D.E. Publicado em 21/11/2014 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da ré, e por maioria, dar provimento em parte à apelação do Autor e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Vencida a Desembargadora Federal Mônica Nobre, que lhes negava provimento.
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RELATÓRIO
A DESEMBARGADORA FEDERAL ALDA BASTO:
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em 23/05/2007, objetivando o reconhecimento da prática de atos de improbidade administrativa por parte de REGINA DE FÁTIMA DOURADO, consoante previsão contida no artigo 10, VII, X, XI, artigo 11, inciso I e II c/c artigo 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/92, vez que atuou irregularmente no exercício de sua atividade funcional, nos anos de 2001 a 2004, assim como, valendo-se das facilidades da função, inseriu elementos falsos no cadastro do Programa Bolsa Escola, obtendo ilegalmente benefício.
Com a emenda da inicial (fls. 20/22) requereu a condenação do réu (fls. 21/22), cumulativamente, em 1) ressarcimento integral aos cofres da União da quantia de R$ 803,00 acrescidos dos juros e correção monetária; 2) suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; 3) pagamento de multa civil de até três vezes o valor do dano; 4) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédios de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de 10 anos e 5) na condenação de custas e demais ônus de sucumbência.
Atribuído à causa o valor de R$1.000,00 em maio de 2007.
Narra o autor que as referidas condutas deram ensejo a processo administrativo disciplinar (nº 004/2005) o qual culminou com a demissão da funcionária em 22/08/2005. Narra, ainda, que a ré aproveitando-se de sua função pública e da responsabilidade que lhe havia sido delegada para cadastrar pessoas no programa Bolsa Escola/Bolsa família, reteve consigo os cartões de diversos beneficiários e sacou indevidamente alguns benefícios, bem como que se cadastrou no Programa Bolsa Família e Auxílio Gás, inserindo declarações falsas, e recebeu indevidamente o benefício.
O procedimento administrativo que culminou com a demissão da ré foi encaminhado ao MPF e encontra-se apensado ao presente feito. Foi instaurado procedimento de investigação nº 1.34.015.000935/2005-14, (fls. 453, do apenso, vol. II).
Determinada a notificação do réu nos termos do artigo 17, § 7º, da LIA e da União para os fins do artigo 17, § 3º, do mesmo diploma (fl. 23).
Às fls. 24/27 o autor apresentou comprovantes do pagamento referentes aos meses de agosto e setembro de 2002, fornecidos pela CEF, quando informou também que os demais pagamentos foram efetuados através de Cartão Magnético, não tendo recibos assinados pela beneficiária.
A requerida apresentou manifestação às fls. 79/85. Preliminarmente, aduziu ilegitimidade de parte, vez que se tratando de ação em que pede o ressarcimento de dano econômico ao patrimônio público, cabe a Ação Popular para qual o Ministério Público não possui legitimidade ativa. Quanto aos fatos, sustentou tratar as acusações de mera conjectura e que a requerida era apenas a digitadora para a inclusão da população carente de Cajobi/SP nos Programas Sociais distribuídos pelo Governo Federal.
Assegura que o único contato mantido com os beneficiários ocorria quando os acompanhavam até a Caixa Econômica Federal, quando necessário, ou por ocasião da entrega de seus cartões, quando sempre estava acompanhada por algum funcionário da CEF. Assevera que nessas oportunidades quem fazia a entrega era o funcionário da Caixa e ainda assim sempre esteve acompanhada do motorista da Prefeitura, Sr. Wilson de Souza Safra, bem como que era uma simples funcionária cumpridora de ordem, principalmente da Assistente Social. Aduz que o benefício foi por ela percebido porque reunia todos os requisitos para a concessão do benefício e que em razão da perseguição que vem sofrendo do atual mandatário, por conta própria deixou de receber o benefício que tinha direito. Pugnou pelo acatamento das preliminares e, sucessivamente, pela improcedência da ação. Apresentou rol de testemunhas e formulou pedido de justiça gratuita.
O MPF apresentou réplica à contestação às fls. 96/99 defendendo sua a legitimidade ativa e, no mérito, a procedência do feito.
Em manifestação de fls. 102/105 a União requereu a concessão de prazo para se manifestar sobre seu ingresso na lide, pois depende de prévia e expressa autorização do Procurador-Regional da União (Ordem de Serviço nº 27 de 29/05/2007).
Às fls. 106/110, o magistrado a quo afastou a matéria preliminar de ilegitimidade e determinou as partes que especificassem as provas que pretendiam produzir.
O MPF requereu às fls. 111/112 a oitiva das testemunhas de acusação arroladas na inicial e a realização de perícia contábil. Por fim, observa que a ação não objetiva apenas o ressarcimento ao erário público, mas também requer a condenação da responsável nos termos dos artigos 10, VII, X e XI; 11, I e II c/c artigo 12, II e III da Lei 8.429/92.
Por seu turno, a ré requereu (fls. 114/115) produção de prova testemunhal, bem como prova pericial.
Às fls. 119/120 a União Federal requereu o ingresso no feito na qualidade de assistente litisconsorcial, o que foi deferido (fls. 131).
Às fls. 121 foi determinado que a ré especificasse em dez dias qual prova pretende produzir, sob pena de preclusão. Às fls. 130 o MM. Juízo declarou preclusa a oportunidade para a realização da prova pericial requerida pela ré e indeferiu a produção de prova pericial requerida pelo o autor.
A testemunha Mauro José Cavalleti, indicada pela ré, foi ouvida às fls. 162/164 nos autos da carta precatória nº 2008.61.05.011790-7. A oitiva da testemunha Wilson de Souza Safra foi dispensado, ante o não comparecimento do Patrono da ré (fls. 177/188).
Às fls. 193/197 foram ouvidas as testemunhas Tereza Magali Gil Ferreira (testemunha do autor); Angela Maria Bottino Geraldo da Costa (testemunha comum) e Gustavo Sebastião da Costa (testemunha da ré) - Carta precatória nº 400.01.2008.009481-0/000000-000 (fls. 149/198).
As. Fls. 214/232 o MPF apresentou alegações finais. Argui questão de ordem para requerer que a manifestação de fls. 79/80 fosse recebida como contestação, haja vista que a mesma se tratou de mérito. Assim não entendendo seja a ré citada para apresentar contestação.
A União apresentou alegações finais às fls. 238/246.
A ré por seu turno apresentou alegações finais (fls. 250/260), pleiteando a nulidade do procedimento em razão da ausência de citação para apresentar contestação a que alude o § 9º, do art. 17, da Lei nº 8.429/92. No ponto, assevera que a inobservância do preceito aludido gera prejuízo para defesa e que tal prejuízo é presumível. No mérito, requer a improcedência do pedido.
Conclusos os autos, sobreveio sentença que afastou a preliminar de nulidade por ausência de prejuízo e julgou procedente em parte o pedido, condenando a ré a devolver a União os R$ 800,00 recebidos indevidamente, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. Decretou também a perda do cargo público, por ela ocupado. Por considerar a pouca extensão do dano, bem como as circunstâncias do caso concreto deixou de aplicar outras penas, dentre as previstas. Fixou a sucumbência recíproca. Custas e despesas processuais ex lege.
A ré apresentou apelação (fls. 280/285). Aduziu que não se sente culpada e espera provimento do presente recurso. Isso porque as acusações lançadas contra a apelante são frágeis e insustentáveis não podendo servir de embasamento para a condenação imposta. Assevera que em momento algum a Apelante atuou irregularmente em sua atividade profissional para valer-se das facilidades de sua função. Alega que a Assistente Social Magali era a única responsável pelo preenchimento dos cadastros sendo ainda a pessoa que os avaliavam e a orientava, o que comprova ser a ré inocente. Todas as testemunhas foram seguras ao afirmar que a Apelante reside em cômodo cedido pelos pais. Nenhuma prova fora produzida no sentido de que teria sido a recorrente quem preenchera os campos constantes nas guias de admissão dos beneficiários do Bolsa Escola. Quanto à entrega dos cartões e respectivas senhas foram entregues na Câmara Municipal, onde beneficiários compareceram em data agendada, bem como que os saques somente poderiam ser feitos pelos próprios beneficiários. Pede sua absolvição e a recondução ao cargo de funcionária pública municipal antes ocupado.
O MPF, por seu turno, requer a condenação da ré pela retenção de cartões de diversos beneficiários do programa Bolsa Escola/Bolsa Família e violação de sigilo de suas senhas, para recebimento dos benefícios em lugar dos seus legítimos titulares. Requer, ainda, que sejam aplicadas todas as sanções previstas no art. 12, incisos II e III, da Lei 8.429/92, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica. Alternativamente, mantida a sentença, seja feita a readequação da dosimetria condenando a ré também ao pagamento da multa civil, na forma do art. 12, III, fixada, observado o princípio da proporcionalidade.
Com contrarrazões do MPF (fls. 303/309v) e da União (fls. 313/316), refutando os argumentos das razões recursais da ré e pleiteando a negativa de provimento ao apelo e manutenção da sentença, subiram os autos a esta E. Corte Regional.
Parecer do Ministério Público Federal às fls. 319/323v, no sentido do desprovimento do recurso da ré e de provimento do recurso do autor.
É o relatório. À Douta revisão.
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VOTO
A DESEMBARGADORA FEDERAL ALDA BASTO:
Ab initio, registre-se a sentença estar submetida ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, consoante a jurisprudência assente do C. Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se por analogia a Lei nº 4.717/65, a qual prevê, em seu artigo 19, que "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição". Confira-se:
Nesse passo, constado expressamente da inicial o pedido do Ministério Público Federal no sentido de ser a requerida condenada a: "1) suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; 2) pagamento de multa civil de até três vezes o valor do dano e 3) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédios de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de 10 anos (fl. 21/22), não tendo este sido contemplado pelo decisum recorrido, de rigor submeter o provimento ao duplo grau obrigatório.
A ação civil pública é instrumento processual de defesa da tutela coletiva, consistindo a Lei nº 7.347/65 em conjunto de diretrizes processuais e procedimentais a dar supedâneo a tal proteção, complementadas pela Lei Adjetiva Civil, as quais devem ser somadas às normas materialmente protetivas dos direitos difusos e coletivos, tutela patrimonial e moral, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, da legislação de proteção ao meio ambiente e à probidade administrativa, dentre outras.
"A ação civil pública tem índole constitucional, e representa um dos mais legítimos instrumentos processuais do ordenamento jurídico brasileiro, destinado à efetivação da justiça social. Mais do que um conjunto de técnicas processuais, a Lei 7.347/85 consagra o resgate e esperança de uma justiça mais digna, mais próxima possível dos anseios da população brasileira." (Marcelo Abelha Rodrigues, in Ações Constitucionais, A Ação Civil Pública, Organizador Fredie Didier Jr, Ed. Jus Podivm, 5ª edição, 2011).
Tal via processual, entretanto, não constitui "remédio para todos e quaisquer problemas da sociedade contemporânea", pois não se pode através de seu ajuizamento pretender minar o sistema político, jurídico e institucional, sob pena de serem inclusive violados os preceitos fundamentais do processo civil brasileiro, condizentes com a liberdade assegurada em âmbito da Lei Maior, os quais contemplam como regra geral a ação individual (Meirelles, Hely Lopes; Mendes, Gilmar Ferreira; Wald, Arnoldo. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. Malheiros Editores. 34ª Ed. 2011).
Especificamente quanto à ação civil pública por ato ímprobo, impende discorrer acerca da tipicidade na Lei de Improbidade Administrativa.
A edição da Lei nº 8.429/92 partiu da necessidade de se combater a corrupção e a malversação dos recursos públicos. Com base em tal concepção, o legislador elaborou um conjunto de normas que dita, embora em abstrato, um conteúdo de intenso rigor, visando orientar o julgador diante da amplíssima gama de condutas dos agentes públicos suscetíveis de reprovação.
Não obstante ser uma norma aberta, porquanto defina apenas os tipos de improbidade (artigo 9º: atos que importam em enriquecimento ilícito; artigo 10: atos que causam prejuízo ao erário; artigo 11: atos que afrontam os princípios da administração pública), é essencial a presença de um elemento para o manejo das ações por improbidade, o dolo, pois a exegese legal demanda a prova da prática de ato ilícito doloso, caracterizado pela conduta consciente e intencional.
O objetivo de punir o agente público corrupto e desonesto, bem como o particular que com ele atua, impõe a constatação, conjunta, de que a prática do ato de improbidade foi consciente, decorrente de uma conduta antijurídica, associada ao dolo e à má-fé. Sem a prova robusta desse comportamento, não se pode falar em improbidade administrativa.
No entanto, uma vez ser impossível adentrar o psiquismo do agente, o elemento subjetivo deve ser aferido de acordo com as circunstâncias do caso concreto, e.g., considerando se o agente tinha conhecimento do fato e das consequências de suas ações, qual a responsabilidade demandada pela função por ele ocupada e o nível de discernimento para tal exercício exigido, sendo que do cotejo desse conjunto advirão as balizas para o convencimento do julgador acerca da consciência do agente quanto à conduta ímproba.
Feitas tais ponderações, passo ao exame do caso dos autos, analisando, inicialmente, a coexistência dos pressupostos processuais de desenvolvimento válido do processo, especialmente no que toca ao preenchimento dos requisitos preconizados no art. 17, §§ 7ª e 9º da Lei 8.429/92, matéria não arguida pela defesa nessa sede recursal, mas de ofício cognoscível.
Observo que, tendo em vista a qualidade de funcionário público à época em que ocorreram os fatos, a requerida foi notificada para apresentar manifestação nos termos do art. 17, § 7º da Lei 8.429/92.
Às fls. 79/87 a requerida apresentou manifestação em que alega a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público e que, no mérito, ação é improcedente, vez que nenhuma "atitude ilícita cometeu a requerida que pudesse atribuir-lhe a prática de atos ilícitos".
Às fls. 106 o MM. Juízo a quo afastou a preliminar arguida em "contestação" por entender que o Ministério Público detém legitimidade ativa para a propositura de ação e determinou que as partes especificassem as provas que pretendessem produzir, justificando-as.
Infere-se da decisão proferida que a dita manifestação fora recebida como se contestação fosse. Não havendo recurso da r. decisão, seguiu-se a presente ação pelo rito ordinário, consoante previsto no art. 17, caput, do citado diploma legal.
Em sede das alegações finais, o Ministério Público Federal, em questão de ordem, requereu a citação da ré para apresentar a contestação, ou, assim não entendendo, recebesse a manifestação como contestação. Por seu turno, a ré argui a nulidade por ausência de citação, consoante preconizado no artigo 17, § 9º, da Lei 8.429/92. Ao seu entender o prejuízo decorrente da ausência de contestação é presumido.
O juiz sentenciante afastou a nulidade por entender que não estar demonstrado qualquer prejuízo para o exercício da defesa da requerida, que compareceu ao processo, apresentou defesa técnica e tomou conhecimento de todo o procedimento deste o início, a despeito de não ter sido formalmente citada.
Há entendimento em nossa jurisprudência, também no tocante à ação de improbidade administrativa, quanto à aplicação do princípio do pas de nulitè sans grief. No caso dos autos, notificada à ré para se manifestar sobre a improbidade administrativa, apresentou-a como se contestação fosse, adentrando em mérito, afirmando ter praticado o ato mencionado, opondo que o fez por entender ter direito aos valores dos quais se apoderou, porque preenchia os requisitos legais do beneficio. Demonstrou aquiescência, processualmente, em todos os atos processuais posteriores.
Neste sentido, quando o Ministério Público apresenta réplica à contestação (fls. 96) e, bem assim, quando o juízo a quo (fls. 106) "aprecia a preliminar arguida na contestação", nada opôs ou recorreu.
Deste modo, interpreto que o requisito inobservado foi justamente o previsto no art. 17, § 7º, da LIA. E, quanto ao referido requisito, o entendimento sedimentado é no sentido da necessidade de demonstração de prejuízo para declaração da nulidade, como se vê:
Aqui, tendo em conta que nenhum prejuízo à defesa houve a ré por demonstrar, até porque a dilação probatória teve normal andamento, deferindo-se todas as provas requeridas, não vislumbro fundamento para anular o processamento, notadamente porque findou a ação penal e o processo administrativo, com sanções. A reiteração de todo o processado não trará qualquer alteração nos fatos apurados.
Ante tais ponderações, quanto à preliminar de nulidade, rejeito-a, por ausência de qualquer prejuízo suportado pela ré .
Passo ao exame dos fatos.
Objetiva esta ação civil pública o reconhecimento da prática de atos de improbidade administrativa por parte de Regina de Fátima Dourado, pois, valendo-se de seu cargo, no exercício de sua atividade funcional: inseriu elementos falsos no cadastro do programa Bolsa Escola, obtendo ilegalmente o benefício para si e, em tendo acesso aos cartões e senhas de beneficiários da bolsa família, deles se apoderou para sacar os valores pertencentes a terceiros beneficiários em cujo nome estava o cartão.
As referidas condutas foram enquadras no artigo 10, VII, X, XI e no artigo 11, inciso I e II, ambos da Lei nº 8.429/92 (fls. 14), verbis:
Em razão de tais práticas, postulou o autor a aplicação cumulativa ao réu das penalidades previstas no artigo 12, II e III, da LIA (fl. 12), quais sejam, 1) ressarcimento integral aos cofres da União da quantia de R$ 803,00 acrescidos dos juros e correção monetária; 2) suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; 3) pagamento de multa civil de até três vezes o valor do dano; 4) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédios de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de 10 anos; 5) a condenação de custas e demais ônus de sucumbência.
A sentença recorrida, e ora submetida ao reexame necessário, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a improbidade administrativa pela obtenção do benefício falseando dados (art. 11, I, da Lei 8.429/92) e condenou a ré a devolver os R$ 800,00 e a perda do cargo ocupado pela ré. Fixou a sucumbência recíproca.
A partir das premissas inicialmente consignadas, compulsando detidamente os elementos constantes dos autos, com o fito de formar claro convencimento acerca das ações descritas, analiso pormenorizadamente a conduta, cotejando as provas que instruem o processo, conforme segue.
A investigação no âmbito administrativo pelo MPF foi deflagrada em razão de representação da Prefeitura Municipal de Cajobi/SP, que resultou no procedimento de nº 1.34.015.000935/2005-14, (fls. 453, do apenso, vol. II).
Relativamente a tal contexto, sustentou a requerida em sua defesa que era apenas a digitadora para a inclusão da população carente de Cajobi/SP, nos Programas Sociais distribuídos pelo Governo Federal.
Assegura que o único contato mantido com os beneficiários ocorria quando os acompanhavam até a Caixa Econômica Federal, quando necessário, ou por ocasião da entrega de seus cartões, quando sempre esteve acompanhada por algum funcionário da CEF, na maioria das vezes pelo gerente Sr. Mario José Caveletti, que fazia a entrega pessoalmente dos cartões, diretamente aos seus titulares e beneficiários. Assevera que nessas ocasiões sempre era acompanhada pelo motorista da Prefeitura, Sr. Wilson de Souza Safra e, era uma simples funcionária cumpridora de ordem, principalmente da Assistente Social. Que tentam politicamente a atingir, porque sempre apoiou o prefeito anterior e é politicamente contrária ao atual mandatário.
Aduz que o benefício foi por ela percebido porque reunia todos os requisitos para o recebimento da concessão do benefício, contudo, em razão da perseguição do atual mandatário (Prefeito), deixou de receber o benefício que tinha direito, mesmo tendo sido convocada pela assistente social em duas oportunidades para o recadastramento (em março de 2005 e a segunda em maio de 2006). Por isso, afirma que não é crível que tenha recebido os benefícios sociais de janeiro de 2004 a agosto de 2005, assim como após a sua demissão até novembro de 2006. Que seria obrigação da Assistente Social cancelar e desligar do programa, automaticamente, a requerida, já que não atendera as convocações.
Extrai-se da prova documental produzida os fatos ora narrados terem sido objeto de:
a) Processo Administrativo Disciplinar nº 004/2005, o qual culminou na aplicação da penalidade de demissão (incursos nos incisos IV, IX, XIII, XVI, L, LII do art. 241 do Estatuto dos Funcionários Públicos de Cajobi);
b) Representação nº 1.34.015.000935/2005-14, onde foi realizada oitiva da requerida e diligências, tais como ofício a Caixa Econômica Federal e ao Delegado de Polícia Federal (fls. 491 do procedimento apenso) para fins de apuração de suposto crime de estelionato.
c) Ação penal nº. 00013507220074036106 na qual a requerida foi condenada como incursa no art. 171, § 3º, c.c. art. 71, ambos do Código Penal em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão (Condenação transitada em julgado e os autos baixados à origem).
O procedimento administrativo disciplinar (Portaria nº 1986/2005) foi desencadeado a partir do requerimento do Sr. Pedro Paulo Firmino que noticiava seu cadastro há mais de 02 anos no programa bolsa escola, sendo que o cartão se encontrava na posse da ré e que nenhum pagamento teria sido a ele repassado, bem assim pelas informações prestadas pela servidora que sucedeu a ré (Sra. Teresa Magali Gil Ferreira), no sentido de que outras reclamações davam conta da existência de irregularidades na concessão dos benefícios.
Às fls. 46/52 do apenso (vol. I) foi juntado o formulário do Cadastro Único para Programas Sociais em que constam os dados da requerida entre eles a declaração de residência e o valor da remuneração.
Às fls. 81/80, vol. I, do procedimento administrativo apenso consta termo de juntada de cartões dos programas Bolsa Escola, em nome de Neide Aparecida da Silva e de Cartão Cidadão em nome de Maria de Fátima Ermenegilda e, ainda, declaração da Sra. Neide Aparecida, informando que o Cartão teria sido retido pela Sra. Regina.
Às fls. 185/189 consta notícia de recadastramento dos beneficiários do Programa Bolsa Família com as seguintes informações:
1. Beneficiária Eliana Aparecida de Souza Agrela Nocete foi cadastrada no Programa e que "nunca recebeu cartão magnético em sua residência para que pudesse receber o benefício, porém relatou que recebeu até dezembro/2004, através das mãos da servidora Regina de Fátima Dourado, após ter feito reclamação na prefeitura de que há 06 (seis) meses não recebia o benefício e que, iria tomar providências cabíveis, denunciando a irregularidade aos órgãos competentes, caso o pagamento não fosse regularizado. Após isso, o Sr. Mauro, funcionário da Caixa Federal de Monte Azul/SP e a servidora Regina, compareceram a sua residência e efetuaram o pagamento do benefício".
2. Beneficiária Luzia de Fátima Castadelli. "que cadastrou-se no Programa Bolsa Família em 08.05.2002, porém não recebeu o cartão magnético em sua residência, para que pudesse receber o benefício. Afirmou que a Servidora Regina de Fátima Dourado era quem fazia os pagamentos em dinheiro em sua residência, durante dois anos aproximadamente, onde assinou um papel para a referida servidora como se tivesse recebido o cartão magnético."
3. "A beneficiária Vanilda Alves de Almeida em entrevista nos informou que recebeu o cartão magnético do programa do governo federal através da funcionária Regina, tendo ainda declarado que recebeu o primeiro pagamento de R$ 15,00 (quinze reais) em dinheiro em sua casa da servidora Regina de Fátima Dourado".
4. "A beneficiária Josefa das Dores da Silva Baltazar nos informou que recebeu o dinheiro do programa em casa através da servidora municipal Regina de Fátima Dourado até que recebesse o cartão magnético."
Às fls. 190/269 (procedimento apenso) foram juntados cadastros de beneficiários em que consta a requerida como entrevistadora de vários beneficiários dos programas assistenciais.
Às fls. 276 do procedimento administrativo consta oitiva da beneficiária Eliana Aparecida de Souza Agrela em que afirma "(...) que soube da vinda de um cartão e que o mesmo não lhe foi entregue pois constava no mesmo o nome de solteira e que na agência da Caixa Federal de Monte Azul Paulista foi feita nova documentação para um novo cartão no ano de 2001, que sempre recebeu o valor referente ao bolsa escola e ao bolsa gás, que recebia em sua residência os valores referentes ao programa, que recebia das mãos da Srta. Regina de Fátima Dourado. .... que houve vários atrasos no recebimento (...)".
Às fls. 544/546 da Representação nº 1.34.015.000935/2005-14 (vol. II do apenso) realizou-se a oitiva da Secretária da Educação à época dos fatos narrados a Sra. Ângela Maria Bottina Geraldo da Costa e afirmou que "(...) passou a exercer a atividade junto à Secretaria da Educação, logo que saiu a unificação do programa, passando a efetuar a digitação do cadastramento do Bolsa Família pela internet. Que foi Regina de Fátima Dourado a única funcionária da Secretária de Educação que recebeu treinamento da Caixa Econômica Federal para operar o sistema 'conectividade' e, portanto, era a única que sabia alimentar o banco de dados". Afirmou, ainda, "(...) que a funcionária em questão, por vezes, acompanhou os beneficiários até a Caixa Econômica Federal em Monte Azul mas, que sabia, jamais intermediou o recebimento de valores ou mesmo reteve quaisquer cartões".
Às fls. 569/668 do procedimento administrativo foram juntadas planilhas fornecidas pela CEF de pagamento aos beneficiários.
Às fls. 673 da Representação nº 1.34.015.000935/2005-14 (vol. II do apenso) foi instaurado novo expediente para apurar a responsabilidade da CEF no período compreendido entre 2001 e 2004.
No bojo da presente ação foram ouvidas as testemunhas Mauro José Cavalleti, indicado pela ré foi ouvida às fls. 162/164 nos autos da carta precatória nº 2008.61.05.011790-7. As testemunhas Tereza Magali Gil Ferreira (testemunha do autor); Angela Maria Bottino Geraldo da Costa (testemunha comum) e Gustavo Sebastião da Costa (testemunha da ré) - Carta precatória nº 400.01.2008.009481-0/000000-000 (fls. 149/198).
Consta a oitiva de Mauro José Cavalleti (fls. 162/164), Gerente Geral da CEF à época dos fatos. Na oportunidade, afirmou que "(...) tanto a Sra. Ângela quanto a ré receberam orientações da CEF de como preencher os formulários e cadastros para habilitar as pessoas para o pagamento do benefício; que, no início os pagamentos eram efetuados com guias individuais manuais; que esse sistema se deu por aproximadamente três meses; que as guias eram emitidas pela Caixa e entregues também pela Caixa diretamente a cada beneficiário, após a identificação; que, no mesmo momento, era feito o pagamento do benefício, mediante recibo do beneficiário". Disse, ainda, que "(...) que tem conhecimento de que a ré estava cadastrada e recebia o bolsa família; que desconhece que a ré tenha recebido treinamento para operar sistema da Caixa, ou ainda o sistema conectividade, ou mesmo que os tenha operado; que acha muito difícil isso ter acontecimento; que o sistema conectividade é muito recente; que somente os funcionários da Caixa têm acesso aos sistemas da Caixa; que sabe que Prefeitura acessava diretamente os sistema cadastro único de benefícios e que, em Cajobi, a responsável era a Sra. Ângela".
A testemunha Tereza Magali Gil Ferreira (fls. 193/194) afirma que "(...) havia uma senhora que recebia o benefício e faleceu de câncer, deixando filhos, a tia dessas crianças sempre me questionava sobre o benefício, o cartão, eu não sabia responder por que não tinha acesso, já que o programa só existia no Departamento da Educação; eu não tinha acesso. A Regina tinha a senha. Quando houve a mudança de governo essa senhora foi novamente questionar porque o cartão dela não vinha. Eu mesma entrei no portal da Transparência e constatei que essa família já estava recebendo o benefício, pelo menos constava nesse portal. Chamei um responsável por esta parte e expliquei o ocorrido. Chamei a Regina e perguntei por que esse cartão não vinha; a Regina Admitiu que estava com ela. Aí assumiram tudo, montaram um processo interno, eu fui testemunha; (...)". Quantoao benefício recebido pela ré disse que "(...) não sabia que a ré recebia Bolsa Escola; só fiquei sabendo a partir do momento em que fizeram aquele interno e apuraram que ela estava recebendo o benefício. Encaminhei a ficha dela, acho que ao Ministério Público de Rio Preto; a ficha dela também estava incompleta e não foi preenchida pelo assistente social. As informações também estavam erradas, por exemplo, o salário era inferior ao que ela ganhava, não constava que era ela funcionária pública, ela morava com os pais e na ficha constava que morava sozinha, com uma filha (...)".
Ângela Maria Bottino Geraldo da Costa em oitiva realizado em juízo (fls. 195/196) afirmou que "(...) acredito que ela recebia os requisitos para o benefício... A Regina era chefe de seção da Secretaria da Educação; não era minha secretária. Era cargo em comissão; ela era concursada como escriturária, mas foi nomeada em comissão para esse cargo de chefia. ... A Regina morava com os pais dela, nos fundos da casa. Ela também fez parte do primeiro grupo que cadastrou as famílias no programa".
Gustavo Sebastião da Costa, Prefeito à época dos fatos, em sua oitiva (fls. 197) afirmou que "(...) Era a própria Caixa que entregava os cartões e as senhas para os beneficiários. Na primeira remessa, houve uma solenidade na Câmara. Depois, não sei qual era o meio utilizado pela Caixa para entregar esses cartões. A entrega nunca foi feita por intermédio de Regina, sempre por intermédio da Caixa, inclusive as senhas. Não soube se ela alguma vez, reteve algum cartão de beneficiário. Não sei era inscrita no programa. Ela morava no fundo da casa dos pais".
Observo que os depoimentos tomados no bojo do procedimento administrativo são fortes a atestar que a ré recebeu indevidamente o benefício, à toda evidência, valendo-se das facilidades que detinha com a função que ocupava.
Ela mesma recebera a incumbência de realizar os cadastros dos beneficiários do programa social que seria posteriormente examinado pelo Assistente Social, quando avaliaria o preenchimento dos requisitos para fazer jus ao benefício.
Inesquecível que a ré inseria elementos falsos no cadastro do programa Bolsa Escola, apossava-se dos cartões que chegavam para os beneficiários, usurpando e extorquindo o direito dos beneficiários, apoderando-se dos valores.
Reitere-se o depoimento da testemunha Tereza Magali Gil Ferreira (fls. 193/194) ao revelar: que, uma senhora que recebia o benefício e faleceu de câncer, deixara filhos e, a tia dessas crianças sempre lhe questionava sobre o benefício, sobre o cartão e, nada sabia informar porque à época não tinha acesso ao sistema (a ré o tinha); que quando houve a mudança de prefeito e a tia voltou a questionar porque o cartão não vinha, entrou no portal da Transparência e constatou estava o beneficio sendo pago à família. Ou seja, durante não se sabe quanto tempo a ré recebeu indevidamente, montantes que se destinavam às crianças carentes.
Na verdade, do fato acima reiterado, é que desencadeou toda a apuração. De tudo a ré assumiu culpa.
Nesse ponto, é possível inferir duas condutas dissonantes da ré.
De um lado, vilã, porque agia com extrema frieza e insensibilidade, ao inserir dados falsos no sistema de distribuição, apropriando-se dos cartões de saque da bolsa-família, cuja destinação é exatamente prover as famílias de crianças carentes e necessitadas.
De outro lado, estranhamento passou a procurar os beneficiários em suas casas, como constam de depoimentos, repassando montantes (não se sabe da equivalência aos valores reais), dos quais ela houvera se apropriado ilegalmente.
Extrai-se dos autos, tanto pelo formulário juntado às fls. 46/42, quanto pelo contundente depoimento de Tereza Magali Gil Ferreira, é que, deveras, a requerida preencheu o formulário em seu benefício com dados falsos, ou mesmo omitindo informação relevante, como sua profissão.
Nenhuma das alegações postas pela ré no decorrer processual se verificou comprovada ou tem força suficiente para ilidir a prova robusta produzida em seu desfavor, verificando-se, inclusive, ter havido o reconhecimento da prática dolosa da conduta objeto da presente lide no âmbito criminal e administrativo, restando devidamente demonstrado ter-se dado a atuação da requerida de modo consciente e deliberado, com o fito de receber benefício que não fazia jus. Cite-se, nesse sentido, trecho do Voto de relatoria do Desembargador Federal Luiz Stefanini no bojo da referida ação penal:
Os depoimentos apresentados pelo Ex-Prefeito e sua esposa não infirmam as provas produzidas, visto que se limitam a incompreensível intelecção, consoante disse a depoente Sra. Ângela Maria, então Secretária da Educação e chefe da requerida, de que acreditava que a ré preenchera os requisitos necessários para a concessão do benefício, ou, como afirma o Ex-Prefeito que a requerida morava nos fundos da casa dos pais e desconhecia se recebia o benefício.
Já quanto à retenção de cartões magnéticos de titularidade de beneficiários do Programa Assistencial, observa-se do depoimento das vítimas que restou devidamente comprovado que a ré retinha os cartões magnéticos.
Nessa quadra, foi atestado também no bojo da referida ação penal que,
"(...) Ainda de acordo com as cópias do procedimento administrativo, a acusada ficava na posse dos cartões magnéticos dos beneficiários e das respectivas senhas, com os quais levantava os valores, o que resultou na pena de demissão do cargo de escrevente que exercia junto à Prefeitura do Município de Cajobi/SP (fls. 4/486)."
Dos autos do procedimento administrativo que instruiu a presente ação, quando foi submetido ao crivo do contraditório, verificou-se pelo depoimento dos beneficiários: Eliana Aparecida de Souza Agrela Nocete, Luzia de Fátima Castadelli, Vanilda Alves de Almeida e Josefa das Dores da Silva que constituía procedimento rotineiro a percepção de benefícios pagos diretamente pela Requerida, o que, só por só, já ressai conduta não recepcionada pelas regras impostas para o pagamento do benefício. Nesse sentido, não se poderia excogitar de mera irregularidade, mas de prática vedada, porque vulnera a segurança dos beneficiários, e resultam prejuízos decorrentes de desvios e atrasos injustificados.
Por outro giro, é de se registrar que resta assente na jurisprudência e doutrina pátrias a independência entre as esferas penal, civil e administrativa, inclusive para fins de caracterização do dolo ou da intenção de fraude, vedando-se a uma esfera adentrar a discricionariedade da outra, dada a autonomia entre a configuração de tais ilícitos.
No entanto, daí não decorre dever ser desconsiderada a repercussão entre tais esferas, à vista inclusive da correlação entre elas nas situações elencadas pela lei, a exemplo do disposto no artigo 935 do CC: "a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".
Nesse diapasão, observo que a materialidade das condutas, ora examinadas, foram atestadas em de ação penal, bem assim a autoria restou inconteste. Vejamos:
CONCLUSÃO
A ré era Servidora Pública Municipal que detinha a atribuição de cadastrar beneficiário do Programa Bolsa Escola e nesta condição preencheu Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal, falseando a verdade quanto à renda per capita familiar e considerações de moradia, o que resultou no indevido recebimento do benefício e, ainda, reteve cartões magnéticos de beneficiários do programa, sacando para si os valores.
Assim, afigura-se correto o enquadramento realizado das condutas vedadas na LIA, artigo 10, incisos VII, X e XI e artigo 11, incisos I e II, nos termos consignados na inicial,
Considerando os fundamentos expendidos, tendo sido o conjunto probatório detalhadamente apurado e cotejado, resta efetivamente configurada a prática de atos de improbidade, pelo que deve incidir as penalidades insculpidas no artigo 12, inciso II e III, da Lei nº 8.429/92, a saber:
1) à pena de perda da função pública, relativa ao cargo de escriturária, já consolidada através da demissão do requerido no âmbito administrativo;
2) ao pagamento de multa civil no valor de R$ 2.400,00, equivalente a três vezes o pretendido acréscimo patrimonial, devidamente corrigido a partir da data do ilícito até o efetivo pagamento, montante que se encontra dentro do patamar legalmente autorizado e dentro dos padrões da razoabilidade e proporcionalidade, em face ao alcance pretendido pela conduta da requerida;
3) suspensão dos direitos políticos por cinco anos (artigo 12, inciso III, da LIA);
4) proibição de contratar com o Poder Público, ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direto ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, pelo prazo de cinco anos (artigo 12, inciso II, da Lia);
5) A perda do valor percebido indevidamente, nos termos consignados na r. sentença. Quanto aos valores originados dos cartões retidos, inviabiliza a devolução ante a imprecisão do montante. Nesse aspecto, o efetivo recebimento dos valores pela ré não é determinante para a caracterização do ilícito, bastando, na espécie, a retenção dolosa do cartão, impedindo que os efetivos beneficiários recebam os valores que lhe faziam jus.
A fixação das penas, no modo ora declinado, encontra-se em consonância ao entendimento doutrinário e jurisprudencial pátrio. Lembre-se das penalidades previstas na Lei de Improbidade Administrativa não serem de aplicação cumulativa e obrigatória, ao revés, delegando-se ao julgador a pertinente ponderação a partir do caso concreto. Essa orientação está assentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que inclusive vem afastando a aplicação de determinadas penalidades quando vislumbrada a afronta à proporcionalidade e razoabilidade, redimensionando a condenação. Confira-se:
A ré sucumbente em maior parte fica isenta de custas em razão da necessidade de interpretação isonômica ao artigo 18 da Lei nº 7.347/85. Isso porque a novel jurisprudência da Superior Corte, por sua Primeira Seção, vem firmando entendimento no sentido de que deve ser o tema tratado à luz da interpretação sistemática do ordenamento, em observância à absoluta simetria de tratamento entre as partes, de modo que se não pode o Parquet ser condenado aos honorários em sede de ação civil pública, igualmente não poderá de tal verba se beneficiar, ainda que o importe seja vertido ao Fundo do artigo 13 da LACP. Confira-se:
Assim, é rigor a manutenção da sentença quanto à condenação de devolução dos valores recebidos indevidamente e a perda do cargo, pelo que deve ser desprovida a apelação da ré, dando-se parcial provimento à apelação do autor e à remessa oficial para determinar a condenação de multa civil no montante de R$ 2.400,00; a suspensão dos direitos políticos por cinco anos (artigo 12, inciso III, da LIA) e proibição de contratar com o Poder Público, ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direto ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, pelo prazo de cinco anos (artigo 12, inciso II, da Lia);
Após o trânsito em julgado, oficie-se à Justiça Eleitoral relativamente à suspensão dos direitos políticos, bem como ao Banco Central do Brasil para comunicar às instituições financeiras oficiais sobre a proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, informando-se o CPF da ré, dando-se, ainda, cumprimento ao disposto no artigo 3º da Resolução nº 44/2007 do CNJ.
Face ao exposto, dou parcial provimento à apelação do autor e à remessa oficial, tida por submetida e nego provimento à apelação da ré.
É o voto.
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