Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/03/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002860-10.2009.4.03.6120/SP
2009.61.20.002860-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DOMINGOS OTAVIO SIMIONI
ADVOGADO : SP141510 GESIEL DE SOUZA RODRIGUES e outro
APELADO(A) : ELIANA LUZ LIMA
ADVOGADO : SP082490 MARIO SERGIO SPERETTA e outro
No. ORIG. : 00028601020094036120 2 Vr ARARAQUARA/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. USO DE DOCUMENTOS IDEOLOGICAMENTE FALSOS COMO MEIO PARA A PRÁTICA DE SONEGAÇÃO FISCAL. RECONHECIDA A CONSUNÇÃO. IRRELEVÂNCIA DA APRESENTAÇÃO DOS DOCUMENTOS EM MOMENTO POSTERIOR. RECURSO DESPROVIDO.
1. Apelação criminal contra sentença que absolveu os réus da imputada prática do crime do artigo 304 c/c o artigo 299, ambos do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
2. Infere-se da norma do artigo 1º, incisos I e IV, da Lei 8.137/90, que o fornecimento, emissão ou utilização de documento falso constitui o meio fraudulento utilizado para a consecução da sonegação fiscal. Aplicação do princípio da consunção, ainda que a apresentação dos recibos ocorra em momento posterior à prestação da declaração falsa às autoridades fazendárias.
3. Na própria denúncia aponta-se que a fraude empregada na sonegação fiscal foi a prestação de declaração falsa à Receita Federal, com relação a despesas com tratamento odontológico. Os documentos tidos por falsos referem-se aos mesmos fatos objetos da declaração falsa. Ou seja, constituem o mesmo meio fraudulento empregado para a sonegação fiscal.
4. Como as declarações de imposto de renda são apresentadas por meio eletrônico, não mais se juntam os comprovantes de rendimentos ou despesas, que devem ser conservados pelo contribuinte, pelo prazo decadencial, para eventual apresentação ao Fisco.
5. Assim, não se mostra relevante o momento da apresentação, para afastar da possibilidade de consunção, já que a declaração tida por falsa e os documentos tidos por falsos referem-se aos mesmos fatos: despesas com tratamentos odontológicos que não teriam sido efetivamente realizadas.
6. Não há nenhuma outra potencialidade lesiva em recibos de despesas odontológicas ideologicamente falsos. Portanto, se a falsificação e o uso do documento falso foram cometidos unicamente com a intenção de reduzir ou suprimir tributo, deve ser absorvida pelo crime de sonegação fiscal.
7. Apelação desprovida.


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante deste julgado.


São Paulo, 03 de março de 2015.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002860-10.2009.4.03.6120/SP
2009.61.20.002860-5/SP
RELATOR : Juiz Convocado MÁRCIO MESQUITA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DOMINGOS OTAVIO SIMIONI
ADVOGADO : SP141510 GESIEL DE SOUZA RODRIGUES e outro
APELADO(A) : ELIANA LUZ LIMA
ADVOGADO : SP082490 MARIO SERGIO SPERETTA e outro
No. ORIG. : 00028601020094036120 2 Vr ARARAQUARA/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA:


O Ministério Público Federal denunciou ELIANA LUZ LIMA, qualificada nos autos, nascida aos 08/01/1964, como incursa no artigo 299 do Código Penal, por dezesseis vezes, em continuidade delitiva, e DOMINGOS OTÁVIO SIMIONI, qualificado nos autos, nascido aos 26/12/1948, como incurso, por dezesseis vezes, em continuidade delitiva, no artigo 304 c/c o artigo 299, ambos do Código Penal. Consta da denúncia:


ELIANA LUZ LIMA, em datas desconhecidas entre 28.06.2000 e 22.12.2003, inseriu, em documento particular, por dezesseis vezes, declaração falsa, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. ELIANA declarou, falsamente, em dezesseis recibos, ter prestado serviços a DOMINGOS OTÁVIO SIMIONI, deste recebendo os valores mencionados em tais documentos (fls. 20/35), tendo por finalidade viabilizar que este obtivesse deduções em suas declarações de imposto de renda e pudesse comprová-las perante o fisco.
A inidoneidade dos recibos foi declarada em Ato do Poder Executivo no 13, de 22 de dezembro de 2003 (cf. doc. fl. 17).
DOMINGOS OTÁVIO SIMIONI, por sua vez, apresentou os documentos à Receita Federal do Brasil, em 08.11.2004, com o fim de comprovar despesas falsamente indicadas em suas declarações de imposto de renda e, com isso, evitar autuação fiscal.
Autoria e materialidade foram demonstradas pelos recibos (fls. 22/35), pela conclusão pericial de fls. 186/192, pelo ato declaratório executivo (cf. fl. 17), bem como demais documentos presentes na peça informativa.


A denúncia foi recebida em 08/06/2011 (fls. 224).

Após instrução, sobreveio sentença da lavra da MM. Juíza Federal Vera Cecília de Arantes Fernandes Costa, registrada em 25/04/2013 (fls. 401/404 e 415), julgando improcedente a denúncia para absolver os acusados Domingos e Eliana das imputações contidas na denúncia, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

Apela o Ministério Público Federal (fls. 416/431) pugnando pela condenação de Rogério, ao argumento que restou comprovada a materialidade e autoria delitiva,bem como o dolo, pois agiu com ciência da falsidade do documento. Sustenta que a conduta do acusado, ao fazer uso de documento público falso, efetivamente ofendeu o bem jurídico tutelado, restando caracterizada conduta típica prevista no artigo 304, c.c. o artigo 297 do CP.

Contrarrazões dos acusados Eliana (fls. 434/443) e Domingos (fls. 444/447), pela manutenção da sentença absolutória.

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Sonia Maria Curvello, opinou pelo improvimento do recurso (fls. 449/452).

É breve o relatório.

Ao MM. Revisor.


HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002860-10.2009.4.03.6120/SP
2009.61.20.002860-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DOMINGOS OTAVIO SIMIONI
ADVOGADO : SP141510 GESIEL DE SOUZA RODRIGUES e outro
APELADO(A) : ELIANA LUZ LIMA
ADVOGADO : SP082490 MARIO SERGIO SPERETTA e outro
No. ORIG. : 00028601020094036120 2 Vr ARARAQUARA/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA:

Eliana Luz Lima foi denunciada como incursa no artigo 299 do Código Penal e Domingos Otávio Simioni como incurso artigo 304 c/c o artigo 299, ambos do Código Penal, a primeira por emitir recibos odontológicos com falsa informação de prestação de serviços e o segundo por utilizar esses recibos na declaração de imposto de renda, com o objetivo de reduzir o tributo a ser recolhido.

Por r. sentença, o Juízo a quo absolveu os acusados por considerar que o falso não constitui infração autônoma em relação ao crime tributário.

Apela o Ministério Público Federal requerendo a reforma da sentença para que os réus sejam condenados, nos termos da denúncia, alegando que o crime de falso foi praticado com desígnio autônomo em relação ao crime do artigo 1º da Lei 8.13790; que o falso não era meio necessário para perpetrar a sonegação e que a extinção da punibilidade do crime de sonegação pelo pagamento do tributo tem efeito apenas em relação ao crime fiscal.

Passo à análise do recurso.

O recurso não comporta provimento.

Imputa-se aos réus a conduta de inserir declaração falsa em documento particular com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante e de fazer uso de documento particular ideologicamente falso, mediante a apresentação à Delegacia da Receita Federal falsos recibos odontológicos (art. 304 c.c. art. 299, ambos do CP).

Consta do procedimento fiscal que a conduta do acusado acarretou na redução de tributo, mediante prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias, tendo o crédito tributário sido constituído, parcelado e quitado (fl. 179). Dispõe o artigo 1º, incisos I e IV, da Lei 8.137/90:


Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; (...)
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

Infere-se da aludida norma que o fornecimento, emissão ou utilização de documento falso constitui o meio fraudulento utilizado para a consecução da sonegação fiscal.

Assim, é de se aplicar o princípio da consunção, ainda que a apresentação dos recibos ocorra em momento posterior à prestação da declaração falsa às autoridades fazendárias.

Na própria denúncia aponta-se que a fraude empregada na sonegação fiscal foi a prestação de declaração falsa à Receita Federal, com relação a despesas com tratamento odontológico.

Ora, os documentos tidos por falsos referem-se aos mesmos fatos objetos da declaração falsa. Ou seja, constituem o mesmo meio fraudulento empregado para a sonegação fiscal.

É certo que a declaração tida por falsa foi prestada quando da entrega da declaração de imposto de renda, e os documentos somente foram apresentados depois, quando o contribuinte foi intimado a tanto pela Receita Federal.

Tal circunstância, entretanto, decorre da própria sistemática da declaração de imposto de renda. Hoje em dia, como as declarações de imposto de renda são apresentadas por meio eletrônico, não mais se juntam os comprovantes de rendimentos ou despesas, que devem ser conservados pelo contribuinte, pelo prazo decadencial, para eventual apresentação ao Fisco.

Não é crível que o contribuinte, ao apresentar a declaração de imposto de renda com a declaração tida por falsa, não detivesse consigo os recibos alegadamente falsos.

Assim, não se mostra relevante o momento da apresentação, para afastar da possibilidade de consunção, já que, como visto, a declaração tida por falsa e os documentos tidos por falsos referem-se aos mesmos fatos: despesas com tratamentos odontológicos que não teriam sido efetivamente realizadas.

Acresce-se que não há nenhuma outra potencialidade lesiva em recibos de despesas odontológicas ideologicamente falsas, que se exauriram no crime de sonegação fiscal.

Portanto, se a falsificação e o uso do documento falso foram cometidos unicamente com a intenção de reduzir ou suprimir tributo, deve ser absorvida pelo crime de sonegação fiscal.

Confira-se o magistério de Guilherme de Souza Nucci, ao explicar a consunção como critério de solução de conflito aparente de normas:


"Quando o fato previsto por uma lei está previsto em outra de maior amplitude, aplica-se somente esta última. Em outras palavras, quando a infração prevista na primeira norma constituir simples fase de realização da segunda infração, prevista em dispositivo diverso, deve-se aplicar apenas a última. Trata-se da hipótese do crime-meio e do crime-fim." (in Código Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 3ª Edição, página 87)

Nesse sentido, situa-se o entendimento das Segunda e Quinta Turma deste Tribunal:


DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. ART. 581, I, CPP. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, ART. 1º, I E IV, DA LEI 8.137/90. FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO, ARTIGOS 304 E 299, CP. CONSUNÇÃO. PRINCÍPIOS DA RESPONSABILIDADE PESSOAL E DA ISONOMIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O crime de sonegação fiscal absorve a falsidade e o uso de documento falso, quando empregados para a prática do delito tributário.
2. A apresentação de recibos falsos à Receita Federal, mesmo que posterior à indicação da despesa como dedução para o imposto de renda, não constitui crime autônomo em relação ao crime de sonegação fiscal.
3. A extinção da punibilidade, pelo pagamento do tributo devido pela contribuinte (art. 9º, § 2º, da Lei 10.684/03), aproveita a todos os agentes envolvidos (profissionais médicos e dentistas que forneceram recibos falsos), uma vez que as ações delitivas recaem sobre o mesmo objeto material. Ademais, sopesando os princípios da responsabilidade pessoal e da isonomia, não seria medida equânime extinguir a punibilidade somente em relação à contribuinte - a quem seria atribuída maior responsabilidade pelo crime tributário - e, por outro lado, responsabilizar todos aqueles que tiveram participação secundária no delito.
4. Recurso em sentido estrito desprovido.
(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, RSE 0001688-50.2011.4.03.6124, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, julgado em 14/05/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/05/2013)
PROCESSUAL PENAL E PENAL: HABEAS CORPUS. ARTIGOS 1º E 2º DA LEI 8.137/90. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO DE DOCUMENTO FALSO. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. ARTIGO 34 DA LEI 9.249/95. I - Os crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso, em princípio, apresentam existência autônoma. Todavia, no caso sub examen, sua prática teria se dado tão-somente como meio necessário para a consumação da sonegação fiscal, é dizer, tais crimes seriam meio (crimes-meio) para a prática do delito contra a ordem tributária (crime-fim) sendo, portanto, por ele absorvidos. II - Os recibos inquinados de falso foram apresentados pelo paciente em cumprimento à ordem da autoridade administrativa, o que afasta a imputação dos delitos de falsidade ideológica e de uso de documento falso. III - Declarada extinta a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária em virtude do pagamento integral do tributo, nos termos do disposto no artigo 34 da Lei 9.249/95, impõe-se trancar o inquérito policial. IV - Ordem concedida para trancar o inquérito policial nº 188/2008 em trâmite perante a Delegacia de Polícia Federal de Cruzeiro/SP.
TRF da 3ª Região, 2ª Turma, Rel. p/ acórdão Des. Fed. Cecília Mello, HC 2008.03.00042590-1, j. 27/01/2009, DJU 12.02.2009 p. 220
PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DELITO DE SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, DA LEI Nº 8.137/90. CRIME-FIM. FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. CRIMES-MEIO. ABSORVIDOS. CONFLITO DE NORMAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MOMENTO CONSUMATIVO. NÃO INFLUÊNCIA. FINALIDADE DE SUPRESSÃO DE TRIBUTOS. RECURSO IMPROVIDO. 1. Se o contribuinte comete falsidade ideológica com o propósito específico de suprimir ou reduzir tributo, resulta que tanto o crime de falsidade como de uso de documento falso (crimes-meio) são pressupostos do crime de sonegação fiscal (crime-fim), restando por esse absorvidos. 2. Aplica-se, em situações como essa, o princípio da consunção, que se dá "quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta. Na relação consuntiva, os fatos não se apresentam em relação de gênero e espécie, mas de minus e plus, de continente e conteúdo, de todo e parte, de inteiro e fração" (Bitencourt, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. Vol. 1. 6ª ed., Ed. Saraiva. São Paulo. 2000, p. 132). 3. Nada obstante, a própria Lei nº 8.137/90, em seus arts. 1º e 2º, prevê o cometimento dos crimes de sonegação fiscal através da falsificação. Assim, não seria lógico, nem tampouco coerente com os princípios penais modernos, no qual destacamos o do direito penal mínimo, imputar ao agente, além da sonegação fiscal, as condutas intermediárias igualmente delituosas. 4. Pouco importa o momento consumativo dos delitos de falsidade ideológica e de uso de documento falso, já que se o elemento subjetivo do delito é especificamente o de suprimir ou reduzir de tributos, responderá o agente tão-somente pelo crime de sonegação fiscal. 5. Recurso improvido.
TRF da 3ª Região, 5ª Turma, Rel. Des. Fed. Suzana Camargo, RSE 2003.61.06.013989-6, j. 21/11/2005, DJU 04.04.2006 p. 371

No mesmo sentido pacificou-se o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça:


EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, USO DE DOCUMENTO FALSO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. DENÚNCIA EM RELAÇÃO APENAS QUANTO AOS DOIS ÚLTIMOS, EM VIRTUDE DO PARCELAMENTO DO DÉBITO FISCAL. REJEIÇÃO DA INICIAL ACUSATÓRIA. ABSORÇÃO DOS DELITOS, PORQUE PRATICADOS COM FIM EXCLUSIVO VIABILIZAR A SONEGAÇÃO DO TRIBUTO. DELITOS EXAURIDOS NA ELISÃO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. POSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA REJEITADOS.
1. O Embargado foi denunciado porque elidiu tributo, ao prestar declaração de imposto de renda, lançando deduções referentes a despesas médicas fictícias, e, posteriormente, para assegurar a impunidade do crime de sonegação fiscal que havia cometido, apresentou à Delegacia da Receita Federal diversos recibos contendo declarações falsas acerca do pagamento de serviços de saúde, incidindo, segundo a denúncia, nos crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica.
2. Não houve oferecimento da denúncia pelo crime de sonegação fiscal por considerar suspensa a pretensão punitiva estatal, em razão do débito estar incluído em programa de parcelamento. E, a peça acusatória foi rejeitada sob o entendimento de que o delito de sonegação fiscal absorveu os demais.
3. É aplicável o princípio da consunção quando os crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica - crimes meio - são praticados para facilitar ou encobrir a falsa declaração, com vistas à efetivação do pretendido crime de sonegação fiscal - crime fim -, localizando-se na mesma linha de desdobramento causal de lesão ao bem jurídico, integrando, assim, o iter criminis do delito-fim.
4. No caso dos autos, as instâncias ordinárias, após minuciosa análise dos elementos de prova coligidos aos autos, entenderam que o Acusado usou recibos falsos de despesas médicas com o fim único e específico de burlar o Fisco, visando, exclusivamente, à sonegação de tributos. A lesividade das condutas não transcendeu, assim, o crime fiscal, razão porque tem aplicação, na espécie, mutatis mutandis, o comando do Enunciado n.º 17 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça . Precedentes.
5. Embargos de divergência rejeitados.
(STJ, EREsp 1154361/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 06/03/2014)
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. USO DE DOCUMENTO FALSO E SONEGAÇÃO FISCAL. CONSUNÇÃO. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A atual jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que o crime de falso cometido única e exclusivamente com vistas a suprimir ou reduzir tributos é absorvido pelo crime de sonegação fiscal, sendo irrelevante, para tanto, que a apresentação do documento falso perante a autoridade fazendária seja posterior à entrega da declaração de imposto de renda porque apenas materializa a informação falsa antes prestada.
2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1372457/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 10/09/2013)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO DE DOCUMENTO FALSO. DECLARAÇÃO FALSA PRESTADA PARA REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA. APRESENTAÇÃO DE RECIBOS ODONTOLÓGICOS IDEOLOGICAMENTE FALSOS À AUTORIDADE FAZENDÁRIA. EXAURIMENTO DA CONDUTA ANTERIOR. DELITOS AUTÔNOMOS. INOCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO.
1. Na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Física, o sujeito passivo da obrigação tributária presta ao Fisco todas as informações relativas às hipóteses de incidência do referido tributo no prazo previsto na legislação aplicável, para que seja conhecida a base de cálculo sobre a qual irá incidir a alíquota respectiva.
2. Sem olvidar o entendimento consolidado no enunciado n. 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, eventual omissão ou declaração com a intenção de reduzir ou suprimir tributo se verifica no momento em que a legislação tributária atribui ao próprio contribuinte o dever de fornecer ao Fisco as informações necessárias à apuração e definição da exação.
3. A declaração falsa inserida na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física nada mais é do que a representação da informação contida no documento ideologicamente falsificado, do qual se utiliza o agente para obter a redução ou supressão do referido tributo, circunstância que impede a incidência dos tipos penais previstos no artigo 299 e 304 do Código Penal, para que não ocorra o vedado bis in idem.
4. O fato do sujeito passivo da obrigação tributária apresentar o documento ideologicamente falsificado à autoridade fazendária, quando chamado a comprovar as declarações prestadas em momento anterior, se trata de mero exaurimento da conduta necessária para a configuração do delito de sonegação fiscal, já que desprovido, neste momento, de qualquer outra potencialidade lesiva que exija a aplicação autônoma do delito descrito no artigo 304 do Estatuto Repressor.
5. Recurso ordinário provido para determinar o trancamento da ação penal deflagrada em desfavor do recorrente, estendendo-se os efeitos desta decisão ao corréu, por força do disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal.
(STJ, RHC 26891/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 01/08/2012)

Como salientado pela i. Procuradora Regional da República, no parecer ofertado (fls. 449/452), "(...) o crime do art. 1º da Lei nº 8.137/90 reveste-se de natureza material, entendimento que se encontra pacificado na Súmula Vinculante nº 24. Assim quando da apresentação dos recibos falsos à autoridade fazendária, no curso da ação fiscal, o crédito tributário não estava constituído, ou seja, ainda não estava consumado o delito fiscal. (...) embora a falsificação e apresentação de documentos falsos não necessariamente pertençam à cadeia de atos executórios naturais ou necessária para a consumação da sonegação fiscal, restou devidamente demonstrada a relação de dependência entre as condutas, ou seja, as condutas absorvidas serviram unicamente como meio para alcançar o fim criminoso pretendido, ainda que praticados em momento posterior".

Pelo exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.



HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 12/01/2015 18:36:50