Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/12/2009
HABEAS CORPUS Nº 2009.03.00.027045-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
IMPETRANTE : CELSO SANCHES VILARDI
: LUCIANO QUINTANILHA DE ALMEIDA
PACIENTE : PIETRO FRANCESCO GIAVINA BIANCHI
: DARCIO BRUNATO
: FERNANDO DIAS GOMES
ADVOGADO : CELSO SANCHEZ VILARDI
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 6 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 2009.61.81.006881-7 6P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL: HABEAS CORPUS. PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTOS. DENÚNCIA ANÔNIMA. ADMISSIBILIDADE. INFORMAÇÕES. CREDIBILIDADE. NECESSIDADE DE APURAÇÃO. DEVER FUNCIONAL DA AUTORIDADE. NECESSIDADE DE AGIR COM CAUTELA E DISCRIÇÃO. MEDIDAS CONSTRITIVAS. MÍNIMO RAZOÁVEL DE INDÍCIOS DE ATIVIDADE CRIMINOSA. LEI nº 9.296/96. ARTIGO 2º. INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DEVEM SER SALVAGUARDADAS. ACESSO AOS AUTOS FEITOS CONDUZIDOS SOB SIGILO DECRETADO JUDICIALMENTE. ACESSO ASSEGURADO EM RELAÇÃO ÀS INFORMAÇÕES INTRODUZIDAS NOS AUTOS. SÚMULA VINCULANTE Nº 14 DO STF. PRINCÍPIO DA COMUNHÃO DA PROVA. ARTIGO 20 DO CPP. AÇÃO PENAL DEFLAGRADA. INEXISTÊNCIA DE RISCO DO COMPROMETIMENTO DA EFICÁCIA DAS INVESTIGAÇÕES. CONHECIMENTO DA PROVA PRODUZIDA.
I - A jurisprudência tem admitido a instauração de procedimento investigatório com base unicamente em denúncia anônima desde que encerre em seu bojo informações que se revistam de credibilidade e contenham informações suficientes para que a autoridade diligencie a procedência das afirmações feitas.
II - Não se trata de uma faculdade. Quando a notitia criminis trouxer ao conhecimento fatos revestidos de aparente ilicitude penal, o Estado tem a obrigação de apurar a procedência das afirmações feitas por meio de investigações.
III - Embora a denúncia anônima não possua, por si só, força probatória, é admitida como elemento válido a desencadear as investigações necessárias ao esclarecimento de supostos crimes.
IV - Na esteira do entendimento jurisprudencial perfilhado, não há ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações deflagradas por denúncia anônima, eis que a autoridade tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, devendo, contudo, proceder com cautela.
V - Embora a denúncia anônima seja apta a ensejar a investigação dos fatos narrados, ela não tem o condão de, por si só, autorizar a adoção de medidas constritivas como a busca domiciliar, a interceptação telefônica e a quebra do sigilo de dados, para as quais se exige um mínimo razoável de indícios de atividade criminosa.
VI - É esse o teor da Lei nº 9.296/96, que dispõe sobre as interceptações telefônicas,, cujo artigo 2º expressamente veda a sua realização quando não houver indícios razoáveis de infração penal punida com reclusão e quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, vale dizer, meios que não se contraponham à inviolabilidade constitucionalmente assegurada, ou o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
VII - Mostra-se irrelevante a discussão a respeito da validade das medidas constritivas pois, ao contrário do sustentado pelos impetrantes, as informações prestadas pela autoridade apontada como coatora são categóricas no sentido de que os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas não estão adstritos à denúncia anônima, tendo se pautado, também, em elementos concretos, colhidos através de investigações preliminares realizadas pela Unidade de Análise e Inteligência da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros - DELFIN que apontaram para existência de organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e eventuais crimes de "lavagem" de valores, bem como no compartilhamento de informações constantes em ação penal diversa.
VIII - Os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas não estão restritos à denúncia anônima, estando lastreado em indícios obtidos a partir de investigações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de Polícia Federal e, por meio do compartilhamento de informações constantes em ação penal diversa.
IX - As investigações preliminares consistentes em diligências empreendidas para apurar a denúncia anônima não foram juntadas aos autos, a evidenciar que tanto os réus, como os seus advogados não tiveram acesso a elas.
X - O procedimento investigatório não é informado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa. É certo , também, que sempre que contrapostos, o interesse público deve ficar acima do interesse privado, sem que isso signifique, necessariamente e sempre, uma violação de direitos.
XI - Hodiernamente prevalece a orientação de que devem ser conciliados os interesses da investigação e o direito à informação do investigado e, conseqüentemente, de seu advogado, a fim de salvaguardar as suas garantias constitucionais.
XII - Na esteira do entendimento firmado pelo STF, esta Corte tem assegurado a amplitude do direito de defesa em sede de inquéritos policiais em especial no que diz respeito ao exercício do contraditório e ao acesso de dados e documentos já produzidos no âmbito das investigações criminais.
XIII - Tal posicionamento, contudo, ressalva os procedimentos que, por sua própria natureza, não dispensem o sigilo, sob pena de ineficácia da diligência investigatória, hipótese em que o acesso deverá ser assegurado em relação às informações já introduzidas nos autos.
XIV - O acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos da persecução penal, decorre igualmente do princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova segundo o qual a prova é comum, ou seja, estando no processo, ela pertence a todos os sujeitos processuais.
XV - O princípio da comunhão da prova, estabelece situação de igualdade das partes na relação jurídico-processual, de forma a possibilitar ao que sofre persecução penal, ainda que tramite em regime de sigilo, o conhecimento do acervo probatório coligido nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse.
XVI - Assegura-se, portanto, à pessoa investigada, por meio de seu patrono constituído, o acesso aos elementos probatórios que já tenham sido levados aos autos da investigação penal, como indícios, fundamentos e/ou informações, os quais deverão ser efetivamente introduzidos no processo, ainda que em apenso aos autos principais.
XVII - O entendimento proclamado não significa negar à autoridade que conduz o procedimento investigatório a possibilidade de impor o sigilo ao inquérito policial quando necessário à elucidação dos fatos ou quando exigido pelo interesse da sociedade, conforme preceitua o artigo 20 do CPP. É inadmissível que findas as investigações e, portanto, sem possibilidade de comprometimento da sua eficácia, e uma vez deflagrada a ação penal, os réus não tenham conhecimento da prova produzida.
XVIII - Negar aos réus o acesso às informações coligidas, cuja influência no convencimento do Julgador se mostra inquestionável, constitui manifesta violação do direito ao contraditório e à ampla defesa, assegurados pelo artigo 5º, inciso LV, da CF.
XIX - Até mesmo em hipótese de delação premiada, o caráter sigiloso cinge-se ao acordo celebrado com o réu colaborador e não às declarações incriminadoras, sob pena de se tornar possível a condenação de alguém com base em "prova secreta".
XX - Assentado o direito ao acesso dos réus delatados às declarações incriminadoras, com muito mais razão não é possível obstar-lhes o acesso às investigações preliminares que deram ensejo à deflagração do procedimento de interceptação.
XXI - À luz do caso concreto, há ação penal em curso, não se justificando eventual impedimento ao acesso amplo dos diversos elementos probatórios já produzidos nos autos da persecução penal e, portanto, a estes devem formalmente ser incorporados.
XXII - As investigações preliminares levadas a cabo pela Polícia Federal devem ser juntadas aos autos, dada a sua imprescindibilidade para a aferição do valor jurídico da denúncia anônima e das provas que dela derivaram e para assegurar a amplitude do direito de defesa.
XXIII - Ordem parcialmente concedida, para garantir aos pacientes, por intermédio de seus Advogados regularmente constituídos, o direito de acesso a todas as investigações preliminares, concomitantes, ou mesmo posteriores ao procedimento de interceptação telefônica, e que aos mesmos digam respeito, determinando a sua pronta vinda aos autos. Determinada a publicidade imediata do documento que, lacrado, se encontra juntado aos autos. Prejudicado, por ora, o exame das demais questões suscitadas na presente impetração, considerando-se que a legalidade das mesmas somente poderá ser aferida frente ao novo quadro processual que se delineará com a juntada aos autos das mencionadas investigações e amplo conhecimento dos réus/investigados e seus respectivos advogados.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conceder em parte a ordem, para garantir aos pacientes, por intermédio de seus Advogados regularmente constituídos, o direito de acesso a todas as investigações preliminares, concomitantes, ou mesmo posteriores ao procedimento de interceptação telefônica, e que aos mesmos digam respeito, determinando a sua pronta vinda aos autos. Determinar a publicidade imediata do documento que, lacrado, se encontra juntado aos autos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 01 de dezembro de 2009.
Cecilia Mello
Desembargadora Federal Relatora


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HABEAS CORPUS Nº 2009.03.00.027045-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
IMPETRANTE : CELSO SANCHES VILARDI
: LUCIANO QUINTANILHA DE ALMEIDA
PACIENTE : PIETRO FRANCESCO GIAVINA BIANCHI
: DARCIO BRUNATO
: FERNANDO DIAS GOMES
ADVOGADO : CELSO SANCHEZ VILARDI
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 6 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 2009.61.81.006881-7 6P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO: Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de Pietro Francesco Giavina Bianchi, Darcio Brunato e Fernando Dias Gomes contra ato do MM. Juiz Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo/SP, que deferiu a quebra de sigilo telefônico para apurar suposta infração penal noticiada por meio de denúncia anônima, a qual, segundo os impetrantes, além de superficial, está desacompanhada de qualquer investigação prévia, atribuindo ao suposto relato anônimo valor jurídico inadmissível diante das regras do Estado Democrático de Direito (procedimento criminal diverso nº 2008.61.81.000237-1).


DOS FATOS


Consta dos autos que, após investigações preliminares e demais elementos obtidos a partir de interceptação telefônica judicialmente autorizada e de busca e apreensão realizada nas residências e nos endereços comerciais dos envolvidos, incluindo a sede da empresa "CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO CAMARGO CORRÊA S.A." apurou-se a existência de organização criminosa operada por doleiros e por diretores do Grupo Camargo Corrêa, mais especificamente da empreiteira "CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO CAMARGO CORRÊA S.A.", consistente na prática de atividades de câmbio ilegal paralelo e dólar-cabo, evasão de divisas, fraude contra órgãos públicos e lavagem de dinheiro.

Por tais fatos, em 29 de maio de 2009, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia (autos nº 2009.61.81.004839-9) em face de PIETRO FRANCESCO GIAVINA BIANCHI, DARCIO BRUNATO e FERNANDO DIAS GOMES, ora pacientes, como incursos nas penas do artigo 6º e 22 da Lei 7492/86, artigo 1º, incisos VI e VII, §1º, incisos I e II da Lei 9613/98 e artigo 288 do Código Penal; RAGGI BRADA NETO, como incurso nas penas do artigo 22 da Lei 7492/86 e artigo 288 do Código Penal; KURT PAUL PICKEL, JOSÉ DINEY MATOS e JADAIR FERNANDES DE ALMEIDA, como incursos nas penas dos artigos 6º, 16 e 22 da Lei 7492/86, artigo 1º, incisos VI e VII, §1º, incisos I e II da Lei 9613/98 e artigo 288 do Código Penal; MARISTELA SUM DOHERTY (ou MARISTELA BRUNET), como incursa nas penas dos artigos 16 e 22 da Lei 7492/86, artigo 1º, incisos VI e VII, § 1º, incisos I e II da Lei 9613/98 e artigo 288 do Código Penal, excluída, porém, sua participação na fraude perante o Banco Central; MARISA BERTI IAQUINTO e DARCY FLORES ALVARENGA, como incursas nas penas do artigo 22 da Lei 7492/86 e artigo 288 do Código Penal; GIROLAMO SANTORO, como incurso nas penas dos artigos 6º e 22 da Lei 7498/86 e artigo 288 do Código Penal; sendo todos os artigos acima mencionados combinados com o artigo 29 do Código Penal.

A ação penal objeto do presente writ (ação penal nº 2009.61.81.006881-7) originou-se do desmembramento dos autos nº 2009.61.81.004839-9, que permaneceu como inquérito policial, com sua remessa à Polícia Federal para o prosseguimento das investigações, nos termos da decisão de fls. 964/969, por força do disposto no artigo 80 do CPP.


Transcrevo, por oportuno, excerto da referida decisão: fls. 964/965

"O Parquet Federal optou por oferecer denúncia nestes autos, antes das conclusões finais do Inquérito Policial nº 2009.61.81.004839-9, porquanto vislumbrou presentes indícios de autoria e materialidade delitivas suficientes a tanto, bem como ofereceu denúncia, em separado, em relação à eventual participação de denunciado nestes autos, a saber, Pietro Francesco Giavina Bianchi, em fatos que envolveriam crimes contra a Administração Pública e a Ordem Econômica, consubstanciados nos artigos 90 e 95, ambos da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, artigo 4º, inciso I, alínea "a", da Lei nº 8.137, de 27.12.1990, e artigo 288 do Código Penal.

Sustentou que as apurações já realizadas no Inquérito Policial, que é formado por volumosa documentação, com relato de enorme gama de fatos, indicariam a autonomia de alguns dos supostos delitos e, em seu entendimento, os fatos versados na denúncia que apresentou em relação a crimes contra a Administração Pública e a Ordem Econômica seriam, a princípio, destacados e anteriores àqueles que se relacionam a crimes financeiros, objetos da presente denúncia, de forma que não se imporia o seu processamento conjunto.

Some-se a isso, em sua percepção, que não seria adequada a reunião dos feitos exatamente para evitar que o processo venha a se desenvolver de forma conturbada, diante do elevado número de denunciados, assim como para viabilizar que os fatos imputados sejam apurados com a devida celeridade, pelo que requer, com fundamento no artigo 80 do Código de Processo Penal, o desmembramento do feito, com autuação em apartado das cópias dos volumes que contêm os fatos referentes aos supostos crimes financeiros e de "lavagem" de dinheiro, processando-os em separado daqueles relacionados às supostas fraudes na licitação para a construção da obra do Metrô de Salvador, sobre os quais, também, na mesma ocasião (29.05.2009), ofereceu denúncia em separado.

Assim, considerando a atual fase das investigações policiais, não verifico qualquer empecilho ao desmembramento do Inquérito Policial já que não se vislumbra, com tal medida, a possibilidade de eventual frustração à obtenção de provas essenciais aos esclarecimentos dos demais fatos ainda a serem apurados.

Além disso, o processamento em separado é aconselhável porquanto o Inquérito Policial nº 2009.61.81.004839-9 ainda não está inteiramente concluído, tendo, na esteira do pedido formulado pelo órgão ministerial, retornado ao Departamento de Polícia Federal para continuidade das apurações em relação a fatos distintos e sobre os quais ainda entende, para formação de sua "opinio delicti", necessários maiores esclarecimentos.

De sorte que tem inteira aplicação a regra do artigo 80 do Código de Processo Penal a autorizar a separação dos processos quando o magistrado a reputar conveniente para viabilizar que os fatos denunciados tenham uma apuração mais célere e eficaz, sem qualquer conturbação ("ou por outro motivo relevante"), desde que em estrita observância ao devido processo legal e assegurada a ampla defesa."

A denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal foi recebida em 18 de junho de 2006 pelo MM. Juiz a quo, ocasião em que foi determinada a citação de todos os denunciados.

Os denunciados - dentre eles os ora pacientes PIETRO FRANCESCO GIAVINA BIANCHI, DARCIO BRUNATO e FERNANDO DIAS GOMES - foram devidamente citados, sendo que apenas dois deles não foram encontrados, e a ação penal em comento se encontra aguardando a apresentação de defesa preliminar.

Postos os fatos, aduzem os impetrantes que o sigilo das comunicações telefônicas não é direito absoluto, dispondo o texto constitucional sobre a possibilidade da medida excepcional, desde que cumpridas todas as exigências da Lei nº 9.296/96, o que não se verificou no caso sub examen.

Nessa esteira, alegam que o início das investigações deu-se de forma ilegal, uma vez que baseada em denúncia anônima desprovida de qualquer fundamento.


Os impetrantes sustentam a nulidade da quebra do sigilo telefônico, em síntese, sob os seguintes fundamentos:


a) está lastreada em denúncia anônima;

b) ausência de indícios razoáveis de autoria ou participação na prática criminosa;

c) o teor e a extensão da denúncia anônima são desconhecidos não constando dos autos;

d) a denúncia anônima que deu ensejo à investigação não forneceu quaisquer "detalhes", nem contém "sérias e concretas afirmações", não menciona a época dos acontecimentos, nem o endereço do autor do delito, tampouco o local dos fatos, limitando-se a falar de atividade de câmbio paralelo;

e) nenhuma diligência foi empreendida para apurar, ainda que minimamente, a veracidade das acusações apócrifas contidas na denúncia anônima;

f) a denúncia anônima, isoladamente, não pode fundamentar decreto judicial de qualquer espécie;

g) as informações advindas de denúncia anônima carecem de valor jurídico;

h) a decisão que decretou a quebra do sigilo telefônico carece de fundamentação, pois se limitou a falar em razoabilidade e proporcionalidade sem, contudo, explicar os motivos que autorizaram a medida excepcional.


Prosseguem afirmando que, ao contrário do que consta nas informações prestadas pelo impetrado, nos autos do HC nº 2009.03.00.014446-1, os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas estão restritos à denúncia anônima.

Nessa esteira, esclarecem que não foram feitas investigações preliminares antes do afastamento do sigilo telefônico, o que se verifica pelo simples fato de elas não constarem dos autos.

Ademais, embora o impetrado tenha afirmado nas informações prestadas naquele writ que "técnicas especiais de investigação - T.E.I - foram utilizadas como meios investigatórios pela equipe da Polícia Federal", verifica-se que entre a apresentação da denúncia anônima e a quebra do sigilo telefônico, não há nenhuma diligência empreendida, apenas a discussão sobre a injustificada abrangência da medida. E mais. Dizem que entre a primeira decisão e a segunda decisão que autoriza a interceptação telefônica e a nova quebra de sigilo de dados há apenas um pedido da autoridade policial para estas quebras.

Diante disso, indagam quais teriam sido os métodos especiais de investigação a que se refere o impetrado?

Doutra parte, sustentam que não pode subsistir a alegação feita pelo impetrado de que os elementos indiciários foram obtidos por meio do compartilhamento de informações constantes na "Operação Downtown", cuja autorização data de 30/07/2008, ao passo que as primeiras interceptações telefônicas no caso concreto foram determinadas em 22/01/2008 (quebra de sigilo de dados) e 13/02/2008 (interceptação de conversas), ou seja, quase seis meses depois.

Reiteram que a denúncia anônima não forneceu quaisquer detalhes, não contém sérias e concretas afirmações, limitando-se a falar de "atividade de câmbio paralelo", não tendo fornecido a época dos acontecimentos, nem o endereço do autor do delito, tampouco o local dos fatos, a demonstrar que as informações nela contidas não se revestem de valor jurídico.


Por fim, apregoam a ilegalidade da quebra do sigilo telefônico, por afronta ao artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9.296/96, bem como do pedido de interceptação telefônica e de todas as demais quebras de sigilos telefônicos que dela derivaram, as quais devem ser declaradas nulas, pelas razões a seguir aduzidas:


a) o afastamento de sigilo telefônico de qualquer natureza só pode ocorrer por prazo determinado pela lei.

b) nulidade da interceptação telefônica, pois, nos termos dos artigos 2º e 5º, ambos da Lei nº 9.296/96, o prazo da quebra de sigilo não pode exceder o prazo de quinze dias, renováveis por igual período, quando indispensável à prova e desde que observados os demais requisitos;

c) a quebra de sigilo de dados é por demais genérica, não tendo recaído sobre pessoas investigadas, mas sobre todas as pessoas que possuem telefone, por prazo indeterminado, a critério da autoridade policial;

d) falta de fundamentação da decisão que determinou o fornecimento de senhas a policiais federais permitindo que estes realizassem a quebra do sigilo de dados de pessoas não identificadas;

e) ausência de fundamentação quanto à necessidade da interceptação e da quebra do sigilo de dados telefônicos, em afronta ao artigo 93, IX, da CF;

f) as decisões que decretaram as interceptações telefônicas dos pacientes não foram capazes de demonstrar que as medidas eram o único meio de obtenção da prova; e

g) nulidade da prova obtida pela ilegal interceptação mantida por mais de 14 (quatorze) meses.


Com lentes no expendido, os impetrantes alegam ser manifesto o constrangimento ilegal a que estão sendo submetidos os pacientes pois, conforme sustentado, o procedimento investigativo é nulo.


Requerem, liminarmente, a suspensão do curso da ação penal nº 2009.61.81.006881-7 até o julgamento do presente writ e, ao final, pugnam pela concessão da ordem para que seja reconhecida a ilicitude da prova e, por consequência, a nulidade de todo o procedimento.

A impetração veio instruída com os documentos de fls. 89/923.

A liminar pleiteada foi indeferida às fls. 925/927.

Deferido o pedido de dilação de prazo, feito pelo impetrado (fls. 932/934), as informações foram prestadas às fls. 935/943 e vieram acompanhadas dos documentos de fls. 944/987.

A douta Procuradora Regional da República, Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, em seu parecer de fls. 990/1005, opinou pela denegação da ordem.

É o relatório.


Cecilia Mello
Desembargadora Federal Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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HABEAS CORPUS Nº 2009.03.00.027045-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
IMPETRANTE : CELSO SANCHES VILARDI
: LUCIANO QUINTANILHA DE ALMEIDA
PACIENTE : PIETRO FRANCESCO GIAVINA BIANCHI
: DARCIO BRUNATO
: FERNANDO DIAS GOMES
ADVOGADO : CELSO SANCHEZ VILARDI
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 6 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 2009.61.81.006881-7 6P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO: Diante da convergência da matéria, ingresso no julgamento conjunto dos HC's nº 2009.03.00.027045-4 e nº 2009.03.00.014446-1.


Funda-se a presente impetração, em síntese, na ilicitude da prova obtida por meio das interceptações telefônicas encartadas nos autos de nº 2008.61.81.000237-1, e demais provas dela decorrentes, decretando-se a nulidade da prova colhida neste procedimento e seu desentranhamento dos autos, nos termos do artigo 157 e parágrafo 1º do CPP.


PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA (AUTOS Nº 2008.61.81.000237-1). FUNDAMENTOS. DENÚNCIA ANÔNIMA. INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES.


A primeira questão posta na presente impetração diz respeito à admissibilidade da denúncia anônima, isoladamente considerada, como suficiente a ensejar a adoção de investigação e medidas constritivas tais como prisões, busca domiciliar e interceptação telefônica, dentre outras.

A validade da investigação iniciada por denúncia anônima é questão controvertida até os dias de hoje, oscilando a jurisprudência sobre a sua admissibilidade.

Entretanto, ainda que com ressalvas, a jurisprudência tem admitido a instauração de procedimento investigatório com base unicamente em denúncia anônima desde que encerre em seu bojo informações que se revistam de credibilidade e contenham informações suficientes para que a autoridade diligencie a procedência das afirmações feitas.

Não se trata de uma faculdade. Quando a notitia criminis trouxer ao conhecimento fatos revestidos de aparente ilicitude penal, o Estado tem a obrigação de apurar a procedência das afirmações feitas por meio de investigações.

Diante disso, embora a denúncia anônima não possua, por si só, força probatória, é admitida como elemento válido a desencadear as investigações necessárias ao esclarecimento de supostos crimes.


Sobre a admissibilidade da denúncia anônima, JULIO FABBRINI MIRABETE preleciona:


"(...) Não obstante o art. 5º, IV, da CF, que proíbe o anonimato na manifestação do pensamento, e de opiniões

diversas, nada impede a notícia anônima do crime ('notitia criminis' inqualificada), mas, nessa hipótese, constitui dever funcional da autoridade pública destinatária, preliminarmente, proceder com a máxima cautela e discrição a investigações preliminares no sentido de apurar a verossimilhança das informações recebidas. Somente com a certeza da existência de indícios da ocorrência do ilícito é que deve instaurar o procedimento regular."

(in "Código de Processo Penal Interpretado", p. 95, item nº 5.4, 7ª ed., 2000, Atlas)


Confira-se o entendimento da Segunda Turma deste Eg. Tribunal, verbis:


"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DA PRÁTICA DO DELITO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.

I - A autoridade policial está obrigada a investigar a eventual prática delitiva, ainda quando a informação a respeito lhe chegue por denúncia anônima. Desse modo, é legítima a instauração do inquérito policial objetivando a elucidação de fatos anonimamente relatados.

II - O inquérito policial é peça meramente informativa, de natureza administrativa, destinada tão-somente a investigar os fatos noticiados. Havendo, ao menos em tese, crime a ser apurado, não se pode trancá-lo. O seu trancamento é medida excepcional, só autorizada quando há certeza da inexistência do fato-crime ou da sua atipicidade.

III - Ordem denegada."

(HC nº 2008.03.00.005624-5, Rel: Des. Fed. Cotrim Guimarães, julgado em 15/04/2008)


Este, aliás, o entendimento dos nossos tribunais, como se vê dos julgados que trago à colação:


"CRIMINAL. HC. LAVAGEM DE DINHEIRO, SONEGAÇÃO FISCAL, CORRUPÇÃO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. OPERAÇÃO ALBATROZ. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO. PROCEDIMENTO INSTAURADO COM BASE EM INVESTIGAÇÃO DEFLAGRADA POR DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. FATOS CONTROVERTIDOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.

Hipótese em que o paciente - Presidente da Comissão Geral de Licitação do Estado do Amazonas - está sendo investigado sob a suspeita de ter participado de operações de lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, corrupção e formação de quadrilha na Administração Pública do Estado do Amazonas, condutas apuradas pela Polícia Federal na chamada "Operação

Albatroz". Não há ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações deflagradas por denúncia anônima, eis que a autoridade tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, desde que se proceda com a devida cautela, o que se revela no presente caso, pois tanto a investigação

quanto o inquérito vêm sendo conduzidos sob sigilo.

Não há que se falar em ausência de justa causa para a investigação criminal, a qual só pode ser obstada na hipótese de flagrante e inequívoca atipicidade ou impossibilidade de ser o indiciado o autor dos fatos, o que, primo oculi, não se verifica.

O contexto dos autos não permite, de plano, a conclusão de que a conduta do paciente não é suspeita, como pretende a impetração, tornando-se prematuro o trancamento do inquérito policial instaurado.

Somente após o correto procedimento inquisitorial, com a devida apuração dos fatos e provas, é que se poderá averiguar, com certeza, a tipicidade, ou não, das condutas imputadas ao paciente.

Ordem denegada."

(HC 38093/AM, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 17/12/2004) g.n.


"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. LAVAGEM DE DINHEIRO. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. NULIDADE DA PROVA. DEFICIÊNCIA DA INSTRUÇÃO. FALTA DE JUNTADA DA DECISÃO IMPUGNADA. ÔNUS QUE INCUMBIA AO IMPETRANTE. ADVOGADO CONSTITUÍDO. INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO A PARTIR DE DENÚNCIA ANÔNIMA. INFORMAÇÕES QUE CONTRARIAM ESSA TESE. DENÚNCIA ANÔNIMA QUE DEU ENSEJO TÃO-SOMENTE ÀS DILIGÊNCIAS PRELIMINARES, CUJO RESULTADO POSSIBILITOU A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO. PEDIDO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA A ORDEM.

1. É ônus do impetrante, notadamente quando advogado constituído, a instrução suficiente do writ, sob pena de não-conhecimento do pedido. Precedentes do STF e do STJ.

2. Impugnada a interceptação telefônica realizada em procedimento que culminou com o oferecimento de denúncia em desfavor dos pacientes, faz-se imprescindível a juntada de cópia da respectiva decisão aos autos para a adequada compreensão da controvérsia.

3. Mostra-se irrelevante, in casu, qualquer discussão a respeito da validade de denúncia anônima como notitia criminis, pois os elementos constantes nos autos demonstram que o inquérito policial impugnado somente foi instaurado depois da realização de diligências preliminares que resultaram na colheita de elementos mínimos de convicção sobre a suposta prática de crimes.

4. Pedido parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegada a ordem."

(HABEAS CORPUS Nº 119.702, REL: MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), julgado em 06 de fevereiro de 2009) g.n.


"PENAL. NOTITIA CRIMINIS ANÔNIMA. INQUÉRITO POLICIAL. VALIDADE.

A delatio criminis anônima, apesar de sua precariedade, deve ser objeto de investigação policial, em face da possibilidade de serem apurados elementos suficientes ao oferecimento da denúncia. Considerando a enorme incerteza em torno de suas informações, recomenda-se especial cautela no procedimento, visando a preservar o acusado de constrangimento desnecessário. Assim, mesmo que a Constituição vede o anonimato na manifestação do pensamento (art. 5º, IV), não há falar em rejeitar-se, de plano, comunicação de delito com procedência desconhecida, porque se poderia estar coarctando a pretensão punitiva do Estado em circunstância própria ao desenvolvimento de ação penal."

(HC 2148 TRF 4ª Região, Segunda Turma, DJU 02/8/2000, Rel. Juiz Élcio Pinheiro de Castro) g.n.


"PROCESSO PENAL. DENÚNCIAS ANÔNIMAS. VERIFICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA DE INFORMAÇÕES (VPI). INQUÉRITO POLICIAL.

1. É possível a instauração de inquérito policial deflagrado por denúncia anônima, desde que a persecução criminal se faça com cautela e descrição, a fim de que não prejudique pessoa inocente.

2. A delatio criminis anônima, apesar de sua precariedade, deve ser objeto de investigação policial, em face da possibilidade de serem apurados elementos suficientes ao oferecimento de denúncia.

3. No caso vertente, verifica-se a existência de duas comunicações anônimas dirigidas a DELEFAZ - Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários, tendo a Polícia quanto a uma delas se distanciado das diretrizes legais, vez que não foi instaurado o competente inquérito policial, utilizando-se tão somente da Ordem de Missão Policial para verificação da procedência das informações. A inobservância da instauração do competente inquérito policial, em relação à primeira denúncia anônima, determinou a nulidade das informações colhidas, diferentemente do que ocorreu em relação à segunda.

4. O inquérito policial consubstancia-se no procedimento formal capaz de elucidar a existência ou não de veracidade das comunicações apócrifas a respeito da ocorrência de infrações penais e suas respectivas autorias, não sendo cabível, pois, a instauração de investigação preliminar ao inquérito policial, chamada de Verificação de procedência de informações (VPI), na medida em que esta não encontra previsibilidade em nosso ordenamento jurídico, representando, na verdade, procedimento oficioso.

5. Remessa improvida."

(RHC nº 2006.51.01513637-1, Rel: Des. Fed. Liliane Roriz, TRF 2ª Região, julgado em 11/12/2007) g.n.


Na esteira do entendimento jurisprudencial perfilhado, tenho que não há ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações deflagradas por denúncia anônima, eis que a autoridade tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, devendo, contudo, proceder com cautela.

Não diverge desse entendimento o Órgão Ministerial, como se vê do parecer ofertado, cujo excerto transcrevo:


"Desse modo, ao contrário do que alega o Impetrante, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, ainda que com reservas, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o Processo Administrativo Disciplinar, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado."


Todavia, embora a denúncia anônima seja apta a ensejar a investigação dos fatos narrados, penso que ela não tem o condão de, por si só, autorizar a adoção de medidas constritivas como a busca domiciliar, a interceptação telefônica e a quebra do sigilo de dados, para as quais se exige um mínimo razoável de indícios de atividade criminosa.


É esse o teor da Lei nº 9.296/96, que dispõe sobre as interceptações telefônicas,, cujo artigo 2º expressamente veda a sua realização quando não houver indícios razoáveis de infração penal punida com reclusão e quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, vale dizer, meios que não se contraponham à inviolabilidade constitucionalmente assegurada, ou o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Entretanto, se mostra irrelevante a discussão a respeito da validade das medidas constritivas pois, ao contrário do sustentado pelos impetrantes, as informações prestadas pela autoridade apontada como coatora são categóricas no sentido de que os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas não estão adstritos à denúncia anônima, tendo se pautado, também, em elementos concretos, colhidos através de investigações preliminares realizadas pela Unidade de Análise e Inteligência da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros - DELFIN que apontaram para existência de organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e eventuais crimes de "lavagem" de valores, bem como no compartilhamento de informações constantes na Operação "DOWNTOWN", em trâmite na 2ª Vara Federal Criminal/SP.

Por serem esclarecedoras, transcrevo trechos das informações prestadas: fls. 937 e ss.


"Vale novamente registrar que os elementos que embasaram o início da interceptação das comunicações telefônicas não estiveram adstritos tão somente à denúncia anônima, mas bem ainda a indícios obtidos a partir de investigações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de polícia federal (fl. 31).

Assim, houve por bem aquele órgão envolvido na apuração comprovar, ao menos, parte das informações trazidas a fim de satisfazer a um imperátivo inafastável consubstanciado na necessidade ético-jurídica de sempre fazer prevalecer, no processo penal, a verdade real, ainda que essa apuração tenha se iniciado por tal meio.

Acrescente-se que os indícios inicialmente relatados na denúncia anônima puderam também ser colhidos a partir do deferimento da quebra de sigilo telefônico e das comunicações havidas por telefone (inclusive por meio ambiental), bem ainda por intermédio do monitoramento de endereços eletrônicos (interceptação telemática) levados a efeito em face do indivíduo KURT PAUL PICKEL e dos demais indivíduos que a ele se interligariam na suposta consecução de atividades ilícitas.

Assim, a denúncia inicial ora combatida mostrou-se supostamente eficaz, na medida em que permitiu a colheita de elemnetos suficientemente hábeis à deflagração da Operação Castelo de Areia.

.........................................

Nesse passo, vale registrar que muito embora a interceptação telefônica seja um meio investigativo eficaz, para que este recurso seja empregado faz-se necessária a existência de uma investigação policial que o anteceda, o que, in casu, ocorreu, tendo em vista a existência de denúncia anônima e de apuração preliminar levada e efeito pela autoridade policial, de modo que, em nenhum momento a interceptação telefônica foi utilizada como início de procedimento investigativo.

.........................................

Os elementos indiciários igualmente restaram obtidos por meio do compartilhamento de informações constantes na Operação "DOWNTOWN", em trâmite na 2ª Vara Federal Criminal/SP, também especializada em crimes financeiros e em "lavagem de dinheiro".

Consigne-se que a interceptação telefônica atinente à Operação CASTELO DE AREIA já estava em andamento quando da autorização por aquele juízo para o compartilhamento das informações." (g.n.)


De igual sorte, cópia da representação policial pela interceptação telefônica (fls. 120/123) também nos leva a crer que o procedimento não foi instaurado apenas em função da denúncia anônima em questão, mas sim por outros elementos de convicção. Naquela representação, o Delegado de Polícia Federal foi claro ao afirmar a existência de investigações preliminares.

Forçoso concluir que os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas não estão restritos à denúncia anônima, e devem estar lastreados em indícios obtidos a partir de investigações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de Polícia Federal e, por meio do compartilhamento de informações constantes na "Operação Downtown", em trâmite perante o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo-SP, conforme informado pela I. autoridade impetrada, bem como pelo Ministério Público Federal e, ainda, pelo relatório da Polícia Federal.

Cabe advertir que, assentada essa premissa, deparei-me com questão relevante que, no meu sentir, sobrepõe-se à questão da validade da investigação iniciada ou não unicamente por denúncia anônima, consistente na EXISTÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES das quais, nem os impetrantes, advogados constituídos, nem os pacientes, e até mesmo esta relatora, até hoje, tiveram acesso.


Aliás, tampouco esta relatora teve acesso a tais investigações preliminares, as quais, não obstante terem sido referidas nas informações prestadas pelo Magistrado impetrado, aos autos não foram enviadas.


Um exame detido das razões da impetração, instruída com cópia integral do procedimento de interceptação telefônica, revela que a autorização para o compartilhamento de informações data de 30/07/2008, ao passo que as primeiras interceptações telefônicas no caso concreto foram determinadas em 22/01/2008 (quebra de sigilo de dados) e 13/02/2008 (interceptação de conversas), ou seja, quase seis meses depois.

Afigura-se incontroverso, pois, que a interceptação telefônica atinente à Operação Castelo de Areia já estava em andamento quando da autorização do Juízo da 2ª Vara Criminal para o compartilhamento das informações, conforme restou amplamente comprovado.


Portanto, a afirmação de que os elementos indiciários foram obtidos por meio do compartilhamento de informações constantes na "Operação Downtown", em que se logrou apurar que a Camargo Correa já vinha adotando a prática de utilizar-se de serviços de doleiros para remeter divisas para fora do país, não encontra amparo nos autos.

Em segundo lugar, depreende-se dos autos que entre a apresentação da denúncia anônima e a quebra do sigilo telefônico, não há nenhuma diligência empreendida, apenas a discussão sobre a injustificada abrangência da medida.

De igual sorte, verifico que entre a primeira e a segunda decisão que autorizam a interceptação telefônica e a nova quebra de sigilo de dados há apenas um pedido da autoridade policial para estas quebras.

Este fatos demonstram, em tese, que as investigações preliminares consistentes em diligências empreendidas para apurar a denúncia anônima não foram juntadas aos autos, a evidenciar que tanto os réus, como os seus advogados não tiveram acesso a elas.

Assiste, portanto, razão aos impetrantes quando indagam acerca das investigações preliminares que teriam embasado o procedimento de interceptação telefônica, cuja juntada aos autos não ocorreu.

É fato inegável que o procedimento investigatório não é informado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa. É certo , também, que sempre que contrapostos, o interesse público deve ficar acima do interesse privado, sem que isso signifique, necessariamente e sempre, uma violação de direitos.

Contudo, hodiernamente prevalece a orientação de que devem ser conciliados os interesses da investigação e o direito à informação do investigado e, conseqüentemente, de seu advogado, a fim de salvaguardar as suas garantias constitucionais.

Nesse particular, na esteira do entendimento firmado pelo STF, esta Corte tem assegurado a amplitude do direito de defesa em sede de inquéritos policiais em especial no que diz respeito ao exercício do contraditório e ao acesso de dados e documentos já produzidos no âmbito das investigações criminais.

É inquestionável, pois, o direito de acesso aos autos, tanto do investigado, como de seu advogado.


Tal posicionamento, contudo, ressalva os procedimentos que, por sua própria natureza, não dispensem o sigilo, sob pena de ineficácia da diligência investigatória, hipótese em que o acesso deverá ser assegurado em relação às informações já introduzidas nos autos.


Confira-se:


"CRIMINAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E A ORDEM TRIBUTÁRIA. AUTOS DE INQUÉRITO POLICIAL CONDUZIDOS SOB SIGILO, DECRETADO JUDICIALMENTE. CONCILIAÇÃO ENTRE OS INTERESSES DA INVESTIGAÇÃO E O DIREITO À INFORMAÇÃO DO INVESTIGADO. SIGILO DAS INVESTIGAÇÕES INCOMPATÍVEL COM AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO INDICIADO, NO CASO CONCRETO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RESSALVA DOS PROCEDIMENTOS QUE NÃO PRESCINDEM DO SIGILO. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. A partir da interpretação do artigo 20 do Código de Processo Penal e do artigo 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), devem conciliar-se os interesses da investigação e o direito à informação do investigado e, conseqüentemente, de seu advogado, a fim de salvaguardar as suas garantias constitucionais.

2. O direito do investigado, por seus patronos, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, ressalvando-se que tal determinação não se dirige aos atos e a documentos que não digam respeito ao interessado, resguardados pelo sigilo em favor de terceiros, a exemplo de operações bancárias e informações fiscais, bem como diligências em andamento que possam ser prejudicadas, ainda que relativas ao próprio investigado, tais como interceptações telefônicas, medidas de busca e apreensão e de prisão, ou mesmo àquelas que, pela sua própria natureza não prescindem do sigilo, sob pena de se tornarem medidas ineficazes. Entendimento das Cortes Superiores.

3. Segurança concedida, com ressalvas."

(HC nº 2008.03.00.003412-2, Relator Des. Fed. Henrique Herkenhoff, julgado em 27/05/2008) g.n.


O entendimento proclamado está em conformidade com a orientação firmada pelo Colendo STF, que erigiu a Súmula Vinculante nº 14, em 02/02/2009, verbis:


"É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa."


Consigno, por oportuno, que o acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos da persecução penal, decorre igualmente do princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova segundo o qual a prova é comum, ou seja, estando no processo, ela pertence a todos os sujeitos processuais.


Com efeito, o princípio da comunhão da prova, estabelece situação de igualdade das partes na relação jurídico-processual, de forma a possibilitar ao que sofre persecução penal, ainda que tramite em regime de sigilo, o conhecimento do acervo probatório coligido nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse.

Sobre a questão é o magistério de PAULO RANGEL:


"A palavra comunhão vem do latim 'communione', que significa ato ou efeito de comungar, participação em comum em crenças, idéias ou interesses. Referindo-se à prova, portanto, quer-se dizer que a mesma, uma vez no processo, pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante ter sido levada apenas por um deles.(...).

("Direito Processual Penal", p. 411/412, item nº 7.5.1, 8ª ed., 2004, Lumen Juris)


Assegura-se, portanto, à pessoa investigada, por meio de seu patrono constituído, o acesso aos elementos probatórios que já tenham sido levados aos autos da investigação penal, como indícios, fundamentos e/ou informações, os quais deverão ser efetivamente introduzidos no processo, ainda que em apenso aos autos principais.

O entendimento proclamado não significa negar à autoridade que conduz o procedimento investigatório a possibilidade de impor o sigilo ao inquérito policial quando necessário à elucidação dos fatos ou quando exigido pelo interesse da sociedade, conforme preceitua o artigo 20 do CPP.

O que não se pode admitir é que findas as investigações e, portanto, sem possibilidade de comprometimento da sua eficácia, e uma vez deflagrada a ação penal, os réus não tenham conhecimento da prova produzida.

Negar aos réus o acesso às informações coligidas, cuja influência no convencimento do Julgador se mostra inquestionável, constitui manifesta violação do direito ao contraditório e à ampla defesa, assegurados pelo artigo 5º, inciso LV, da CF.

Confira-se, sobre o tema, excerto de relevante precedente do Colendo STF:


"3. Se o sigilo, previsto no art. 20 do Código de Processo Penal, serve à investigação do fato aparentemente criminoso e, ao mesmo tempo, tende a prevenir o sensacionalismo e a preservar a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra das pessoas envolvidas na apuração, é não menos certo que não pode ser oposto ao indiciado, ou suspeito, nem ao defensor, sobretudo no que se refere aos atos instrutórios.

O "sigilo não pode atingir o acusado nem seu defensor, no que toca aos atos de instrução realizados no curso do inquérito policial" (SAAD, Marta. 'O direito de defesa no inquérito policial'. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 340)

A juntada de documentos é, ninguém duvida, ato instrutório definitivo, de inegável importância, que pode ser praticado já na fase preparatória da 'persecutio criminis'. Juntado, o documento submete-se ao princípio da comunhão da prova.

A persecução penal, nessa primeira fase, compõe-se de atos de investigação e atos de instrução. Quem investiga "só rastreia" (PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Breves notas sobre o Anteprojeto de Lei, que objetiva modificar Código de Processo Penal, no atinente à investigação policial. In: SHECAIRA, Sérgio Salomão (Org.) 'Estudos Criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva': criminalista do século. São Paulo: Método, 2001, p. 344), pesquisa, indaga, segue vestígios e sinais, busca informações para elucidação de um fato.

Uma vez documentada a diligência, passa-se da investigação à instrução, que pode dar-se mediante atos transitórios - suscetíveis de ser renovados - ou definitivos, como é o caso da juntada de documentos, os quais se incorporam ao bojo de eventual ação penal (FREIRE, Ranulfo Melo. 'Valor probatório do inquérito policial'. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, ano I, nº 1, número especial de lançamento, p. 133-8, jan-mar. 1993, p. 136. TOVO, Paulo Cláudio. 'O inquérito policial em sua verdadeira dimensão'. AJURIS - Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, ano 22, nº 63, mar. 1995, p. 321. AZEVEDO, Noé. 'As garantias da liberdade individual em face das novas tendências penais'. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1936, p. 172-173 e 192-193) e, salvo falsidade, escusam repetição.

É este cunho de definitividade inerente a certos atos que exige garantia ao exercício do direito de defesa já na fase preliminar da persecução penal (MENDES DE ALMEIDA, Joaquim Canuto. 'Processo penal, ação e jurisdição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 187) : "diante da prática de atos de instrução de caráter definitivo, que não mais se repetem, deve-se reconhecer a possibilidade de exercício do direito de defesa no inquérito policial" (SAAD, Marta. 'O direito de defesa no inquérito policial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 366).

4. Há, é verdade, diligências que devem ser sigilosas, sob risco de comprometimento do seu bom sucesso. Mas, se o sigilo é aí necessário à apuração e à atividade instrutória, a formalização documental de seu resultado já não pode ser subtraída ao indiciado nem ao defensor, porque, é óbvio, cessou a causa mesma do sigilo.

Noutras palavras, guarda-se sigilo somente quanto aos atos de investigação, assim na deliberação, como na sua prática (art. 20 do CPP).

Os atos de instrução, enquanto documentação dos elementos retóricos colhidos na investigação, esses devem estar acessíveis ao indiciado e ao defensor, na qual não deixam de situar-se o indiciado e o investigado mesmo, o direito de defesa.

O sigilo aqui, atingindo a defesa, frustra-lhe, por conseguinte, o exercício.

E não são poucas as normas infraconstitucionais que põem o defensor a salvo do sigilo eventualmente decretado à persecução penal.

A Lei nº 8.906/94 - Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - preceitua, no art. 7º, inc. XIV, que "são direitos do advogado examinar, em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontados".

Note-se que a norma abrange os autos de flagrante. Logo, o direito subjetivo é assegurado também no caso de não ter sido ainda instaurado formalmente o inquérito. De modo que quem dirige atos da primeira fase da persecução não pode vedar ao defensor do acusado vista dos autos, assim para tomar apontamentos, como para extrair cópias.

(HC nº 88.190/RJ, Relator Ministro Cezar Peluso, julgado em 29.08.2006)

Nesse aspecto, cumpre destacar que até mesmo em hipótese de delação premiada, o caráter sigiloso cinge-se ao acordo celebrado com o réu colaborador e não às declarações incriminadoras, sob pena de se tornar possível a condenação de alguém com base em "prova secreta".

Em outras palavras, o corréu delatado tem o direito de conhecer os fatos incriminadores que lhe são atribuídos pelo réu delator, a evidenciar que a delação não pode ser ocultada.

Nesse sentido, é o julgado de relatoria do eminente Juiz Federal Márcio Mesquita, da Primeira Turma deste Eg. Tribunal, assim ementado:


"CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESMEMBRAMENTO DA AÇÃO PENAL. DECRETAÇÃO DE SIGILO. VEDAÇÃO DE ACESSO AOS AUTOS FORMADOS DO DESMEMBRAMENTO A CORRÉU: DESCABIMENTO. PRETENSÃO DE CORRÉU DE QUE SEJA CERTIFICADA A EXISTÊNCIA DE ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA, SEUS TERMOS E CONDIÇÕES: DESCABIMENTO. SIGILO QUE NÃO OFENDE O DIREITO A AMPLA DEFESA DOS CORRÉUS. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DO MAGISTRADO: MATÉRIA INCABÍVEL DE EXAME NA VIA ELEITA.

1. Habeas Corpus impetrado contra ato que "...negou aos pacientes informações sobre possíveis 'acordos (ilegais) de delação premiada', de colaboração processual com 'testemunhas' e acesso aos autos de processos relativos às pessoas expressamente mencionadas na denúncia como partícipes ou co-autoras dos delitos aos pacientes imputados nos autos da Ação Penal n. 2005.61.81.007578-6."

2. Não há óbice ao julgamento desta impetração. Em primeiro lugar, porque o objeto do habeas corpus em trâmite no Superior Tribunal de Justiça diz respeito apenas ao requerimento de realização do interrogatório dos co-réus CARLOS e ALEXANDER no país de residência (Suíça). Em segundo lugar, porque a solução da presente impetração não implica na determinação de prática de nenhum ato processual na ação penal que se encontra suspensa por ordem do Superior Tribunal de Justiça.

3. A problemática do caráter sigiloso do acordo de réu colaborador, ou acordo de delação premiada, deve ser analisada sob duplo aspecto: por primeiro, o sigilo da própria existência do acordo e de seus termos; e em segundo lugar, o sigilo do conteúdo das declarações prestadas.

4. O caráter sigiloso das medidas de proteção à testemunhas, vítimas e réus colaboradores é estabelecida no §5º do artigo 2º da Lei nº 9.807/99. Dessa forma, tanto a própria existência do acordo de delação premiada quanto os termos e condições em que foi celebrado interessam somente ao réu colaborador, ao órgão da Acusação e ao Juízo.

5. A aceitação do acordo, os seus termos, e o seu cumprimento pelo réu colaborador têm influência apenas na aplicação da sanção penal, em nada afetando o direito de defesa dos supostos delatados, posto que não constituem prova que possa ser utilizada contra os corréus.

6. Se as declarações do réu delator servirão como prova, e terão influencia no convencimento do Julgador, não há como negar o direito de acesso dos acusados, sob pena de frontal violação ao direito ao contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, assegurado pelo artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal.

7. Entendimento contrário, ou seja, admitir-se a legalidade de sigilo dos depoimentos incriminadores corresponderia a dar foros de validade e possibilitar a condenação de alguém com base em "prova secreta".

8. É certo que, admitida a necessidade de acesso dos réus delatados às declarações incriminadoras feitas pelo réu delator, a questão quanto ao sigilo da existência do acordo de delação premiada perde um pouco de sua substância. Por óbvio, se não se pode negar o acesso do réu delatado às declarações incriminadoras feitas pelo réu delator, é certo que a existência da própria delação não pode ser ocultada. Assim, restará, no caso de necessidade de preservação da integridade do delator, diante de coações ou ameaças, a adoção das medidas de proteção previstas na Lei nº 9.807/99, da mesma forma adotada com relação às testemunhas ou vítimas.

9. É de ser reconhecido o direito de acesso da Defesa dos pacientes aos autos da ação penal resultante do desmembramento. O panorama fático que ensejou a propositura da demanda é o mesmo em ambos os processos. É dizer, os fatos delituosos imputados aos pacientes estão entrelaçados pois, conforme se depreende da denúncia e aditamento, o esquema noticiado de remessa de valores ao exterior, à margem do sistema financeiro nacional, bem assim, a suposta prática de lavagem de dinheiro, tem como ponto de interligação o escritório de representações do banco suíço em São Paulo.

10. Acrescente-se que o Ministério Público Federal imputa aos pacientes o delito de formação de quadrilha, cuja configuração pressupõe a união com vínculo duradouro e estabilidade de ao menos quatro pessoas, imbuídas da intenção de praticar infrações penais. Nessa linha o agir de um corréu - quadrilheiro - estaria intimamente atrelado ao agir de outro, dada a imputação de associação prévia e planejada entre eles, com o fim de praticar crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro.

11. Ainda que exista eventual acordo de delação premiada, a determinação de acesso aos autos desmembrados não significa quebrar o sigilo acerca da existência e dos termos e condições de eventual acordo, posto que eventual acordo, se realizado, seria feito em autos apartados da ação penal resultante do desmembramento, até como forma de viabilizar a preservação do sigilo.

12. Ao assegurar o direito de acesso da Defesa do paciente aos autos da ação penal resultante do desmembramento, não se está inviabilizando o instituto da ação premiada, mas apenas e tão somente assegurando o exercício do direito à ampla defesa dos demais corréus.

13. Ainda que assim não se entenda, no conflito entre o direito à ampla defesa, que no caso concreto, implica em direito de acesso aos autos da ação desmembrada, e eventuais dificuldades práticas com relação à operacionalização da delação premiada, não há dúvidas em dar prevalência ao direito de ampla defesa.

14. O processo penal, do ponto de vista histórico, surge como uma limitação ao exercício do poder do Estado, e as limitações ao poder de punir são obviamente instituídas em favor do réu. Do lado oposto, o réu colaborador é colaborador do Estado, no exercício do poder de punir. Não se olvida a necessidade de dar efetividade à repressão criminal e garantir a segurança dos cidadãos e da sociedade, mas essa efetividade não se pode dar às custas do direito à ampla defesa.

15. O pedido de reconhecimento de impossibilidade da Autoridade impetrada permanecer à frente da ação penal¸ não comporta exame em sede de habeas corpus, pois, não há elementos nos autos suficientes à análise da questão.

16. Um dos objetos da impetração é justamente a obtenção de acesso aos autos da ação penal resultante do desmembramento, e não há, nestes autos, sequer cópia da sentença que teria sido nela proferida. Dessa forma, não há como fazer conjecturas acerca da aplicação de causa de diminuição de pena em razão da delação premiada, de qual seria o seu fundamento e, fundamentalmente, quem seria o Juiz prolator. A insurgência dos impetrantes contra eventual imparcialidade somente pode ser dirigida contra o Juiz, se for o caso, e pelas vias adequadas, mas não pode ser dirigida contra o Juízo."

(HC nº 2009.03.00.013589-7, Rel: Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita, julgado em 25/08/2009)


Colhe-se do julgado que a Primeira Turma deste Eg. Tribunal, por votação unânime, concedeu em parte a ordem para garantir à Defesa dos pacientes o acesso aos autos da ação penal nº 2008.61.81.010818-5, resultante do desmembramento da ação penal nº 2005.61.81.007578-6, bem com a declarações efetuadas por corréus, referentes aos pacientes, mas não quanto à existência, termos e condições de eventuais acordos de delação premiada.

Assentado o direito ao acesso dos réus delatados às declarações incriminadoras, com muito mais razão não é possível obstar-lhes o acesso às investigações preliminares que deram ensejo à deflagração do procedimento de interceptação.


Cabe assinalar, neste ponto, à luz do caso concreto, que há ação penal em curso, não se justificando eventual impedimento ao acesso amplo dos diversos elementos probatórios já produzidos nos autos da persecução penal e, portanto, a estes devem formalmente ser incorporados.

A existência de investigações, dados e informações que não constam dos autos, foi noticiada pela própria autoridade impetrada que, ao prestar as necessárias informações o fez de duas formas: uma delas por meio dos ofícios que se encontram juntados aos autos; e outra, por meio de ofício sigiloso, onde requereu que o mesmo não fosse juntado aos autos.

O primeiro ofício sigiloso enviado pelo magistrado foi ao mesmo devolvido, sem que cópia permanecesse arquivada junto a este Tribunal. O segundo deles encontra-se juntado aos autos, em envelope lacrado e por mim rubricado, sendo que seu conteúdo traz tudo quanto do primeiro já constava, porém de forma mais detalhada.

Esclareço que cópia do referido ofício foi encaminhada ao MPF, conforme comprovação já constante dos autos.

Repito, as informações prestadas dão conta da existência e extensão das investigações preliminares aqui questionadas, sem, contudo, apresentarem qualquer dado concreto sobre as mesmas.


Portanto, é imperioso que as investigações preliminares levadas a cabo pela Polícia Federal sejam juntadas aos autos, dada a sua imprescindibilidade para a aferição do valor jurídico da denúncia anônima e das provas que dela derivaram e para assegurar a amplitude do direito de defesa.


Ante o exposto, concedo em parte a ordem, para garantir aos pacientes, por intermédio de seus Advogados regularmente constituídos, o direito de acesso a todas as investigações preliminares, concomitantes, ou mesmo posteriores ao procedimento de interceptação telefônica, e que aos mesmos digam respeito, determinando a sua pronta vinda aos autos.

Para tanto, determino a publicidade imediata dos documentos que, lacrados, se encontram juntados aos autos. Prejudicado, por ora, o exame das demais questões suscitadas na presente impetração, considerando-se que a legalidade das mesmas somente poderá ser aferida frente ao novo quadro processual que se delineará com a juntada aos autos das mencionadas investigações e amplo conhecimento dos réus/investigados e seus respectivos advogados.


É o voto.



Cecilia Mello
Desembargadora Federal Relatora


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