Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 22/06/2015
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011184-83.2008.4.03.6100/SP
2008.61.00.011184-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : Ordem dos Musicos do Brasil Conselho Regional do Estado de Sao Paulo OMB/SP e outro
ADVOGADO : SP068853 JATYR DE SOUZA PINTO NETO
APELANTE : SINDICATO DOS MUSICOS PROFISSIONAIS DO ESTADO DE SAO PAULO
ADVOGADO : SP144943 HUMBERTO PERON FILHO
APELADO(A) : FUNDACAO ORQUESTRA SINFONICA DE SAO PAULO FUNDACAO OSESP
ADVOGADO : SP019383 THOMAS BENES FELSBERG e outro
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 7 VARA SAO PAULO Sec Jud SP

EMENTA

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA CONCEDIDO PARA IMPEDIR A EXIGÊNCIA, PELA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL E PELO SINDICATO DA CATEGORIA, DA "TAXA" DE 10% DO VALOR DO CONTRATO CELEBRADO COM MÚSICO ESTRANGEIRO, CUJO VALOR É "DIVIDIDO" ENTRE A AUTARQUIA E A ENTIDADE SINDICAL. APELAÇÕES VOLUNTÁRIAS E REMESSA OFICIAL. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E ILEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA, REJEITADAS. ART. 53 DA LEI Nº 3.857/1960: NORMA NÃO RECEPCIONADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1.988 POR INCOMPATIBILIDADE COM O ART. 5º, IX E XIII. A ATIVIDADE MUSICISTICA NÃO É PERIGOSA E NÃO EXIGE QUALQUER CONTROLE ESTATAL, COMO AFIRMADO PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL/STF. MÚSICA: EXERCÍCIO LIVRE, SEM A NECESSIDADE DO PAGAMENTO DE QUALQUER NUMERÁRIO (ANUIDADES OU QUEJANDOS) EM FAVOR DO PODER PÚBLICO E DE QUEM MAIS DESEJE SE LOCUPLETAR "SEM CAUSA" DA PROFISSÃO. APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDOS.
1. A competência para o processamento e julgamento da causa se inclui dentre aquelas que a Constituição Federal atribui à Justiça Federal, pois a impetrante busca desonerar-se do pagamento de taxa cujo recolhimento a lei determina seja feito em nome da Ordem dos Músicos do Brasil/OMB e do sindicato local, em partes iguais. Ou seja, um dos beneficiários da exação é uma autarquia federal, o que impõe o conhecimento da demanda pela Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal.
2. Salta aos olhos que não se trata de ação oriunda da relação de trabalho - muito ao reverso do que insinua o Sindicato - pois não se discute obrigação de natureza trabalhista, mas sim relação de natureza administrativa consubstanciada no "dever" que tem o contratante de músico estrangeiro de recolher 10% sobre o valor total do contrato em nome da Ordem dos Músicos do Brasil/OMB e do sindicato da classe. Precedente do TST.
3. Preliminar de ilegitimidade ativa da impetrante que se afasta, pois a lei impõe ao contratante o pagamento da taxa de 10% sobre o valor do contrato, o que confere à impetrante legitimidade para questionar a exação em Juízo.
4. Os impetrados/apelantes são os beneficiários diretos da taxa exigida pelo impetrante; o numerário correspondente a exação exigida é dividido em partes iguais entre eles dois (art. 53 da Lei nº 3.857/60). Sendo os impetrados quem se enriquece com a carga fiscal tomada de entidades como a impetrante, salta aos olhos que é correto o endereçamento da impetração contra eles.
5. "Nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionados ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade. Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional. A atividade de músico prescinde de controle. Constitui, ademais, manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão" (RE 414.426, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011, DJe-194 DIVULG 07-10-2011 PUBLIC 10-10-2011 EMENT VOL-02604-01 PP-00076 RTJ VOL-00222-01 PP-00457 RT v. 101, n. 917, 2012, p. 409-434).
6. Na medida em que a voz autorizadíssima do Supremo Tribunal Federal/STF proclama que "...A atividade de músico não está condicionada à inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil e, consequentemente, inexige comprovação de quitação da respectiva anuidade, sob pena de afronta ao livre exercício da profissão e à garantia da liberdade de expressão (artigo 5º, IX e XIII, da Constituição Federal). Precedentes: RE n. 414.426 , Plenário, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 12.8.11; RE n. 600.497, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 28.09.11; RE n. 509.409, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 08.09.11; RE n. 652.771, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 02.09.11; RE n. 510.126, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 08.09.11; RE n. 510.527, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 15.08.11; RE n. 547.888, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 24.08.11 ; RE n. 504.425, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 10.08.11, entre outros..." (RE 555.320 AgR, Relator:  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18/10/2011, DJe-211 DIVULG 04-11-2011 PUBLIC 07-11-2011 EMENT VOL-02620-01 PP-00061)...", resta óbvio e evidente que não se pode cobrar também qualquer taxa em favor da entidade (e do Sindicato que dela se locupleta em metade do valor) para o ingresso de músico estrangeiro, o qual, além de tudo, não será sequer "fiscalizado" pela Ordem dos Músicos Brasileiros/OMB já que esse músico alienígena não está sequer sujeito à inscrição na autarquia, consoante o disposto no artigo 28, parágrafo segundo da Lei nº 3.857 de 22/12/1960.
7. Sem lastro na atual Constituição Federal - como dimana do entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal que afasta até o pagamento de anuidades pelos músicos - a taxa veiculada na vetusta redação do art. 53 da Lei nº 3.857/1960, hoje não tem outro objetivo a não ser o enriquecimento sem causa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e negar provimento às apelações e ao reexame necessário, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 11 de junho de 2015.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011184-83.2008.4.03.6100/SP
2008.61.00.011184-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
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ADVOGADO : SP068853 JATYR DE SOUZA PINTO NETO
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RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

Trata-se de mandado de segurança impetrado em 12.05.2008 pela FUNDAÇÃO ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE SÃO PAULO - FUNDAÇÃO OSESP em face de ato do PRESIDENTE DA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL NO ESTADO DE SÃO PAULO e do PRESIDENTE DO SINDICATO DOS MÚSICOS PROFISSIONAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO (SINDIMUSSP), objetivando obter ordem que a desonere do recolhimento da taxa prevista no art. 53 da Lei nº 3.857/60, com a expedição de ofício ao Coordenador-Geral da Imigração do Ministério do Trabalho acerca da decisão, de modo a restar informado o direito da impetrante ao registro dos contratos celebrados com os músicos estrangeiros sem o pagamento da referida taxa.

Narra que tem por objetivo "apoiar, incentivar, assistir e desenvolver e promover a cultura, a educação e a assistência social", o que faz, dentre outros meios, mediante a promoção de concertos com a participação de músicos internacionais, o que inclusive permite o aperfeiçoamento dos músicos brasileiros por meio do intercâmbio de conhecimento.

Informa que para a entrada dos músicos estrangeiros no território nacional é necessária a emissão de visto temporário, o que somente é feito com o registro do contrato de trabalho entre o músico e a empresa contratante de seus serviços junto ao Conselho de Imigração.

No entanto, para isso impõe-se o pagamento da taxa de 10% do valor do contrato firmado, conforme art. 53 da Lei nº 3.857/1960, em nome da Ordem dos Músicos do Brasil e do Sindicato local.

Sustenta que a cobrança não atende aos requisitos necessários para sua conformação como taxa, pois inexiste a reciprocidade necessária entre o seu pagamento e eventual serviço prestado pela OMB e pelo sindicato; não há nenhuma contraprestação que justifique, valide ou autorize a cobrança da taxa, haja vista a ausência de qualquer ingerência dessas entidades na atividade a ser exercida pelo músico estrangeiro, o que é reforçado pela proibição expressa de se vincularem a qualquer órgão fiscalizador de atividade profissional regulamentada (art. 99, Lei nº 6.815/80). Portanto, a taxa viola o disposto nos arts. 145, II, da Constituição Federal, e 77, caput, do CTN.

Continua, argumentando que, aviltando todos os preceitos que validam a exigibilidade da taxa, a exação beneficia a OMB e o sindicato local, entidades que não exercem o poder de polícia e nem qualquer atuação ou contraprestação aos músicos estrangeiros. Não bastasse, o sindicato local é entidade de direito privado que não tem capacidade para instituir, cobrar ou se beneficiar do produto da taxa, pois não tem competência para prestar serviços públicos ou exercer o poder de polícia.

Defende que a exação é ilegítima porque a própria norma que veiculou a criação da OMB (arts. 28, § 2º e 49, Lei nº 3.857/1960) estabelece que a entidade não tem qualquer espécie de competência para fiscalizar o cumprimento das condições para o exercício profissional dos músicos estrangeiros e sequer para fiscalizar e legalizar a permanência deles no território nacional.

Aliás, o TRF 3ª Região vem entendendo pela desnecessidade de inscrição de músicos nacionais em ordem ou conselho para fins do exercício da profissão, de modo que a atividade de músico prescinde de qualquer atuação da Ordem dos Músicos do Brasil e do SINDMUSSP, o que demonstra, mais uma vez, a inexistência de qualquer atividade que autorize a imputação de taxa paga pela empresa contratante de músico estrangeiro às referidas entidades.

Além disso, aduz que a taxa instituída pela Lei nº 3.857/1960 possui a mesma base de cálculo que o ISSQN, o que é vedado pelo art. 145, § 2º, da Constituição Federal.

Por fim, defende que a taxa não atende ao requisito da reciprocidade entre o custo da atividade estatal e o valor pago para ressarci-lo tendo em vista a ausência de limite no cálculo de seu valor.

Liminar deferida "para o fim de determinar às autoridades impetradas que se abstenham de exigir a taxa prevista no Artigo 53, da Lei nº 3.857/60, em relação aos artistas internacionais contratados pela impetrante" (fls. 60/63).

Informações às fls. 85/88 (OMB) e fls. 124/130 (SINDIMUSSP).

Parecer do Ministério Público Federal pela denegação da segurança (fls. 162/163).

Em 26.08.2008, a magistrada a qua proferiu sentença, concedendo a segurança e confirmando a liminar anteriormente concedida para o fim de determinar o registro dos contratos dos músicos estrangeiros celebrados pela impetrante sem o pagamento da taxa instituída pelo artigo 53 da Lei nº 3.857/1960 (10% do valor do contrato) - (fls. 166/171).

Sentença submetida ao reexame necessário.

A OMB opôs embargos de declaração, que foram parcialmente acolhidos apenas para corrigir erro material na parte dispositiva da sentença (fls. 286/287).

Irresignado, o SINDIMUSSP apelou sustentando, em síntese, que todas as ações vinculadas à relação de trabalho devem ser julgadas pela Justiça Especializada do Trabalho, que já proferiu sentença no processo nº 01366-2006-017-02-00, ajuizada pela SP Produções contra o sindicato, julgando improcedentes os pedidos, motivo pelo qual a r. sentença deverá ser reformada e mantida a taxa estipulada no art. 53 da Lei nº3.857/60 (fls. 300/302).

Também inconformado, o CONSELHO REGIONAL DO ESTADO DE SÃO PAULO DA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL interpôs apelação defendendo a legitimidade da exação, que é devida pelo músico, ficando apenas o recolhimento a cargo do tomador de serviços, de forma que a impetrante não tem legitimidade para propor a ação, já que é apenas a fonte pagadora, obrigada ao recolhimento do tributo (fls. 303/305).

Contrarrazões às fls. 324/355.

Parecer da Procuradoria Regional da República pelo provimento da apelação para reforma da sentença (fls. 390/394).

É o relatório.

Dispensada a revisão, na forma regimental.

Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0011184-83.2008.4.03.6100/SP
2008.61.00.011184-3/SP
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VOTO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

Inicialmente, verifico que a competência para o processamento e julgamento da causa se inclui dentre aquelas que a Constituição Federal atribui à Justiça Federal, pois a impetrante busca desonerar-se do pagamento de taxa cujo recolhimento a lei determina seja feito em nome da Ordem dos Músicos do Brasil/OMB e do sindicato local, em partes iguais. Ou seja, um dos beneficiários da exação é uma autarquia federal, o que impõe o processamento e julgamento do feito pela Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição Federal.


Ainda, salta aos olhos que não se trata de ação oriunda da relação de trabalho - muito ao reverso do que insinua o Sindicato - pois não se discute obrigação de natureza trabalhista, mas sim relação de natureza administrativa consubstanciada no dever que tem o contratante de músico estrangeiro de recolher 10% sobre o valor total do contrato em nome da Ordem dos Músicos do Brasil/OMB e do sindicato da classe.


Nesse sentido, registro precedente do Tribunal Superior do Trabalho: AIRR - 1244-52.2010.5.04.0009, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 05/06/2013, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/06/2013.


Também afasto a preliminar de ilegitimidade ativa da impetrante. Sim, pois a lei impõe ao contratante o pagamento da taxa de 10% sobre o valor do contrato, o que confere à autora ampla legitimidade para questionar a exação em Juízo Federal.


Ainda, rechaço alegação de ilegitimidade passiva dos impetrados, afirmada tardiamente neste feito quando - se fosse arguição séria - deveria ter sido feita muito antes.


Os impetrados/apelantes são os beneficiários diretos da taxa exigida pelo impetrante; o numerário correspondente a exação exigida é dividido em partes iguais entre eles dois (art. 53 da Lei nº 3.857/60). Sendo os impetrados quem se enriquece com a carga fiscal tomada de entidades como a impetrante, salta aos olhos que é correto o endereçamento da impetração contra eles.


Passo à análise do mérito.


Reza a norma impugnada:


Art. 53. Os contratos celebrados com os músicos estrangeiros somente serão registrados no órgão competente do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, depois de provada a realização do pagamento pelo contratante da taxa de 10% (dez por cento) sobre o valor do contrato e o recolhimento da mesma ao Banco do Brasil em nome da Ordem dos Músicos do Brasil e do sindicato local, em partes iguais.
Parágrafo único. No caso de contratos celebrados com base, total ou parcialmente, em percentagens de bilheteria, o recolhimento previsto será feito imediatamente após o término de cada espetáculo.

Desde logo verifico que a exação prevista no art. 53 da Lei nº 3.857/1960 não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1.988, por incompatibilidade com o art. 5º, IX e XIII da Constituição Federal e isso foi muito bem colocado na sentença, motivo pelo qual a transcrevo, adotando-a, também, como razão de decidir, lançando mão da técnica de motivação per relationem, amplamente adotada pelo Pretório Excelso (ARE 753481 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 24/09/2013, Processo Eletrônico DJe-213 DIVULG 25-10-2013 public 28-10-2013 -- HC 114790, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 10/09/2013, Processo Eletrônico DJe-187 DIVULG 23-09-2013 public 24-09-2013 -- MS 25936 ED/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJe 18.9.2009 -- AI 738982 AgR/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, DJe 19.6.2012) e Superior Tribunal de Justiça (REsp 1399997/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 24/10/2013 -- REsp 1316889/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, julgado em 19/09/2013, DJe 11/10/2013 -- AgRg no REsp 1220823/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, julgado em 15/10/2013, DJe 21/10/2013 -- EDcl no AgRg no REsp 1088586/SC, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, julgado em 17/09/2013, DJe 26/09/2013).


Vejamos a sentença, in verbis:


"(...)
Este Juízo entende que a Constituição Federal de 1988 garante o direito à livre expressão da atividade intelectual artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, a teor do contido no artigo 5º, inciso IX.
Assegura, outrossim, em seu artigo 5º, inciso XIII, o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei vier a estabelecer.
Desta forma, as exigências previstas na Lei n. 3.857/60 atinentes à obrigatoriedade de pagamento da taxa de 10% sobre o valor do contrato com músico estrangeiro revelam-se, assim, descabidas, na medida em que afrontam os dispositivos constitucionais supramencionados.
De fato, ressalte-se que o policiamento administrativo realizado por Conselho somente se justifica quando a atividade a ser fiscalizada é potencialmente lesiva à sociedade, o que não ocorre no caso em tela, em que o músico submete-se apenas à fiscalização da opinião pública.
E, no caso em questão, não há como negar que a cobrança da taxa para a apresentação de músicos estrangeiros no país cercearia o direito à livre expressão, direito esse fundamental que não é restrito aos nacionais.
Na esteira deste entendimento vale transcrever decisões proferidas no E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL - DESOBRIGATORIEDADE.
I - No caso da profissão de músico, em que se trata de atividade que não se apresenta perigosa ou prejudicial à sociedade, diferentemente das profissões de médico, advogado ou engenheiro, que exigem controle rigoroso, tendo em vista que põem em risco bens jurídicos de extrema importância, como a liberdade, a vida, a saúde, a segurança e o patrimônio das pessoas, afigura-se desnecessária a inscrição em ordem ou conselho para o exercício da profissão.
II - Remessa oficial e apelação improvidas.
(Apelação em Mandado de Segurança n. 250229. Terceira Turma. Relatora: Desembargadora Federal CECILIA MARCONDES. DJ DATA:29/09/2004, p. 337)
ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS MÚSICOS. - NÃO OBRIGATORIEDADE. COBRANÇA DE TAXA VEDADA.
1. Carta Política de 1988 garante, no inciso XIII do art. 5°, o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Já no seu inciso IX, do mesmo artigo, assegura à atividade artística, dentre elas a música, a sua livre expressão, independe de licença.
2. Descabida a previsão da lei 3.857/60, em seu artigo 16, para que obrigue músico a inscrever-se no Conselho da Ordem dos Músicos do Brasil, bem como a cobrança de qualquer tipo de taxa ou contribuição.
3. Apelação e remessa oficial não providas.
(MAS n. 2004.60.04.00805-1/MS. Terceira Turma. Relator: Desembargador Federal NERY JUNIOR. DJ: 24/05/2006, p. 236); e,
ADMINISTRATIVO E CONSTITICIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA - INSCRIÇÃO NA ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL - DESNECESSIDADE
1. Os arts. 16 e 18 da Lei nº 3.857/60 não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, por serem incompatíveis com a liberdade de expressão artística e de exercício profissional asseguradas no art. 5º, incisos IX e XIII.
2. A regulamentação de atividade profissional depende da demonstração de existência de interesse público a proteger.
3. A atividade de músico não oferece risco à sociedade, diferentemente, por exemplo, das atividades exercidas por advogados, médicos, dentistas, farmacêuticos e engenheiros, que lidam com bens jurídicos extremamente importantes, tais como liberdade, vida, saúde, patrimônio e segurança das pessoas.
4. Desnecessária a exigência de inscrição perante órgão de fiscalização, seja ele ordem ou conselho.
5. Precedentes do TRF da 3ª e da 4ª Região.
(MAS n. 2001.61.15.001474-5/SP. Sexta Turma. Relator: Desembargador Federal MAIRAN MAIA. DJ: 09/10/2006, p. 429)
Assim, se não é legítima a cobrança de taxa de músico nacional, não seria razoável exigir o pagamento de taxa do contrato celebrado com o músico estrangeiro, na ausência do exercício do poder de polícia.
E, a reforçar tal entendimento, observo que os músicos estrangeiros, de passagem pelo país, não integram a base sindical local.
(...)"

In casu, além de não haver a prestação de serviço público específico e divisível pelos beneficiários da exação, a atividade desempenhada não oferece risco à sociedade, não tem potencialidade lesiva que justifique a fiscalização e, consequentemente, o exercício do poder de polícia, motivo pelo qual a imposição de taxa pela contratação de músicos estrangeiros é incompatível com a liberdade de expressão artística e de exercício profissional.


A propósito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal/STF já decidiu que "a atividade de músico prescinde de controle", in verbis:


DIREITO CONSTITUCIONAL. EXERCÍCIO PROFISSIONAL E LIBERDADE DE EXPRESSÃO. EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO EM CONSELHO PROFISSIONAL. EXCEPCIONALIDADE. ARTS. 5º, IX e XIII, DA CONSTITUIÇÃO. Nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade. Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional. A atividade de músico prescinde de controle. Constitui, ademais, manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão.
(RE 414426, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011, DJe-194 DIVULG 07-10-2011 PUBLIC 10-10-2011 EMENT VOL-02604-01 PP-00076 RTJ VOL-00222-01 PP-00457 RT v. 101, n. 917, 2012, p. 409-434)

Do voto da lavra da Ministra Ellen Gracie no Recurso Extraordinário nº 414.426 extraio os seguintes fundamentos, adotando-os, também, como razão de decidir:


"(...)
O exercício profissional só está sujeito a limitações estabelecidas por lei e que tenham por finalidade preservar a sociedade contra danos provocados pelo mau exercício de atividades para as quais sejam indispensáveis conhecimentos técnicos ou científicos avançados.
(...)
Há atividades cujo mau exercício pode implicar sério dano, por exemplo, à saúde, à segurança, ao patrimônio ou mesmo à formação intelectual das pessoas.
Daí a exigência de que médicos, psicólogos, enfermeiras, engenheiros e arquitetos, advogados e professores ostentem curso superior como requisito para o exercício de suas atividades. Exige-se o registro do diploma e, na maioria dos casos, também o registro profissional perante o conselho criado para a fiscalização da atividade. Também é indubitavelmente legítima a exigência de habilitação específica para outras atividades profissionais em que a imperícia implicaria risco grave, como a de motorista.
No que diz respeito à música, o bem comum prescinde do estabelecimento de quaisquer requisitos para a sua prática.
(...)
Na prática da música, inexiste qualquer risco de dano social, razão pela qual não há que se admitir o estabelecimento de condições à sua manifestação, mesmo a título profissional: a liberdade deve prevalecer.
(...)"

Na medida em que a voz autorizadíssima do Supremo Tribunal Federal/STF proclama que "...A atividade de músico não está condicionada à inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil e, consequentemente, inexige comprovação de quitação da respectiva anuidade, sob pena de afronta ao livre exercício da profissão e à garantia da liberdade de expressão (artigo 5º, IX e XIII, da Constituição Federal). Precedentes: RE n. 414.426 , Plenário, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 12.8.11; RE n. 600.497, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 28.09.11; RE n. 509.409, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 08.09.11; RE n. 652.771, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 02.09.11; RE n. 510.126, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 08.09.11; RE n. 510.527, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 15.08.11; RE n. 547.888, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 24.08.11 ; RE n. 504.425, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 10.08.11, entre outros..." (RE 555.320 AgR, Relator:  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18/10/2011, DJe-211 DIVULG 04-11-2011 PUBLIC 07-11-2011 EMENT VOL-02620-01 PP-00061)...", resta óbvio e evidente que não se pode cobrar também qualquer taxa em favor da entidade (e do Sindicato que dela se locupleta em metade do valor) para o ingresso de músico estrangeiro, o qual, além de tudo, não será sequer "fiscalizado" pela Ordem dos Músicos Brasileiros/OMB já que esse músico alienígena não está sequer sujeito à inscrição na autarquia, consoante o disposto no artigo 28, parágrafo segundo da Lei nº 3.857 de 22/12/1960.

Obviamente que o tratamento dado pelo STF em relação às anuidades extorquidas dos músicos, se estende a absurda pretensão de pagamento da taxa prevista no art. 53 aqui questionado, que não tem outro objetivo a não ser o enriquecimento sem causa.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e nego provimento às apelações e ao reexame necessário.

É como voto.



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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