não atuou com propósito de violar dever jurídico. Pugnou pela aplicação do princípio da insignificância, pois a pequena quantia em comento não seria apta a agredir o bem jurídico ora tutelado, frisando a nulidade de todo o processo administrativo disciplinar, inclusive por não ter recebido seus vencimentos, verba de caráter alimentar, informando, ainda, a condenação penal estar sendo objeto de revisão criminal. Aduziu, ainda, as penalidades terem sido impostas sem o devido balizamento e de forma arbitrária, especialmente a multa civil fixada em R$12.000,00. Requereu a integral reforma do decisum e a inversão dos ônus sucumbenciais, fixando-se a verba honorária no patamar de 20% sobre o valor da causa, a cargo exclusivo do Parquet.
Com contrarrazões da União (fls. 1064/1074) e do MPF (fls. 1081/1096), refutando os argumentos das razões recursais e pleiteando a negativa de provimento ao apelo e manutenção da sentença, subiram os autos esta E. Corte Regional.
Petição do apelante às fls. 1099/1102, informando o integral cumprimento da pena no âmbito criminal e o reconhecimento de sua extinção.
Parecer do Ministério Público Federal às fls. 1108/1110, no sentido do desprovimento do recurso.
É o relatório. À Douta revisão.
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VOTO
A DESEMBARGADORA FEDERAL ALDA BASTO:
Ab initio, registre-se a sentença estar submetida ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, consoante a jurisprudência assente do C. Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se por analogia a Lei nº 4.717/65, a qual prevê, em seu artigo 19, que "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição". Confira-se:
Nesse passo, constando expressamente da inicial pedido do Ministério Público Federal no sentido de ser o requerido condenado à "perda dos valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio" (fl. 12), e não tendo este sido contemplado pelo decisum recorrido, de rigor submeter o provimento ao duplo grau obrigatório.
Impende analisar, inicialmente, a argüição de nulidade da sentença.
Sustentou o apelante a nulidade do decisum ante a ausência de motivação, uma vez não ter o magistrado sentenciante procedido à devida análise das provas carreadas aos autos, em especial as produzidas pelo próprio requerido, considerando tão somente a versão do autor, dos "acusadores" e da opinião pública. Aduziu, ainda, a inexistência de fundamentação para aplicação e dosimetria das penalidades, bem como da correlata justificativa, verificando-se omissão quanto ao apontamento e individualização da conduta, vício que igualmente teria acompanhado a peça inicial. O magistrado teria, ainda, deixado de observar os princípios da legalidade, tipicidade, culpabilidade, razoabilidade e proporcionalidade, em violação à razoável duração do processo, carecendo o decisum do "mínimo de precisão na tipicidade da figura infracional", não se podendo admitir a tipificação imprecisa ou ambígua. Quanto à fixação da pena pecuniária, aduziu não ter havido qualquer dano ou proveito patrimonial, situação igualmente desconsiderada pelo Juízo, cuja condenação implicaria bis in idem e violação ao devido processo legal.
Razão não lhe assiste, todavia.
O sistema processual pátrio adotou a teoria do livre convencimento motivado, pelo qual o magistrado aprecia as provas produzidas nos autos consoante os critérios de seu convencimento, declinando na fundamentação o percurso que o levou a exarar seu entendimento, nada impedindo, no entanto, que o julgador possa apontar de modo conciso as razões de seu decidir.
No presente caso, a fundamentação e os critérios de convencimento do Juízo a quo foram declinados de modo claro e suficiente, restando perfeitamente delineada a conduta do réu, sem qualquer imprecisão ou ambigüidade, consoante se verifica à fl. 996, extraindo-se da descrição contida no decisum o magistrado ter considerado, ainda, o grau de culpabilidade e de efetiva atuação para fixação da penalidade.
Quanto à pena pecuniária, multa civil cominada, restou cabalmente justificada a condenação e não configura qualquer bis in idem, apontando-se expressamente o critério considerado para sua fixação, qual seja, três vezes o valor apreendido por ocasião do flagrante, consoante previsão contida no artigo 12, I, da LIA, registrando-se no provimento que o fato de a vantagem indevida solicitada não ter sido incorporada ao patrimônio do requerido não configurava situação apta a excluir sua condenação, pois se deu em razão da prisão em flagrante do apelante (fl. 997).
De se ressaltar maior rigor se exigir na fundamentação, relativamente à fixação das penalidades, quando se verificar a aplicação da sanção mais rigorosa (STJ, REsp 1344325, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, v.u., DJe 23/04/2013), hipótese inocorrente in casu, pois o magistrado não impôs todas as penas previstas no inciso I do artigo 12 da LIA, situação devidamente justificada (fl. 997), e, ainda, fixou-as em patamar razoável, algumas no mínimo legal, ponderando todas as situações hábeis para a justa condenação.
Anote-se, ademais, o teor insculpido no artigo 37, § 4º, da CF/88, cujo regramento indica que as penalidades por ato de improbidade devem ser impostas "na forma e gradação previstas em lei", o que foi plenamente respeitado pelo Juízo sentenciante, sem inclusive extrapolar o quanto requerido no bojo da peça inaugural.
Em complemento, registre-se ter restado plenamente atendido o comando constitucional do inciso IX do artigo 93 da Lei Maior, bem como observados os correlatos princípios atinentes à prestação jurisdicional devidamente motivada e fundamentada, inclusive a legalidade, tipicidade, culpabilidade, razoabilidade e proporcionalidade, primados que não foram em momento algum violados nem "afrontaram a razoável duração do processo".
Inexistente a aventada nulidade da sentença, passo ao exame do mérito recursal.
A ação civil pública é instrumento processual de defesa da tutela coletiva, consistindo a Lei nº 7.347/65 em conjunto de diretrizes processuais e procedimentais a dar supedâneo a tal proteção, complementadas pela Lei Adjetiva Civil, as quais devem ser somadas às normas materialmente protetivas dos direitos difusos e coletivos, tutela patrimonial e moral, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, da legislação de proteção ao meio ambiente e à probidade administrativa, dentre outras.
"A ação civil pública tem índole constitucional, e representa um dos mais legítimos instrumentos processuais do ordenamento jurídico brasileiro, destinado à efetivação da justiça social. Mais do que um conjunto de técnicas processuais, a Lei 7.347/85 consagra o resgate e esperança de uma justiça mais digna, mais próxima possível dos anseios da população brasileira." (Marcelo Abelha Rodrigues, in Ações Constitucionais, A Ação Civil Pública, Organizador Fredie Didier Jr, Ed. Jus Podivm, 5ª edição, 2011).
Tal via processual, entretanto, não constitui "remédio para todos e quaisquer problemas da sociedade contemporânea", pois não se pode através de seu ajuizamento pretender minar o sistema político, jurídico e institucional, sob pena de serem inclusive violados os preceitos fundamentais do processo civil brasileiro, condizentes com a liberdade assegurada em âmbito da Lei Maior, os quais contemplam como regra geral a ação individual (Meirelles, Hely Lopes; Mendes, Gilmar Ferreira; Wald, Arnoldo. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. Malheiros Editores. 34ª Ed. 2011).
Especificamente quanto à ação civil pública por ato ímprobo, impende discorrer acerca da tipicidade na Lei de Improbidade Administrativa.
A edição da Lei nº 8.429/92 partiu da necessidade de se combater a corrupção e a malversação dos recursos públicos. Com base em tal concepção, o legislador elaborou um conjunto de normas que dita, embora em abstrato, um conteúdo de intenso rigor, visando orientar o julgador diante da amplíssima gama de condutas dos agentes públicos suscetíveis de reprovação.
Não obstante ser uma norma aberta, porquanto defina apenas os tipos de improbidade (artigo 9º: atos que importam em enriquecimento ilícito; artigo 10: atos que causam prejuízo ao erário; artigo 11: atos que afrontam os princípios da administração pública), é essencial a presença de um elemento para o manejo das ações por improbidade, o dolo, pois a exegese legal demanda a prova da prática de ato ilícito doloso, caracterizado pela conduta consciente e intencional.
O objetivo de punir o agente público corrupto e desonesto, bem como o particular que com ele atua, impõe a constatação, conjunta, de que a prática do ato de improbidade foi consciente, decorrente de uma conduta antijurídica, associada ao dolo e à má-fé. Sem a prova robusta desse comportamento, não se pode falar em improbidade administrativa.
No entanto, uma vez ser impossível adentrar o psiquismo do agente, o elemento subjetivo deve ser aferido de acordo com as circunstâncias do caso concreto, e.g., considerando se o agente tinha conhecimento do fato e das conseqüências de suas ações, qual a responsabilidade demandada pela função por ele ocupada e o nível de discernimento para tal exercício exigido, sendo que do cotejo desse conjunto advirão as balizas para o convencimento do julgador acerca da consciência do agente quanto à conduta ímproba.
Feitas tais ponderações, passo ao exame do caso dos autos, analisando inicialmente, a prescrição, matéria não argüida na defesa, mas de ofício cognoscível.
O artigo 23 da Lei nº 8.429/92 assim prescreve:
Da leitura do supratranscrito dispositivo legal pode ser aferido que, em se tratando de ato de improbidade administrativa, o fenômeno da prescrição se subdivide em duas vertentes: a primeira é relacionada aos detentores de mandato eletivo, cargo em comissão ou função de confiança (inciso I), para os quais o prazo prescricional é de 5 (cinco) cinco anos contados a partir do término do mandato ou do exercício do cargo ou função; a segunda, concernente aos servidores públicos detentores de cargos efetivos ou empregos públicos (inciso II), faz remissão aos prazos prescricionais disciplinados nos seus respectivos estatutos.
Neste contexto, a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, estabelece em seu artigo 142:
Além disso, o artigo 132 do referido Estatuto assim determina:
De se concluir, dessa forma, que o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de improbidade em face de agentes públicos detentores de cargo efetivo é de 5 (cinco) cinco anos, contados da data em que a Administração tomou conhecimento do ato ímprobo e, no caso de detentores de mandato eletivo, cargo em comissão ou função de confiança, a partir do término do exercício, tal como eleito pelo legislador.
Já para os particulares que não desempenham funções públicas, mas estão inseridos na previsão contida no artigo 3º da LIA, em que pese a ausência de previsão no artigo 23 da citada lei, é firme a jurisprudência da Superior Corte no sentido de que a eles se aplica o mesmo regime de prescrição conferido aos agentes públicos, ou seja, 5 (cinco) anos contados da data em que a Administração tomou conhecimento do ato ímprobo, consoante se ilustra pelo aresto a seguir:
No caso dos autos, a imputação dos atos de improbidade pendente sobre o réu Tufik José Charabe decorre do exercício de cargo público de Auditor Fiscal do Trabalho, por fatos ocorridos em setembro de 2002. Desse modo, tendo sido a ação ajuizada em 18/08/2005, não se verifica a ocorrência da prescrição.
Passo ao exame dos fatos.
Objetiva esta ação civil pública o reconhecimento da prática de atos de improbidade administrativa por parte de Tufik José Charabe, pois no exercício do cargo de Auditor Fiscal do Trabalho, teria incorrido nas seguintes condutas:
a) exigido para si, diretamente, vantagem indevida para deixar de praticar ato de ofício;
b) afrontado os princípios regentes da Administração Publica, especialmente a moralidade, legalidade e lealdade às instituições.
O Ministério Público Federal enquadrou as supracitadas condutas no artigo 9º, inciso I, e artigo 11, caput, ambos da Lei nº 8.429/92 (fls. 09/10), verbis:
Em razão de tais práticas, postulou o autor a aplicação cumulativa ao réu das penalidades previstas no artigo 37, § 4º, da CF/88 e artigos 5º e 12, I, da LIA (fl. 11), quais sejam, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito a dez anos, pagamento de multa civil no valor de até três vezes o acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos, bem como ao pagamento dos ônus sucumbenciais.
A sentença recorrida, e ora submetida ao reexame necessário, julgou parcialmente procedente a ação civil pública e condenou o réu, nos termos do artigo 12, I, da LIA: a) à pena de demissão do cargo de Auditor Fiscal do Trabalho; b) à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos; c) ao pagamento de multa civil no valor de três vezes o pretendido acréscimo patrimonial, corrigido a partir da data do ilícito até o efetivo pagamento; d) à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; e) aos honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa corrigido, pro rata, fixando as custas e despesas processuais ex lege.
A partir das premissas inicialmente consignadas, compulsando detidamente os elementos constantes dos autos, com o fito de formar claro convencimento acerca das ações descritas, analiso pormenorizadamente a conduta, cotejando as provas que instruem o processo, conforme segue.
A presente ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de Tufik José Charabe e objetiva o reconhecimento da prática de atos de improbidade administrativa, pois o requerido, no exercício do cargo público de Auditor Fiscal do Trabalho, teria afrontado os princípios regentes da Administração Publica, especialmente a moralidade, legalidade e lealdade às instituições, exigindo vantagem indevida para deixar de praticar ato de ofício.
A investigação no âmbito administrativo pelo MPF foi deflagrada em razão de representação da Corregedoria do Trabalho e Emprego para apuração da conduta do requerido, servidor da Delegacia Regional do Trabalho em São Paulo, Subdelegacia do Trabalho SDT I - Zona Norte, gerando a abertura do procedimento de investigação nº 1.34.001.004077/2003-66, por meio da Portaria nº 11, de 18/08/2003 (fls. 13/14).
Relativamente a tal contexto, sustentou o requerido em sua defesa serem totalmente inverídicos os fatos narrados, pois "fruto de interpretação subjetiva" da vítima e dos demais envolvidos, não tendo praticado qualquer ato ímprobo previsto nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA, uma vez não ter auferido vantagem econômica ou aumento patrimonial, não ter causado lesão ao erário, tampouco ter atentado contra os princípios da administração pública em violação aos deveres de honestidade, legalidade ou lealdade ao serviço público.
Narrou ser advogado inscrito na OAB desde 1972, podendo desempenhar tal mister exceto perante a esfera federal, além de professor de Direito do Trabalho desde 1981, exercendo ainda o cargo de Auditor Fiscal do Trabalho há 24 anos, com carreira imaculada. Por conta de sua experiência, fora procurado pelo "amigo e advogado" Isac Toni para fins de proceder à auditoria na documentação trabalhista da empresa God Line Importação, Exportação e Representação Ltda., realizando-se o mesmo procedimento em outras empresas ligadas a tal advogado. A auditoria teria sido encomendada por Carlos Apolinário, então candidato ao Governo do Estado de São Paulo, o qual, com receio de seus inimigos políticos e preocupado com algumas irregularidades em sua empresa, pediu a seu advogado para localizar alguém que pudesse verificar se havia algo passível de ser usado por seus opositores políticos contra ele. Diante disso, a finalidade da reunião travada teria sido o pagamento dos honorários da consultoria contratada, os quais haviam sido combinados previamente com Isac Toni em R$7.000,00.
Entretanto, os envolvidos teriam se aproveitado da situação e de sua boa-fé para "arrumar um espetáculo deprimente", utilizando-se da presença de dois promotores que "atuaram com abuso de autoridade", "pavões da mídia", com o objetivo de promoção pessoal e eleitoral de Apolinário às vésperas do pleito. Afirmou ter sido vítima de uma armadilha, pois o advogado Isac marcara reunião na empresa de Apolinário, local onde haviam sido previamente instaladas câmeras e gravadores, à qual compareceu pensando se cuidar da consultoria quanto à legislação trabalhista, "atividade na qual lhe era permitido atuar". Havia acertado com o citado advogado o parcelamento do valor da consultoria em duas vezes e, contudo, fora-lhe entregue o valor de R$4.000,00 como se propina fosse, mediante falsos testemunhos de acusação a importar na sua prisão em flagrante, situação noticiada amplamente pela mídia, tudo em prestígio eleitoreiro ao político, cujo flagrante, por ser preparado, era absolutamente nulo, inclusive ante a ausência de autorização judicial para a instalação dos equipamentos de áudio e vídeo.
Ressaltou a pretensa vítima, na indigitada reunião, ter-se utilizado de termos dúbios e de duplo sentido, forjados para fazer parecer tratar-se de exigência criminosa em proveito pessoal do requerido, frisando ter sido o dinheiro entregue para remunerar tanto a consultoria prestada, como a intermediação feita pelo advogado Isac, não podendo proceder a acusação com base no "pelo acha" e "pelo suponho".
Negou ter-se apresentado à empresa God Line para fins de atividade fiscalizadora, pois se assim fosse teria primado por adotar todos os recursos para fielmente desempenhar seu ofício e dever funcional, informando somente ser possível a fiscalização mediante emissão de Ordem de Serviço por parte de seus superiores hierárquicos da Delegacia do Trabalho, donde se ele não havia saído com tal Ordem, estava prestando consultoria, na qualidade de advogado e professor.
Em que pese a manifestação exasperada e altamente emotiva do requerido, o qual inclusive advoga em causa própria nos presentes autos, os fatos narrados pelo Ministério Público Federal em seu exórdio estão confirmados por diversos elementos probatórios, tornando imperioso manter o reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa, consoante passo a examinar.
Consta dos autos que o requerido, na data de 02/09/2002, compareceu à sede da empresa GOD LINE IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO E REPRESENTAÇÃO LTDA. para proceder à sua fiscalização, pessoa jurídica que tem como sócio-proprietário CARLOS ALBERTO EUGÊNIO APOLINÁRIO, à época dos fatos Vereador do Município de São Paulo e candidato do Governo do Estado de São Paulo, tendo como demais sócios seus filhos CLÁUDIO CESAR SILVA APOLINÁRIO e CARLOS ALBERTO EUGÊNIO APOLINÁRIO JUNIOR (fls. 99/105). Na ocasião, o réu, apresentando-se como Fiscal do Trabalho, solicitou à funcionária da empresa, a secretária de Diretoria TERESA REGIA MARTINS MOURA BARRETO, diversos documentos para serem examinados no dia seguinte (fl. 151), os quais foram por ela providenciados junto ao Contador da pessoa jurídica.
Retornando à empresa, o requerido verificou diversos livros e documentos, apondo anotação de "nada consta" no Livro de Inspeção do Trabalho, procedendo do mesmo modo em relação ao Livro de Registro de Inspeção de Empregados e ao Livro de Registro de Empregados, examinando, ainda, guias GRPS, FGTS e devolvendo toda a documentação à secretária (fls. 97/98, 378). Em seguida, fez diversas perguntas sobre os funcionários, sua postura de trabalho e pediu a pasta de dois empregados, escolhidas aleatoriamente, quando indicou haver irregularidade na marcação de ponto da funcionária FABIANA CRISTINA DOS SANTOS PORTO, relativa ao "retorno antecipado no horário do almoço" (fl. 96), informando que configurava afronta à legislação trabalhista, daí podendo ser inclusive inferido que aproximadamente metade dos funcionários deveria estar com a marcação de ponto igualmente irregular. Assim, passou a rascunhar "cálculos" no verso de uma folha e a comentar que aquela situação era irregular e geraria a aplicação de multa. Teria ele, ainda, informado que a empresa seria intimada formalmente, fornecendo seu número de celular à funcionária para o sócio da pessoa jurídica lhe contatar caso houvesse interesse em "definir a situação", pois ele queria "fechar a intimação" (fls. 150/151, 308/308v).
A partir de tal encontro, TERESA BARRETO passara aos empregados orientações quanto à forma correta de efetuar a marcação no cartão de ponto, vindo posteriormente a ser trocado o relógio de ponto para ser evitado qualquer problema similar ao constatado (fls. 83, 368).
Diante disso, CARLOS APOLINÁRIO, por seu filho CLÁUDIO APOLINÁRIO, solicitou ao advogado ISAC APARECIDO TONI que procurasse o requerido para verificar sobre o que se tratava, estranhando haver qualquer irregularidade, pois poucos meses antes fora feita a contratação de duas empresas para realização de auditoria trabalhista e fiscal, objetivando deixar a empresa "zerada", sendo uma delas a empresa CCAT (fl. 380).
Através de contato telefônico, o advogado marcou uma primeira reunião com o requerido no escritório da GOD LINE, à qual este não compareceu, vindo a ser marcado novo encontro no escritório do advogado. Em tal ocasião, o requerido informou acerca da constatação de irregularidade na marcação do ponto da funcionária supracitada e, ainda, sobre a falta de friso de segurança em uma das escadas, situação que ensejaria a aplicação de multa, cujo valor poderia chegar a R$30.000,00, mas que pela "metade do valor poderia resolver o problema" (fl. 373).
Comunicado do teor da ligação, o então vereador se "aconselhou" com o Presidente da Câmara dos Vereadores de São Paulo à época, JOSÉ EDUARDO MARTINS CARDOZO, o qual lhe recomendara procurar auxílio do Ministério Público, vindo este mesmo a acionar os Promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado), ROBERTO TEIXEIRA PINTO PORTO e JOSÉ CARLOS GUILLEM BLAT, os quais acompanharam o caso "a pedido de Cardozo" (fls. 24, 107/108), suspeitando inicialmente tratar-se de estelionato, pois não havia certeza se o requerido era ou não, efetivamente, Auditor Fiscal do Trabalho.
Consta, ainda, o requerido ter novamente entrado em contato, com o fito de obter uma resposta definitiva acerca da exigência e pressionando para ser marcada uma reunião com o sócio-proprietário (fl. 87).
Por meio de novo contato telefônico, veio a ser acertado o encontro entre CARLOS APOLINÁRIO e o requerido, a fim de ser efetivada a entrega do dinheiro, na data de 27/09/2002, às 15h, na sede da própria empresa. Previamente à reunião, foram feitos ajustes no sistema de circuito interno, com instalação e adaptação de "câmeras e microfones" no local da reunião (equipamentos de áudio e vídeo, com dispositivos eletrônicos de captura magnética de sons e imagens), mediante acompanhamento dos citados membros do Ministério Público e de dois policiais, PAULO CESAR LOPES DA SILVEIRA e RAUL SERRA FERNANDES, com anuência do sócio da pessoa jurídica, o qual também estava portando microfone sem fio e microcâmera. Foram, ainda, fotocopiadas as cédulas a serem entregues ao fiscal (fls. 153/187).
Chegando o requerido ao local combinado, iniciou conversa amistosa com CARLOS APOLINÁRIO e, a seguir, passou a discorrer sobre as irregularidades constatadas na empresa, apontando a marcação irregular do ponto da funcionária supracitada e, ainda, a falta de friso de segurança em uma das escadas, situação que ensejaria a aplicação de uma multa no valor aproximado de R$30.000,00. O requerido, ainda, reformulou a exigência, "ficando acertado" o importe de R$7.000,00 em duas parcelas, sendo a primeira de R$4.000,00, a ser recebida naquele momento, e o saldo em trinta dias. Diante disso, o requerido não procederia à autuação e a empresa não sofreria mais fiscalização.
Entregue o montante ao requerido, e colocado em sua pasta pessoal, os Promotores de Justiça, que haviam permanecido no interior de um banheiro durante a reunião e de lá acompanhavam o encontro por meio das câmeras e microfones antes instalados, saíram de tal local e deram voz de prisão em flagrante ao réu, conduzindo-o à Delegacia de Roubos e Extorsões, Divisão de Investigações sobre Crimes contra o Patrimônio - DEIC, onde a ordem de prisão foi ratificada pela autoridade policial, vindo todo o ocorrido a ser objeto de Auto de Prisão em Flagrante Delito (fls. 23/31) e Boletim de Ocorrência de Autoria Conhecida nº 166/2002 (fls. 32/35).
Depreende-se dos autos, ainda, os fatos terem sido amplamente divulgados pela mídia, inclusive com exibição das imagens da prisão em flagrante através das emissoras de televisão, as quais já se encontravam na Delegacia quando o requerido lá chegou, além de ter o então vereador dado diversas entrevistas acerca do ocorrido, não restando apurado quem teria noticiado os fatos à imprensa com tamanha prontidão, mas apenas cogitado que a presença da imprensa no local poderia estar relacionada com um "caso rumoroso envolvendo o Primeiro Comando da Capital" (fls. 108/109, 117, 398/399, 687).
Os sons e imagens capturados pelos equipamentos de áudio e vídeo instalados na sede da empresa foram submetidos a exame pelo Instituto de Criminalística da Secretaria da Segurança Pública, Superintendência da Polícia Técnico-Científica, consoante Laudo de fls. 310/320, inclusive para fins de degravação e extração de fotocópias. Afere-se do laudo não ter sido possível proceder à transcrição dos diálogos, dada a péssima qualidade da gravação da Fita Cassete JVC-T-120, com muitos ruídos, além do distanciamento dos interlocutores da fonte gravadora, donde restou impossibilitado estabelecer uma sequência lógica do conteúdo falado, constatando-se apenas: "as cenas registradas na fita em questão foram gravadas em uma sala com dois indivíduos do sexo masculino, um deles trajando terno, onde em determinado momento retira um pequeno pacote do bolso, coloca no centro da mesa e o outro indivíduo, de camisa clara, guarda o referido pacote em sua pasta (vide sequência de fotos de 3 a 6). Ato contínuo, adentram ao recinto alguns homens, que dão voz de prisão ao indivíduo de camisa clara (vide sequência de fotos 7 a 14)".
No tocante à Fita Cassete MP-120-8mm, não foi periciada em razão da ausência de equipamento adequado naquele Instituto.
Outro exame técnico foi realizado, ainda, pela Seção de Criminalística do Departamento de Polícia Federal, Superintendência Regional em São Paulo, relativamente a três fitas, incluindo as duas supramencionadas, atendendo à requisição urgente do Juízo da 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo, onde tramitou a ação penal nº 2002.61.81.006401-5, intentada contra o réu pelos mesmos fatos ora em exame. Foi elaborado pela citada Seção o Laudo de Exame em Material Audiovisual colacionado às fls. 463/466, com relato de imagens e degravação apenas parcial da conversa, registrando-se o "homem de terno" ser CARLOS APOLINÁRIO e o homem de camisa branca, TUFIK JOSÉ CHARABE, ora requerido, podendo de tal documento ser destacado:
VÍDEO I (negociação entre o réu e Carlos Apolinário): "Vídeo I: (...) O homem de terno passa papéis para o de camisa branca, que os examina. Em determinado momento, o homem de terno entrega um pequeno volume ao outro (que não é possível identificar). Áudio I: (som de má qualidade, permitindo ouvir apenas palavras, trechos esparsos da gravação) - Comentários a respeito de como perder peso, o homem de camisa branca (de costas para a câmera) orienta o outro a respeito de como proceder com os funcionários de sua empresa: '- tudo o que você oferecer gratuitamente, você poderá retirar na hora que você quiser...' / h. de terno: '- eu quero resolver isso para trás. No que daria para o senhor me ajudar aí?' / h. de camisa branca: '- nós falamos em torno de R$10.000,00 (dez mil reais)... eu baixei, ele chegou... eu não tenho só Direito, eu sou formado em Direito... ganha mais do que eu (...)' / h. de terno: '- são sete... eu daria quatro para o senhor, hoje, e três daqui a trinta dias..." (ininteligível, ruídos)."
VÍDEO II (prisão em flagrante do réu pelos Promotores e Policiais): "Vídeo II: entrada de dois homens de terno pela esquerda, seguida de outros dois pela porta frontal. A pasta do homem de camisa branca é examinada, são espalhados papéis sobre a mesa. Áudio II: um dos homens que entra na sala dá ordem de prisão ao homem de camisa branca."
Consta do laudo, ainda, a degravação relativa a reportagem televisiva sobre os fatos ora transcritos, com entrevistas de Carlos Apolinário e dos Promotores José Carlos Blat e Roberto Porto.
Extrai-se da prova documental produzida os fatos ora narrados terem sido objeto de:
a) Procedimento de Investigação PP nº 22/02 no âmbito do Gaeco, Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (fls. 146/149);
b) Inquérito Policial nº 128/02 (fls. 130 e seguintes), o qual teve início perante a Polícia Civil Estadual, vindo a ser finalizado pela Polícia Federal;
c) Ação Penal nº 2002.61.81.006401-5 (fls. 121 e seguintes), sendo o requerido denunciado pela prática de concussão (artigo 316, caput, do CP), cujo trâmite se deu perante a 5ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo;
d) Processo Administrativo Disciplinar nº 46219.027616/2002-43 (trâmite final colacionado às fls. 392/551), o qual culminou na aplicação da penalidade de demissão (artigos 117, IX, 127, III e 137 da Lei nº 8.112/90);
e) Representação e Inquérito Civil Público nº 1.34.001.004077/2003-66, os quais instruíram a peça exordial.
Em todos os procedimentos supradeclinados, restou demonstrado ter-se dado a atuação do requerido no efetivo exercício da função de Auditor Fiscal do Trabalho. Confira-se:
a) lançou "nada consta" no Termo de Registro de Inspeção, na data de 02/09/2002, carimbando e assinando o documento (fls. 680v, 681v), restando confirmado por laudo grafotécnico tratarem-se de manuscritos provenientes de punho do requerido (fls. 303/308);
b) no Livro da Inspeção do Trabalho, lançou seu carimbo e assinatura, declarando o documento "autenticando, nesta data, conforme Portaria 402/95 do MTb", em 03/09/2002 (fls. 680/681), cujo manuscrito, de igual modo, foi confirmado como proveniente do punho do requerido pelo laudo grafotécnico (fls. 303/308);
c) lançou seu carimbo e assinatura em fichas de registro de empregados (fls. 678/679);
d) efetuou diversas exigências para o cumprimento de normas trabalhistas, expedindo Notificação Para Apresentação de Documentos, em cujo verso constam cálculos hipotéticos de multas passíveis de serem aplicadas à hipótese (fl. 151, 308v).
Em que pese não ter sido formalmente ordenada a fiscalização, através da emissão da necessária Ordem de Serviço pela Delegacia do Ministério do Trabalho (fl. 71), tampouco lavrado auto de infração, os elementos ora declinados demonstram que o réu requisitou formalmente a apresentação de documentos, por meio de formulário oficial do Ministério do Trabalho por ele assinado, carimbado e efetivamente preenchido, conduta que em nada se assemelha à prestação de serviços de consultoria jurídica, como alegado.
Não bastasse a prova documental colacionada, os depoimentos tomados por ocasião da investigação criminal e da dela decorrente ação penal, bem como em sede do processo administrativo disciplinar, são uníssonos e harmoniosos, corroborando a narrativa ministerial. A título de demonstração, anote-se em suma, relativamente aos depoimentos:
a) José Carlos Guillem Blat: Promotor do Gaeco, confirmou a narrativa da peça inicial, tendo acompanhado a reunião entre o requerido e Carlos Apolinário por meio do sistema de áudio e vídeo instalado, bem como a extorsão e entrega da vantagem indevida ao réu, a qual se prestava ao fim de que a empresa não fosse autuada pelas irregularidades e, também, para não vir a "sofrer novas fiscalizações", estando todos os seus depoimentos congruentes e coerentes, consoante se afere do auto de prisão em flagrante, fls. 24/25, do processo administrativo disciplinar, fls. 113/118 e da ação penal, fls. 686/687;
b) Roberto Teixeira Pinto Porto: Promotor do Gaeco, de igual modo ratificou a imputação feita ao requerido, no sentido de que ouvira a conversa entre este e Carlos Apolinário, sendo a exigência financeira decorrente de uma fiscalização feita na empresa do então Vereador (fls. 400/402);
c) Paulo Cesar Lopes da Silveira: Policial Militar, acompanhou os Promotores à reunião na sede da empresa God Line, confirmando a instalação do sistema de áudio e vídeo naquele local e a prisão em flagrante do requerido em razão de este ter exigido dinheiro de Carlos Apolinário. Foi ouvido na investigação criminal, no processo administrativo disciplinar e na ação penal, confirmando a mesma versão em todas as ocasiões (fls. 25/26, 396/399, 727/728);
d) Teresa Regia Martins Moura Barreto: Secretária de Diretoria na empresa God Line, confirmou o requerido ter comparecido à empresa na qualidade de Fiscal do Trabalho, motivo pelo qual apresentou os documentos por ele exigidos na fiscalização, narrando quais documentos foram fiscalizados, carimbados e assinados; informou, ainda, ter o requerido passado seu número de celular para que o proprietário da pessoa jurídica lhe contatasse a respeito das irregularidades. Foi ouvida na investigação criminal, no processo administrativo disciplinar e na ação penal, confirmando o mesmo teor em todas as ocasiões, restando ainda corroborada sua narrativa por meio da prova documental supramencionada (fls. 26/27, fls. 82/85, fls. 377/381);
e) Carlos Alberto Eugênio Apolinário: sócio-proprietário da empresa God Line, à época dos fatos Vereador do Município de São Paulo e candidato ao Governo. Narrou ter recebido de sua secretária a informação acerca da visita inicial do requerido em sua empresa, durante a qual este constatara irregularidades, deixando seu número de celular para que fosse feito contato. Solicitou a seu advogado que entrasse em contato com o fiscal, quando foi confirmada a exigência financeira para "resolver a questão". Pediu auxílio ao então Presidente da Câmara dos Vereadores, José Eduardo Martins Cardozo, sendo acionados os Promotores do Gaeco para acompanhar a reunião entre ele e o requerido. O encontro ocorreu na sede da God Line, mediante instalação de sistema de áudio e vídeo no local com sua autorização, momento em que pela primeira vez viu o réu, tendo este formulado a exigência financeira para deixar de autuar a empresa e deixar de proceder a novas fiscalizações, vindo o depoente a entregar a quantia de R$4.000,00, cujas cédulas haviam sido anteriormente xerocopiadas. Passado o montante às mãos do requerido, os Promotores, que acompanhavam a reunião pelo sistema instalado, adentraram o recinto e deram voz de prisão ao réu. Foram prestadas as mesmas informações na investigação policial, no processo administrativo disciplinar e na ação penal (fls. 27/28, 89/94, 365/371), ressaltando o depoente que jamais "contrataria" os serviços de um Fiscal Federal, menos ainda naquela ocasião, pois poucos meses antes havia procedido à contratação de duas empresas de auditoria para "zerar" e atestar a regularidade trabalhista e fiscal;
f) Isac Aparecido Toni: advogado que prestava serviços ocasionais a Carlos Apolinário, confirmou ter entrado em contato com o requerido a pedido de seu cliente, quando foi feita a exigência financeira a fim de não ser realizada a autuação da empresa God Line. Narrou ter o requerido dito que a multa pelas irregularidades importariam em R$30.000,00, mas "pela metade desse valor resolveria o problema". Informou nunca ter tido contato anterior com o réu, vindo a conhecê-lo tão somente em seu escritório, quando das tratativas relativas à fiscalização, o qual em momento algum se apresentou como advogado ou consultor trabalhista (fls. 86/88, 220/221, 372/376);
g) Tony Macedo Pedroso: testemunha de defesa, ouvido em sede do processo administrativo disciplinar (fls. 430/433) e no bojo da ação penal (fls. 823/825). Informou não ter tomado contato direto com os fatos, mas ter presenciado encontro entre o Dr. Isac e o requerido no restaurante Mister Sheik, ocasião em que tal advogado disse querer fazer uma parceria com o requerido para avaliar a parte trabalhista de algumas empresas, dentre elas a God Line. Disse bem lembrar do Sr. Isac, afirmando aparentar sessenta anos de idade, com estatura mediana, cabelos grisalhos de pouca calvície, uma pessoa bem gorda, de pouco pescoço e que no dia do encontro, no restaurante, estava vestindo um blazer preto ou azul bem escuro, sendo este o único encontro e depois nunca mais o viu. Disse ter presenciado o Dr. Isac falar que contratava os serviços do requerido mediante pagamento de honorários, ficando em tal encontro pendente apenas o valor dos honorários a serem pagos pelos serviços prestados à empresa God Line, presenciando também que o advogado ficou de entrar em contato com o dono da referida empresa para discutir os honorários. Informou, ainda, desconhecer as atividades paralelas do fiscal, mas admitiu receber orientações do requerido em relação a processos judiciais nos quais atuava, vindo a conhecer o requerido por fazer tratamento dentário com seu filho;
h) Antonio Manoel Kassab Kojian e Luiz Carlos Parreira: testemunhas de defesa, foram estes ouvidos no processo administrativo disciplinar e na ação penal (fls. 427/429, 434/436, 800/802, 821/822). Atestaram ser o réu pessoa de bom caráter, deles nunca tendo exigido qualquer valor quanto aos auxílios na seara trabalhista, vindo o primeiro a presenciar o réu dando orientações a outras empresas por telefone, tendo sido o segundo seu aluno. Ambos consideraram ter havido "armação para cima do requerido", em que pese não terem tomado contato direto com os fatos;
i) José Dominicale: testemunha de defesa na ação penal (fls. 826/827), não sabia das atividades paralelas do requerido, mas ia com freqüência à Delegacia do Trabalho na qualidade de preposto para fins de homologação de rescisão de contratos de trabalho e nunca soube de exigências de vantagens;
j) Carlos Alberto Angelini: Subdelegado da Subdelegacia Norte do Ministério do Trabalho, superior hierárquico do requerido. No bojo da ação penal, confirmou que a fiscalização externa pelos Auditores Fiscais apenas poderia ser feita mediante emissão de Ordem de Serviço, específica para cada pessoa jurídica a ser fiscalizada, e que esta não fora emitida para a fiscalização da empresa God Line, a qual estava na circunscrição de atuação daquela Subdelegacia (fls. 214/215, 744/745).
Impende anotar, relativamente aos depoimentos ora citados, terem sido confrontados os depoentes Isac Aparecido Toni e Tony Macedo Pedroso em sede do processo administrativo disciplinar, mediante acareação, ocasião na qual ambos mantiveram na íntegra seus depoimentos, embora frontalmente colidentes, tendo Isac Toni reiterado somente ter conhecido o réu quando da fiscalização, negando qualquer proposta de parceria e sua presença no restaurante, vindo Tony Pedroso, a seu turno, a ratificar ter presenciado o encontro entre aquele e o réu, bem como os termos da conversa para a contratação de consultoria trabalhista (fls. 437, 444/448).
A realidade ora narrada e detalhadamente apurada foi objeto do já mencionado processo administrativo disciplinar nº 46219.027616/2002-43, o qual teve início em 02/10/2002 (fls. 38/39), sendo designada a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar por meio da Portaria nº 334, de 16/10/2002 (fl. 40), de cujo trâmite se extrai terem sido plenamente observados o contraditório, a ampla defesa e o devido processo administrativo, entendendo-se a seu final pela aplicação da penalidade de demissão, consoante se afere do Relatório Final da Comissão (fls. 510/537), Parecer/NL/CONJUR/TEM Nº 004/2003 (fls. 541/546), Decisão do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego (fl. 547) e Portaria 936, de 03/07/2003, relativa à demissão (fls. 548, 561, 606).
No bojo do procedimento administrativo foi considerado, para fins de sopesar a aplicação da penalidade, terem sido instaurados contra o requerido quatro processos disciplinares, ou seja, havia mácula em sua carreira, a saber: a) PAD nº 46269.000973/94-16 e PAD nº 46219.000749/95-28 (apensado), por infração ao artigo 116, IV, da Lei nº 8.112/90, aplicada a pena de advertência; b) PAD nº 46219.008309/98-61, por infração ao artigo 117, XV, da mesma lei, aplicada a pena de advertência; PAD nº 46219.048465/00-89, por violação ao artigo 116, III, da citada lei, aplicada a pena de dez dias de suspensão; c) PAD nº 46219.027616/2002-43, por infração ao artigo 117, IX c/c inciso XIII do artigo 132 e artigo 137, caput, todos da Lei nº 8.112/90, conduta objeto da presente ação, aplicada a pena de demissão, nos moldes supradeclinados.
No âmbito criminal, as investigações realizadas pelo Gaeco, Polícia Civil Estadual e Polícia Federal deram ensejo à citada ação penal nº 2002.61.81.006401-5 (fls. 121 e seguintes). O réu, preso em flagrante em 27/09/2002, somente foi solto por decisão desta E. Corte Regional, mediante pagamento de fiança no importe de R$7.000,00. O trâmite processual da indigitada ação penal foi colacionado aos presentes autos, cuja sentença foi prolatada no sentido da condenação do requerido pela prática do crime de concussão, diante da plena configuração da materialidade e autoria delitivas, nos termos do artigo 316, caput, do CP.
Em consulta ao sistema informatizado desta E. Corte Regional, constata-se já ter havido o julgamento da apelação interposta pelo ora réu, sendo publicado o V. Acórdão proferido pela Quinta Turma deste E. Tribunal no DJU de 11/12/2007, Relatoria do Desembargador Federal Baptista Pereira, reconhecendo-se de igual modo que a materialidade e autoria estavam plenamente configuradas em razão da prisão em flagrante do réu e diante do conjunto das demais provas juntadas aos autos, principalmente os depoimentos prestados pela vítima e testemunhas, apontando para a responsabilização do acusado. Foi ressaltado que a exigência de vantagem indevida, bem como a negociação quanto ao local de entrega do dinheiro, originaram-se de atos do próprio réu, o qual não foi induzido à prática criminosa pelas autoridades que efetuaram a sua prisão em flagrante, caracterizado como esperado, e não forjado, afastada ainda, a alegação de crime impossível. Reconhecida a não ocorrência da prescrição, foi o apelo provido em parte, somente para reduzir a pena imposta.
Portanto, o V. Acórdão ora mencionado consubstancia mais um forte elemento a corroborar a atuação consciente, dolosa e imbuída de má-fé por parte do requerido nas circunstâncias ora em exame, inclusive à vista de seu trânsito em julgado em 05/09/2008 (consulta ao sistema informatizado do Superior Tribunal de Justiça), não podendo ser afastado seu teor pelo simples ajuizamento de Revisão Criminal (fls. 1026/1052).
Registre-se, por oportuno, restar cristalino não se tratar de flagrante preparado, tampouco forjado, mas esperado, como supramencionado, conclusão que decorre da análise conjunta de todos os elementos constantes dos presentes autos, inclusive amiúde analisada na ação penal, verificando-se o delito já consumado, em verdade, no momento em que a exigência foi formulada ao advogado ISAC TONI. Diante disso, não se pode acolher a tese dos "frutos da árvore envenenada", como pretende o requerido, para fins de se desconsiderar a gravação, as filmagens e, em decorrência, os depoimentos prestados, inclusive porque somado tal contexto probatório aos documentos colacionados, à condenação no PAD e no âmbito criminal, daí se extraem elementos à saciedade hábeis a fundamentar a condenação na presente ação de improbidade.
Igualmente não se fala em nulidade da prova colhida sem autorização judicial, pois a gravação da reunião foi expressamente autorizada por Carlos Apolinário, em razão de estar a se delinear situação que o colocava como vítima do crime de extorsão (ou concussão como veio posteriormente a ser apurado), caracterizando-se justa causa para sua realização, acompanhada inclusive pelo próprio Ministério Público e pela Polícia Militar, lembrando ser inaplicável à espécie a Lei nº 9.296/96, por tratar da autorização judicial para fins de interceptação telefônica (regulamentação do artigo 5º, XII, CF/88).
É nesse sentido o entendimento pacificado no âmbito da C. Superior Corte, consoante exemplifico pelo aresto a seguir:
Ainda que se cogitasse a nulidade da gravação para o fim de ser desconsiderada esta específica prova, seria imperioso manter a condenação do requerido por todos os demais elementos dos autos, à profundidade analisados, inclusive face à configuração de ato ímprobo antes mesmo de ser realizado o encontro objeto da filmagem, como dito. Ou seja, verificou-se o exaurimento da conduta ilegítima quando o requerido deixou de lavrar a autuação no momento oportuno, sob a condição de perceber vantagem financeira indevida, a qual efetivamente recebeu, em que pese não ter logrado sua plena disponibilidade, dada a prisão em flagrante. Ademais, o recebimento da verba, por si, ratifica a anterior configuração da conduta ímproba, perquirindo-se sobre sua efetiva entrada no patrimônio do réu para fins de se impor ou não o pertinente ressarcimento, como será adiante examinado.
CONCLUSÃO
Nenhuma das alegações postas pelo apelante no decorrer processual se verificou comprovada ou tem força suficiente para ilidir a prova robusta produzida em seu desfavor, verificando-se, inclusive, ter havido o reconhecimento da prática dolosa das condutas objeto da presente lide no âmbito criminal e administrativo, restando devidamente demonstrado ter-se dado a atuação do requerido de modo consciente e deliberado, em inobservância aos princípios e regramentos norteadores dos atos dos agentes públicos, com dolo e má-fé.
O Auditor Fiscal do Trabalho é servidor público que detém a atribuição de exercer o poder polícia inerente à aplicação da legislação trabalhista, donde lhe é vedado, por lei, o exercício da advocacia, abarcada aqui a consultoria jurídica, situação extensiva aos Auditores Fiscais Tributários, em razão da incompatibilidade entre tais atividades, bem como por conta do impedimento que já era previsto no artigo 12 da Lei nº 4.345/64, o qual veio a ser igualmente contemplado pelos artigos 28, inciso VII, e 30, inciso I, ambos da Lei n.º 8.906/94, artigo 11, parágrafo único da Lei nº 10.593/02, estando o tema atualmente regulado pelo artigo 3º da Lei nº 11.890/08, destacando-se tal situação de impedimento estar confirmada no âmbito da Corregedoria do Ministério do Trabalho e Emprego e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Ementa 45/2003/OEP, DJ 18.11.2003).
Portanto, sua conduta, seja por uma ótica, seja por outra, não se demonstra ética ou proba, pois se utilizou da condição de Auditor Fiscal e das informações privilegiadas que detinha em razão do cargo ocupado para "prestar consultoria" em diversas ocasiões, situação confirmada por suas próprias testemunhas, que em sua "defesa" acabaram por delatar sua constante atuação irregular. Desse modo, por mera cogitação, a se admitir a tese do requerido, no sentido de que os fatos se reportariam a "consultoria", restaria a conduta ainda assim enquadrada como improbidade administrativa, consoante a previsão insculpida no artigo 9º, VIII, da LIA, segundo a qual constitui ato de improbidade "aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade."
De conseguinte, o requerido, em nenhuma hipótese, poderia aceitar qualquer numerário a título de consultoria ou assessoramento de empresas no tocante à regularidade trabalhista, dado o cargo público por ele ocupado de Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho.
Somente se admite sua atuação concomitante com o magistério, na forma do permissivo contido nos dispositivos supradeclinados, atividade in casu devidamente regularizada, mediante registro em sua CTPS como professor junto à Fundação Karnig Bazarian desde maio de 1981 (fls. 833/834).
As circunstâncias arguidas pelo requerido não foram demonstradas, ao revés, verificando-se sólida prova em relação aos fatos apontados pelo autor, tendo o requerido se valido do cargo público para sua atuação irregular, informando expressamente ser Fiscal do Trabalho quando da visita à empresa e assim procedendo. Frise-se, quanto a isso, a empresa estar sediada no bairro de Santana, Zona Norte da Capital de São Paulo, localidade submetida à fiscalização da Subdelegacia do Trabalho SDT I - Zona Norte, à qual era vinculado o réu, situação relatada e confirmada inclusive por seu superior hierárquico, Carlos Alberto Angelini, como antes anotado. Desse modo, revela-se a atuação de "consultoria preventiva" não só como abstenção da prática de seu dever de ofício, atinente à fiscalização e lavratura de autos, quando o caso, mas igualmente como forma de burlar e aviltar as fiscalizações oficiais a serem determinadas pelas respectivas Ordens de Serviço daquela mesma Subdelegacia.
No tocante ao depoimento prestado pela testemunha de defesa, Tony Macedo Pedroso, encontra-se este dissociado de todo o conjunto probatório, tendo sido inclusive objeto de acareação na seara administrativa, em face da frontal colisão e contradição com o depoimento da testemunha Isac Aparecido Toni, tendo ambos na ocasião mantido suas afirmativas. Entretanto, é o depoimento de Isac Toni que se harmoniza aos demais elementos dos autos, motivo pelo qual não pode ser sopesado o depoimento de "defesa" da forma pretendida pelo apelante.
O requerido, ainda, pretende imputar inidoneidade à atuação e, assim, aos depoimentos prestados pelos Promotores José Carlos Blat e Roberto Porto, sustentando terem agido com abuso de autoridade, colacionando matéria jornalística no sentido de que teriam sido inclusive afastados de seus cargos (fl. 609). Entretanto, a notícia veiculada pela mídia em nada está vinculada ao presente caso, não restando demonstrado em nenhum momento nestes autos terem eles atuado de modo ilegal ou com abuso de poder, sendo inexistente o apontamento de qualquer procedimento administrativo ou judicial específico e relativo aos fatos sub judice.
O réu pretendeu atribuir igual inidoneidade à atuação de Carlos Apolinário, trazendo aos autos matérias de jornais de grande circulação, nas quais este teria recebido "propina" uma ONG inexistente e ligada ao lobby imobiliário (fls. 976/979, 1056/1059), requerendo fosse tal fato considerado para desabonar a pessoa do denunciante.
Note-se que o ora apelante se disse injustiçado e condenado pela "mídia sensacionalista" antes mesmo de poder ser julgado perante a Justiça (fl. 1024), situação que não poderia ser tolerada, dada a presunção de inocência contemplada em âmbito constitucional. Entretanto, e em atitude totalmente ilógica e contraditória, veio o requerido pleitear ao Judiciário fossem desconsiderados os depoimentos dos Promotores e do então Vereador, julgando-os inidôneos em razão das matérias jornalísticas por ele apresentadas. Ora, se não admite o réu ser condenado antecipadamente pelo sensacionalismo da mídia, não pode ele pretender que assim se atue em relação a qualquer outra pessoa ou circunstância, cuja postura processual se revela inclusive incoerente, ainda que sejam fatos amplamente divulgados pela mídia, sob pena de se violar o próprio devido processo legal.
Em verdade, o requerido insistiu veementemente na parcialidade de todos os depoentes e na imprestabilidade de todas as suas declarações; todavia, como pode pretender fazer crível tal imputação se, presentes réu e defensor quando das oitivas no bojo do processo criminal, sequer contraditaram as testemunhas? (e.g., fls. 365, 372, 377, 686, 727, 744).
O requerido sustentou, ainda, não poder ser mantido o reconhecimento de prática de ato ímprobo, pois sua condenação no âmbito criminal ainda "não seria definitiva", dada a interposição da Revisão Criminal nº 2008.03.00.046349-5 perante este E. Tribunal, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto. No entanto, como já consignado e detalhadamente apontado, há, com efeito, decisão transitada em julgado na ação penal nº 2002.61.81.006401-5, a qual é forte prova das alegações ministeriais, em razão do reconhecimento cabal da materialidade e autoria delitivas quanto aos mesmos fatos debatidos na presente lide, cujos termos já foram anteriormente amiúde declinados, daí exsurgindo estar o teor condenatório alinhado a todo o restante do conjunto probatório desta ação.
Relembre-se ser assente na jurisprudência e doutrina pátrias a independência entre as esferas penal, civil e administrativa, inclusive para fins de caracterização do dolo ou da intenção de fraude, vedando-se a uma esfera adentrar a discricionariedade da outra, dada a autonomia entre a configuração de tais ilícitos. No entanto, daí não decorre dever ser desconsiderada a repercussão entre tais esferas, à vista inclusive da correlação entre elas nas situações elencadas pela lei, a exemplo do disposto no artigo 935 do CC: "a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".
Assim, não procede o argumento de que tal realidade constituiria óbice à apreciação ora exarada, pois em nada prejudica a persecução pela via da ação civil pública, ao revés, corrobora-a. Anote-se, em complemento, inexistir qualquer decisão em favor do ora requerido em sede da indigitada Revisão Criminal, bem como já ter havido o integral cumprimento da pena, com declaração de sua extinção (Execução Penal nº 0008298-62.2008.4.03.6181, fls. 1100/1102, baixa definitiva dos autos ao arquivo em 03/05/2001 e arquivamento em 09/05/2001, consoante consulta ao sistema informatizado da Justiça Federal da 3ª Região).
De se consignar, ainda, quanto à condenação imposta na seara do processo administrativo disciplinar, ter sido levada pelo requerido à Superior Corte através da impetração do MS 9318/DF, restando mantida por acórdão da Terceira Seção, transitado em julgado em 02/03/2007, cuja ementa segue a seguir transcrita:
Portanto, verificou-se, com efeito, a prática da conduta descrita pelo inciso I do artigo 9º da Lei nº 8.429/92, sendo de oportuna transcrição a doutrina de Mauro Roberto Gomes de Mattos: "Reflete o presente dispositivo o nexo causal entre o recebimento da vantagem econômica recebida indevidamente pelo agente público em virtude do desempenho do seu munus público. (...) Não é moral e nem lícito que o agente público que ostenta relevante função social receba vantagens interligadas ao seu cargo. Ele recebe do Estado remuneração para cumprir uma indelegável missão que é a de possibilitar ao ente público, no qual está lotado, o atingimento de uma determinada finalidade pública. Dessa forma, deverá o agente ser ético e não possibilitar que suas ações ou omissões sejam vinculadas a qualquer tipo de vantagem econômica/patrimonial. A sua atuação deverá vir dentro dos padrões de moralidade, não recebendo nenhum tipo de favor pessoal, ligado a interesse financeiro, por ter desempenhado o seu munus público dentro dos padrões da legalidade e eficiência. Por igual, a omissão ou retardamento de ato de ofício também não poderá ensejar vantagens para o agente público, visto que configuraria ato ilícito, atentatório à probidade administrativa. Todo agente que pautar seus atos dentro de um padrão probo e honesto jamais temerá o enquadramento no inc. I do art. 9º da lei em tela. (...) A vontade de lesionar, o dolo, com a finalidade do recebimento do dinheiro, tipifica o que vem estatuído no inc. I do art. 9º da LIA" (in O Limite da Improbidade Administrativa. Ed. Forense. 5ª Ed. Rio de Janeiro, 2010).
Em que pese não ter o agente permanecido com o importe exigido em sua esfera de disponibilidade patrimonial, isto se deu por razões alheias à sua vontade, atreladas à prisão em flagrante, como amplamente analisado. Portanto, restou plenamente caracterizada tal conduta ímproba, dada a percepção de vantagem econômica indevida decorrente de um poder de fiscalização não exercido.
Ainda, afere-se ter havido, de igual modo, a violação aos preceitos norteadores da Administração Pública, consoante o teor do caput do artigo 11 da LIA: "Esta também é a compreensão de Alexandre de Moraes: 'Conduta dolosa do agente: para a tipificação de um ato de improbidade descrito no art. 11, exige-se a existência da vontade livre e consciente do agente em realizar qualquer das condutas nele descritas'. (...) Para a configuração do presente artigo, deverão estar presentes os seguintes requisitos: ação ou omissão do agente público que viole princípios éticos (constitucionais) da Administração; comportamento funcional devasso, desonesto, de má-fé, caracterizado por um ato ilícito ou ilegal; dolo, caracterizado pela manifesta vontade omissiva ou comissiva de violar princípio constitucional regulador da Administração Pública.(...) A conduta antijurídica ofende aos princípios constitucionais que são direcionados para a Administração Pública, coadjuvados pela má-fé do agente público, através de um ato desonesto" (MATTOS, op. cit).
De fato, a conduta perpetrada pelo requerido violou de forma inconteste a legalidade, a moralidade e a lealdade às instituições, donde se vê plenamente caracterizada a atuação ímproba igualmente quanto a tal dispositivo.
Note-se, ademais, não ser passível de aplicação à espécie o "princípio da insignificância", pois o bem tutelado por meio da presente demanda é a moralidade administrativa, cuja natureza é indisponível, donde verificada a prática de conduta ímproba, há de ser punida, independentemente dos importes envolvidos.
É nesse sentido o entendimento da Superior Corte, que assim vem julgando o tema não só no campo penal, como nas lides subsumidas à Lei de Improbidade Administrativa, consoante exemplifico pelo aresto a seguir colacionado:
Diante disso, em que pese o réu aduzir em seu favor a aplicação do artigo 5º, incisos LVI, LVII, V, XIII, LXII, LXXVIII, da CF/88, artigo 10 e 20 da Lei nº 8.429/92, além dos demais supra analisados, registre-se a interpretação de tais dispositivos e preceitos dever ser harmonizada à dos demais normativos concernentes ao tema e ao atual posicionamento de nossos Tribunais, na forma supra exarada.
Considerando os fundamentos expendidos, tendo sido o conjunto probatório detalhadamente apurado e cotejado, resta efetivamente configurada a prática de atos de improbidade, assim discriminados:
a) ter o requerido exigido para si, diretamente, vantagem indevida, para deixar de praticar ato de ofício, recebendo quantia em dinheiro de quem tinha interesse, direto ou indireto, que podia ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público (artigo 9º, I, da LIA);
b) ter o requerido afrontado os princípios regentes da Administração Publica, especialmente a moralidade, legalidade e lealdade às instituições (artigo 11, caput, da LIA).
Tais condutas ensejaram a aplicação das penalidades insculpidas no artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.429/92 pelo Juízo a quo, cuja condenação não merece reparo, a saber:
1) à pena de perda da função pública, relativa ao cargo de Auditor Fiscal do Trabalho, já consolidada através da demissão do requerido no âmbito administrativo;
2) à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos;
3) ao pagamento de multa civil no valor de R$12.000,00, equivalente a três vezes o pretendido acréscimo patrimonial, devidamente corrigido a partir da data do ilícito até o efetivo pagamento, montante que se encontra dentro do patamar legalmente autorizado e dentro dos padrões da razoabilidade e proporcionalidade, justificando-se sua aplicação no teto máximo permitido face ao alcance pretendido pela conduta do requerido;
4) à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.
Quanto ao pleito devolvido a esta E. Corte em razão da remessa oficial, qual seja, à perda dos valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, com efeito não merece acolhida, tal qual exarado na sentença recorrida, uma vez ter sido o correlato importe apreendido por ocasião da prisão em flagrante, como já mencionado.
Relativamente ao argumento do requerido, no sentido de "não ter recebido seus vencimentos", verba de caráter alimentar, por conta do procedimento administrativo disciplinar, situação que deveria ter sido considerada no sopesar da aplicação da penalidade pecuniária por violar a Lei nº 8.112/90 e Lei nº 8.429/92, tal alegação não restou comprovada e, ainda que assim o fosse, não eximiria o réu da imposição da multa civil, dada a autonomia da condenação nas esferas civil e administrativa, como já mencionado.
A fixação das penas, no modo ora declinado, encontra-se em consonância ao entendimento doutrinário e jurisprudencial pátrio. Lembre-se as penalidades previstas na Lei de Improbidade Administrativa não serem de aplicação cumulativa e obrigatória, ao revés, delegando-se ao julgador a pertinente ponderação a partir do caso concreto. Essa orientação está assentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que inclusive vem afastando a aplicação de determinadas penalidades quando vislumbrada a afronta à proporcionalidade e razoabilidade, redimensionando a condenação. Confira-se:
No tocante aos ônus sucumbenciais, apresentou o requerido pedido de sua reforma, inclusive, mediante inversão da condenação imposta na instância a quo.
O pleito é passível de acolhimento, em razão da necessidade de interpretação isonômica ao artigo 18 da Lei nº 7.347/85. Isso porque a novel jurisprudência da Superior Corte, por sua Primeira Seção, vem firmando entendimento no sentido de que deve ser o tema tratado à luz da interpretação sistemática do ordenamento, em observância à absoluta simetria de tratamento entre as partes, de modo que se não pode o Parquet ser condenado aos honorários em sede de ação civil pública, igualmente não poderá de tal verba se beneficiar, ainda que o importe seja vertido ao Fundo do artigo 13 da LACP. Confira-se:
De conseguinte, impõe-se a manutenção da parcial procedência da presente ação civil pública, dando-se parcial provimento à apelação apenas para excluir a condenação do requerido ao pagamento dos honorários advocatícios, mantidos os demais termos do decisum recorrido nos termos supra exarados.
Após o trânsito em julgado, oficie-se à Justiça Eleitoral relativamente à suspensão dos direitos políticos, bem como ao Banco Central do Brasil para comunicar às instituições financeiras oficiais sobre a proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, informando-se o CPF dos réus, dando-se, ainda, cumprimento ao disposto no artigo 3º da Resolução nº 44/2007 do CNJ.
Face ao exposto, dou parcial provimento à apelação e nego provimento à remessa oficial, tida por submetida.
É o voto.
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