Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/03/2015
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005036-81.2012.4.03.0000/MS
2012.03.00.005036-2/MS
RELATORA : Juíza Federal Convocada Simone Schroder Ribeiro
AGRAVANTE : HILDEBRANDO BORGES SOARES
ADVOGADO : MS002297 MARIA AUXILIADORA C. BARUKI NEVES e outro
AGRAVADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : WILSON ROCHA ASSIS
PARTE RÉ : ELDORADO PANTANEIRO AGENCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE CORUMBÁ - 4ª SSJ - MS
No. ORIG. : 00000623120124036004 1 Vr CORUMBA/MS

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. VEDAÇÃO DE UTILIZAÇÃO. ARTIGO 225 DA CF. LEI N.º 7347/85. ARTIGO 2º DA LEI Nº 4.771/1965 (CÓDIGO FLORESTAL). LEIS N.º 7.803/1989 E N.º 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL). ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. LEI N.º 9.985/2000. SITUAÇÃO CONSOLIDADE. ALEGAÇÃO INCABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
- Inexistente nulidade por inobservância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF). O deferimento parcial da tutela antecipada encontra respaldo legal, eis que observados os requisitos do artigo 273 do CPC.
- O meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem jurídico de natureza difusa que encontra ampla proteção no texto constitucional, especificamente no artigo 225, caput, bem assim na Lei n.º 7347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos direitos difusos e coletivos.
- A natureza constitucional do meio ambiente, somada à irreverssibilidade de eventuais danos ambientais que possam ocorrer em função da permanência da ocupação e aos documentos acostados, é suficiente para embasar o decreto de abstenção de realização de qualquer obra, construção ou atividade na área sob litígio.
- Área de preservação permanente - APP ou área de preservação ambiental - APA, impõem-se limitações ao seu uso, como forma de preservar o meio ambiente.
- As áreas de preservação permanente (APP) foram inicialmente tratadas no artigo 2º da Lei nº 4.771/1965, antigo Código Florestal, recepcionado por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988 e alterado pela Lei nº 7.803/1989, que previu que no seu rol as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou cursos d'água.
- Com o advento da Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal), nova regulamentação foi dada à matéria sem acarretar mudanças no tocante à conceituação e delimitação das áreas de preservação permanente (APP), especificamente no que se referem às faixas marginais dos leitos dos rios.
- A área de preservação ambiental - APA encontra previsão na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n.º 9.985/2000), que regulamenta o § 1º do artigo 225 da CF, que impõe o dever do poder público de instituir espaços especialmente protegidos.
- Não demonstrou o agravante possuir justo título do imóvel que afaste a decisão de desocupação da área pública da União e não prospera sua alegação de que se configurou verdadeiro comodato, porquanto o bem público sujeita-se a regime próprio, caracterizado pela inalienabilidade, indisponibilidade, imprescritibilidade e insuscetibilidade de apropriação, características suficientes para se afastarem também os argumentos no tocante à inexistência de esbulho, suposta tolerância do poder público quanto à sua permanência, falta de advertência para desocupação do imóvel e de envio de documento posterior à verificação de ocupação do imóvel que demonstrasse a discordância quanto à posse.
- Não há que se falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para fins de se evitar desocupação, demolição ou remoção das edificações, pois se encontram, desde a origem, em situação irregular. A simples permanência do agravado corresponde a permanente sujeição de área protegida à ação humana de degradação e lesão ao patrimônio ambiental.
- A alegada ausência de laudo técnico, que demonstre se tratar de área de preservação permanente - APP, não tem o condão de alterar a decisão agravada, porquanto proferida em juízo de cognição sumária, para o qual são suficientes os documentos acostados aos autos, como o termo de ajustamento de conduta e a própria localização geográfica da área.
- Irrelevante a discussão quanto a eventual culpa por descumprimento do termo de ajustamento de conduta. Frustrada a composição do dano ambiental por qualquer causa é legítima a propositura da ação civil pública para a preservação do interesse metaindividual.
- A atribuição de suposta responsabilidade à União pela ocupação da região da "Codrasa" não exime a agravante dos eventuais danos perpetrados.
- As políticas implementadas pelo poder público para a manutenção das famílias ribeirinhas na região buscam a efetivação dos comandos legais destinados às áreas de preservação ambiental, nos termos do artigo 15 da Lei n.º 9.985/2000.
- A aferição da ocorrência de dano ambiental não depende da implementação de Plano de Manejo, na medida em que as disposições constitucionais atinentes ao tema têm aplicabilidade imediata.
- Agravo de instrumento desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 12 de fevereiro de 2015.
Simone Schroder Ribeiro
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): SIMONE SCHRODER RIBEIRO:140
Nº de Série do Certificado: 20605344275E949A
Data e Hora: 18/02/2015 18:22:46



AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0005036-81.2012.4.03.0000/MS
2012.03.00.005036-2/MS
RELATORA : Juíza Federal Convocada Simone Schroder Ribeiro
AGRAVANTE : HILDEBRANDO BORGES SOARES
ADVOGADO : MS002297 MARIA AUXILIADORA C. BARUKI NEVES e outro
AGRAVADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : WILSON ROCHA ASSIS
PARTE RÉ : ELDORADO PANTANEIRO AGENCIA DE VIAGENS E TURISMO LTDA
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE CORUMBÁ - 4ª SSJ - MS
No. ORIG. : 00000623120124036004 1 Vr CORUMBA/MS

RELATÓRIO

Agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto por HILDEBRANDO BORGES SOARES contra decisão que, em sede de ação civil pública, deferiu parcialmente o pedido de antecipação de tutela, para determinar a desocupação da área em 60 (sessenta dias) e a abstenção de realização de qualquer obra, construção ou atividade na área pública, tais como supressão de vegetação de qualquer espécie, lançamento de esgoto, queima de dejetos, construção de aterros ou qualquer outra atividade capaz de afetar a qualidade ambiental da localidade em questão (fls. 203/207).


Sustenta o agravante, em síntese:


a) a nulidade da decisão agravada por ofensa ao princípio constitucional do contraditório e ampla defesa (artigo 5º, inciso LV), pois sequer pôde contestar as alegações feitas pelo representante do Ministério Público Federal;


b) que, no Agravo de Instrumento n.º 0034401-20.2011.4.03.0000-MS, a Desembargadora Federal Alda Bastos reconheceu a necessidade de observância do contraditório com relação à mesma matéria;


c) que a própria juíza de primeiro grau destacou o elevado grau de complexidade da causa, daí a necessidade da oitiva da parte contrária antes da decisão;


d) a ausência de laudo técnico que demonstre ser o imóvel área de preservação permanente (APP);


e) a não comprovação, por parte da agravada, do esbulho possessório, pressuposto para a reintegração de posse, nos termos do inciso II do artigo 927 do Código de Processo Civil;


f) houve tolerância da Superintendência do Patrimônio da União - SPU quanto à permanência na área em discussão, desde 15.05.2008, de modo que restou configurado verdadeiro comodato. Incontroversa, portanto, a permissão da ocupação na região da "Codrasa";


g) a agravada enviou-lhe termo de verificação de ocupação de imóvel da União, do qual constou a advertência para que em 5 dias justificasse sua permanência no terreno e não para que o desocupasse, o que reforça a inexistência de esbulho;


h) desde a aquisição da referida área, em 14.01.1994, a SPU não promoveu qualquer ação contra a agravante e, sim, permitiu seu uso e gozo sem qualquer insurgência, inclusive a construção e permanência de benfeitorias em áreas da União;


i) o Ministério Público Federal não trouxe aos autos qualquer documento posterior à verificação de ocupação de imóvel enviado pela SPU, que demonstre a discordância quanto à sua permanência;


j) não houve privação da posse de modo violento, clandestino ou com abuso de confiança e, portanto, esbulho, de forma que não se justifica a reintegração de posse, consoante farta jurisprudência, inclusive desta corte;


k) sua empresa se localiza há mais de 2 mil metros de distância do Rio Paraguai e não faz parte de comunidade ribeirinha tradicional, porém os demais ocupantes da região "Codrasa" também não se enquadram como de tal comunidade e devem ser igualmente retirados;


l) das 94 famílias que ocupam a área da União, apenas o agravante e mais alguns ocupantes sofrem demanda do MPF;


m) não pôde cumprir o termo de ajustamento de conduta celebrado com o MPF, em razão de demora injustificada do IBAMA em aprovar o Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) apresentado pelo agravante;


n) a região demandada é utilizada para lazer, nos termos da LC 05/2011 - Plano Diretor de Ladário - MS (subseção III, art. 58, inciso I), até porque o agravante foi impedido de criar qualquer animal, plantar ou explorá-la economicamente, sob pena de aplicação de multa ambiental;


o) quanto ao alegado indeferimento de regularização fundiária da lavra do Chefe de Divisão de Análise Jurídica da SPU, restou configurado crime de falsidade ideológica (art. 299, CP), pois nunca solicitou ou preencheu qualquer documento com a referida solicitação;


p) em 07.10.2010, a região da "Codrasa" foi reconhecida como área de preservação ambiental - APA (Decreto n.º 1.735/2010), e foi criado o Conselho Gestor da Área de Preservação Ambiental da Baía Negra - APA, responsável pela gestão da área e criação do Plano de Manejo que, segundo a Lei n.º 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza , pode ser elaborado em até 5 anos;


q) não é possível afirmar que o agravante tenha ocasionado danos ambientais, enquanto não elaborado o Plano de Manejo, que tem como objetivo estudar todas as atividades desenvolvidas na área e garantir a proteção ambiental;


r) a SPU nunca realizou estudo detalhado da área para comprovar que a ocupação tratada nos autos ocasionou danos ambientais;


s) o MPF, a SPU-MS e a Prefeitura Municipal de Ladário autorizam grandes empresas agropecuárias a realizar embarque e desembarque de gado na área de preservação permanente - APP, na APA - Baía Negra, mediante o pagamento de taxas, com base na LC 052/2011, Plano Diretor de Ladário e na Lei n.º 9.985/2000;


t) o dano ambiental que tentam atribuir aos ocupantes da "Codrasa" se deu na década de 70, em razão do abandono de obras de construção de estrada na margem do Rio Paraguai pela extinta Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste - SUDECO, a partir da qual surgiram as ocupações, que foram autorizadas pela União, que tem pleno conhecimento e sujeitou a ocupação ao pagamento de taxa, bem como forneceu autorização de posse para possíveis regularizações, consoante documentação acostada;


u) como forma de fomentar e legalizar as ocupações, o governo federal criou o Programa Luz para Todos, para instalação de luz elétrica na região, na qual se exigiu, dentre outros requisitos, que o imóvel possuísse declaração expedida pela Prefeitura de Ladário que ratificasse a posse;


v) os moradores da "Codrasa" exercem a posse há mais de 2 anos e nunca foram autuados ou notificados por qualquer deterioração ambiental, ao contrário, recuperam a vegetação nativa e alguns estão cadastrados na SPU-MS e na prefeitura para fins de regularização das ocupações; tanto não acarretaram dano que a própria SPU recentemente reconheceu a posse dos moradores e concedeu títulos a alguns ocupantes da área, de acordo com a documentação juntada;


x) o agravante e a Associação de Moradores e Empreendedores da Codrasa não tomaram conhecimento do método para a entrega de tal documento;


y) as pousadas de proprietários que possuem poder aquisitivo não sofrem qualquer autuação.


Requereu a antecipação dos efeitos da tutela recursal, com a suspensão do prazo de desocupação, para evitar lesão de difícil e incerta reparação.


O efeito suspensivo foi indeferido às fls. 624/681.


Contraminuta do Ministério Público Federal às fls. 684/690, na qual alega, em suma, que não procedem as objeções do agravante. Aduz que:


a) a jurisprudência do STJ reconhece que a antecipação de tutela e as medidas liminares, dada a urgência natural de tais medidas, dispensam a oitiva da parte contrária;


b) as preliminares e a questão da presença dos requisitos para a concessão da medida confundem-se com o mérito do processo;


c) o agravante ocupou imóvel localizado na área de Baía Negra para lazer e/ou especulação imobiliária, e não fazia parte da comunidade ribeirinha que sobrevive do agroextrativismo;


d) não há legitimidade do agravante para a discussão do dano ambiental, porquanto se cuida de ocupação irregular;


e) não há dúvida de que o agravante contribuiu para a degradação do meio ambiente local ao realizar edificações e benfeitorias na área sob proteção e de que é sua a obrigação de removê-las para que se permita a recomposição da flora nativa, independentemente da conclusão do Plano de Manejo da APA;


f) o agravante demonstrou resistência infundada ao cumprimento da lei, ao dizer que não pretendia desfazer ou remover as edificações e benfeitorias existentes no imóvel, tampouco desocupar a área;


g) eventuais situações de irregularidade que envolvam terceiros ou mesmo a União não garantem ao agravante o direito de desempenhar atividade ilícita;


h) a ocupação irregular da terra pública e a realização das edificações e benfeitorias que degradaram o meio ambiente local foi confirmado tanto pela Superintendência do Patrimônio da União, como pelo magistrado de primeiro grau por meio de inspeção judicial;


i) não podem ser adiadas as medidas de recuperação da área, sob pena de tornar irreversível o dano ambiental.


É o relatório.


VOTO


Inicialmente, não há que se falar em nulidade da decisão agravada por inobservância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF), porquanto o deferimento parcial da tutela antecipada, contra o qual se insurge, encontra respaldo legal, eis que observados os requisitos do artigo 273 do Estatuto Processual Civil. Outrossim, as contestações às alegações do Ministério Público Federal serão apreciadas no momento processual oportuno, antes que seja proferida qualquer decisão de caráter definitivo. Quanto ao argumento de que a nulidade foi reconhecida por outro desembargador em relação à mesma matéria, cumpre ressaltar o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual ao julgador é dado julgar consoante seu livre convencimento, desde que motivadamente.


Quanto ao mérito propriamente dito, não se constata, ao menos nesta fase de cognição sumária, a plausibilidade do direito invocado pelo agravante.


O meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem jurídico de natureza difusa que encontra ampla proteção no texto constitucional, especificamente no artigo 225, caput, bem assim na Lei n.º 7347/85, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos direitos difusos e coletivos, verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (Regulamento)
(...)
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (Regulamento)
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Lei 7447/85
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).
l - ao meio-ambiente;
(...)

No caso dos autos, a natureza constitucional do meio ambiente, somada à irreverssibilidade de eventuais danos ambientais que possam ocorrer em função da permanência da ocupação e aos documentos acostados, é suficiente para embasar o decreto da magistrada de primeiro grau de abstenção de realização de qualquer obra, construção ou atividade na área sob litígio. Observa-se que a região em debate constitui área de preservação permanente - APP, segundo elementos trazidos pelo Ministério Público Federal ou, ao menos, área de preservação ambiental - APA, conforme consignado pelo próprio agravante. Em qualquer das duas situações, consoante legislação específica, impõem-se limitações ao seu uso, como forma de preservar o meio ambiente.


As áreas de preservação permanente (APP) foram inicialmente tratadas no artigo 2º da Lei nº 4.771/1965, antigo Código Florestal, recepcionado por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988 e alterado pela Lei nº 7.803/1989, que previu que no seu rol as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou cursos d'água, nos seguintes termos:

Art. 2°. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.
i) nas áreas metropolitanas definidas em lei.

Posteriormente, com o advento da Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal), nova regulamentação foi dada à matéria sem, contudo, acarretar mudanças no tocante à conceituação e delimitação das áreas de preservação permanente (APP), especificamente no que se referem às faixas marginais dos leitos dos rios, verbis:



Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
(...)
II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
(...)
Art. 4º. Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d'água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
III - as áreas no entorno dos reservatórios d'água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d'água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d'água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
VII - os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d'água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.
(...)
§ 6o Nos imóveis rurais com até 15 (quinze) módulos fiscais, é admitida, nas áreas de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo, a prática da aquicultura e a infraestrutura física diretamente a ela associada, desde que:
I - sejam adotadas práticas sustentáveis de manejo de solo e água e de recursos hídricos, garantindo sua qualidade e quantidade, de acordo com norma dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente;
II - esteja de acordo com os respectivos planos de bacia ou planos de gestão de recursos hídricos.
III - seja realizado o licenciamento pelo órgão ambiental competente;
IV - o imóvel esteja inscrito no Cadastro Ambiental Rural - CAR.
V - não implique novas supressões de vegetação nativa.


A área de preservação ambiental - APA, por seu turno, encontra previsão na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei n.º 9.985/2000), que regulamenta o § 1º do artigo 225 da CF, que impõe o dever do poder público de instituir espaços especialmente protegidos:



Art. 15. A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
(...)
§ 2o Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma Área de Proteção Ambiental.
(...)
§ 5o A Área de Proteção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei.


Outrossim, não demonstrou o agravante possuir justo título do imóvel que afaste a decisão de desocupação da área pública da União e, igualmente, não prospera sua alegação de que se configurou verdadeiro comodato, porquanto o bem público sujeita-se a regime próprio, caracterizado pela inalienabilidade, indisponibilidade, imprescritibilidade e insuscetibilidade de apropriação. Tais características são suficientes para se afastarem também os argumentos do agravante no tocante à inexistência de esbulho, suposta tolerância do poder público quanto à sua permanência, falta de advertência para desocupação do imóvel e de envio de documento posterior à verificação de ocupação do imóvel que demonstrasse a discordância quanto à posse. Não há que se falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para fins de se evitar desocupação, demolição ou remoção das edificações, pois se encontram, desde a origem, em situação irregular. A simples permanência do agravado na área sob discussão corresponde a permanente sujeição de APP à ação humana de degradação e lesão ao patrimônio ambiental.


A alegada ausência de laudo técnico, que demonstre se tratar de área de preservação permanente - APP, não tem o condão de alterar a decisão agravada, porquanto proferida em juízo de cognição sumária, para o qual são suficientes os documentos acostados aos autos, como o termo de ajustamento de conduta e a própria localização geográfica da área.


Irrelevante nesta sede a discussão quanto a eventual culpa por descumprimento do termo de ajustamento de conduta celebrado. Frustrada a composição do dano ambiental por qualquer causa é legítima a propositura da ação civil pública competente para a preservação do interesse metaindividual.


As insurgências da agravante que giram em torno dos demais ocupantes da região são estranhas a esta lide. Igualmente, a alegação de suposto crime de falsidade ideológica deve ser levada ao órgão do Ministério Público com atribuição para a referida investigação.


Ademais, a atribuição de suposta responsabilidade à União pela ocupação da região da "Codrasa" não exime a agravante dos eventuais danos perpetrados especificamente na área em que ocupa. Destaque-se, ainda, que as políticas implementadas pelo poder público para a manutenção das famílias ribeirinhas na região buscam a efetivação dos comandos legais destinados às áreas de preservação ambiental, nos termos do artigo 15 da Lei n.º 9.985/2000.


Por fim, a aferição da ocorrência de dano ambiental não depende da implementação de Plano de Manejo, na medida em que as disposições constitucionais atinentes ao tema têm aplicabilidade imediata.


Desse modo, de rigor a manutenção da decisão agravada.


A respaldar meu entendimento, destaque-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:



ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CASAS DE VERANEIO ("RANCHOS"). LEIS 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965), 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) E 6.938/81 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). DESMEMBRAMENTO E LOTEAMENTO IRREGULAR. VEGETAÇÃO CILIAR OU RIPÁRIA. CORREDORES ECOLÓGICOS. RIO IVINHEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE DA AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA, NO DIREITO BRASILEIRO, DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTALTÁCITA. PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE OFÍCIO DE LICENÇA E DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ.
1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública ambiental movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul contra proprietários de 54 casas de veraneio ("ranchos"), bar e restaurante construídos em Área de Preservação Permanente - APP, um conjunto de aproximadamente 60 lotes e com extensão de quase um quilômetro e meio de ocupação da margem esquerda do Rio Ivinhema, curso de água com mais de 200 metros de largura. Pediu-se a desocupação da APP, a demolição das construções, o reflorestamento da região afetada e o pagamento de indenização, além da emissão de ordem cominatória de proibição de novas intervenções. A sentença de procedência parcial foi reformada pelo Tribunal de Justiça, com decretação de improcedência do pedido. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CILIAR
(...)
3. Aferrada às margens de rios, córregos, riachos, nascentes, charcos, lagos, lagoas e estuários, intenta a APP ciliar assegurar, a um só tempo, a integridade físico-química da água, a estabilização do leito hídrico e do solo da bacia, a mitigação dos efeitos nocivos das enchentes, a barragem e filtragem de detritos, sedimentos e poluentes, a absorção de nutrientes pelo sistema radicular, o esplendor da paisagem e a própria sobrevivência da flora ribeirinha e fauna. Essas funções multifacetárias e insubstituíveis elevam-na ao status de peça fundamental na formação de corredores ecológicos, elos de conexão da biodiversidade, genuínas veias bióticas do meio ambiente. Objetivamente falando, a vegetação ripária exerce tarefas de proteção assemelhadas às da pele em relação ao corpo humano: faltando uma ou outra, a vida até pode continuar por algum tempo, mas, no cerne, muito além de trivial mutilação do sentimento de plenitude e do belo do organismo, o que sobra não passa de um ser majestoso em estado de agonia terminal.
4. Compreensível que, com base nessa ratio ético-ambiental, o legislador caucione a APP ripária de maneira quase absoluta, colocando-a no ápice do complexo e numeroso panteão dos espaços protegidos, ao prevê-la na forma de superfície intocável, elemento cardeal e estruturante no esquema maior do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por tudo isso, a APP ciliar qualifica-se como território non aedificandi. Não poderia ser diferente, hostil que se acha à exploração econômica direta, desmatamento ou ocupação humana (com as ressalvas previstas em lei, de caráter totalmente excepcional e em numerus clausus, v.g., utilidade pública, interesse social, intervenção de baixo impacto).
5. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ. LICENCIAMENTO AMBIENTAL
6. Se é certo que em licença, autorização ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Administrador, quando implementa a legislação ambiental, incumbe agregar condicionantes, coartações e formas de mitigação do uso e exploração dos recursos naturais - o que amiúde acontece, efeito de peculiaridades concretas da biota, projeto, atividade ou empreendimento -, não é menos certo que o mesmo ordenamento jurídico não lhe faculta, em sentido inverso, ignorar, abrandar ou fantasiar prescrições legais referentes aos usos restringentes que, por exceção, sejam admitidos nos espaços protegidos, acima de tudo em APP.
7. Em respeito ao princípio da legalidade, é proibido ao órgão ambiental criar direitos de exploração onde a lei previu deveres de preservação. Pela mesma razão, mostra-se descabido, qualquer que seja o pretexto ou circunstância, falar em licença ou autorização ambiental tácita, mormente por quem nunca a solicitou ou fê-lo somente após haver iniciado, às vezes até concluído, a atividade ou o empreendimento em questão. Se, diante de pleito do particular, o Administrador permanece silente, é intolerável que a partir da omissão estatal e do nada jurídico se entreveja salvo-conduto para usar e até abusar dos recursos naturais, sem prejuízo, claro, de medidas administrativas e judiciais destinadas a obrigá-lo a se manifestar e decidir.
(...)
(STJ, REsp 1245149, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, v.u., DJe 13/06/2013).

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.


É como voto.


Simone Schroder Ribeiro
Juíza Federal Convocada


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