Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 21/09/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026009-66.2007.4.03.6100/SP
2007.61.00.026009-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : AESP ASSOCIACAO DAS EMISSORAS DE RADIO E TELEVISAO DO ESTADO DE SAO PAULO
ADVOGADO : SP161899A BRUNO ROMERO PEDROSA MONTEIRO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : SP000006 DJEMILE NAOMI KODAMA E NAIARA PELLIZZARO DE LORENZI CANCELLIER

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COLETIVA OBJETIVANDO O RECONHECIMENTO DA INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO À COMPENSAÇÃO INTEGRAL DE PREJUÍZOS SOFRIDOS EM RAZÃO DA VEICULAÇÃO OBRIGATÓRIA DE PROPAGANDA ELEITORAL E PARTIDÁRIA GRATUITA (ART. 17, § 3º, CF) PELAS EMPRESAS ASSOCIADAS À AUTORA, BEM COMO O RECONHECIMENTO DO DIREITO DE COMPENSAÇÃO DOS CRÉDITOS FORMADOS NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS, CORRIGIDOS PELA SELIC E DESCONTADOS OS VALORES JÁ PAGOS, COM QUAISQUER TRIBUTOS FEDERAIS. MEDIDA VEICULADA PELA LEGISLAÇÃO (LEIS NS. 9.504/97, ART. 99, E 9.096/95, § ÚNICO DO ART. 52, COM ATUAIS ALTERAÇÕES DO ART. 58 DA LEI Nº 12.350/2010) COMO "MEIO" DE REPARAÇÃO (SUPORTADO PELA UNIÃO) DAS EMISSORAS DE RÁDIO E TV, PELA VEICULAÇÃO DA PROPAGANDA POLÍTICA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA, POR FUNDAMENTO DIVERSO: PARAFERNÁLIA LEGISLATIVA INSERVÍVEL PARA JUSTIFICAR O RESSARCIMENTO NA ESFERA TRIBUTÁRIA, DIANTE DO PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE (§ 6º DO ART. 150, CF); IMPOSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DE FAVOR FISCAL QUE REDUZ A CARGA TRIBUTÁRIA, SEM QUE ISSO OCORRA POR MEIO DE "LEI ESPECÍFICA" (PRECEDENTES DO STF) - AINDA: CONFLITÂNCIA DAS LEIS NS. 9.504/97, 9.096/95, E LEI Nº 12.350/2010 (BEM COMO SEUS DECRETOS REGULAMENTADORES) COM A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL, A LC Nº 101/2000, ART. 14 - AFRONTA, AINDA, AO ART. 170 DO CTN E AO ART. 66, § 1º DA LEI Nº 8383/91 - SE AS BASES LEGAIS QUE GARANTIRIAM ÀS EMPRESAS DE RADIODIFUSÃO E TV UM "RESSARCIMENTO" PELA VEICULAÇÃO DA PROPAGANDA POLÍTICO-PARTIDÁRIA NÃO TÊM VALOR PARA O FIM DESEJADO, NÃO HÁ ESPAÇO PARA SE FALAR EM COMPENSAÇÃO FISCAL INTEGRAL DE PREJUÍZOS. APELO IMPROVIDO.
1. A ASSOCIAÇÃO DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO objetiva nesta ação coletiva o reconhecimento da inexistência de impedimento à compensação integral dos prejuízos sofridos em razão da veiculação obrigatória de propaganda eleitoral e partidária gratuita pelas empresas a ela associadas, bem como que seja reconhecido o direito delas compensarem o crédito relativo aos últimos dez anos, atualizados pela SELIC, deduzindo-se os já satisfeitos, com quaisquer tributos federais.
2. O art. 99 da Lei nº 9.504/97 (normas gerais para as eleições) em seu discurso originário já dispunha que "as emissoras de rádio e televisão terão direito a compensação fiscal pela cedência do horário gratuito previsto nesta Lei". Antes dele, o § único do art. 52 da Lei nº 9.096/95 (lei orgânica dos partidos políticos), já havia enunciado que "as emissoras de rádio e televisão terão direito a compensação fiscal pela cedência do horário gratuito previsto nesta Lei". O art. 99 da Lei nº 9.504/97 sofreu alterações pelo art. 58 da Lei nº 12.350/2010; essa lei, editada para dispor sobre medidas tributárias referentes à realização, no Brasil, da Copa das Confederações Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, sobre fomento das atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica nas empresas; "de quebra" deu outras providências, dentre elas a alteração episódica da Lei nº 9.504/97, que trata de eleições, para veicular alteração da metodologia para se calcular o quantum que poderia ser excluído da base de cálculo do imposto de renda pelas pessoas jurídicas (emissoras) cedentes de horário de programação, para a propaganda partidária. De toda sorte, a metodologia do ressarcimento sempre envolveu abatimento de carga tributária com deduções do lucro líquido para efeito de determinação do lucro real, na apuração do imposto sobre a renda da pessoa jurídica (IRPJ), como era de praxe desde a edição do regulamento da Lei nº 9.504/97.
3. Parafernália legislativa inútil para o fim pretendido: o legislador brasileiro, que parece nunca aprender as lições que recebe do STF, mais uma vez tratou de matéria tributária para a qual a Constituição exige "lei específica", no interior de leis que cuidam de outros assuntos. Incabível localizar no âmbito da redução de tributos (por meio da diminuição da base de cálculo do IRPJ pago pelas empresas de telecomunicações) o ressarcimento decorrente da cessão de tempo aos partidos políticos, para isso usando-se os textos da lei orgânica de partidos políticos, da lei regulamentadora das eleições e da lei destinada a regulamentar aspectos de competições de futebol e quejandos, em face do nítido confronto com o princípio da legalidade estrita tratado no § 6º do art. 150 da CF (com redação dada pela EC nº 03/93), cujo texto exige que qualquer redução de base de cálculo (qualquer renúncia de receitas) de impostos seja feita "mediante lei específica", isto é, lei que "...deverá regular exclusivamente as matérias ali enumeradas ou regular exclusivamente o correspondente tributo ou contribuição" (Tércio Sampaio Ferraz Jr., A noção de lei específica no art. 150, § 6º, a CF e a recepção dos Decretos lei ns. 2.163/84 e 1.184/71).
4. Múltiplos precedentes do STF deixam claro o descabimento da desoneração tributária traduzida em norma que não seja "lei específica", ou seja, de lei que não dispõe de organização temática referente a desoneração concedida; noutro dizer: para o caso específico aqui tratado, a redução de base de cálculo de IRPJ em favor de determinados contribuintes, como "subsídio" derivado da abertura de espaço na grade de programação rádio-televisiva para a propaganda partidária, só seria legítima quando feita em lei cujo contexto sistemático fosse específico do tratamento jurídico do imposto de renda de pessoa jurídica; deveras, a concessão de redução de carga fiscal de um determinado tributo só adquire sentido quando feita no interior de uma lei onde a desoneração daquela receita tem sentido jurídico. O que não pode acontecer é o tema - dispensa de receita de IRPJ - ser tratado no âmbito de uma lei que traz preceitos genéricos para organização de partidos políticos, de outra que dispõe sobre normas gerais para eleições, e de uma terceira que trata principalmente da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de 2014. Vera aplicação da jurisprudência sedimentada no STF, sem que isso traduza ofensa a "cláusula de plenário".
5. Ainda: a renúncia de receita ventilada nas Leis ns. 9.096/95, 9.504/97, e 12.350/2010, todas tratando de assuntos muito distintos da matéria "renúncia fiscal", confronta claramente a LC n° 101/2000 (que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências), uma vez que essa legislação, ao tratar da renúncia de receitas exige que toda concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária, da qual decorra renúncia de receita, deverá (a) estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, (b) atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias, (c) também demonstrar que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do seu art. 12, e (d) demonstrar que não serão afetadas as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; deve, alternativamente, estar acompanhada de medidas de compensação, no período em que se der a renúncia de receita, por meio do seu aumento proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Nada disso foi obedecido pelas malsinadas Leis ns. 9.096/95, 9.504/97, e 12.350/2010 e seus decretos regulamentadores.
6. Mesmo que as Leis ns. 9.096/95, 9.504/97, e 12.350/2010 pudessem escapulir dos rigores do § 6º do art. 150 da CF, não escapariam do desacerto em face da LC nº 101/2000, já que as duas primeiras deveriam ter sido adaptadas, oportuno tempore, aos rigores dela, e a terceira precisaria ter sido editada conforme as suas normas.
7. Outra afronta perpetrada pelas Leis ns. 9.096/95, 9.504/97, e 12.350/2010: é estranha a fixação da compensação entre um prejuízo comercial de sociedade empresária (ausência de ingresso de numerário derivado de venda de espaço publicitário) e um tributo devido ao Fisco Federal, sem que se observe o discurso do art. 170 do CTN (a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública) que inequivocamente exige uma lei que minudencie essa atividade, ou seja, que trate de temas como a reciprocidade dos créditos, a efetiva liquidez das dividas, sua exigibilidade e fungibilidade. A regra-mãe da compensação é o artigo 66, § 1º da Lei nº 8.383/91 (a compensação só poderá ser efetuada entre tributos da mesma espécie), que torna difícil aceitar que a reparação por meio de autêntico "subsídio" possa ser realizada com um imposto devido.
8. Nem se venha dizer que o art. 80 da Lei nº 8.713/93 (o Poder Executivo editará normas regulamentando o modo e a forma de ressarcimento fiscal às emissoras de rádio e televisão, pelos espaços dedicados ao horário de propaganda eleitoral gratuita) tem qualquer influência para legitimar o modo legal como o ressarcimento foi tratado nas Leis ns. 9.096/95 e 9.504/97 e nos decretos. Isso porque a Lei nº 8.713/93 foi norma transitória, apenas regulava as eleições de 3/10/93; não poderia produzir efeitos ad aeternum.
9. Destarte, não há espaço jurídico para o deferimento do pedido posto na inicial, vez que as bases legais invocadas pela autora como fonte para um "ressarcimento" mediante compensação fiscal integral pela veiculação da propaganda tratada no § 3º do art. 17 não têm valor constitucional, inclusive à luz da jurisprudência tradicional do STF, e nem lastro infralegal à luz das normas tributárias que regem o campo da compensação fiscal.
10. Apelo improvido: sentença mantida, mas por fundamentação diversa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de setembro de 2015.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 11/09/2015 14:07:01



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026009-66.2007.4.03.6100/SP
2007.61.00.026009-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : AESP ASSOCIACAO DAS EMISSORAS DE RADIO E TELEVISAO DO ESTADO DE SAO PAULO
ADVOGADO : SP161899A BRUNO ROMERO PEDROSA MONTEIRO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : SP000006 DJEMILE NAOMI KODAMA E NAIARA PELLIZZARO DE LORENZI CANCELLIER

RELATÓRIO

O Desembargador Federal Johonsom di Salvo, relator:



Trata-se de ação coletiva ajuizada pela ASSOCIAÇÃO DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO - AESP em face da UNIÃO, objetivando a declaração da inexistência de relação jurídica que autorize a ré a impedir a compensação integral dos prejuízos sofridos em razão da veiculação obrigatória de propaganda eleitoral e partidária gratuita pelas empresas associadas à AESP, bem como que seja reconhecido o direito delas de compensar o crédito formado nos últimos dez anos, atualizados pela SELIC, deduzindo-se os créditos já satisfeitos, com quaisquer tributos federais.

Defende que a forma de cálculo estabelecida pelo Decreto nº 5.331/2005 impede a compensação integral da perda de receita pelas emissoras, autorizando apenas a excluir do lucro líquido, para efeito da determinação do lucro real, valor correspondente a oito décimos do resultado da multiplicação do preço do espaço comercializável pelo tempo que seria efetivamente utilizado pela emissora em programação destinada à publicidade comercial, no período de duração da propaganda eleitoral ou partidária gratuita, o que gera uma perda de 80% do valor do crédito total que as empresas fariam jus caso fossem respeitadas as Leis nºs 8.713/93, 9.096/95 e 9.504/97, pois não podem compensar diretamente o valor, mas apenas deduzir do lucro líquido para efeito de cálculo do IRPJ.

Sustenta que suas associadas têm direito ao ressarcimento integral das perdas decorrentes da transmissão de propaganda eleitoral porque são obrigadas por lei a transmiti-las gratuitamente, assumindo os custos da sua transmissão.
Aduz, ainda, que a compensação fiscal tem caráter indenizatório e que os Decretos nº 1.976/96, 2.814/98, 3.786/2001 e 5.331/2005 desbordaram a função regulamentar porque restringiram o direito concedido pelas Leis nº 8.713/93, 9.095/95 e 9.504/97.

Tutela antecipada indeferida (fls. 155/156).

Contestação às fls. 168/195.

Intimadas a especificar provas, as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (fls. 198 e 204).

Réplica às fls. 205/233.

Em 29.04.2009, a Juíza a qua proferiu sentença, julgando improcedente o pedido, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Condenou a autora ao pagamento de honorários advocatícios de 5% do valor da causa, corrigido monetariamente (fls. 235/239).

Irresignada, a autora interpôs apelação, repisando os termos já exarados na petição inicial (fls. 244/259).

Contrarrazões às fls. 263/266.

É o relatório.

Dispensada a revisão (matéria de direito).


Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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Data e Hora: 11/09/2015 14:06:53



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0026009-66.2007.4.03.6100/SP
2007.61.00.026009-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : AESP ASSOCIACAO DAS EMISSORAS DE RADIO E TELEVISAO DO ESTADO DE SAO PAULO
ADVOGADO : SP161899A BRUNO ROMERO PEDROSA MONTEIRO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : SP000006 DJEMILE NAOMI KODAMA E NAIARA PELLIZZARO DE LORENZI CANCELLIER

VOTO

O Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:


A ASSOCIAÇÃO DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO objetiva nesta ação coletiva o reconhecimento da inexistência de impedimento à compensação integral dos prejuízos sofridos em razão da veiculação obrigatória de propaganda eleitoral e partidária gratuita pelas empresas a ela associadas, bem como que seja reconhecido o direito delas compensarem o crédito relativo aos últimos dez anos, atualizados pela SELIC, deduzindo-se os já satisfeitos, com quaisquer tributos federais.


Afirma que o direito a compensação integral da perda de receita oriunda da exibição obrigatória e gratuita de propaganda eleitoral e partidária foi assegurado pelas Leis nº 8.713/93, 9.096/95 e 9.504/97, porém, os Decretos nº 1.976/96, 2.814/98, 3.786/2001 e 5.331/2005, desbordando do poder regulamentar, impedem a compensação integral das perdas, autorizando apenas a excluir do lucro líquido, para efeito de determinação do lucro real na apuração do IRPJ, valor correspondente a oito décimos do resultado da multiplicação do preço do espaço comercializável pelo tempo que seria efetivamente utilizado pela emissora em programação destinada a publicidade comercial, no período de duração da propaganda eleitoral ou partidária gratuita, implicando em perda de 80% do valor do crédito total que fariam jus caso fossem respeitadas as Leis nº 8.713/93, 9.096/95 e 9.504/97.


Em nosso sistema os partidos políticos não integram a estrutura estatal, são entes privados, mas têm excepcionalmente natureza institucional (STF) dada a sua fundamentalidade para a democracia. A respeito deles dispõe a Carta Magna (destaquei):


"Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos

(...)

§ 3º - Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei."


O que o texto constitucional estabelece é que dos partidos políticos não se exigirá qualquer contraprestação, econômica ou outra, pelo acesso deles ao uso de tempo nas emissões de rádio e de televisão. Isso quer dizer que a propaganda dos partidos políticos (eleitoral ou dogmática) é gratuita para eles, o que não significa que as empresas de telecomunicações devam arcar com eventuais prejuízos decorrentes do uso de seu espaço publicitário - com o qual auferem receitas - pelos partidos políticos. É que o discurso constitucional assegura o acesso gratuito "na forma da lei" e por isso mesmo existe espaço legal para ressarcir de alguma forma as empresas de rádio e de televisão pelo horário que devem destinar aos partidos políticos.


Sucede que o art. 99 da Lei nº 9.504/97 (normas gerais para as eleições) em seu discurso originário já dispunha que "as emissoras de rádio e televisão terão direito a compensação fiscal pela cedência do horário gratuito previsto nesta Lei". Antes dele, o § único do art. 52 da Lei nº 9.096/95 (lei orgânica dos partidos políticos), já havia enunciado que "as emissoras de rádio e televisão terão direito a compensação fiscal pela cedência do horário gratuito previsto nesta Lei".


A regulamentação da maneira como que se daria essa "compensação fiscal" eleita como forma de reparação em favor das empresas de rádio e de televisão, pelo horário cedido sem ônus a ser carreado aos partidos políticos, foi feita por vários decretos (Decretos nº 2.814/98, nº 3.516/2000, nº 3.786/2001 e nº 5.331/2005), que asseguravam uma fórmula aritmética capaz de resultar em um quantum a ser expurgado do lucro líquido das empresas, para se chegar ao lucro real, suficiente para a diminuição de carga de imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ). Assim sendo, as duas leis e os decretos alojaram na esfera tributária o meio de ressarcimento das empresas, permitindo-lhes, com o emprego daquela fórmula, a redução da base de cálculo do imposto de renda apurável e, consequentemente, a ser pago.


Sucede que a forma de ressarcimento pela via tributária cogitada no art. 99 da Lei nº 9.504/97 sofreu alterações pelo art. 58 da Lei nº 12.350/2010.


Essa lei ingressou na ordem normativa brasileira para dispor sobre medidas tributárias referentes à realização, no Brasil, da Copa das Confederações Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, sobre fomento das atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica nas empresas; "de quebra" deu outras providências, dentre elas a alteração episódica da Lei nº 9.504/97, que trata de eleições.


Essas mudanças resultaram na alteração da metodologia para se calcular o quantum que poderia ser excluído da base de cálculo do imposto de renda pelas pessoas jurídicas (emissoras) cedentes de horário de programação, para a propaganda partidária. Portanto, a possibilidade de ressarcimento pela redução fiscal tratada no art. 99 passou a ser a seguinte:


a compensação fiscal consistirá na apuração do valor correspondente a 0,8 (oito décimos) do resultado da multiplicação de 100% (cem por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) do tempo, respectivamente, das inserções e das transmissões em bloco, pelo preço do espaço comercializável comprovadamente vigente, assim considerado aquele divulgado pelas emissoras de rádio e televisão por intermédio de tabela pública de preços de veiculação de publicidade, atendidas as disposições regulamentares e as condições de que trata o § 2o-A; o valor apurado na forma do inciso II poderá ser deduzido do lucro líquido para efeito de determinação do lucro real, na apuração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), inclusive da base de cálculo dos recolhimentos mensais previstos na legislação fiscal (art. 2o da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996), bem como da base de cálculo do lucro presumido. E para a aplicação das tabelas públicas de preços de veiculação de publicidade, para fins de compensação fiscal, dever-se-á atender o disposto no § 2º/A do dispositivo.

Essa é a realidade da metodologia do ressarcimento hoje, mas que em síntese envolve abatimento de carga tributária com deduções do lucro líquido para efeito de determinação do lucro real, na apuração do imposto sobre a renda da pessoa jurídica (IRPJ), como era de praxe desde a edição do regulamento da Lei nº 9.504/97.


Por sinal, atualmente o regulamento do direito a reparação tratado no multicitado art. 99 da Lei nº 9.504/97 é o Decreto nº 7.791, de 17/8/2012, que é bastante didático ao explicar a metodologia do favor fiscal originalmente instituído pelas Leis ns. 9.096/95 (lei orgânica dos partidos políticos) e 9.504/97 (lei geral das eleições) nos seus arts. 2º e 3º.


Sucede que toda essa parafernália legislativa - do art. 52 da Lei nº 9.096/95 até a Lei nº 12.350/2010, passando por todos os decretos regulamentares - engendrada para ressarcir as empresas de rádio e de televisão pelo tempo cedido aos partidos políticos, não tem a menor validade, apesar de tudo o que se tem escrito a favor da sistemática escolhida (redução de carga tributária).


Para começar, não era possível localizar no âmbito da redução de tributos (por meio da diminuição da base de cálculo do IRPJ pago pelas empresas de telecomunicações) o ressarcimento decorrente da cessão de tempo aos partidos políticos, para isso usando-se lei orgânica de partidos políticos, lei regulamentadora das eleições e lei destinada a regulamentar aspectos de competições de futebol e quejandos, em face do princípio da legalidade estrita tratado no § 6º do art. 150 da CF (com redação dada pela EC nº 03/93), cujo texto exige que qualquer redução de base de cálculo (qualquer renúncia de receitas) de impostos seja feita "mediante lei específica", isto é, lei que "...deverá regular exclusivamente as matérias ali enumeradas ou regular exclusivamente o correspondente tributo ou contribuição" (Tércio Sampaio Ferraz Jr., A noção de lei específica no art. 150, § 6º, a CF e a recepção dos Decretos lei ns. 2.163/84 e 1.184/71).


Como de praxe o legislador brasileiro tratou de matéria tributária para a qual a Constituição exige "lei específica" no interior de leis que cuidam de outros assuntos.


Portanto, é descabido instituir tratamento tributário mais favorável às empresas de telecomunicações que levam ao éter propaganda partidária mediante redução de base de cálculo de IRPJ, sem que isso seja feito por "lei específica".


A questão (ausência de "lei específica" como veículo de tratamento fiscal mais favorecido, com diminuição de receitas tributárias) já foi muitas vezes tratada e repelida pelo STF, como demonstram os seguintes arestos do Plenário:


EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 12, caput e parágrafo único, da Lei estadual (PA) nº 5.780/93. Concessão de benefícios fiscais de ICMS independentemente de deliberação do CONFAZ. Guerra Fiscal. Violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, XII, "g", da Constituição Federal.

1. É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal de que são inconstitucionais as normas que concedam ou autorizem a concessão de benefícios fiscais de ICMS (isenção, redução de base de cálculo, créditos presumidos e dispensa de pagamento) independentemente de deliberação do CONFAZ, por violação dos arts. 150, § 6º, e 155, § 2º, inciso XII, alínea "g", da Constituição Federal, os quais repudiam a denominada "guerra fiscal". Precedente: ADI nº 2.548/PR, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ 15/6/07.

2. Inconstitucionalidade do art. 12, caput, da Lei nº 5.780/93 do Estado do Pará, e da expressão "sem prejuízo do disposto no caput deste artigo" contida no seu parágrafo único, na medida em que autorizam ao Poder Executivo conceder diretamente benefícios fiscais de ICMS sem observância das formalidades previstas na Constituição.

3. Ação direta julgada parcialmente procedente.

(ADI 1247, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-157 DIVULG 16-08-2011 PUBLIC 17-08-2011 EMENT VOL-02567-01 PP-00001)

Ementa: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. ISENÇÃO CONCEDIDA A TÍTULO DE AUXÍLIO-TRANSPORTE AOS INTEGRANTES DA POLÍCIA CIVIL E MILITAR EM ATIVIDADE OU INATIVIDADE. AUSÊNCIA DE PRÉVIO CONVÊNIO INTERESTADUAL. PERMISSÃO GENÉRICA AO EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.561/2002 DO ESTADO DO PARANÁ.

1. A concessão de benefício ou de incentivo fiscal relativo ao ICMS sem prévio convênio interestadual que os autorize viola o art. 155, § 2º, XII, g da Constituição.

2. Todos os critérios essenciais para a identificação dos elementos que deverão ser retirados do campo de incidência do tributo (regra-matriz) devem estar previstos em lei, nos termos do art. 150, § 6º da Constituição. A permissão para que tais elementos fossem livremente definidos em decreto do Poder Executivo viola a separação de funções estatais prevista na Constituição. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.

(ADI 2688, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-164 DIVULG 25-08-2011 PUBLIC 26-08-2011 EMENT VOL-02574-01 PP-00015)

A propósito, recente acórdão do mesmo STF é bastante pedagógico a respeito da condenação da prática de conceder benefícios fiscais sem "lei específica", como segue:


EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO TRIBUTÁRIO. LEI PARAENSE N. 6.489/2002. AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA PARA O PODER EXECUTIVO CONCEDER, POR REGULAMENTO, OS BENEFÍCIOS FISCAIS DA REMISSÃO E DA ANISTIA. PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA ABSOLUTA DE LEI FORMAL. ART. 150, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

1. A adoção do processo legislativo decorrente do art. 150, § 6º, da Constituição Federal, tende a coibir o uso desses institutos de desoneração tributária como moeda de barganha para a obtenção de vantagem pessoal pela autoridade pública, pois a fixação, pelo mesmo Poder instituidor do tributo, de requisitos objetivos para a concessão do benefício tende a mitigar arbítrio do Chefe do Poder Executivo, garantindo que qualquer pessoa física ou jurídica enquadrada nas hipóteses legalmente previstas usufrua da benesse tributária, homenageando-se aos princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e da moralidade administrativas (art. 37, caput, da Constituição da República).

2. A autorização para a concessão de remissão e anistia, a ser feita "na forma prevista em regulamento" (art. 25 da Lei n. 6.489/2002), configura delegação ao Chefe do Poder Executivo em tema inafastável do Poder Legislativo.

3. Ação julgada procedente.(ADI 3462, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2010, DJe-030 DIVULG 14-02-2011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-01 PP-00042 RTJ VOL-00219- PP-00163)


Deveras, a reprimenda passada pela Suprema Corte contra o descaso para com o § 6º do art. 150 da CF, seja em sua redação originária, seja à conta da redação mais severa posta pela EC nº 03/93, é antiga, como segue:


EMENTA: Inconstitucionalidade, por contrariar o processo legislativo decorrente do art. 150, § 6º, da Constituição Federal (onde se exige a edição de lei ordinária específica), bem como do princípio da independência dos Poderes (art. 2º), a anistia tributária concedida pelo art. 34, e seus parágrafos, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de 1989, do Estado de Santa Catarina

(ADI 155, Relator(a):  Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/1998, DJ 08-09-2000 PP-00003 EMENT VOL-02003-01 PP-00016)

Esses precedentes do STF deixam claro descabimento da desoneração tributária traduzida em norma que não seja "lei específica", ou seja, de lei que não dispõe de organização temática referente a desoneração concedida; noutro dizer: para o caso específico aqui tratado, a redução de base de cálculo de IRPJ em favor de determinados contribuintes, como "subsídio" derivado da abertura de espaço na grade programação rádio-televisiva para a propaganda partidária, só seria legítima quando feita em lei cujo contexto sistemático fosse específico do tratamento jurídico do imposto de renda de pessoa jurídica; deveras, a concessão de redução de carga fiscal de um determinado tributo só adquire sentido quando feita no interior de uma lei onde a desoneração daquela receita tem sentido jurídico. O que não pode acontecer é o tema - dispensa de receita de IRPJ - ser tratado no âmbito de uma lei que traz preceitos genéricos para organização de partidos políticos, de outra que dispõe sobre normas gerais para eleições, e de uma terceira que trata principalmente da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de 2014.


Claramente não se está aqui declarando qualquer inconstitucionalidade (com violação do art. 97 da CF), mas sim constatando - em especial à luz da jurisprudência plenária do STF - que se a forma de ressarcimento eleita por leis genéricas envolve matéria tributária e por isso conflita com o § 6º do art. 150 da CF, não serve como fundamento jurídico para o pedido da autora.


Mas não é apenas isso.


Convém ponderar que as vias eleitas confrontam com normas infraconstitucionais de observância obrigatória.


A renúncia de receita ventilada nas Leis ns. 9.096/95, 9.504/97, e 12.350/2010, todas tratando de assuntos muito distintos da matéria "renúncia fiscal", confronta claramente a LC n° 101/2000 (que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências), uma vez que essa legislação, ao tratar da renúncia de receitas, estabelece que (destaquei):


Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:      

        I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

        II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

        § 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

        § 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

        § 3o O disposto neste artigo não se aplica:

        I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o;

        II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.


Por aí se vê que, mesmo que as Leis ns. 9.096/95, 9.504/97, e 12.350/2010 pudessem escapulir dos rigores do § 6º do art. 150 da CF, não escapariam do desacerto em face da LC nº 101/2000, já que as duas primeiras deveriam ter sido adaptadas, oportuno tempore, aos rigores dela, e a terceira precisaria ter sido editada conforme as suas normas.


Indo além.


É estranha a fixação da compensação entre um prejuízo comercial de sociedade empresária (ausência de ingresso de numerário derivado de venda de espaço publicitário) e um tributo devido ao Fisco Federal, sem que se observe o discurso do art. 170 do CTN (a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública) que inequivocamente exige uma lei que minudencie essa atividade, ou seja, que trate de temas como a reciprocidade dos créditos, a efetiva liquidez das dívidas, sua exigibilidade e fungibilidade.


Ora, a regra-mãe da compensação é o artigo 66, § 1º da Lei nº 8.383/91 (a compensação só poderá ser efetuada entre tributos da mesma espécie), que torna difícil aceitar que a reparação por meio de autêntico "subsídio" possa ser realizada com um imposto.


Ademais, nem se venha dizer que o art. 80 da Lei nº 8.713/93 (o Poder Executivo editará normas regulamentando o modo e a forma de ressarcimento fiscal às emissoras de rádio e televisão, pelos espaços dedicados ao horário de propaganda eleitoral gratuita) tem qualquer influência para legitimar o modo legal como o ressarcimento foi tratado nas Leis ns. 9.096/95 e 9.504/97 e nos decretos. Isso porque a Lei nº 8.713/93 foi norma transitória, apenas regulava as eleições de 3/10/93; não poderia produzir efeitos ad aeternum.


Assim, não há espaço jurídico para o deferimento do pedido posto na inicial.


Registro que o entendimento ora adotado foi sufragado por esta C. Turma nos autos nº 2002.61.00.028853-4/SP, de minha relatoria, cuja ementa transcrevo a seguir:


APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA BUSCANDO A CONDENAÇÃO DA UNIÃO A RESSARCIR A AUTORA, EM PECÚNIA, PELO TEMPO DISPONIBILIZADO EM RADIODIFUSÃO SONORA, COM A PROPAGANDA PARTIDÁRIA E POLÍTICA "GRATUITA" (ART. 17, § 3º, CF) - ENTIDADE DE UTILIDADE PÚBLICO, IMUNE DO IRPJ, QUE NÃO PODE SE VALER DA DIMINUIÇÃO DE BASE DE CÁLCULO DAQUELA EXAÇÃO PARA APURAÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL, MEDIDA VEICULADA PELA LEGISLAÇÃO (LEIS NS. 9.504/97, ART. 99, E 9.096/95, § ÚNICO DO ART. 52, COM ATUAIS ALTERAÇÕES DO ART. 58 DA LEI Nº 12.350/2010) COMO "MEIO" DE REPARAÇÃO (SUPORTADO PELA UNIÃO) DAS EMISSORAS DE RÁDIO E TV, PELA VEICULAÇÃO DA PROPAGANDA POLÍTICA - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA: PARAFERNÁLIA LEGISLATIVA INSERVÍVEL PARA JUSTIFICAR O RESSARCIMENTO NA ESFERA TRIBUTÁRIA, DIANTE DO PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE (§ 6º DO ART. 150, CF); IMPOSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DE FAVOR FISCAL QUE REDUZ A CARGA TRIBUTÁRIA, SEM QUE ISSO OCORRA POR MEIO DE "LEI ESPECÍFICA" (PRECEDENTES DO STF) - AINDA: CONFLITÂNCIA DAS LEIS NS. 9.504/97, 9.096/95, E LEI Nº 12.350/2010 (BEM COMO SEUS DECRETOS REGULAMENTADORES) COM A LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL, A LC Nº 101/200O, ART. 14 - AFRONTA, AINDA, AO ART. 170 DO CTN E AO ART. 66, § 1º DA LEI Nº 8383/91 - SE AS BASES LEGAIS QUE GARANTIRIAM ÀS EMPRESAS DE RADIODIFUSÃO E TV UM "RESSARCIMENTO" PELA VEICULAÇÃO DA PROPAGANDA POLÍTICO-PARTIDÁRIA NÃO TÊM VALOR PARA O FIM DESEJADO, NÃO HÁ ESPAÇO PARA SE DIZER QUE A AUTORA É PREJUDICADA POR NÃO PODER SE VALER DESSES MESMOS DISPOSITIVOS, TUDO DE MOLDE A SER-LHE CONCEDIDA UMA REPARAÇÃO EM PECÚNIA - SUCUMBÊNCIA INVERTIDA.

1. A autora - entidade de utilidade pública reconhecida nas três esferas de Governo - objetiva nesta ação o seu ressarcimento financeiro pela transmissão e retransmissão de propaganda partidária e eleitoral dita "gratuita" durante os anos de 2000 a 2002, relativa aos dois turnos das eleições ocorridas em 1998, 2000 e 2002; afirma que foi privada de importante fonte de receita na medida em que restou impedida de veicular propaganda comercial (que é sempre vertida no custeio de suas finalidades de interesse público) para utilizar o tempo na veiculação da propaganda cogitada no art. 17, § 3º, da CF. Sendo entidade de utilidade pública, imune da incidência de impostos na forma do art. 150, VI, "c" e § 4º da CF, restou prejudicada em face das emissoras de rádio comerciais (puramente privadas), que - constrangidas à mesma obrigação constitucional - se valem de permissivos normativos (Decretos nº 3.516/2000 e nº 3.786/2001 - Lei nº 9.504/97, art. 99; § único do art. 52 da Lei nº 9.096/95) que permitem o ressarcimento pecuniário sob a forma de redução de base de cálculo de imposto de renda, consistente em operação que lhes permite excluir do lucro líquido o valor correspondente a oito décimos do resultado da multiplicação do preço do tempo de transmissão comercializável para fins de propagando comercial, pelo tempo que seria utilizado pela empresa em programação destinada à publicidade comercial, para fins de apuração do lucro real tributável. Sentença de procedência.

2. O art. 99 da Lei nº 9.504/97 (normas gerais para as eleições) em seu discurso originário já dispunha que "as emissoras de rádio e televisão terão direito a compensação fiscal pela cedência do horário gratuito previsto nesta Lei". Antes dele, o § único do art. 52 da Lei nº 9.096/95 (lei orgânica dos partidos políticos), já havia enunciado que "as emissoras de rádio e televisão terão direito a compensação fiscal pela cedência do horário gratuito previsto nesta Lei". O art. 99 da Lei nº 9.504/97 sofreu alterações pelo art. 58 da Lei nº 12.350/2010; essa lei, editada para dispor sobre medidas tributárias referentes à realização, no Brasil, da Copa das Confederações Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, sobre fomento das atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica nas empresas; "de quebra" deu outras providências, dentre elas a alteração episódica da Lei nº 9.504/97, que trata de eleições, para veicular alteração da metodologia para se calcular o quantum que poderia ser excluído da base de cálculo do imposto de renda pelas pessoas jurídicas (emissoras) cedentes de horário de programação, para a propaganda partidária. De toda sorte, a metodologia do ressarcimento sempre envolveu abatimento de carga tributária com deduções do lucro líquido para efeito de determinação do lucro real, na apuração do imposto sobre a renda da pessoa jurídica (IRPJ), como era de praxe desde a edição do regulamento da Lei nº 9.504/97.

3. Parafernália legislativa inútil para o fim pretendido: o legislador brasileiro, que parece nunca aprender as lições que recebe do STF, mais uma vez tratou de matéria tributária para a qual a Constituição exige "lei específica", no interior de leis que cuidam de outros assuntos. Incabível localizar no âmbito da redução de tributos (por meio da diminuição da base de cálculo do IRPJ pago pelas empresas de telecomunicações) o ressarcimento decorrente da cessão de tempo aos partidos políticos, para isso usando-se os textos da lei orgânica de partidos políticos, da lei regulamentadora das eleições e da lei destinada a regulamentar aspectos de competições de futebol e quejandos, em face do nítido confronto com o princípio da legalidade estrita tratado no § 6º do art. 150 da CF (com redação dada pela EC nº 03/93), cujo texto exige que qualquer redução de base de cálculo (qualquer renúncia de receitas) de impostos seja feita "mediante lei específica", isto é, lei que "...deverá regular exclusivamente as matérias ali enumeradas ou regular exclusivamente o correspondente tributo ou contribuição" (Tércio Sampaio Ferraz Jr., A noção de lei específica no art. 150, § 6º, a CF e a recepção dos Decretos lei ns. 2.163/84 e 1.184/71).

4. Múltiplos precedentes do STF deixam claro o descabimento da desoneração tributária traduzida em norma que não seja "lei específica", ou seja, de lei que não dispõe de organização temática referente a desoneração concedida; noutro dizer: para o caso específico aqui tratado, a redução de base de cálculo de IRPJ em favor de determinados contribuintes, como "subsídio" derivado da abertura de espaço na grade de programação rádio-televisiva para a propaganda partidária, só seria legítima quando feita em lei cujo contexto sistemático fosse específico do tratamento jurídico do imposto de renda de pessoa jurídica; deveras, a concessão de redução de carga fiscal de um determinado tributo só adquire sentido quando feita no interior de uma lei onde a desoneração daquela receita tem sentido jurídico. O que não pode acontecer é o tema - dispensa de receita de IRPJ - ser tratado no âmbito de uma lei que traz preceitos genéricos para organização de partidos políticos, de outra que dispõe sobre normas gerais para eleições, e de uma terceira que trata principalmente da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de 2014. Vera aplicação da jurisprudência sedimentada no STF, sem que isso traduza ofensa a "cláusula de plenário".

5. Ainda: a renúncia de receita ventilada nas Leis ns. 9.096/95, 9.504/97, e 12.350/2010, todas tratando de assuntos muito distintos da matéria "renúncia fiscal", confronta claramente a LC n° 101/2000 (que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências), uma vez que essa legislação, ao tratar da renúncia de receitas exige que toda concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária, da qual decorra renúncia de receita, deverá (a) estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, (b) atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias, (c) também demonstrar que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do seu art. 12, e (d) demonstrar que não serão afetadas as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; deve, alternativamente, estar acompanhada de medidas de compensação, no período em que se der a renúncia de receita, por meio do seu aumento proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Nada disso foi obedecido pelas malsinadas Leis ns. 9.096/95, 9.504/97, e 12.350/2010 e seus decretos regulamentadores.

6. Mesmo que as Leis ns. 9.096/95, 9.504/97, e 12.350/2010 pudessem escapulir dos rigores do § 6º do art. 150 da CF, não escapariam do desacerto em face da LC nº 101/2000, já que as duas primeiras deveriam ter sido adaptadas, oportuno tempore, aos rigores dela, e a terceira precisaria ter sido editada conforme as suas normas.

7. Outra afronta perpetrada pelas Leis ns. 9.096/95, 9.504/97, e 12.350/2010: é estranha a fixação da compensação entre um prejuízo comercial de sociedade empresária (ausência de ingresso de numerário derivado de venda de espaço publicitário) e um tributo devido ao Fisco Federal, sem que se observe o discurso do art. 170 do CTN (a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública) que inequivocamente exige uma lei que minudencie essa atividade, ou seja, que trate de temas como a reciprocidade dos créditos, a efetiva liquidez das dividas, sua exigibilidade e fungibilidade. A regra-mãe da compensação é o artigo 66, § 1º da Lei nº 8.383/91 (a compensação só poderá ser efetuada entre tributos da mesma espécie), que torna difícil aceitar que a reparação por meio de autêntico "subsídio" possa ser realizada com um imposto devido.

8. Nem se venha dizer que o art. 80 da Lei nº 8.713/93 (o Poder Executivo editará normas regulamentando o modo e a forma de ressarcimento fiscal às emissoras de rádio e televisão, pelos espaços dedicados ao horário de propaganda eleitoral gratuita) tem qualquer influência para legitimar o modo legal como o ressarcimento foi tratado nas Leis ns. 9.096/95 e 9.504/97 e nos decretos. Isso porque a Lei nº 8.713/93 foi norma transitória, apenas regulava as eleições de 3/10/93; não poderia produzir efeitos ad aeternum.

9. Como o pedido posto na inicial consiste em receber da UNIÃO um determinado valor em pecúnia derivado de planilhas juntadas aos autos, correspondentes aos critérios normativos de apuração de créditos fiscais (oriundos de redução de base de cálculo de IRPJ) feita conforme os Decretos nº 3.516/2000 e nº 3.786/2001 que vigiam na época, não há espaço jurídico para seu deferimento já que o critério utilizado não tem validade formal. Mais: uma vez que as bases legais - invocadas pela entidade autora - como fonte para as empresas de radiodifusão sonora e de imagens perceberem um "ressarcimento" pela veiculação da propaganda tratada no § 3º do art. 17, não têm valor constitucional, inclusive à luz da jurisprudência tradicional do STF, e nem lastro infralegal à luz das normas tributárias que regem o campo da compensação fiscal, ao fim desejado (reparação) não existe qualquer espaço para se dizer que a requerente foi prejudicada já que, sendo entidade imune ao IRPJ, não pode se valer desses malsinados dispositivos, e por tal razão agora merece que lhe seja pago um ressarcimento em pecúnia.

10. Sentença integralmente reformada, com inversão de sucumbência.


Destarte, a r. sentença de improcedência do pedido deve ser mantida, porém por fundamento diverso.


Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.


Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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