Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/12/2014
PETIÇÃO CRIMINAL Nº 0031451-67.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.031451-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECÍLIA MARCONDES
REQUERENTE : MARCO ANTONIO RIBEIRO TURA
ADVOGADO : SP224103 ANDRE DE CAMARGO ALMEIDA
REQUERIDO(A) : RAFAEL DE ARAUJO GOMES
ADVOGADO : SP065371 ALBERTO ZACHARIAS TORON e outros

EMENTA

PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO e INJÚRIA. ARTS. 139 E 140 DO CÓDIGO PENAL. DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA. QUEIXA-CRIME REJEITADA.
1. Para a configuração do crime de difamação e injúria é mister a existência de dolo específico (animus diffamandi vel injuriandi), consistente no desejo de macular a honra do ofendido.
2. Inexistindo justa causa para a instauração de ação penal, ante a ausência do elemento subjetivo do tipo, há de ser rejeitada a queixa-crime.
3. Queixa-crime rejeitada.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide o Egrégio Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar da ausência de instrumento de procuração com poderes especiais, e a queixa-crime, nos termos do art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, c.c. art. 6º, caput da Lei nº 8.038/1990, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Votaram os Desembargadores Federais THEREZINHA CAZERTA, MAIRAN MAIA, NERY JÚNIOR, JOHONSOM DI SALVO, ALDA BASTO, LUIZ STEFANINI, COTRIM GUIMARÃES, CARLOS MUTA (convocado para compor quórum), NELTON DOS SANTOS (convocado para compor quórum), ANDRÉ NEKATSCHALOW (convocado para compor quórum), BAPTISTA PEREIRA, ANDRÉ NABARRETE, MARLI FERREIRA e PEIXOTO JÚNIOR.

Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Federais MÁRCIO MORAES, DIVA MALERBI, SALETTE NASCIMENTO, NEWTON DE LUCCA e MARISA SANTOS.


São Paulo, 26 de novembro de 2014.
CECÍLIA MARCONDES
Desembargadora Federal Relatora


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PETIÇÃO CRIMINAL Nº 0031451-67.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.031451-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECÍLIA MARCONDES
REQUERENTE : MARCO ANTONIO RIBEIRO TURA
ADVOGADO : SP224103 ANDRE DE CAMARGO ALMEIDA
REQUERIDO(A) : RAFAEL DE ARAUJO GOMES
ADVOGADO : SP065371 ALBERTO ZACHARIAS TORON e outros

RELATÓRIO

Trata-se de queixa-crime oferecida por MARCO ANTÔNIO RIBEIRO TURA em 12/12/2013 contra RAFAEL DE ARAÚJO GOMES em virtude de mensagens eletrônicas, encaminhadas pelo querelado a uma lista de correios eletrônicos dos membros do Ministério Público do Trabalho, consideradas difamatórias e injuriosas pelo querelante.

Consta da exordial que no dia 26 de novembro de 2013, o querelado enviou uma mensagem, de modo consciente e deliberado, para a lista nacional de mensagens eletrônicas do Ministério Público do Trabalho, cujo teor teria atingido a honra objetiva e subjetiva do querelante, "com clara intenção de difamá-lo e injuriá-lo", na medida em que imputou-lhe "a pecha de alguém desleal, que agiu pelas costas, contra o querelado e suas funções, obtendo informações para, depois, atuar contra a instituição e contra os trabalhadores, descumprindo deveres inerentes ao cargo e participando de conluio com a finalidade de favorecer, direta ou indiretamente, amigo seu e órgão público investigado."

Imediatamente questionado pelo querelante, em duas mensagens seguidas, se estaria a ser feita alguma afirmação negativa sobre sua honestidade, o querelado teria respondido de maneira extremamente agressiva.

No dia 30 de novembro de 2013, não satisfeito com todos esses ataques na lista nacional da Instituição, o querelado teria pedido que pessoa estranha à instituição, ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego, com a qual mantém relação de amizade, divulgasse a mensagem primeira, agora com a sugestiva frase 'fogo nada amigo', em outras listas também de abrangência nacional e acessadas, dentre outras pessoas, por auditores fiscais do trabalho.

A mensagem veiculada teria atingido centenas e centenas de pessoas, muitas das quais contataram o querelante para informar que a receberam e para saber se eram verdadeiras tais afirmações.

Ainda, relevante ao caso é que o querelado atingiu, consciente e diretamente, a honra objetiva e subjetiva do querelante, com clara intenção de difamá-lo e injuriá-lo, em razão de suas funções e por meio que facilitou a propagação das ofensas (CP, arts. 141, II e III).

Pugna pela condenação do querelado às penas dos artigos 139 e 140, com o aumento de pena previsto no artigo 141, todos do Código Penal.

Resposta oferecida pelo querelado às fls. 41/76 na qual aduz, preliminarmente, deficiência do instrumento de procuração, em afronta ao artigo 44, do Código de Processo Penal, no qual teriam sido omitidos os dispositivos legais tidos por violados ou trechos das manifestações do querelado, considerados ofensivos.

Sustenta, ainda, a ausência de justa causa para a propositura desta queixa, diante da atipicidade dos fatos. Assegura que o querelado jamais agiu com animus de ofender a honra objetiva do querelante, ao contrário, denota-se das mensagens eletrônicas que o querelado teve a intenção de alertar a categoria profissional das circunstâncias em que ocorreu a reunião e os efeitos do termo de cooperação entre o CADE e o Ministério Público do Trabalho.

Diz que a simples potencialidade lesiva das expressões não tem o condão de tipificar o crime contra a honra, especialmente porque elas jamais foram empregadas com esta finalidade e não há nos autos qualquer elemento concreto que indique a presença de dolo contra a honra objetiva do querelante.

Afirma o querelado, ainda, que a adequada contextualização fática das mensagens eletrônicas deixa antever a exposição da problemática envolvendo sua atuação como membro do Ministério Público do Trabalho junto ao CADE, que resistia injustificadamente à entrega de documentos requisitados pelo Ministério Público do Trabalho, culminando com a instauração de inquérito policial contra o Presidente do CADE por descumprimento de requisição ministerial e, ainda, de liminar concedida em ação judicial destinada a compelir aquele órgão a apresentar documentos requisitados pelo Parquet e da realização de uma reunião, por iniciativa do querelante, sem a sua presença, justamente para tratar de assuntos relativos a processos judiciais por ele conduzidos contra o CADE no âmbito do Ministério Público do Trabalho.

Assegura que teve por objetivo narrar exatamente o que havia acontecido antes e durante a referida reunião, "sempre com tom crítico/indignado" porque atuou intensamente combatendo a resistência do CADE em apresentar documentos requisitados pelo Ministério Público do Trabalho e, mesmo nessa condição, deixou de ser convidado a participar da referida reunião, justamente destinada a tratar de assunto relacionado, da qual teria resultado a elaboração de "cooperação técnica" com consequências ruins aos interesses dos trabalhadores.

Afirma que, ao explicitar o modo como conduziria a reunião se lá estivesse presente, não significa agir em afronta ao bom nome do querelante, mas que tem opinião diversa daquela externada pelos participantes e, munido de informações privilegiadas, "exigiria uma mudança na postura institucional sobre a análise das grandes fusões e aquisições que interferem na seara trabalhista." Nesse passo, também, com animus consulendi.

No tocante à publicação do mesmo texto do e-mail, mas em outra lista de destinatários com o acréscimo da expressão "fogo nada amigo", assegura que não tem o condão de atentar contra a honra objetiva do querelante, sobretudo porque essa expressão não poderia se voltar a outras pessoas que não o querelante.

Sustenta o querelado, também, que na ocorrência de dúvida ou dubiedades seria necessária a instauração de pedido de explicações ou inquérito policial para aferir a autoria e o específico fim do agente, sob pena de arquivamento prévio da queixa, todavia optou o querelante por questionar a conduta do querelado em outra correspondência eletrônica, razão pela qual o arquivamento desta queixa é medida impositiva.

Assegura o querelado, ainda, a inexistência de injúria, porquanto, no calor do momento, após ser intimidado e ameaçado pelo querelante em dois e-mails endereçados a ele e à lista de Procuradores do Ministério Público do Trabalho, respondeu com outro e-mail, cujo conteúdo foi considerado injurioso pelo querelante, mas que não tem a propalada potencialidade lesiva.

Ademais, afirma ter agido impelido pela provocação do querelante.

Pugnou pela rejeição da queixa-crime e juntou rol de testemunhas.

Manifestação do Ministério Público Federal às fls. 187/190 pelo não recebimento da queixa-crime por considerar atípica a conduta do querelado.

Às fls. 192/202 o querelado juntou a estes autos cópia da decisão proferida pela Corregedoria-Geral do Ministério Público do Trabalho, em procedimento instaurado para apuração dos mesmos fatos aqui versados, na seara Administrativa/Disciplinar, que concluiu pelo arquivamento da representação promovida pelo querelante contra o querelado.

Determinei a intimação do querelado para se manifestar acerca dos documentos juntados, o que se efetivou às fls. 207/221.

Nova manifestação do Parquet Federal no sentido da atipicidade da conduta do querelado e pugnando pelo não recebimento da queixa-crime.

É o relatório.


CECÍLIA MARCONDES
Desembargadora Federal Relatora


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PETIÇÃO CRIMINAL Nº 0031451-67.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.031451-5/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECÍLIA MARCONDES
REQUERENTE : MARCO ANTONIO RIBEIRO TURA
ADVOGADO : SP224103 ANDRE DE CAMARGO ALMEIDA
REQUERIDO(A) : RAFAEL DE ARAUJO GOMES
ADVOGADO : SP065371 ALBERTO ZACHARIAS TORON e outros

VOTO

Trata-se de queixa-crime oferecida por MARCO ANTÔNIO RIBEIRO TURA em 12/12/2013 contra RAFAEL DE ARAÚJO GOMES em virtude de mensagens eletrônicas, encaminhadas pelo querelado nos dias 26/11/2013 e 30/11/2013 a uma lista de correios eletrônicos dos membros do Ministério Público do Trabalho, consideradas difamatórias e injuriosas pelo querelante.

Preliminarmente, sustenta o querelado a ausência de instrumento de procuração com poderes especiais, conforme preceitua o artigo 44 do Código de Processo Penal, porquanto não foram apontados os dispositivos legais considerados violados ou mesmo trechos das manifestações do querelado considerados ofensivos.

Dispõe o artigo 44, do CPP:

"A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento de mandato o nome do querelante e a menção ao fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal".

Depreende-se do instrumento de procuração encartado a fl. 20 a outorga de poderes "para o foro em geral, especialmente para propor QUEIXA-CRIME, perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com sede em São Paulo, Capital, em face do procurador do Ministério Público do Trabalho RAFAEL DE ARAÚJO GOMES pelo cometimento de crimes contra a honra provenientes de mensagens eletrônicas divulgadas em listas nacionais nos dias 26/11/13 e 30/11/2013, podendo, inclusive, recorrer ao próprio Tribunal ou a Tribunais Superiores e ao Supremo Tribunal Federal quando for o caso." (negrito no original)

Constata-se que os poderes tais e quais conferidos ao procurador constituído preenchem os requisitos previstos na legislação, pois há expressa menção do nome do querelado e a menção às mensagens eletrônicas consideradas lesivas à honra do querelante.

Ademais, depreende-se que a petição inicial da queixa-crime está subscrita, também, pelo querelante, de forma que esta circunstância, por si, já substitui a necessidade de procuração com poderes especiais.

Nesse sentido:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO. ALEGADA INÉPCIA DA QUEIXA. PROLAÇÃO DE SENTENÇA. PRECLUSÃO. PROCURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PODERES ESPECÍFICOS. QUEIXA ASSINADA PELA VÍTIMA. DESNECESSIDADE. AÇÃO PENAL PRIVADA. ADITAMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE.

I - Resta preclusa a alegação de inépcia da queixa, se a quaestio não foi suscitada antes da prolação da sentença (Precedentes do STF e STJ).

II - Se a queixa vem subscrita pelas vítimas, além do respectivo advogado, fica suprida a necessidade de outorga de poderes específicos na procuração (Precedentes).

III - Nos termos do artigo 45 do CPP, a queixa poderá ser aditada pelo Ministério Público, ainda que se trate de ação penal privativa do ofendido, desde que não proceda à inclusão de co-autor ou partícipe, tampouco inove quanto aos fatos descritos, hipóteses, por sua vez, inocorrentes na espécie.

Ordem denegada."

(HC 85039/SP - STJ - 5ª Turma - Rel. Ministro Felix Fischer DJe 30/03/2009)

Dessarte, rejeito esta preliminar.

Superada a preliminar, passo ao exame do mérito.

Consta da exordial que o querelante, Procurador Regional do Trabalho, teria sido ofendido pelo querelado, também Procurador Regional do Trabalho, em duas mensagens eletrônicas enviadas nos dias 26 e 30/11/2013 a uma lista de correio eletrônico dos membros do Ministério Público do Trabalho.

A mensagem, de lavra do querelado, considerada ofensiva pelo querelante, tem o seguinte teor, in verbis:

"Colegas, voltando do Congresso de Campinas sobre Transporte Seguro (que contou com a abertura de nosso Procurador-Geral, a quem agradeço, mais uma vez, pela participação e pela excelente palestra), leio, um pouco surpreso, a notícia abaixo no sitio da PGT.

Até onde sei, sou o único procurador com um procedimento de investigação e com uma ação judicial (com liminar deferida) em andamento contra o Cade, além disso encaminhei representações ao Cade e depois contra o Cade à PF e ao Conatrae.

Evidentemente a PGT tem total liberdade para pedir e realizar as reuniões que quiser (desde que, claro, não digam respeito à discussão do objeto do inquérito e da ação judicial, sem a presença do procurador titular delas). Mas talvez fosse conveniente não digo, sequer, convidar, mas conversar a respeito com o membro da instituição que provavelmente está mais inteirado da atuação do Cade hoje. Também chama-me a atenção a participação do procurador Marco Tura, amigo de um conselheiro do Cade (Alessandro Octaviani), colega a quem repassei, de boa-fé e apesar do receio (em retrospectiva, justificado) com relação a tal amizade, todas as informações e peças que me pediu, mas também ele ou não julgou necessário, ou esqueceu da prometida reciprocidade.

A propósito do amigo do Tura, trata-se de indicação do hoje presidente do Cade, que causou alguma estranheza, à época, já que não tinha lá muita experiência prática no setor. Mas tinha amigos influentes, evidentemente.

Abaixo link para reportagem da Folha.

Curiosamente, eu propus tempos atrás ao PGT, antes do arquivamento definitivo pelo Cade da representação contra a MRV (arquivamento sob fundamentos toscos, aliás, como já divulgado nesta lista), quando ainda podíamos tentar interferir em seu resultado (com a possibilidade de criação de um precedente importante), a realização de uma reunião com o presidente do Conselho.

Propus isso mais de uma vez, por e-mail, depois pessoalmente em reunião plenária da PRT15 (presente o Camargo, que apesar das unânimes manifestações dos colegas presentes, evitou manifestar posição e pediu que lhe encaminhasse ofício) e por último por ofício (de fevereiro de 2013), e não obtive qualquer resposta, nem mesmo um 'não, obrigado'. Obviamente, não interessava. Fico imaginando o que mudou, de fevereiro para cá (além, é claro, de ter sido proposta depois disso ação contra o Cade, por sonegação de documentos requisitados pelo MPT, de ter sido deferida liminar nessa ação, e de ter sido instaurado inquérito policial em face do presidente do Cade por descumprimento de requisição ministerial).

Isso tudo seriam banalidades não fosse o fato de eu estar respondendo, hoje, a um deveras surpreendente habeas corpus movido pelo Cade (vejam manifestação em anexo), figurando como paciente o presidente do Cade. Nessas condições, talvez devesse ter sido pensada melhor a realização de uma reunião como essa, pois alguém de fora da Instituição poderia interpretar (lendo o texto da notícia e vendo o clima de descontração retratado na foto) que se trata de uma tomada de partido com relação às acusações feitas pelo presidente do Cade a um membro do MPT. Algum desavisado poderá compreender, equivocadamente, que a mensagem que se tentou passar é que não seria 'necessário' encaminhar requisições ao Cade (ou requerer à PF responsabilização por descumprimento de requisição), que bastaria haver mais 'cooperação'.

Por fim, resta-me ficar especulando que 'cooperação técnica' estará sendo discutida, com o cuidado de não envolver o procurador que move investigações e ação, com uma autarquia que formalmente recusou assumir qualquer papel relativamente a problemas trabalhistas, inclusive trabalho escravo, dumping social e demissões em massa. Se a conversa fosse comigo, qualquer tratativa passaria, necessariamente, pela revisão de tal papel, com a enunciação formal pelo Cade (por portaria, resolução ou instrução ao mercado) de que situações envolvendo dumping social podem, em tese, a depender de comprovação em cada caso, caracterizar também infração à ordem econômica, e que fusões e incorporações planejadas a partir de demissões em massa não serão autorizadas ou dependerão de prévia negociação coletiva.

Sem isso, não há qualquer sentido em alguma 'cooperação', pois não seria cooperação, seria 'abafa'.

Abraços a todos,

Rafael Gomes"

Ainda de acordo com a queixa-crime, o querelado teria pedido a pessoa ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego, com quem manteria amizade, que divulgasse essa primeira mensagem com o acréscimo da expressão "fogo nada amigo". Tal pessoa teria divulgado a centenas de pessoas, algumas das quais, inclusive, teriam questionado o querelante sobre seu teor.

Essa conduta do querelado caracterizaria, no dizer do querelante, o crime de difamação, capitulado no art. 139, do CP.

Ato contínuo, o querelante afirma ter abordado o querelado "em duas mensagens seguidas" questionando-o se aquela primeira mensagem representaria uma afirmação negativa sobre sua honestidade. As mensagens têm o seguinte teor, in verbis:

"Rafael, não entendi sua menagem (sic).

Eu mesmo enviei mensagem a você é (sic) ao Afonso falando do assunto.

Mas você está insinuando algo ou afirmando acerca da minha honestidade?

Se é isso, vá direto ao ponto."

E, a seguir:

"E tem mais.

O presentes (sic) à reunião ouviram o bem o que eu disse a seu respeito, defendendo sua independência funcional, aliás.

Mas, Rafael, volto a dizer: você tem algo a dizer a respeito de minha conduta? Diga de uma vez e vamos os dois para a corregedoria e para o judiciário."

A essas mensagens eletrônicas, assim respondeu o querelado pela mesma via, in verbis:

"O que eu tenho a te dizer já está dito, meu camarada, ao que acrescento isto: você foi extremamente desleal, pedindo todas as informações e peças, depois agindo pelas costas. Vá à corregedoria, ao judiciário, ao bispo e onde mais você quiser, cara, e fique sabendo que a minha atuação eu sempre defenderei assim, com unhas e dentes, pensando sempre nos trabalhadores."

No entendimento do querelante, nessa resposta estaria configurado o crime de injúria capitulado no artigo 140, do CP.

Em acréscimo, afirma o querelante a ocorrência de causa de aumento de pena, previsto no artigo 141, incisos I e II, do CP porque os crimes teriam sido cometidos contra funcionário público no exercício de suas funções ou na presença de várias pessoas.

Dispõem os dispositivos legais invocados:

"Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

(...)

Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro.

..."

"Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

(...);

II - contra funcionário público, em razão de suas funções;

III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

(...)."

Para configuração dos crimes contra a honra, há que estar presente o dolo específico, consubstanciado, in casu, no animus diffamandi e injuriandi. Deve, no mínimo, haver indício do propósito de ofender e injuriar e de causar dano à honra da vítima para que seja instaurada a ação penal, o que não constato no caso vertente.

Com efeito, da detida análise do texto da mensagem divulgada aos membros do Ministério Público do Trabalho, depreende-se que o querelado, no afã de defender seu posicionamento e externar a sua indignação pelo fato de não ter sido convidado a participar ou mesmo informado sobre uma reunião com o CADE, justamente o órgão com o qual havia travado um embate por discordar de procedimentos institucionais, não se extrai qualquer ofensa ao querelante.

Conquanto as mensagens tenham "forte retórica", como observou o Parquet Federal, delas se extrai nítido animus narrandi, porquanto, sendo ele o Procurador do Trabalho atuante nas questões relacionadas ao CADE e que teriam sido tratadas na reunião divulgada no sítio oficial da Procuradoria Geral do Trabalho sem o seu conhecimento, natural que trouxesse esclarecimentos a seus pares a respeito do tema e, até mesmo, enveredasse com animus criticandi e defendendi sem com isso significar a intenção de ofender a honra objetiva ou subjetiva do querelante.

Denota-se, em verdade, o embate de ideias dos ilustrados Procuradores do Trabalho, cada qual defendendo o seu ponto de vista. No calor das discussões é possível que se escreva e/ou fale palavras ou expressões pouco corteses, mas que não configuram, por si só, crime contra a honra.

Nesse sentido Julio Mirabete (in Código penal interpretado/Julio Fabbrini Mirabete; Renato N. Fabbrini. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2012 - pg. 908) segundo o qual "é indispensável o animus diffamandi, que indica o fim de ofender a honra alheia. Não atua com esse elemento subjetivo do tipo quem pratica o fato com animus jocandi, narrandi, consulendi, defendendi etc." (negritado)

Da mesma forma leciona Guilherme de Souza Nucci (in Código Penal Comentado, 10ª Edição, 2010, Editora Revista dos Tribunais, pág. 680) ao tratar do elemento subjetivo do tipo no crime de difamação:

"(...)

exige-se, majoritariamente (doutrina e jurisprudência), o elemento subjetivo do tipo específico, que é a especial intenção de ofender, magoar, macular a honra alheia. Este elemento intencional está implícito no tipo. É possível que uma pessoa fale a outra de uma fato desairoso atribuído a terceiro, embora, assim, esteja agindo com animus narrandi, ou seja, a vontade de contar algo que ouviu, buscando, por exemplo, confirmação. Embora atitude antiética, não se pode dizer tenha havido difamação. O preenchimento do tipo aparentemente houve (o dolo existiu), mas não a específica vontade de macular a honra alheia (o que tradicionalmente chama-se 'dolo específico').

(...)"

A jurisprudência não destoa, consoante se depreende dos julgados assim ementados:

"PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES CONTRA A HONRA. DIFAMAÇÃO. ART. 139 DO CÓDIGO PENAL. DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA. DENÚNCIA REJEITADA.

1. Para a configuração do crime de difamação é mister a existência de dolo específico (animus diffamandi), consistente no desejo de macular a honra do ofendido.

2. Inexistindo justa causa para a ação penal, ante a ausência do elemento subjetivo do tipo, há de ser rejeitada a denúncia.

3. Denúncia rejeitada. Voto vencido do relator no sentido de que o exame da atipicidade subjetiva deve ser melhor apurado no curso da ação penal."

(APN 603/PR - Corte Especial - STJ - Rel.p/ acórdão Min. Castro Meira - DJe 14/10/2011).

"CRIMINAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIME CONTRA A HONRA CALÚNIA. DOLO ESPECÍFICO. AUSÊNCIA. QUEIXA REJEITADA.

O dolo específico (animus caluniandi), ou seja, a vontade de atingir a honra do sujeito passivo, é indispensável para a configuração do delito de calúnia. Precedentes.

Hipótese na qual Subprocuradores da República peticionam no sentido de comunicar situação que gerou a ocorrência de erro material determinante para a concessão de habeas corpus em favor dos pacientes assistidos pelos querelantes.

Na função de fiscal da lei, o representante do Ministério Público tem o dever de relatar qualquer fato, relacionado à causa, que julgar relevante.

Descaracterizada a eventual ocorrência de crime de calúnia, rejeita-se a queixa nos termos do inc. I do art. 43, do Código de Processo Penal.

Queixa rejeitada."

(APN n. 473/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, DJe de 08.09.2008)


Vê-se, pois, ausente o elemento subjetivo do tipo (dolo específico), descaracterizados os crimes de difamação e injúria e, assim, inexistente justa causa para instauração da ação penal.

Ante todo o exposto, rejeito a queixa-crime, nos termos do art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal, c.c. art. 6º, caput da Lei n. 8.038/1990.

Sem condenação em honorários.

É como voto.


CECÍLIA MARCONDES
Desembargadora Federal Relatora


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Data e Hora: 27/11/2014 18:58:05