D.E. Publicado em 02/09/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, após a apresentação do voto-vista do Senhor Desembargador Federal Marcelo Saraiva que, em divergência, dava provimento ao recurso de apelação, prosseguiu-se no julgamento, ato contínuo, nos termos do art. 942, do Código de Processo Civil, e do art. 260, § 1º, do Regimento Interno do Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região, e, por maioria, decidiu negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Senhor Desembargador Federal Relator, acompanhado pelos votos do Senhor Desembargador Federal Peixoto Junior e do Desembargador Federal Cotrim Guimarães; vencidos o Senhor Desembargador Federal Marcelo Saraiva e o Senhor Desembargador Federal Valdeci dos Santos.
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VOTO-VISTA
O eminente Relator, Desembargador Federal Antonio Cedenho, apresentou voto na sessão da 2ª Turma do dia 21/07/2015, no sentido de negar provimento à apelação, no que foi acompanhado integralmente pelo Des. Fed. Peixoto Júnior.
Pedi vista dos autos para melhor analisar a questão.
Adoto o Relatório apresentado pelo E. Relator.
Trata-se de apelação interposta por Bruna Cardim Hofig Ramos em face de sentença que julgou improcedente pedido de anulação de portaria declaratória da Terra Indígena "Ofayé-Xavante" no Município de Brasilândia/MS e acolheu a reconvenção do Ministério Público Federal, para decretar a invalidade do título dominial incidente sobre a área.
Houve condenação ao pagamento de despesas processuais e de honorários de advogado de R$ 1.500,00, a serem divididos por igual entre a União, a FUNAI e o MPF.
Decidiu o Juiz de Origem que a Portaria n° 264/1992 do Ministério da Justiça goza da presunção de legitimidade dos atos administrativos e a perícia produzida em juízo confirmou a ocupação tradicional de uma parte do imóvel matriculado sob o n° 567 no CRI de Brasilândia/MS, mediante a detecção de antigas construções indígenas.
Considerou que a posse da tribo "Ofayé-Xavante" tinha o respaldo das Constituições anteriores à de 1988, produzindo a nulidade de todos os documentos de propriedade, inclusive o outorgado pela União na década de 50.
Sustenta Bruna Cardim Hofig Ramos que o procedimento administrativo de demarcação foi conduzido sem as garantias da ampla defesa e do contraditório, tanto que, no processo cautelar n° 92.0005420-0, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região determinou a suspensão da eficácia da portaria ministerial.
Argumenta que a identificação de territórios indígenas exige ocupação contemporânea a outubro de 1988, sendo que o colendo Supremo Tribunal Federal adotou esse marco temporal no julgamento da Petição n° 3.388 (Raposa Serra do Sol) e a simples passagem de índios pelo lugar não configura posse tradicional.
Afirma que não existem provas da presença dos membros da etnia "Ofayé-Xavante" na Fazenda Santana, tanto no momento da promulgação da CF de 88, quanto no da edição da Portaria n° 264/1992 do Ministério da Justiça.
Alega que eles se retiraram da área em 1978, o que confere ao espaço a condição de aldeamento indígena extinto e inviabiliza a pretensão de identificação, delimitação e demarcação.
Acrescenta que os silvícolas habitavam, na verdade, outro território, denominado "Campos da Vacaria".
Requer, assim, a declaração de nulidade da Portaria n° 264/1992 do Ministério da Justiça e a improcedência da reconvenção do MPF, com a validação do título dominial.
A Fundação Nacional do Índio apresentou contrarrazões (fls. 1.554/1.564). Responde que o laudo antropológico do procedimento administrativo foi ratificado em juízo, a posse dos aborígenes segue o instituto do indigenato e, mesmo que se imponha ocupação contemporânea a outubro de 1988, haveria esbulho renitente.
O Ministério Público Federal ofereceu resposta ao recurso (fls. 1.566/1.573). Expõe que a presunção de legitimidade dos atos administrativos foi confirmada pela prova judicial, a exigência de marco temporal representa uma questão nova, sem paralelo nos fundamentos expostos, e a impossibilidade de demarcação de aldeamentos indígenas extintos se aplica apenas a imóveis que se urbanizaram.
De qualquer forma, entende que o direito originário dos índios sobre as terras não é neutralizado pela política sistemática de expulsão.
A Procuradoria Regional da República da 3° Região se manifestou pelo não conhecimento da apelação na parte correspondente ao marco temporal e, no mérito, pelo desprovimento (fls. 1.592/1.604).
DECIDO:
A controvérsia instaurada nestes autos diz respeito à desconstituição da Portaria nº 00264/92 do Ministério da Justiça que declarou terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, para fins de demarcação pela Funai e assentamento dos remanescentes da nação indígena "Ofayé-Xavante".
O processo administrativo instaurado pela Funai, apontou a propriedade rural pertencente à Apelante como sendo terras tradicionalmente habitadas pelos índios "Ofayé-Xavante", pelo fato de registrar-se na memória de alguns descentes daquela etnia, a permanência temporária no local, bem como pelo estudo antropológico que considerou a presença da nação indígena antes da presença dos proprietários da área, há mais de meio século.
Essa conclusão baseia-se no estudo antropológico realizado no bojo do processo administrativo que deu origem à Portaria Ministerial, na qual é resumida a história de uma nação indígena que por aquelas terras teria passado antes da presença dos proprietários da área, isto há mais de meio século.
Encerrada a instrução processual sobreveio a r. sentença de fls. 1425/1436 através da qual expressa o julgado "a quo" o convencimento de que as terras em questão teriam sido tradicionalmente ocupadas por populações indígenas, razão pela qual a ação seria, a seu ver, improcedente, inclusive porque a parte interessada não teria superado, através da atividade probatória, a própria presunção de legalidade do ato administrativo.
Via de consequência foi acolhida a reconvenção deduzida pelo Ministério Público Federal para declarar nula a parte do título dominial correspondente à matrícula R.02/0567, do Cartório do Registro de Imóveis de Brasilândia-MS, descrita na Portaria nº 264/92, do Ministério da Justiça.
Vale dizer, do mesmo modo que reconheceu legítima a portaria ministerial - presunção de legalidade - considerou o MM.Juiz "a quo" válido também o laudo antropológico elaborado pelos técnicos da Apelada/Funai, afirmando essa validade também na ausência de provas em sentido contrário.
Desse modo, nenhuma dúvida, no sentido de que a r. sentença baseou-se preponderantemente nas conclusões desse trabalho para fundamentar o decreto de improcedência da ação, ainda que tenha se referido também às conclusões do perito judicial, que, ao ver do seu ilustre subscritor, seriam coincidentes.
Ora, diante disso, não se pode perder de vista a nulidade do processo administrativo que dá suporte à portaria, pelo fato de ter sido produzido em desrespeito ao contraditório e à ampla defesa.
Deveras, a invalidade desse processo administrativo do ponto de vista constitucional foi aferida e reconhecida nos autos de Ação Cautelar nº 94.03.069643-5, no julgamento da apelação interposta pela Apelada/Funai e reexame necessário da respeitável sentença que julgou procedente demanda cautelar para suspender a eficácia da Portaria n. 264, de 28 de maio de 1992, do Ministério da Justiça, na parte em que declarou como de posse permanente indígena, para efeito de demarcação, a área do imóvel mencionada na inicial e proibiu o ingresso de pessoas que não sejam índios, ressalvada à FUNAI a ultimação dos trabalhos técnicos necessários à demarcação da área, bem como condenou as requeridas em honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa, com correção monetária desde o ajuizamento da ação e reembolso de custas adiantadas pela requerente, conforme ementa abaixo transcrita:
Merece destaque os seguintes trechos da fundamentação do voto do Exmo. Des. Relator André Nekatschalow:
Inegável, pois, o reconhecimento da inconstitucionalidade do processo administrativo que deu ensejo à edição da Portaria nº 264/92 do Ministério da Justiça, pela inobservância do due process of law , impedindo-se, assim, que a Apelante pudesse dele participar, deduzindo a defesa que julgasse pertinente.
Conforme ela bem aduziu, a inconstitucionalidade do processo administrativo, que, em última instância, contaminou de inconstitucionalidade também a própria Portaria, constituía-se óbice à eventual declaração de conformação do indigitado ato administrativo com a Constituição Federal, como pretendido pela Apelada/Funai.
Não poderiam as conclusões desse processo administrativo, pois, prestarem-se para afirmar a presunção de legitimidade da Portaria que nele se baseou, perante a lei e a Constituição, eis que a instância recursal reconheceu que não foi, ao arrepio do devido processo legal, possibilitado à apelante a participação no procedimento em que aquele ato fora editado.
Dessarte, também não poderia a r. sentença afirmar que a Apelante não teria alcançado êxito na tarefa de desconstituir a presunção de legalidade da Portaria e do laudo que lhe dá suporte, já que, reitere-se, a invalidade do procedimento administrativo acabou por ser reconhecida pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no julgamento da apelação ofertada pela Apelada/Funai no processo de ação cautelar nº94.03.069643-5.
Como a instância recursal já havia reconhecido a inconstitucionalidade do próprio processo administrativo, com reflexos sobre a validade da Portaria Ministerial, não haveria que se falar em presunção de validade do ato administrativo e muito menos adotar qualquer de suas conclusões no julgamento da causa, eis que desrespeitados, na sua produção, a garantia constitucional do devido processo legal.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao presente recurso de apelação para os efeitos de ser reformada a r. sentença, de modo a julgar procedente a ação e decretar a nulidade da Portaria nº 264/1992 do Ministério da Justiça e, consequentemente, improcedente a reconvenção movida pelo Ministério Público Federal, com inversão dos ônus de sucumbência.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Bruna Cardim Hofig Ramos em face de sentença que julgou improcedente pedido de anulação de portaria declaratória da Terra Indígena "Ofayé-Xavante" no Município de Brasilândia/MS e acolheu reconvenção do Ministério Público Federal, para decretar a invalidade do título dominial incidente sobre a área.
Houve condenação ao pagamento de despesas processuais e de honorários de advogado de R$ 1.500,00, a serem divididos por igual entre a União, a FUNAI e o MPF.
Decidiu o Juiz de Origem que a Portaria n° 264/1992 do Ministério da Justiça goza da presunção de legitimidade dos atos administrativos e a perícia produzida em juízo confirmou a ocupação tradicional de uma parte do imóvel matriculado sob o n° 567 no CRI de Brasilândia/MS, mediante a detecção de antigas construções indígenas.
Considerou que a posse da tribo "Ofayé-Xavante" tinha o respaldo das Constituições anteriores à de 1988, produzindo a nulidade de todos os documentos de propriedade, inclusive o outorgado pela União na década de 1950.
Sustenta Bruna Cardim Hofig Ramos que o procedimento administrativo de demarcação foi conduzido sem as garantias da ampla defesa e do contraditório, tanto que, no processo cautelar n° 92.0005420-0, o Tribunal determinou a suspensão da eficácia da portaria ministerial.
Argumenta que a identificação de territórios indígenas exige ocupação contemporânea a outubro de 1988, o Supremo Tribunal Federal adotou esse marco temporal no julgamento da Petição n° 3.388 (Raposa Serra do Sol) e a simples passagem de índios pelo lugar não configura posse tradicional.
Afirma que não existem provas da presença dos membros da etnia "Ofayé-Xavante" na Fazenda Santana, tanto no momento da promulgação da CF de 88 quanto no da edição da Portaria n° 264/1992 do Ministério da Justiça.
Alega que eles se retiraram da área em 1978, o que confere ao espaço a condição de aldeamento indígena extinto e inviabiliza a pretensão de identificação, delimitação e demarcação.
Acrescenta que os silvícolas habitavam, na verdade, outro território, denominado "Campos da Vacaria".
Requer, assim, a declaração de nulidade da Portaria n° 264/1992 do Ministério da Justiça e a improcedência da reconvenção do MPF, com a validação do título dominial.
A Fundação Nacional do Índio apresentou contrarrazões (fls. 1.554/1.564). Responde que o laudo antropológico do procedimento administrativo foi ratificado em juízo, a posse dos aborígenes segue o instituto do indigenato e, mesmo que se imponha ocupação contemporânea a outubro de 1988, haveria esbulho renitente.
O Ministério Público Federal ofereceu resposta ao recurso (fls. 1.566/1.573). Expõe que a presunção de legitimidade dos atos administrativos foi confirmada pela prova judicial, a exigência de marco temporal representa uma questão nova, sem paralelo nos fundamentos expostos, e a impossibilidade de demarcação de aldeamentos indígenas extintos se aplica apenas a imóveis que se urbanizaram.
De qualquer forma, entende que o direito originário dos índios sobre as terras não é neutralizado pela política sistemática de expulsão.
A Procuradoria Regional da República da 3° Região se manifestou pelo não conhecimento da apelação na parte correspondente ao marco temporal e, no mérito, pelo desprovimento (fls. 1.592/1.604).
VOTO
A adoção de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas não implica inovação da causa de pedir, já que é fruto de interpretação específica de norma constitucional em vigor.
A identificação e a delimitação do território "Ofayé-Xavante" foram feitas com fundamento no artigo 231 da Constituição Federal de 1988. Elas devem seguir naturalmente os parâmetros aí definidos.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da petição n° 3.388 (Raposa Serra do Sol), simplesmente declarou as diretrizes da regularização fundiária dos silvícolas, sem que tenha fixado exigências inimagináveis.
A apelação, assim, será conhecida na totalidade.
A resolução do conflito de interesses depende do exame das provas produzidas em juízo.
O procedimento administrativo da FUNAI não respeitou as garantias da ampla defesa e do contraditório, pois os proprietários das áreas que vieram a ser demarcadas não tiveram oportunidade de manifestação.
Diferentemente do Decreto n° 1.775/1996 (artigo 2°, §8°), o Decreto n° 22/1991 não prevê uma fase dialética.
Após a publicação do Relatório Circunstanciado, ele é imediatamente encaminhado ao Ministério da Justiça para homologação ou rejeição. Os interessados no resultado do trabalho, em especial os titulares dos imóveis afetados, não dispõem da possibilidade de impugnação.
Na análise da medida cautelar preparatória (autos n° 94.03.069643-5), o Tribunal decidiu suspender a eficácia da Portaria n° 264/1992 do Ministério da Justiça, sob o fundamento de que as garantias processuais de Bruna Cardim Hofig Ramos não foram observadas.
A Constituição Federal de 1988, em nome da precedência dos povos indígenas e da preservação dos costumes e crenças nativas, estabeleceu que os territórios tradicionalmente ocupados se destinam à sua posse permanente (artigo 231, §1° e §2°).
O sistema constitucional prioriza a diversidade cultural e despreza políticas anteriores de integração à sociedade nacional. As comunidades indígenas que sobreviveram ao processo de genocídio possuem o direito originário de manutenção do modo de vida.
Como ele pressupõe um suporte ambiental em que o grupo possa se reproduzir física, cultural e economicamente, as terras vinculadas a esse propósito devem ser demarcadas, para a garantia de usufruto exclusivo.
A regularização fundiária, porém, não abriga ocupações imemoriais ou que foram espontaneamente neutralizadas.
A Constituição Federal de 1988 descarta os espaços definitivamente incorporados por outros membros da população brasileira, seja porque houve abandono voluntário (Súmula n° 650 do STF), seja porque a associação da área às necessidades materiais e espirituais do aborígene se diluiu ao longo da história, ainda que às custas de regime constitucional anterior.
Para que se conciliem a segurança jurídica e os direitos dos nativos, a posse condicionante dos costumes e crenças do povo indígena deve ser contemporânea a outubro de 1988. Se ela teve um desfecho histórico definitivo, perdeu a tradicionalidade.
Obviamente, a simples perda de contato físico com o meio não prejudica a demarcação.
A reinvindicação das terras pela comunidade, através de incursões frequentes no lugar, de pedidos à autoridade pública, torna persistente o esbulho e impossibilita a pacificação, serenidade que justifica o apoio da CF aos títulos de propriedade anteriores.
Apesar da ausência de posse civil, o território continua a condicionar a cultura da tribo.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da petição n° 3.388 (Raposa Serra do Sol), empregou a noção de "esbulho renitente", para legitimar a pretensão demarcatória:
O perito judicial, baseado em documentação existente sobre os integrantes do grupo indígena "Ofayé-Xavante", esclareceu que eles habitavam inicialmente a região denominada "Campos da Vacaria", entre a Serra do Maracaju e o alto curso do Rio Paraná/MS.
Com a colonização e a pressão exercida pelos migrantes paulistas, os índios se deslocaram para o sul do Estado; uma parte passou a ocupar os pantanais da margem direita do Rio Paraná, nos Municípios de Anaurilândia e Três Lagoas, e a outra, os terrenos marginais dos Rios Tabôco e Negro, no Município de Aquidauana.
Na década de 1950, a primeira ramificação se juntou à segunda, fixando-se num espaço que equivale hoje aos limites da Fazenda Boa Esperança, de cujo desmembramento proveio a Fazenda Santana.
Embora os índios "Ofayé-Xavante" tenham sido expulsos da localidade em 1952 e transferidos para a beira do Rio Verde, num trecho chamado de "Puladouro", eles retornaram à gleba inicial logo em seguida e ali permaneceram até 1978. A FUNAI, então, numa política desastrosa de remoção, acabou por levá-los à reserva indígena "Kadiwéu", situada na região de Bodoquena.
Devido aos avanços das fronteiras agrícolas e aos constantes conflitos com outras etnias, eles decidiram voltar, no ano de 1986, ao imóvel anteriormente ocupado na Fazenda Boa Esperança; não o conseguiram e foram colocados no Arrendamento Cisalpina até a realização da regularização fundiária.
A trajetória histórica indica que a comunidade indígena "Ofayé-Xavante" habitou, no período de 1950 a 1978, uma porção da Fazenda Boa Esperança, mantendo as tradições, costumes e crenças praticadas no "Campos da Vacaria". Após o fracasso da política de confinamento na Reserva Indígena "Kadiwéu", retornou sem hesitações à área original e aguarda o restabelecimento da posse civil.
A apropriação da Terra Indígena "Ofayé-Xavante" não passou por uma fase de consolidação. Os índios ficaram no imóvel por mais de vinte anos, o termo final da ocupação (1978) não se distancia significativamente de outubro de 1988 e o desejo de regresso foi manifestado praticamente às vésperas da nova ordem constitucional (1986).
A remoção da FUNAI - motivada pelo apoio institucional aos interesses do agronegócio - e a reação dos proprietários após o retorno conferem ao esbulho uma fisionomia persistente, que garante a tradicionalidade do território e impede a validação do título de propriedade.
O fato de "Campos da Vacaria" ter sido o primeiro habitat da tribo não exerce influência. O perito esclareceu que os silvícolas "Ofayé-Xavante" são seminômades e se deslocam periodicamente para conseguir novos meios de subsistência e dar vazão à espiritualidade.
A Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais garante direitos territoriais aos índios nômades (artigo 14, 1).
De qualquer forma, a posse de uma parte da Fazenda Boa Esperança durou por mais de vinte anos e possibilitou uma coesão profunda entre o meio e a mentalidade do grupo.
Também não pode ser negligenciado o processo de territorialização a que se referiu o perito na indicação da bibliografia. A relação das populações tradicionais com o espaço é eminentemente dinâmica e reflete as necessidades materiais e espirituais de cada momento.
A política de expansão agrícola e de pressão fundiária deve sofrer essa contextualização, porquanto obriga os nativos, principalmente os de índole pacífica, a buscarem novos lugares para a reprodução física e cultural.
A ocupação da Fazenda Boa Esperança representou um refúgio para os membros da etnia "Ofayé-Xavante".
Portanto, o imóvel de 1.937,6250 hectares situado no Município de Brasilândia/MS configura área tradicional indígena, o que impossibilita a validação do título de propriedade de Bruna Cardim Hofig Ramos e autoriza a desconstituição buscada na reconvenção do Ministério Público Federal (artigo 231, §6°, da CF).
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
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Data e Hora: | 28/07/2015 18:03:50 |