Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/06/2015
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0010462-40.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.010462-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA
AUTOR(A) : MARIA APARECIDA MANCUSO MUNHAES
ADVOGADO : SP072136 ELSON BERNARDINELLI
RÉU/RÉ : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 07.00.00018-6 1 Vr URANIA/SP

EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGO 485, INCISOS V, VII E IX. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. PRETENSÃO DE NOVA ANÁLISE DO CASO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. DOCUMENTO NOVO INCAPAZ, POR SI SÓ, DE ASSEGURAR PRONUNCIAMENTO FAVORÁVEL À PARTE AUTORA. INOCORRÊNCIA DE ERRO DE FATO.
- Insubsistência do pleito veiculado em contestação de condenação da autora como litigante de má-fé, porquanto "ao propor esta ação, tão-somente fez uso do previsto no artigo 485 do Código de Processo Civil para impugnar decisão judicial que, a seu ver, viola texto de lei. Assim, não resta configurada a litigância de má-fé, na forma do disposto no artigo 17 do Código de Processo Civil" (AR 0046245-69.2008.4.03.0000, rel. Desembargadora Federal Daldice Santana, e-DJF3 de 20.8.2012).
- O acórdão rescindendo não incorreu em ofensa alguma, enquadrando-se perfeitamente, o caso concreto, nas balizas estabelecidas na Lei 8.213/91 e em parâmetros seguidos na apreciação de recursos no âmbito das turmas previdenciárias deste Tribunal.
- A rescisória não se confunde com nova instância recursal, exigindo-se que o posicionamento seguido desborde do razoável, agredindo a literalidade ou o propósito da norma, não servindo à desconstituição, com fulcro no inciso V do artigo 485 do CPC, a veiculação de pedido com base em mera injustiça ou má apreciação das provas.
- Em razão das condições desiguais vivenciadas no campo, ao rurícola permite-se o manuseio, como novos, de documentos preexistentes à propositura da demanda originária. Adoção de solução pro misero. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
- Não se autoriza a rescisão do julgado se, fundado o pedido na existência de documento novo, a superveniência de elementos então desconhecidos, apresentados com o fim de comprovar materialmente o exercício da atividade rural, não tem o condão de modificar o resultado do julgamento anterior.
- Inteligência do inciso VII do artigo 485 do Código de Processo Civil, que exige que o documento novo seja capaz, por si só, de garantir ao autor da demanda pronunciamento favorável.
- Houve efetivo pronunciamento judicial quanto aos documentos apresentados na demanda originária.
- Não se admite a rescisão do julgado se, fundado o pedido na ocorrência de erro na decisão, considerando-se inexistente um fato verdadeiramente ocorrido, há efetivo pronunciamento, justo ou não, sobre o conjunto probatório que acompanhou a demanda originária com o fim de comprovar materialmente o exercício da atividade rurícola.
- Inteligência do §2º do inciso IX do artigo 485 do Código de Processo Civil, que exige que o erro de fato não tenha sido objeto de apreciação judicial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar improcedente o pedido de rescisão, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de maio de 2015.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0010462-40.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.010462-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA
AUTOR(A) : MARIA APARECIDA MANCUSO MUNHAES
ADVOGADO : SP072136 ELSON BERNARDINELLI
RÉU/RÉ : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 07.00.00018-6 1 Vr URANIA/SP

RELATÓRIO

A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). Ação rescisória proposta em 7.5.2013 com base nos incisos V, VII e IX do artigo 485 do Código de Processo Civil, objetivando a desconstituição de pronunciamento monocrático da lavra da Desembargadora Federal Leide Polo (7ª Turma), passado em julgado em 12.8.2011 (fl. 74), que deu provimento a recurso de apelação interposto pelo INSS contra sentença que acolhera pedido de concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural, reformando-se-a para reconhecer a improcedência da pretensão originária, porquanto "à vista dos documentos anexados aos autos, a autora não faz a demonstração do exercício de atividade laborativa, sob o alegado regime de economia familiar" (fl. 70, verso).

Alega-se que "foi violada literal disposição de lei, eis que a autora sempre exerceu atividade rurícola em regime de economia familiar em primeiro momento como segurado especial permanecendo até a data de hoje, cumprindo assim a carência do artigo 142 e preenchendo o requisito do artigo 143, todos da Lei 8.213/91" (fl. 17).

Sustenta-se, também, a existência de documento novo bastante à modificação do julgado, a saber, "partes principais do processo de aposentadoria do Sr. DELVO MUNHAES (marido da autora) digitado sob n. 585/2007, que tramitou pela Única Vara Cível da Comarca de Urânia-SP, o qual recebeu no TRF3 o n. 0025314-21.2008.4.03.9999/SP (antigo 2008.03.99.025314-1/SP), e concedeu o benefício rural de aposentadoria por idade ao autor" (fl. 05).

Aduz-se, ainda, "que ocorreu erro de fato, pois que naquele processo do marido, os mesmos documentos foram reconhecido o direito a aposentadoria, cujo acórdão transitou em julgado em 15.04.2011" (sic, fl. 09).

Requer-se "seja a presente ação julgada procedente para desconstituir a decisão rescindenda, na forma exposta acima, para que nova decisão seja proferida, restabelecendo o direito da autora de aposentadoria por idade rural na qualidade de segurado especial em regime de economia familiar" (fl. 21).

Sucessivos despachos sucederam-se, in verbis (fls. 104, 112, 117, 140, 144 e 148):


"Vistos.
Intime-se a parte autora a fim de que traga, no prazo de 15 (quinze) dias, cópias de documentos constantes da demanda originária que interessam ao presente feito ausentes neste processado, especialmente dos elementos encartados a título de início de prova material e dos depoimentos prestados pessoalmente e pelas testemunhas, bem como esclareça os fundamentos do pleito de desconstituição formulado com base na hipótese do inciso VII do artigo 485 do diploma processual, sobretudo à luz do acórdão da 8ª Turma desta Corte, resultante da apreciação da Apelação Cível nº 2003.03.99.033004-6 (nº de origem 0200000495, 1ª Vara de Urânia), de relatoria da Desembargadora Federal Marianina Galante, cujo inteiro teor do julgado ora determino a juntada.
São Paulo, 10 de maio de 2013."

"Fls. 109/110, pedido de 'dilação de prazo por mais 30 (trinta) dias para juntada dos documentos solicitados na publicação de 16.05.2013, haja vista que, requereu o desarquivamento dos autos na Justiça Estadual para fins de extração das cópias solicitadas e, por questões burocráticas até a presente data não ocorreu': defiro, conforme requerido.
São Paulo, 21 de junho de 2013."

"Fls. 113/115, pedido para que 'seja prorrogado o prazo para mais 30 (trinta) dias após o vencimento do já concedido', porquanto 'o desarquivamento dos autos na Justiça Estadual deverá ocorrer após dia 12/08/2013, conforme documentos fornecidos por aquele Cartório de Ofício': defiro, impreterivelmente, pelo prazo requerido, sob pena de rejeição liminar da presente demanda.
Publique-se.
São Paulo, 19 de agosto de 2013."

"Reitere-se a intimação de fl. 104, a fim de que seja dado cumprimento à determinação para que a parte autora esclareça os fundamentos do pleito de desconstituição baseado no inciso VII do artigo 485 do CPC ante o acórdão da 8ª Turma desta Corte resultante da apreciação da Apelação Cível nº 2003.03.99.033004-6 (nº de origem 0200000495, 1ª Vara de Urânia), de relatoria da Desembargadora Federal Marianina Galante, sob pena de indeferimento da petição inicial da presente rescisória.
São Paulo, 26 de setembro de 2013."

"Vistos.
Providencie a autora a vinda de cópia integral do feito em nome de seu marido de reg. nº 2003.03.99.033004-6 (nº de origem 0200000495, 1ª Vara de Urânia), tramitado no Tribunal sob relatoria da Desembargadora Federal Marianina Galante.
São Paulo, 13 de dezembro de 2013."

"Fls. 145/146, pedido de 'dilação do prazo mais 30 (trinta) dias após o vencimento deste, pois que, o processo encontra-se arquivado e, depende de tramite do pedido de desarquivamento e autorização para cópias do Tribunal Estadual': defiro, conforme requerido.
São Paulo, 05 de fevereiro de 2014."

Promovida pela autora, às fls. 153/486, a juntada "de cópia do processo de aposentadoria por idade rural de seu esposo Sr. Delvo Munhaes, digitado no TJSP sob n. 646.01.2002.000231-8/000000-000 e recebeu o n. atual no CNJ 0000231-64.2002.8.26.0646, que tramitou pela Única Vara Cível da Comarca de Urânia-sp., e recebeu nesse TRF3 o n. 2003.03.99.033004-6 (íntegra do processo em 2 volumes). O pedido foi julgado improcedente nesse Tribunal, conforme acórdão de fls. 307/314, com argumentos diversos, exclusivamente, impondo o tamanho da propriedade e o volume da produção" (fl. 151).

Deferidos, à fl. 490, os benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 4º da Lei nº 1.060/50, dispensando-se a requerente do depósito a que alude o inciso II do artigo 488 do Código de Processo Civil.

Contestação às fls. 494/498, alegando-se, preliminarmente, a carência do direito de ação, e, no mérito, pugnando pela improcedência do pedido, batendo-se, ainda, pelo reconhecimento da litigância de má-fé da parte autora, a qual "deliberadamente omitiu fato relevante para o deslinde da questão, tentando induzir em erro, este Juízo, porquanto nada aduziu acerca da coisa julgada, conforme provimento de improcedência nos autos 495/2002, Comarca de Urânia/SP, ajuizada em 14/10/2002, nº CNJ-0033004-77.2003.4.03.9999, onde foi decidido que seu marido não era trabalhador rural em regime de economia familiar, uma vez que é proprietário de dois imóveis rurais, que totalizam considerável extensão, bem como possui cadastro no sistema Dataprev como empresário, desde 1995".

Instada a se pronunciar sobre a resposta (fl. 500), Maria Aparecida Mancuso Munhaes redargüiu (fls. 501/507), reiterando os termos de sua pretensão.

Por força de decisão que restou irrecorrida (fls. 509/513), indeferiu-se o pedido de antecipação dos efeitos da tutela e encaminhou-se, outrossim, o julgamento conforme o estado do processo, por se tratar de matéria unicamente de direito, desnecessárias tanto a produção de outras provas quanto a abertura de vista às partes para razões finais.

A Procuradoria Regional da República opinou "pelo provimento da presente ação rescisória" (fls. 515/520).

É o relatório.

À revisão.


THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0010462-40.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.010462-4/SP
RELATORA : Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA
AUTOR(A) : MARIA APARECIDA MANCUSO MUNHAES
ADVOGADO : SP072136 ELSON BERNARDINELLI
RÉU/RÉ : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 07.00.00018-6 1 Vr URANIA/SP

VOTO

A Desembargadora Federal THEREZINHA CAZERTA (Relatora). A aventada carência de ação argüida em contestação, baseada na assertiva de que "a pretensão autoral é o reexame dos fatos da causa, da matéria de prova, utilizando-se da ação rescisória como sucedâneo recursal, o que é incabível" (fl. 494, verso), exige, de fato, o exame minucioso dos argumentos expendidos na exordial, dizendo respeito, na verdade, ao mérito do pedido, confundindo-se com o iudicium rescindens propriamente dito, razão pela qual será com ele verificada.

Igualmente insubsistente, por sua vez, o requerimento também veiculado na resposta do INSS de condenação da autora como litigante de má-fé, pois, afinal, "ao propor esta ação, tão-somente fez uso do previsto no artigo 485 do Código de Processo Civil para impugnar decisão judicial que, a seu ver, viola texto de lei (além de fundamentá-la na existência de documento novo e ocorrência de erro de fato, na hipótese dos autos). Assim, não resta configurada a litigância de má-fé, na forma do disposto no artigo 17 do Código de Processo Civil" (AR 0046245-69.2008.4.03.0000, rel. Desembargadora Federal Daldice Santana, e-DJF3 de 20.8.2012).

Superada a matéria preliminar, presentes as condições da ação e devidamente compreendida a causa de pedir no rol de hipóteses taxativamente previstas na lei (Código de Processo Civil, artigo 485), passo a analisar se o caso é de desconstituição do julgado.

Para a maciça doutrina processual, violar literal disposição de lei significa desbordar por inteiro do texto e do contexto legal, importando flagrante desrespeito à lei, em ter a sentença de mérito sido proferida com extremo disparate, completamente desarrazoada.

José Frederico Marques refere-se a "afronta a sentido unívoco e incontroverso do texto legal" (Manual de Direito Processual Civil, vol. III, Bookseller, 1ª edição, p. 304). Vicente Greco Filho, a seu turno, leciona que "a violação de lei para ensejar a rescisória deve ser frontal e induvidosa" (Direito Processual Civil Brasileiro, 2º vol., Saraiva, 5ª edição, p. 385). Também Ada Pellegrini Grinover (obra citada), ao afirmar que a violação do direito em tese, para sustentar a demanda rescisória, há de ser clara e insofismável.

Ainda, a respeito, a anotação de THEOTONIO NEGRÃO (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, Saraiva, 38ª edição, pp. 567-568), ilustrando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o assunto:


"Art. 485: 20. 'Para ser julgado procedente, o pedido rescindendo deduzido em ação rescisória fulcrada no inc. V do art. 485 do CPC depende, necessariamente, da existência de violação, pelo v. acórdão rescindendo, a literal disposição de lei. A afronta deve ser direta - contra a literalidade da norma jurídica - e não deduzível a partir de interpretações possíveis, restritivas ou extensivas, ou mesmo integração analógica' (STJ-2ª Seção, AR 720-PR-EI, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 9.10.02, rejeitaram os embs., v.u., DJU 17.2.03, p. 214).
'Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC prospere, é necessário que a interpretação dada pelo 'decisum' rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se recurso ordinário com prazo de interposição de dois anos' (RSTJ 93/416). No mesmo sentido: RT 634/93.
'Ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei. Justifica-se o 'judicium rescindens', em casos dessa ordem, somente quando a lei tida por ofendida o foi em sua literalidade, conforme, aliás, a expressão do art. 485-V do CPC. Não o é ofendida, porém, dessa forma, quando o acórdão rescindendo, dentre as interpretações cabíveis, elege uma delas e a interpretação eleita não destoa da literalidade do texto de lei' (RSTJ 40/17). No mesmo sentido: STJ-RT 733/154."

Constata-se também o fato de o dispositivo resguardar não apenas a literalidade da norma, mas seu sentido, sua finalidade, muitas vezes alcançados mediante métodos de interpretação (Sérgio Rizzi, Ação Rescisória, São Paulo, RT, 1979, p. 105-107).

José Carlos Barbosa Moreira, criticando a expressão "literal disposição de lei", pondera: "O ordenamento jurídico evidentemente não se exaure naquilo que a letra da lei revela à primeira vista. Nem é menos grave o erro do julgar na solução da quaestio iuris quando afronte norma que integra o ordenamento sem constar literalmente de texto algum" (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, Rio de Janeiro, Forense, 11ª edição, 2003, p. 130).

Igualmente, Flávio Luiz Yarshell: "Tratando-se de error in iudicando ainda paira incerteza acerca da interpretação que se deve dar ao dispositivo legal. Quando este fala em violação a 'literal' disposição de lei, em primeiro lugar, há que se entender que está, aí, reafirmando o caráter excepcional da ação rescisória, que não se presta simplesmente a corrigir injustiça da decisão, tampouco se revelando simples abertura de uma nova instância recursal, ainda que de direito. Contudo, exigir-se que a rescisória caiba dentro de tais estreitos limites não significa dizer que a interpretação que se deva dar ao dispositivo violado seja literal, porque isso, para além dos limites desse excepcional remédio, significaria um empobrecimento do próprio sistema, entendido apenas pelo sentido literal de suas palavras. Daí por que é correto concluir que a lei, nessa hipótese, exige que tenham sido frontal e diretamente violados o sentido e o propósito da norma" (Ação Rescisória: juízos rescindente e rescisório, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 323).

Conclui-se ser inadmissível a desconstituição do julgado com base em mera injustiça, em interpretações controvertidas, embora fundadas. A rescisória não se confunde com nova instância recursal. Exige-se mais, que o posicionamento adotado desborde do razoável, que agrida a literalidade ou o propósito da norma.

A seu turno, o inciso VII do artigo 485 do Código de Processo Civil, em sua primeira parte, dispõe que a decisão de mérito, após o trânsito, pode ser rescindida quando "depois da sentença, o autor obtiver documento, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso".

Tomando em consideração a situação peculiar do trabalhador rural, seu parco grau de instrução e a impossibilidade de compreensão, quando do ingresso em juízo, da relevância da documentação a alcançar a desejosa aposentadoria, presumindo-se, outrossim, ausentes desídia ou negligência, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (AR 3429/SP, AR 2478/SP, AR 789/SP), afastando-se do rigor conceitual da lei de regência, evoluiu no sentido de permitir ao rurícola o manuseio de documentos que, em teoria, eram de seu conhecimento anteriormente à propositura da demanda originária, entendimento esse abraçado, inclusive, no âmbito da 3ª Seção deste Tribunal, considerando as condições desiguais vivenciadas no campo e adotando a solução pro misero.

Nada obstante, conforme o disposto na parte final do dispositivo em questão, a superveniência da prova produzida, na maneira mencionada, não foge à obrigação de se mostrar "capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável", ou seja, a documentação apresentada, então desconhecida nos autos, deve ser hábil a alterar a posição do órgão julgador.

Ademais, segundo a anotação na obra citada de Theotonio Negrão (46. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 625), "por documento novo, entende-se aquele 'cuja existência o autor da rescisória ignorava ou do qual não pôde fazer uso, no curso do processo de que resultou o aresto rescindendo' (RTJ 158/774). Ou seja, 'é aquele que já existia ao tempo da prolação do julgado rescindendo, mas que não foi apresentado em juízo por não ter o autor da rescisória conhecimento da existência do documento ao tempo do processo primitivo ou por não lhe ter sido possível juntá-lo aos autos em virtude de motivo estranho a sua vontade' (STJ-3ª Seção, AR 3.450, Min. Hamilton Carvalhido, j. 12.12.07, DJU 25.3.08). No mesmo sentido: STJ-3ª T., REsp 743.011, Min. Gomes de Barros, j. 14.2.08, DJU 5.3.08; STJ-RT 652/159, RT 675/151".

Nesse sentido, "o adjetivo 'novo' expressa o fato de só agora ser ele utilizado, não a ocasião em que veio a formar-se. Ao contrário: em princípio, para admitir-se a rescisória, é preciso que o documento já existisse ao tempo do processo em que se proferiu a sentença" (STJ, 1ª Turma, REsp 240.949-PR, rel. Ministro José Delgado, j. 15.2.2000, v.u., DJU de 13.3.2000).

Em suma, documento novo é, em realidade, "velho": além de referir-se a fatos passados, sua produção também é pretérita. A "'novidade' exigida pela lei diz respeito à ausência de tal documento no processo em que se formou a sentença que se quer rescindir. Portanto, a 'novidade' está ligada à apresentação do documento - e não à sua formação. Na concepção tradicional, documento novo para os efeitos do art. 485, VII, não é propriamente aquele que se formou depois do processo anterior. Nesse sentido, o documento 'novo' ensejador da ação rescisória é 'antigo' no que tange ao momento de sua formação. Essa constatação é diretamente extraível da lei. O inciso VII do art. 485 alude à existência e à anterior impossibilidade de uso do documento no passado (...) - deixando clara a preexistência do 'documento novo'" (Eduardo Talamini, Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT, 2005, p. 179).

Por fim, o § 1º do inciso IX do artigo 485 do Código de Processo Civil dispõe que erro de fato consiste em a sentença ou o acórdão "admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido", e isso em razão de atos ou de documentos da causa.

Já o § 2º desse dispositivo ressalta ser indispensável, "num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato".

Do ensinamento de José Carlos Barbosa, extrai-se, em confirmação à mens legis dos preceitos supra, a necessidade dos seguintes pressupostos para que o erro de fato dê causa à rescindibilidade, a saber: "a) que a sentença nele seja fundada, isto é, que sem ele a conclusão do juiz houvesse de ser diferente; b) que o erro seja apurável mediante o simples exame dos documentos e mais peças dos autos, não se admitindo de modo algum, na rescisória, a produção de quaisquer outras provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz, ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente; c) que 'não tenha havido controvérsia' sobre o fato (§2º); d) que sobre ele tampouco tenha havido 'pronunciamento judicial' (§ 2º)" (Obra citada, p. 148-149).

In casu, em que não verificada a ocorrência efetiva de qualquer um desses fundamentos invocados, impõe-se de rigor a improcedência do pleito de desconstituição do julgado rescindendo, prevalecendo in totum os argumentos desenvolvidos quando da decisão que negou o pedido de antecipação dos efeitos da tutela nestes autos (fls. 276/278):


"A motivação lançada na monocrática ora hostilizada, longe de incorrer em ofensa alguma, enquadra-se nas balizas estabelecidas na Lei 8.213/91 e em parâmetros seguidos na apreciação de recursos no âmbito das Turmas responsáveis pela matéria previdenciária nesta Corte.
Confira-se, a propósito (fls. 70/72):
'Aduz a autora, na inicial, que vem desenvolvendo atividades rurais, sob o manto da economia familiar, desde tenra idade; no início, junto a seus genitores e, posteriormente, após contrair matrimônio, junto a seu esposo.
No intuito de imprimir veracidade às suas assertivas, foram trazidos pela autora os documentos de fls. 11/24, dentre os quais certidão de casamento, com assento lavrado em 08/12/1973, indicando a profissão de seu cônjuge como 'lavrador' e a sua como 'doméstica', além de escritura de venda e compra de imóvel rural, lavrada em 29/08/1990, sendo que as dimensões da propriedade adquirida pela autora e cônjuge alcançam por volta de 91 (noventa e um) hectares.
Já as notas fiscais de produtor rural revelam a comercialização de produtos agropecuários, em especial bovinos, ao passo que alguns desses documentos fiscais demonstram a venda de animais em número significativo: um deles com 17(dezessete), outro com 21(vinte e um), e outro com 10(dez) animais vendidos para fins de abate, o que conferira ao vendedor, Sr. Delvo Munhaes, marido da parte autora, a importância de R$ 13.432,00 (treze mil e quatrocentos e trinta e dois reais), R$ 12.584,00 (doze mil e quinhentos e oitenta e quatro reais) e R$ 6.760,00 (seis mil e setecentos e sessenta reais), respectivamente.
Merecem relevo, ainda, as informações contidas nos documentos de fls. 40/41 - os quais integram o processo administrativo de requerimento do benefício - acerca da classificação da propriedade rural da família como 'latifúndio para exploração', com enquadramento sindical 'empregador II-B', e também acerca do valor do imóvel, avaliado em R$ 170.000,00 (cento e setenta mil reais).
E por tudo quanto exposto, é verossímil admitir, in casu, que a família da autora é composta não por 'lavradores' mas sim, por 'produtores rurais' - situação diversa do pequeno produtor - descaracterizando, dessa forma, o outrora alegado regime de economia familiar, que pressupõe rudimentar economia rural de subsistência, uma pequena roça onde residem todos os membros de uma mesma família de roceiros, campesinos e, nessa terra, moram e dela retiram seu sustento, sem a utilização de mão-de-obra contratada.
Ressalte-se, por mais, que através de pesquisa realizada junto ao sistema informatizado CNIS, verificou-se que o marido da autora, inscrito em 26/05/1995 como contribuinte individual, recolhera contribuições previdenciárias na condição de 'empresário' (fls. 54/57).
Descaracterizada a alegada condição da autora como 'segurado especial', artigo 143 retrotranscrito, passa-se à análise das outras categorias de segurados.
A abrangência geral pela Previdência Social aos trabalhadores urbanos e rurais se edificou com a organização da Seguridade Social inserida no texto constitucional e a garantia dos direitos sociais aos trabalhadores urbanos e rurais - artigo 7º, bem como a universalidade da cobertura e do atendimento, um dos objetivos da seguridade social - artigo 194, ambos da Constituição Federal de 1988.
Entretanto, essa abrangência da Seguridade Social resultou em modificações das condições legais do trabalhador rural cujos destaques são: foram equiparados os trabalhadores rurais aos urbanos nos direitos e obrigações, amparados a partir de 1991, em igualdade de condições, pelas Leis nºs 8.212 e 8.213, de 24 de julho de 1991, respectivamente, Plano de Custeio da Seguridade Social e Plano de Benefícios da Previdência Social.
Nesse sentido, o parágrafo 1º do artigo 201 da Constituição Federal, em sua redação original, dispunha:
(...)
Desse modo, após a edição das Leis nºs 8.212/91 e 8.213/91, equiparado o trabalhador rural ao urbano quanto aos efeitos previdenciários - direitos e obrigações, a prova da condição de segurado, vinculado ao regime, há de ser feita, para a obtenção de benefício previdenciário. E essa condição é exigida para a classificação geral dos trabalhadores, como dispõe a Lei nº 8.213/91, no artigo 11, sendo pertinentes à matéria os seguintes:
(...)
É certo que o artigo 143 da Lei nº 8.213/91 refere-se ao 'trabalhador' parte de uma relação de emprego 'informal' e ao pequeno produtor 'categoria especial', artigo 11, inciso VII, figuras não condizentes com as características da autora e familiares, detentores de propriedade rural de tamanho considerável e possuidores de seu próprio empreendimento.
Quanto a essa categoria, a Lei exige a inscrição junto ao órgão previdenciário como autônomo, contribuinte individual, pessoa física que explora atividade agrícola, empresa rural e agropecuarista, e o recolhimento de contribuições, artigos 12, 15, 20, 21 e 25 do Plano de Custeio da Previdência Social, para se estabelecer o vínculo e a relação jurídica previdenciária e, em contraprestação assegurar os benefícios.
Por derradeiro, rememore-se que o Plano de Benefício da Previdência Social, Lei n.º 8.213/91, não admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação de tempo de serviço, dispondo o art. 55, § 3º, dessa Lei, que a prova testemunhal só produzirá efeito quando baseada em início de prova material.
Destarte, não atendendo o conjunto probatório (documentos e testemunhas) ao objetivo de provar a prestação de serviços rurais pela parte autora, sob regime de economia familiar, e durante o período de tempo exigido pelo artigo 143 da citada Lei, impõe-se a improcedência da pretensão, com a consequente reforma do julgado prolatado, cassando-se, inclusive, a tutela antecipada anteriormente concedida, que determinou a implantação do benefício em questão, pelo que determino a expedição de ofício ao INSS, com os documentos necessários para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em julgado.'
Como se observa, a se envolver discussão acerca da demonstração da atividade rural, precipuamente ligada à valoração dos elementos de prova apresentados na demanda originária, seria possível inquinar o conteúdo decisório, no máximo, de injusto, sem que se possa vislumbrar, contudo, ofensa direta à redação dos textos legais tidos por violados.
Independentemente do acerto ou desacerto da tese firmada pela decisão rescindenda, o fato é que o deslinde conferido não desbordou do razoável, adotando-se uma dentre as soluções possíveis àquela ocasião, com base nas provas produzidas.
E a ação rescisória, por não se confundir com nova instância recursal - exige-se mais, que o posicionamento adotado agrida a literalidade ou o propósito da norma -, acaba não se prestando à rediscussão do julgado quando a questão tenha sido apreciada no processo originário, não se permitindo seu manejo, com amparo no inciso V do artigo 485 do CPC, com o intento do mero reexame a partir de novos elementos, nem sequer ensejando a desconstituição a má apreciação das provas.
Ademais, se a decisão que atingiu a autora procedeu à verificação dos elementos probatórios, ao analisar os documentos trazidos com a inicial da demanda originária, não se permite afirmar que o julgado admitiu um fato inexistente, nem sequer tenha sido por ele considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, pressupostos necessários para que o erro de fato dê causa à rescindibilidade.
Sobre o aproveitamento da documentação acostada com o fim de atestar materialmente a atividade desenvolvida como rurícola, durante o período obrigatório de carência a ser cumprido, houve efetivo pronunciamento judicial, entendendo-se, contudo, imprestável à demonstração exigida, diante do quadro probatório delineado no feito subjacente, a descaracterizar a condição de segurada especial da requerente, ao menos no entender da julgadora, por se estar diante, dadas as características do estabelecimento rural e particularidades da atividade desenvolvida no local, notadamente a comercialização de gado para abate em número considerável, de produtores rurais e não campesinos em regime de economia familiar.
Verdadeiramente, o que se pretende é nova análise do caso, incrementado, agora, o cenário probatório, com a reprodução da ação previdenciária que redundou na obtenção de aposentadoria pelo marido, sobretudo o julgamento monocrático levado a efeito pelo Desembargador Federal Nelson Bernardes (9ª Turma) nos autos da Apelação Cível 2008.03.99.025314-1 (reg. nº 585/07 na origem), decisão baixada em secretaria em 17 de março de 2011 e transitada definitivamente em 15 de abril seguinte, in verbis (fl. 97):
'O autor completou o requisito idade mínima em 2002 (fl. 14) e, em observância ao disposto no art. 142 da Lei de Benefícios, deverá demonstrar o efetivo exercício da atividade rural por, no mínimo, 126 meses.
Pretende o requerente demonstrar o exercício da atividade rural em regime de economia familiar, em imóvel de sua propriedade. Para tanto, juntou aos autos documentos comprobatórios da titularidade do imóvel rural, como Certificado de Cadastro, Recibo de Entrega da Declaração de ITR e Declaração Cadastral de Produtor, compreendendo o período de 1990 a 2006 (fls. 16, 18 e 21/22), bem como Notas Fiscais de Produtor e de Entrada, as quais revelam a comercialização de café, arroz e gado para abate, durante os anos de 1990 a 2006 (fls. 25/51).
Finalmente, carreou aos autos sua Certidão de Casamento, em que aparece qualificado como lavrador por ocasião do matrimônio, em 8 de dezembro de 1973 (fl. 15).
Registro que as Notas Fiscais constituem prova plena do trabalho campesino, nos termos do disposto no art. 106, V, da Lei de Benefícios. Os demais documentos constituem início razoável de prova material da sua atividade rural, conforme entendimento consagrado pelos tribunais, e foram corroborados pelos depoimentos colhidos em audiência de instrução e julgamento, nos quais as testemunhas afirmaram ter o mesmo exercido as lides campesinas em imóvel de sua propriedade, sem o auxílio de empregados (fls. 91/93).
As informações constantes do CNIS de fl. 52, conquanto noticiem a inscrição do autor como contribuinte individual (empresário) em 1995, não impedem a concessão do benefício, pelos fundamentos já declinados no corpo desta decisão, vale dizer, uma vez já cumprida a carência em tempo anterior. De qualquer forma, não há um único elemento sequer que aponte para o exercício de atividade urbana pelo demandante, de forma que a inscrição como 'empresário' não reflete a realidade trazida aos autos, considerando o histórico de vida laboral em regime de economia familiar representado pelos inúmeros documentos já mencionados.
A controvérsia reside, a meu sentir, na quantidade de gado comercializado, ou, nas palavras do INSS, 'produção em grande escala, incompatível com o regime de subsistência'. O argumento não convence. Extrai-se do conjunto probatório que o demandante comercializa, em média, 20 animais por ano, considerando as notas fiscais juntadas, o que não me parece produção expressiva. Da mesma forma, o fato de ser proprietário de dois sítios não tem o condão de descaracterizar o regime de economia familiar, haja vista serem os mesmos contíguos e medirem, em sua totalidade, pouco mais de 30 alqueires. De qualquer sorte, não restou demonstrado pelo INSS qual a área aproveitável, objeto de exploração, a fim de se demonstrar a incompatibilidade da mesma com o regime de subsistência.
Como se vê, de todo o conjunto probatório acostado aos autos restou amplamente comprovado o aspecto temporal da atividade rural em observância ao disposto no art. 142 da Lei de Benefícios, pelo que faz jus a parte autora ao benefício pleiteado.'
Embora possível, tecnicamente, admiti-la para fins do inciso VII do artigo 485 do diploma processual, já que anterior à prolação do decisum ora hostilizado, datado de 16 de junho de 2011 - '"depois da sentença" significará "depois do último momento em que teria sido lícito à parte utilizar o documento no feito onde se proferiu a decisão rescindenda"' (José Carlos Barbosa Moreira), ou seja, até o 'exaurimento dos recursos ordinários' (Eduardo Talamini), em linha de princípio inexistindo impedimento algum em sua utilização à ocasião, até porque de conhecimento da parte contrária -, a pretensão de desconstituição com fulcro na existência de documento novo, ao menos segundo o exame presente, também não guarda melhor sorte.
A uma, pelo fato de a inicial da rescisória silenciar quanto aos motivos pelos quais a solução dada à lide do marido mostrar-se-ia 'capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável', olvidando-se, assim, o fundamento em razão do qual a documentação apresentada, então desconhecida nos autos originários, seria hábil a alterar a posição do órgão julgador, não eximindo a requerente a singela alegação de que a decisão no outro processo 'colabora e fortalece ainda mais a qualidade de segurada especial da autora' (fl. 05), cediço que o reconhecimento em juízo da condição de lavrador em regime de economia familiar do companheiro não torna automática a comprovação do labor rurícola pela esposa, a envolver sempre outras variáveis, como a extensão dos períodos trabalhados, a partir dos indicativos materiais apresentados, pela prova testemunhal colhida em juízo, nem sequer objeto de análise pela Relatora do caso subjacente.
Ainda que assim não se entendesse, e sem ignorar, consoante anotado na obra de Theotonio Negrão (Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigor. Saraiva, 40ª edição, p. 577), que 'a eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 474, do CPC) impede que se infirme o resultado a que se chegou em processo anterior com decisão trânsita, ainda que a ação repetida seja outra, mas que por via oblíqua desrespeita o julgado anterior' (STJ-1ª Turma, REsp 712.164, rel. Min. Luiz Fux, j. 6.12.05, deram provimento, v.u., DJU 20.2.06, p. 224), a aceitação de que absoluto é o desfecho colhido nos autos da Apelação Cível 2008.03.99.025314-1 (frise-se, o processo que resultou na aposentadoria do marido) sobre o trabalho rurícola em regime de economia familiar na propriedade do casal, de modo que restasse inviabilizada, sob pena de se ter afrontada a coisa julgada material lá formada, a conclusão em sentido exatamente oposto, como visto, tirada no feito de onde originada essa rescisória - remarque-se, de que 'a família da autora é composta não por "lavradores" mas sim, por "produtores rurais" - situação diversa do pequeno produtor - descaracterizando, dessa forma, o outrora alegado regime de economia familiar' (fl. 71) -, esbarraria na constatação, conforme aqui apurado, de que o cônjuge, Delvo Munhaes, tivera insucesso em idêntica demanda previamente proposta e solucionada.
Com efeito, tramitou no Tribunal, sob condução da Desembargadora Federal Marianina Galante, a Apelação Cível 2003.03.99.033004-6 (nº de origem 0200000495, 1ª Vara de Urânia), sobrevindo da 8ª Turma, segundo se verifica da verbetação da ementa do acórdão de 8 de maio de 2006, exatamente a chancela de 'REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO CARACTERIZADO' (fl. 467), no voto da Relatora esmiuçando-se que 'Compulsando-se os autos, verifica-se que o autor é proprietário de dois imóveis rurais, que totalizam considerável extensão, não sendo crível que os imóveis possam ser cuidados apenas pelos familiares, ou apenas pelo autor, conforme depoimento de uma das testemunhas. Além do que, o requerente possui cadastro no sistema Dataprev como empresário, desde 1995, com recolhimentos que não totalizam a carência legalmente exigida, o que descaracteriza sua condição de segurado especial, tratando-se, na verdade, de produtor rural' (fl. 465).
Na esteira dos ensinamentos, entre outros, de Cândido Rangel Dinamarco - 'enquanto não proposta e acolhida a demanda de rescisão, contudo, prevalecerá a segunda sentença, ainda quando conflitante em seu decisório com a primeira - em primeiro lugar, porque é inerente a todo ato estatal a revogação do antigo pelo novo, como acontece com as leis e atos administrativos. Além disso, a oferta do caminho da ação rescisória significa que o sistema processual não pretendeu que a segunda sentença passada em julgado fosse simplesmente desconsiderada, instável ou ineficaz: se o caminho é a sua rescisão, enquanto não for rescindida ela prevalece e impõe-se sobre a primeira' (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, São Paulo, Malheiros 4ª edição, p. 328-329) - e Eduardo Talamini - 'a circunstância de a coisa julgada estar estabelecida como garantia constitucional tampouco permite a conclusão de que deve prevalecer a primeira sentença. Em primeiro lugar, pondere-se que, a rigor, haverá duas coisas julgadas, de modo que o prestígio constitucional seria atribuível a ambas. Argumenta-se que em favor da primeira também se poria, além da coisa julgada, a garantia do "direito adquirido". Mas não é a sentença que atribui à parte o direito. A sentença apenas reconhece um direito. Portanto, a sentença favorável não significa "direito (material) adquirido". Quando muito, "adquire-se" a segurança processual da imutabilidade do comando. Mas isso é a própria coisa julgada - e assim se recai na objeção inicial. Em segundo lugar, a coisa julgada, embora se revista de status constitucional, é delineada pela legislação infraconstitucional. São as normas infraconstitucionais que estabelecem suas hipóteses de ocorrência, limites, meios de revisão, modo de operar - e assim por diante. Trata-se de noção assente na doutrina e na jurisprudência constitucional. É o legislador infraconstitucional que define inclusive os meios de fazer valer a coisa julgada. Conseqüentemente, lhe é dado conferir limites a tais meios - inclusive o limite decadencial para a rescisória' (Coisa Julgada e sua Revisão, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2005, 3.4.5, p. 152-158), sob tal panorama somente a superveniência de decreto desconstitutivo contra a segunda decisão, em rescisória proposta com fundamento específico da existência de ofensa à coisa julgada, nos moldes do inciso IV do artigo 485 do diploma processual - ao que consta, não aparelhada pelo ente autárquico -, teria o condão de derrubar o título executivo lá formado, de que decorre a condenação imposta ao INSS de arcar com o pagamento de aposentadoria em prol do marido da autora e cujo aproveitamento, a título de documento novo, é almejado.
Nada obstante, a questão está longe de ser tranquila, não se desconhecendo posicionamentos diversos.
À guisa de exemplo, pela predominância da primeira das duas decisões, sustentando a inexistência jurídica do segundo julgado, ofensivo à coisa julgada, dispensando, inclusive, o aparelhamento da rescisória, encontra-se o magistério de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina (O dogma da coisa julgada. São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 36-39). Segundo os autores, seria caso de querela nullitatis, pois há 'única e exclusivamente uma situação de inexistência jurídica a declarar-se, por meio de ação que não fica sujeita a um lapso temporal pré-definido para ser movida'.
Embora admitindo a existência do segundo pronunciamento, não há, para Sérgio Rizzi (obra citada, p. 133-139), Nelson Nery Jr. (Código de Processo Civil Comentado, RT, 7ª edição, p. 830) e Sálvio de Figueiredo Teixeira (Ação Rescisória, Apontamentos, RT 646/7), primazia em relação à primeira coisa julgada, à vista da proteção constitucional do instituto (CF, artigo 5º, inc. XXXVI).
Igualmente na jurisprudência há polêmica a respeito do assunto: 'No conflito de sentenças, ambas produzindo coisa julgada, deve prevalecer a segunda, enquanto não rescindida esta (STJ-1ª Seção, AR 3.248, Min. Castro Meira, j. 9.12.09, DJ 1.2.10; STJ-6ª T., REsp 643.998-AgRg, Min. Celso Limongi, j. 15.12.09, DJ 1.2.10; RT 707/51; 920/1.021: TJGO, AP 22467-46.2002.8.09.0011; RJTJESP 88/125, RF 267/217). Contra, no sentido de que prevalece a primeira: RSTJ 129/29, Lex-JTA 166/23. "Na hipótese de se formar um segundo processo com idêntico objeto litigioso (ou mérito) do primeiro processo, e cujo desenvolvimento não foi impedido por inércia do réu, ante a litispendência, e o respectivo pronunciamento acabar transitando em julgado em primeiro lugar, prevalecerá sobre a coisa julgada surgida posteriormente no primeiro processo, conforme estabelece, explicitamente, o art. 675-1 do CPC português em vigor. Lição de Arruda Alvim" (RP 129/210; acórdão relatado pelo Des. Araken de Assis)' (Theotonio Negrão, obra citada, 45ª edição, p. 556).
Denotando-se, portanto, a existência de posições em sentidos opostos, não se pode precisar que o julgado favorável ao marido da autora, alcançado nos autos da Apelação Cível 2008.03.99.025314-1, sob relatoria do Desembargador Federal Nelson Bernardes pouco antes da prolação da decisão que se pretende rescindir, acabasse à ocasião aproveitado incondicionalmente para fins de enquadramento da dinâmica produtiva familiar em que inserida a requerente, nos mesmos termos também em seu processo, justamente porque anteriormente, no âmbito do feito registrado sob nº 2003.03.99.033004-6, rel. Desembargadora Federal Marianina Galante, como afirmado na contestação do INSS, restara 'decidido que seu marido não era trabalhador rural em regime de economia familiar, uma vez que seu marido era é proprietário de dois imóveis rurais, que totalizam considerável extensão, bem como possui cadastro no sistema Dataprev como empresário, desde 1995' (fl. 496), vale dizer, imprevisível saber como se posicionaria o órgão julgador sobre tema tão controverso, impossível encontrar plausibilidade na tese ora defendida."

Posto isso, julgo improcedente o pedido de rescisão formulado na presente demanda.

Sem condenação em verba honorária, à vista da assistência judiciária gratuita deferida nos autos.

É o voto.


THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora


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