D.E. Publicado em 10/06/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem e cassar a liminar anteriormente concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator): Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de José Cassoni Rodrigues Gonçalves apontando como coator o Juízo Federal Criminal da 2ª Vara Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro e Lavagem de Capitais de São Paulo/SP.
Afirma, em síntese, que o paciente encontra-se submetido a constrangimento ilegal pelo fato do Juízo apontado como coator ter ratificado o recebimento da denúncia pela qual se imputa o crime tipificado no artigo 1º, inciso VII, da Lei nº 9.613/98, nos autos do processo nº 0010573-76.2011.403.6181, posteriormente desmembrado para os autos de nº 0009935-38.2014.4.03.6181.
Sustenta que a imputação carece de justa causa por falta de definição legal do crime antecedente de organização criminosa.
Postula o deferimento de liminar para sobrestar a ação penal e, ao final, a concessão da ordem para trancar a ação penal.
Previamente à distribuição da presente impetração, a Subsecretaria de Registro e Informações Processuais encaminhou os autos a este Gabinete para consulta de prevenção (fls. 188), não reconhecida por despacho de fls. 251.
Por seu turno, a Desembargadora Federal Cecília Mello reconheceu sua prevenção, sendo o habeas corpus distribuído àquela relatoria.
Pela decisão de fls. 254/255 foi concedida a liminar com o fim de "sobrestar o curso da ação penal nº 0009935-38.2014.403.6181 até final julgamento do writ".
Requisitadas, as informações foram prestadas pelo Juízo impetrado às fls. 256/257, tendo sido indagada a extensão da liminar quanto aos demais crimes imputados ao paciente na ação penal. Acompanharam as informações os documentos de fls. 258/335.
A Procuradoria Regional da República pugnou pelo pronunciamento da Relatora acerca da indagação formulada pelo Juízo impetrado (fls. 337), tendo sido proferido o despacho de fls. 342:
"A despeito da decisão proferida em sede de liminar ter sido expressa sobre o alcance da suspensão (sobrestamento do curso da ação penal), informe-se a autoridade impetrada."
Pelo parecer de fls. 345/347, o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem.
A Desembargadora Federal Cecília Mello, citando julgamento do Órgão Especial desta Corte, em sede de conflito de competência, no qual afirmou a prevalência da regra estampada no art. 15 do Regimento Interno, determinou a redistribuição dos autos a este Gabinete.
É o relatório.
Apresento em mesa.
VOTO
O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
Depreende-se dos documentos que instruem a impetração que o paciente foi denunciado pelo Ministério Público Federal nos autos da ação penal nº 0010573-76.2011.403.6181, posteriormente desmembrada aos autos autuados sob o nº 0009935-38.2014.403.6181, como incurso nas sanções do art. 288, caput, 317, caput, ambos do Código Penal, art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 e art. 1º, incs. V e VII, e § 4º, da Lei nº 9.613/98.
O Juízo impetrado informou que a ação penal encontra-se na fase de interrogatório do paciente, tendo sido expedida carta precatória para o ato, uma vez que José encontra-se recolhido em penitenciária do Rio de Janeiro.
O presente writ visa, especificamente, o trancamento da ação penal quanto à imputação do crime de lavagem e ocultação de ativos, tipificado no art. 1º, inc. VII, da Lei nº 9.613/98.
No tocante ao referido crime, a denúncia descreve:
"Consta também dos autos que os denunciados JOSÉ CASSONI RODRIGUES GONÇALVES, REGINA EUSÉBIO GONÇALVES, THIAGO CASSONI RODRIGUES GONÇALVES e MARIAN EUSÉBIO GONÇALVES, previamente ajustados e mediante unidade de desígnio, ao menos desde o ano de 2003 até a presente data, nesta cidade e subseção judiciário, no Município de Barueri, e nos Estados do Uruguai, Mônaco, Estados Unidos e Itália, ocultam e dissimulam, de forma habitual, a natureza, origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de bens e valores provenientes dos crimes tipificados nos arts. 317 e 288 do Código Penal brasileiro (praticados em associação criminosa com os demais réus)."
Em seguida, a denúncia narra uma série de operações configuradoras da dissimulação e ocultação de valores e ativos, bem como aponta os elementos de prova da materialidade e autoria e, ao final do tópico encerra:
"Ao praticarem, com habitualidade, as condutas-meio acima descritas com o objetivo de ocultarem e dissimularem a natureza, origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de bens e valores provenientes dos crimes tipificados nos arts. 317 e 288 do Código Penal brasileiro (praticados em associação criminosa com os demais réus), os denunciados JOSÉ CASSONI RODRIGUES GONÇALVES, REGINA EUSÉBIO GONÇALVES, THIAGO CASSONI RODRIGUES GONÇALVES e MARINA EUSÉBIO GONÇALVES incorreram nas penas do art. 1º, caput, incisos V e VII, e § 4º, da Lei nº 9.613/98 c.c. art. 29 do Código Penal."
Do quanto narrado na denúncia, denota-se, com cristalina clareza, que o crime antecedente à lavagem de ativos não se restringe a delitos praticados por "organização criminosa".
A denúncia, além do crime de lavagem de capitais, descreve crimes contra a administração pública, tipificado no art. 317 do CP, apontados também como antecedente ao crime de lavagem.
Assim, ao contrário do sustentado na impetração, o crime de branqueamento imputado ao paciente encontra como antecedente delitos de corrupção passiva, que constava expressamente do rol de crimes do art. 1º, da Lei nº 9.613/98, vigente à época dos fatos narrados na inicial, notadamente, em seu inc. V, in verbis:
V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;
É, portanto, plenamente improcedente a alegação constante da inicial (fls. 24) no sentido de que o crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do CP, não constava do rol do art. 1º da Lei nº 9.613/98.
Vale registrar, ademais, que o crime de lavagem de capitais possui natureza de tipo misto alternativo, de modo que a existência de mais de um crime antecedente não leva à configuração de mais de um delito de branqueamento.
Neste diapasão:
(...) 17. O crime previsto no art. 1º da Lei n. 9.613/98, antes das alterações promovidas pela Lei n. 12.683/2012, previa que os recursos ilícitos submetidos ao branqueamento poderiam ter como fonte quaisquer dos crimes constantes de seus incisos I a VIII. 18. Por sua natureza de tipo penal misto alternativo, o crime de lavagem de dinheiro admite que os recursos ilícitos provenham direta ou indiretamente dos crimes prévios elencados nos incisos I a VIII do art. 1º da Lei n. 9.613/98, não havendo alteração de tipicidade penal na admissão de um, dois ou mais crimes prévios - desde que reconhecidos.(...)
(RESP 200902404509, NEFI CORDEIRO, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:16/03/2015 ..DTPB:.)
Portanto, ainda que se afaste o delito praticado por organização criminosa como crime antecedente, nenhum efeito prático será alcançado uma vez que a imputação permanecerá incólume quanto à precedência do delito de corrupção passiva.
É tranquila a jurisprudência acerca da impossibilidade de trancamento da ação penal quando, ao lado da organização criminosa, há a descrição de outros crimes antecedentes constantes do revogado rol do art. 1º da Lei nº 9.613/98:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. LEI 9.613/98. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DESCRIÇÃO DE CRIME ANTECEDENTE NA DENÚNCIA. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NÃO-CABIMENTO. 1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, que somente é admitido nos caso de violação patente de algum dos requisitos elencados no art. 41 do CPP. 2. A Lei n. 9.613/98, em seu art. 1º, estabelece o rol de crimes antecedentes à lavagem de capitais. 3. Sendo imputados crimes antecedentes contra a Administração Pública, praticados por organização criminosa, não se verifica a arguida ausência de tipicidade da lavagem de capitais. 4. O crime de lavagem de dinheiro não exige que o réu seja autor do crime antecedente. Precedentes desta Corte. 5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. ..EMEN:(RHC 201302272222, NEFI CORDEIRO, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:01/07/2014 ..DTPB:.)
Por seu turno, não desconhecendo julgados a partir de entendimento do STF, reputo que crimes perpetrados por organização criminosa possa ser considerado como antecedente à lavagem de ativos.
De início, os precedentes citados na inicial não possuem força vinculante, não havendo notícia de que tenham sido proferidos em sede de repercussão geral.
O tema não se mostra totalmente resolvido, sendo encontrado entendimento no sentido de admitir crimes praticados por organização criminosa como fato precedente da lavagem.
A questão foi bem sintetizada por Vicente Greco Filho na obra Comentários à Lei de Organização Criminosa, Lei nº 12.850/13, em nota de rodapé lançada às fls. 18/19:
"No Brasil, considerando a ausência de definição na Lei n. 9.034, enquanto da sua vigência, a jurisprudência não foi pacífica a este respeito, havendo quem adotasse o conceito de crime organizado estabelecido na Convenção de Palermo. No HC 138.058-RJ do STJ, de relatoria do Min. Haroldo Rodrigues (Des. Convocado do TJ/CE), j. 22-3-2011, entendeu-se que a expressão 'organização criminosa' ficou definida nos termos do art. 2, a, da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), promulgada em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n. 5.015, de 12 de março de 2004. Entendeu o Ministro relator também que 'a definição de uma organização criminosa não se submete ao princípio da taxatividade, pois o núcleo do tipo penal previsto na norma é 'ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime', sendo a expressão 'organização criminosa' um complemento normativo do tipo, tratando-se, no caso, de uma norma penal heteróloga ou em sentido estrito, que independe de complementação por meio de lei formal'. Note-se que neste sentido é a Recomendação n.3, de 30 de maio de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, para a especialização de varas criminais para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas. Ao revés, no julgamento do HC 96.007, em 12-6-12, a Primeira Turma do STF concedeu ordem de habeas corpus a pastores de Igreja Evangélica, determinando o trancamento de ação penal por lavagem de dinheiro proveniente de organização criminosa. A Turma entendeu que inexistia a definição do crime de organização criminosa por meio de lei em sentido estrito, o que impossibilitava a imputação.(...)"
A mencionada Recomendação nº 3, de 30.05.2006, do CNJ, acerca da especialização de varas criminais em crimes praticados por organização criminosa sugere a adoção da definição constante da Convenção de Palermo, o que denota a sua existência no ordenamento jurídico pátrio.
Não se pode olvidar, ainda, que da jurisprudência extraem-se diversos julgados admitindo a imputação de lavagem de capitais tendo como antecedente crimes perpetrados por organização criminosa:
(...)2. O inciso VII do art. 1º da Lei nº 9.613/98, com redação anterior a Lei 12.683/2012, não se refere a "organização criminosa" como um crime antecedente do crime de lavagem de ativos, pois inexiste esse tipo penal no direito brasileiro. O referido dispositivo se refere a um crime praticado por uma organização criminosa, "sujeito ativo" que se encontra definido no ordenamento jurídico pátrio desde o Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou o Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, o qual ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) e, atualmente, está conceituado pela Lei 12.683/2012. O conceito de organização criminosa funciona como um elemento normativo desse tipo penal. 3. Na hipótese, a peça acusatória descreve fatos que configuram, em tese, os crimes de sonegação fiscal, falsidade ideológica e material, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, bem como a existência da organização criminosa, possibilitando o pleno exercício do direito de defesa. Logo, é inviável o encerramento prematuro do processo criminal em relação ao crime previsto no art. art. 1º, VII, da Lei 9.613/98.(...)
(RHC 201001913605, ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:12/03/2013 ..DTPB:.)
(...)5. Esta Corte tem entendimento pacífico no sentido de que "a conceituação de organização criminosa se encontra definida no nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - Convenção de Palermo, que entende por grupo criminoso organizado, 'aquele estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material"" (HC 171.912/SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJe de 28.09.11)(...)
(HC 201000295902, OG FERNANDES, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:18/02/2013 ..DTPB:.)
(...)5. É desnecessária a previsão de crime de organização criminosa no ordenamento jurídico pátrio para que se aperfeiçoe a hipótese descrita art. 1º, VII, da Lei n. 9.613/98, bastando que seja cometido delito por organização criminosa. Nem mesmo a recente Lei n. 12.683/12 inaugurou a tipificação de crime de organização criminosa. (...)
(ACR 00064818920064036000, JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, TRF3 - QUINTA TURMA - 1A. SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/05/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
(...) 9 - Registra-se que a capitulação da conduta dos réus também vem disposta no inciso VII do art. 1.º da Lei 9.613/98 e não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de ativos, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei 9.034/95, com a redação dada pela Lei 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.° 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004.(...)
(ACR 00037927220064036000, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/09/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Portanto, uma vez que, in casu, a imputação do crime de lavagem de capitais não se encontra exclusivamente estribada no antecedente crime praticado por organização criminosa, mas também, e principalmente, no delito de corrupção passiva (art. 317 do CP), crime contra a administração pública, revelando-se ausente de eficácia a pretensão buscada nesta impetração, tendo em vista que a concessão da ordem não impossibilitará o prosseguimento da ação penal, além do fato de que a questão relativa à organização criminosa não estar completamente resolvida, deve ser denegada a ordem.
Diante do exposto, denego a ordem e revogo a liminar anteriormente concedida, determinando-se o imediato prosseguimento da ação penal na origem.
É como voto.
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Data e Hora: | 02/06/2015 18:16:11 |