D.E. Publicado em 31/07/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de embargos infringentes interpostos pela União Federal em face do acórdão da Egrégia Terceira Turma que, por maioria, deu provimento à apelação dos autores, assegurando-lhe o direito à indenização, em razão da política de preços do setor sucroalcooleiro adotada pelo Governo Federal, desconsiderando os índices indicados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), nos termos da Lei nº 4.870/65.
O acórdão, lavrado pelo e. Desembargador Federal Nery Júnior, vem assim redigido:
Pretende a embargante a prevalência do voto vencido, da lavra do Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Roberto Jeuken, que negava provimento à apelação, ao fundamento de que há "...necessidade efetiva e cabal da demonstração do prejuízo efetivo, sem o qual a indenização, seja por danos materiais, seja por danos morais e insusceptível de ser reconhecida, vênia dos que comungam entendimento contrário, não sendo suficiente alegados prejuízos contábeis e que tais, inerentes que são a esfera das demonstrações financeiras em ordem a mostrar a higidez empresarial em ordem a dar ciência aos investidores em bolsa de valores, acionistas e interessados em geral", mantendo, assim, a sentença que julgou improcedente o pedido.
Ressalta a União Federal que o E. Superior Tribunal de Justiça, no Resp nº 1347136/DF, submetido ao rito dos recursos repetitivos, firmou entendimento de que há necessidade de considerar os custos da produção e outros fatores que afetam os resultados das empresas do setor, além de limitar as indenizações a 30/01/91, data do advento da Lei nº 8.178/91.
Em contrarrazões, sustentam os embargados que o conhecimento dos embargos deve se restringir apenas à alegação de falta de comprovação dos danos reclamados.
Quanto à matéria, alegam que a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que a fixação dos preços da cana-de-açúcar abaixo dos valores apurados pela FGV e em desconformidade com os critérios da Lei nº 4.870/65 viola o princípio da livre-iniciativa, implicando em responsabilidade objetiva da União Federal.
Acrescem que, por corresponderem os danos excutidos aos valores que deixaram de perceber em razão do descumprimento da legislação pela União Federal, a análise dos custos individuais de produção é irrelevante para o deslinde da questão, que se resolve pela simples verificação da existência de diferença entre os valores apurados pela FGV e o efetivo preço de venda da tonelada de cana de açúcar.
Entendem que o C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 422.941, reconheceu, independentemente da realização de perícia técnica, o direito da empresa recorrente à indenização pela frustração de receita advinda da diferença entre os preços fixados pela União e os valores apurados pela FGV.
Concluem, portanto, que comprovados os danos sofridos pela apresentação de notas fiscais e planilhas demonstrativas das vendas de cana de açúcar por valores inferiores àqueles apurados pela FGV, entendem evidente o direito à indenização, a qual deverá corresponder ao resultado da multiplicação da quantidade de cana de açúcar vendida pela diferença entre os valores apurados pela FGV.
Aduzem, ainda, que a tese de que o artigo 3º, III da Lei nº 8.178/91 teria revogado as disposições da Lei nº 4.870/65 não prospera, sob a alegação de que a política de congelamento de preços regulada por aquela Lei não se confunde e não alterou os critérios de fixação de preços da cana regulados pela Lei nº 4.870/65, a qual constitui lei especial aplicável ao setor sucroalcooleiro.
Finalmente, asseveram os embargantes que a responsabilidade da União Federal é extracontratual, razão pela qual aplicam-se as disposições do artigo 398 do CC, especialmente a Súmula nº 52 do STJ, que impõem a incidência dos juros de mora desde o evento danoso.
Admitidos os embargos infringentes, o feito veio-me em redistribuição.
É o relatório.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
VOTO
Desde logo ressalte-se que, nos termos do artigo 530 do CPC, a matéria capaz de autorizar o manejo dos Embargos Infringentes é a discordância a respeito da solução do apelo, dada por um dos componentes da turma julgadora, cujo voto vencido embasará a reapreciação do caso, nos exatos limites da divergência proposta.
No caso concreto, discute-se a responsabilidade da União Federal por prejuízos decorrentes da fixação de preços pelo governo federal para a indústria sucroalcooleira, desvinculada dos critérios estabelecidos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 4.870/65, cujos custos de produção ali previstos foram apurados pela Fundação Getúlio Vargas.
Da leitura dos votos proferidos, infere-se que não houve controvérsia quanto ao direito à indenização, sendo o objeto da divergência a necessidade de comprovação do dano, isto é, do prejuízo efetivo.
O voto condutor do acórdão embargado deu provimento à apelação, para reconhecer o direito à indenização pleiteada, ao fundamento de que a adoção pela Administração dos preços indicados pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e não daqueles oriundos da Fundação Getúlio Vargas resultou em prejuízos às empresas que atuam no setor sucroalcooleiro, consubstanciados na diferença entre o preço estabelecido na lei e o preço efetivamente pago ou obtido pela empresa.
Por sua vez, o voto vencido negou provimento à apelação, sob o fundamento de que a responsabilidade extracontratual do Estado, nada obstante predominantemente de caráter objetivo, não dispensa a prova do dano e respectiva causa, cujo ônus é da pessoa que pretende indenização.
Em que pese os fundamentos do voto vencedor, no caso, tenho que assiste razão à embargante.
Na forma do disposto no art. 37, §6º, da Constituição Federal de 1988, "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
É a teoria do risco administrativo ou da responsabilidade objetiva do Estado, a qual, no entanto, admite excludentes de responsabilidade em caso de culpa do suposto lesado, ou de força maior, não dispensando, por sua vez, a demonstração da conduta do agente, do dano e do nexo de causalidade entre eles.
Com efeito, essa questão já restou escandida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial nº 134.713-6/DF, submetido ao regime dos recursos repetitivos, no qual se decidiu que o suposto prejuízo decorrente da fixação de preços pelo Poder Público deve ser cabalmente demonstrado, sendo inadmissível a mera diferença entre o preço praticado pelas empresas e os valores fixados pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, apurados pela Fundação Getúlio Vargas, como único parâmetro de definição do quantum debeatur.
Abaixo, segue transcrito o mencionado acórdão representativo da controvérsia, verbis:
Do voto da e. Ministra Relatora extrai-se o seguinte excerto, que bem elucida a questão "...Na hipótese dos autos, entretanto, não há espaço para lucros cessantes ou prejuízo hipotético, nos moldes preconizados, porque a própria lei é quem fornece os parâmetros para a fixação do preço e este não é por unidade e sim por cálculo do custo da produtividade de cada empresa, pelas suas características de situação geográfica, otimização de produção, custos de matéria prima e outros insumos de produção. Em outras palavras, a indenização devida diz respeito ao que a empresa consumiu e produziu, gastando além do preço fixado pela autarquia, com reflexo no seu resultado econômico como um todo e não por cada unidade de preço. Para isto é imprescindível seja verificada a contabilidade da empresa, onde estão os registros dos elementos necessários à estimativa do prejuízo. Ao reconhecer o Poder Judiciário o dever de indenização às empresas do setor sucroalcooleiro, não pretendeu premiá-las pelo sacrifício do controle estatal de preços. Buscou naturalmente, dentro dos parâmetros da tese, o dever de indenizar, recompor os reais e efetivos prejuízos. Assim sendo, a prova pericial é indispensável, não apenas para se ter a fixação do preço de cada produto, mas também para a identificação do prejuízo efetivo. Afinal, nem todas as empresas tiveram otimização de produção, nem todas as empresas produziram e nem todas as empresas tiveram prejuízo, mesmo com a venda dos produtos pelos preços fixados pelo governo. Enfim, dentro do que se conhece como obrigação do Estado indenizar por ato ilícito, é indispensável seja demonstrado o valor desse dano..."
Portanto, nesses casos, segundo entendimento sedimentado no E. Superior Tribunal de Justiça, a diminuição no lucro operada por força da intervenção do Estado no domínio econômico não é causa, por si só, suficiente à indenização, sendo imprescindível a produção de prova visando à apuração da ocorrência ou não dos prejuízos alegados na inicial.
Com efeito, a imputação de condenação à União Federal pressupõe a produção de provas da ocorrência do prejuízo causado por ela e esse ônus é das embargantes, que dele não se desincumbiram.
Significa dizer, a falta de provas sobre a existência do alegado prejuízo impede a análise judicial das causas do eventual dano, tendo em conta que o ato judicial decisório não pode se fundar em mera alegação destituída de provas.
Por outro lado, no que toca aos precedentes do C. Supremo Tribunal Federal quanto à questão, sobretudo o RE nº 422.941/DF, de relatoria do e. Ministro Carlos Velloso, o E. Superior Tribunal de Justiça também enfrentou a questão, nos Embargos de Declaração interpostos no Resp nº 1.347.136/DF (representativo da controvérsia), prevalecendo o entendimento que aquele julgado não estabeleceu como se daria a forma de apuração da indenização pretendida, ou seja, não se cuidou do valor devido, mas apenas do direito ao ressarcimento nos termos do artigo 37, §6º da Constituição Federal, que determina a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados por este, ou quem lhe faça as vezes, aos terceiros.
E, de fato. Da leitura atenta dos votos proferidos no RE nº 422.941/DF, disponíveis no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal, verifica-se que o dano ali verificado restou demonstrado por meio de avaliação técnica realizada na instância de origem.
Observe-se, a propósito, trecho do voto do e. Relator, Ministro Carlos Velloso "....No caso, o acórdão recorrido ignorou os prejuízos causados à recorrida pelo poder público, prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia". E do e. Ministro Joaquim Barbosa "...Por outro lado, é importante assinalar que é incontroverso nos autos o fato de que o preço final de venda dos produtos, determinado pelo governo federal, foi fixado abaixo do preço de custo da produção. Desde a perícia, realizada em primeira instância e na qual ficou consignado que, 'no período abrangido pela inicial, os preços fixados para os produtos sucro-alcooleiros não correspondiam aos custos levantados pela Fundação Getúlio Vargas' (fls.388), até a decisão do Superior Tribunal de Justiça, não houve debates sobre a disparidade entre os preços fixados e os custos da produção sucroalcooleira. A controvérsia restringia-se à qualificação do fato como danoso à autora ou como apenas decorrência natural da situação econômica conjuntural experimentada à época". E mais adiante o Sr. Ministro Joaquim Barbosa assevera em seu voto que "...A decisão de primeira instância, apoiada no item 8 do laudo pericial, concluiu ter ficado demonstrada 'a venda do álcool com preços irreais e o prejuízo verificado no período de março/85 a outubro/90' (fls.453). O Tribunal concluiu no mesmo sentido ao julgar a apelação interposta. Também tomando por fundamento a avaliação técnica, que analisou tanto os valores dos preços fixados pela Fundação Getúlio Vargas e pelo IAA como os próprios balanços da empresa, concluiu pela existência de prejuízo....Por conseguinte, verifico que o laudo pericial, que serviu de substrato tanto para a decisão de primeira instância como para a segunda, considerou a situação particular da Destilaria Alto Alegre S.A. na elaboração de suas conclusões, analisando o prejuízo daquela empresa de forma individualizada."
Diante do exposto, dou provimento aos embargos infringentes para prevalência do voto vencido.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | SILVIO CESAR AROUCK GEMAQUE:10214 |
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Data e Hora: | 24/07/2015 12:09:31 |