Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/10/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007306-96.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.007306-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : HILDA MOLLO LAURA
: FREDDY ANGEL CONDORI TICONA
ADVOGADO : SP130612 MARIO GLAGLIARDI TEODORO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00073069620114036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. CRIME DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DO DELITO. DEMONSTRAÇÃO. CONTINUIDADE DELITIVA NÃO VERIFICADA. CRIME DE NATUREZA PERMANENTE. CONCURSO FORMAL. DOSIMETRIA. REDUZIDA A PENA BASE E AFASTADA A AGRAVANTE DO ART. 61, II, "F", CP. ART. 33, §3º, CP. PENA DE MULTA. VALOR UNITÁRIO. REDUÇÃO. VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS CIVIS. AUSÊNCIA DE PEDIDO DO ÓRGÃO ACUSATÓRIO. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO EM PARTE.
1- O crime do art. 149, do Código Penal, é de forma vinculada, de molde que a comprovação da materialidade delitiva depende da demonstração de uma das condutas taxativamente previstas no tipo penal: i. submissão da vítima a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva; ii. sujeição do ofendido a condições degradantes de trabalho; iii. restrição da locomoção da vítima em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. Há, ainda, as figuras equiparadas, indicadas nos incisos I e II do §1º, que descrevem as condutas de cercear o uso de qualquer meio de transporte pelo trabalhador ou manter ostensiva vigilância no local de trabalho ou apoderar-se dos seus documentos ou objetos pessoais, tudo com o fim de retê-lo no local de trabalho.
2- O crime de redução à condição análoga à de escravo é caracterizado pela coação, moral, psicológica ou física exercida para impedir ou de sobremaneira dificultar o desligamento do trabalhador de seu serviço.
3- A materialidade e a autoria do delito imputado na denúncia restaram inteiramente demonstradas pelo conjunto probatório produzido nos autos, em especial a prova oral produzida, tanto na fase policial quanto em juízo.
4- O teor dos depoimentos dos policiais que atenderam à ocorrência e da representante do Sindicato das Costureiras que acompanhou a diligência é consistente com os fatos apurados na fase de inquérito, no sentido da precariedade das condições de higiene, salubridade e segurança do local, bem como quanto à extensão da jornada de trabalho (cerca de quinze horas diárias) e aos descontos efetuados da remuneração dos trabalhadores sob a rubrica de despesas com moradia e alimentação.
5- A palavra do ofendido deve ser sopesada cuidadosamente pelo julgador, quer porque pode tender para a indevida imputação da prática delitiva, por vingança ou ambição, por exemplo, quer porque as vítimas, principalmente de certos crimes, podem temer implicações pessoais em função de suas declarações, o que pode, igualmente, comprometer a veracidade dos fatos relatados.
6- Por tais razões, o Código de Processo Penal cuidou de enquadrar tais declarações em capítulo próprio, distinto daquele reservado às testemunhas, isentando a vítima de prestar o compromisso de dizer a verdade.
7- Hipótese em que comprometida a credibilidade das declarações das vítimas, em função da situação de vulnerabilidade em que se encontram, bem como pelas relações de parentesco com os acusados.
8- O crime de redução à condição análoga à de escravo exige que a situação fática perdure no tempo, para que se possa constatar a submissão da vítima ao agente. Trata-se, pois, de infração de natureza permanente, não comportando a incidência das disposições do art. 71 do CP (continuidade delitiva).
9- Reconhecido o concurso formal homogêneo, pois, mediante uma única conduta, os acusados subjugaram nove vítimas, atingindo nove bens jurídicos distintos (a liberdade pessoal de cada trabalhador reduzido à condição análoga à de escravo).
10- Dosimetria da pena. Redução da pena base, pois os motivos do crime declinados na sentença condenatória ("pura ganância"/ fins econômicos) não extrapolam o ordinário em crimes dessa natureza.
11- Descabe aplicar a agravante prevista no art. 61, "g", do Código Penal, porque o abuso de poder previsto na norma é o abuso de uma função pública, de um poder conferido a uma autoridade pública, o que não se verifica no caso dos autos.
12- Ausente recurso do órgão acusatório, também não se afigura possível acolher o parecer da Procuradoria Regional da República pela aplicação supletiva da agravante genérica prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal.
13- A agravante do art. 61, II, "f", do Código Penal, se aplica quando o crime é praticado com abuso de autoridade nas relações privadas (por exemplo, nos casos de tutela) ou quando o agente se vale de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. A norma prescreve mais severa punição quando o crime é praticado por pessoa em quem a vítima deposita sua confiança, o que também não é o caso dos autos.
14- As circunstâncias judiciais desfavoráveis não justificam, no caso concreto, a fixação do regime mais gravoso para início de cumprimento da pena, nos termos do art. 33, §3º, do Código Penal.
16- Redução do valor unitário do dia-multa, em razão da situação econômica dos acusados.
17- Nos termos da jurisprudência consolidada do C. STJ, a permissão legal de cumulação de pretensão acusatória com a indenizatória não dispensa a existência de expresso pedido formulado pelo ofendido, inclusive como forma de garantia do contraditório e da ampla defesa ao acusado.
18 - Inexistindo nos autos pedido expresso nesse sentido, descabe a fixação do valor mínimo para reparação dos danos, nos termos do art. 387, IV, CPP.
17- Apelo defensivo parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso defensivo para, mantendo a condenação dos réus FREDDY ANGEL CONDORI TICONA e HILDA MOLLO LAURA pela prática do crime do art. 149, do Código Penal, reduzir a pena fixada em primeiro grau para 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, bem como para afastar o mínimo fixado para reparação civil dos danos e reduzir o valor do dia-multa para meio salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 22 de setembro de 2015.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 337FE89C4195D7A1
Data e Hora: 22/09/2015 16:23:24



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007306-96.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.007306-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : HILDA MOLLO LAURA
: FREDDY ANGEL CONDORI TICONA
ADVOGADO : SP130612 MARIO GLAGLIARDI TEODORO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00073069620114036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Cuida-se de ação penal pública fundada na denúncia de fls. 336/339 oferecida pelo Ministério Público Federal contra HILDA MOLLO LAURA e FREDDY ANGEL CONDORI TICONA pela prática, em tese, do crime descrito no art. 149, caput, c.c. o art. 29 e com o art. 70 (nove vítimas), todos do Código Penal.

Segundo a denúncia, os acusados, com unidade de desígnios, teriam reduzido nove trabalhadores a condições análogas à de escravo, em oficina de costura situada na Avenida Casa Verde, nº 2421, em São Paulo/SP, no período compreendido entre setembro de 2008 e 11 de setembro de 2009, quando foram presos em flagrante delito.

Consta da inicial que, em 10/09/2009, Eva Roxana Calle Mamani e Julio Coca Cruz registraram um boletim de ocorrência, noticiando que os denunciados mantinham, em uma oficina de costura, algumas pessoas em condições análogas à de escravo.

Em razão de tal notícia, agentes da Polícia Civil, juntamente com a representante do sindicato dos costureiros, diligenciaram até o local, onde teriam verificado que lá moravam e trabalhavam nove cidadãos bolivianos, em condições subumanas, sem registro de trabalho e com jornada de trabalho exaustiva e degradante, ocasião em que os denunciados foram presos em flagrante delito.

A denúncia foi recebida em 18/01/2012 (fl. 343).

Regularmente processado o feito, sobreveio a sentença de fls.501/506, por meio da qual o magistrado a quo julgou procedente a pretensão estatal, condenando os réus FREDDY ANGEL CONDORI TICONA e HILDA MOLLO LAURA pela prática do crime do art. 149, do Código Penal, na modalidade continuada, à pena de 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 41 (quarenta e um) dias-multa, no valor unitário de cinco salários mínimos na data dos fatos.

Fixou, ainda, indenização no valor de R$40.000,00 (quarenta mil reais) para cada uma das vítimas.

Por fim, determinou a expulsão dos condenados, após o cumprimento da pena privativa de liberdade.

Em suas razões de recurso de fls. 525/530, os acusados pugnam por sua absolvição, ao fundamento de que não há provas suficientes para embasar o édito condenatório.

Subsidiariamente, requerem a fixação da pena no mínimo legal e a exoneração do pagamento da pena de multa e da indenização fixadas.

Contrarrazões de recurso às fls. 545/553.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento do recurso defensivo, apenas quanto ao pedido de exoneração do pagamento da indenização fixada em primeiro grau (parecer de fls. 556/562).

É o relatório.

Sujeito à revisão, na forma regimental.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 337FE89C4195D7A1
Data e Hora: 06/08/2015 17:58:17



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007306-96.2011.4.03.6181/SP
2011.61.81.007306-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : HILDA MOLLO LAURA
: FREDDY ANGEL CONDORI TICONA
ADVOGADO : SP130612 MARIO GLAGLIARDI TEODORO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00073069620114036181 3P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Consoante já relatado, os acusados HILDA MOLLO LAURA e FREDDY ANGEL CONDORI TICCONA foram denunciados pela prática do crime do art. 149, caput, do Código Penal, que dispõe, in verbis:

"Redução a condição análoga à de escravo
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência."

Tem-se, portanto, que o crime imputado aos acusados é de forma vinculada, de molde que a comprovação da materialidade delitiva depende da demonstração de uma das condutas taxativamente previstas no tipo penal: i. submissão da vítima a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva; ii. sujeição do ofendido a condições degradantes de trabalho; iii. restrição da locomoção da vítima em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Há, ainda, as figuras equiparadas, indicadas nos incisos I e II do §1º, que descrevem as condutas de cercear o uso de qualquer meio de transporte pelo trabalhador ou manter ostensiva vigilância no local de trabalho ou apoderar-se dos seus documentos ou objetos pessoais, tudo com o fim de retê-lo no local de trabalho.

Importa consignar, desde já, que as condutas descritas na norma incriminadora não dependem da configuração da situação de escravo nos moldes historicamente concebidos (modelo escravagista clássico-romano ou oitocentista, por exemplo), mas das formas contemporâneas de escravidão, quiçá menos ostensivas, mas com consequências igualmente danosas.

Assim é que, hodiernamente, a condição análoga à de escravo é caracterizada pela coação, moral, psicológica ou física exercida para impedir ou de sobremaneira dificultar o desligamento do trabalhador de seu serviço.

Postas tais premissas, tenho que a materialidade e a autoria do delito imputado na denúncia restaram inteiramente demonstradas pelo conjunto probatório produzido nos autos, do qual destaco:

- o boletim de ocorrência nº 30/2009 (fls. 04/08), lavrado em 11/09/2009, perante a DOSAT (Delegacia de Investigação sobre Infrações contra a Organização Sindical e Acidentes de Trabalho), do qual consta:

"Comparecem os investigadores de polícia desta Unidade Especializada conduzindo os indiciados FREDDY ANGEL CONDORI TICONA e HILDA MOLLO LAURA, noticiando a Autoridade que em diligências realizadas ao local sito a Av. Casa Verde nº 2421, e tendo em vista a informação contida no RDO 29/09 desta Distrital, lograram adentrar a residência ali situada, sendo a entrada franqueada por FREDDY ANGEL CONDORI TICONA. No interior do imóvel foi constatado que diversas pessoas trabalhavam em máquinas de costura, residindo no mesmo imóvel, em condições sub-humanas. Ainda, o local foi vistoriado com o apoio da representante do sindicato das costureiras de SP e Osasco, sra. Maria Susicleia Assis. A residência consiste em um imóvel assobradado, estando com todas as janelas e portas trancadas, sendo que em seu interior, na sala, haviam [sic] várias máquinas de costura onde trabalhavam as vítimas acima qualificadas, verificou-se ainda que as acomodações destinadas aos trabalhadores eram exíguas, trancadas e sem ventilação, sendo verificada falta de higiene. Outrossim, foi verificado que os trabalhadores eram alimentados com "ração". Foi solicitada perícia local (msg 148/09), sendo contatado também o Ministério do Trabalho, objetivando a fiscalização do local. Aos indiciados, foi dada voz de prisão em flagrante, sendo ambos conduzidos a esta Delegacia, bem como os trabalhadores que se encontravam no local."

- depoimento em sede policial da vítima JULIA FRANCISCA FERNANDEZ MAMANI (fl. 17):

"Respondeu: que trabalha para o casal Hilda e Freddy há cerca de um ano, sendo que seu horário de trabalho é das 06:00 horas às 22:00 horas, com paradas para almoço e jantar; que o trabalho é remunerado por peça costurada, sendo que no geral recebem R$0,60 (sessenta centavos), R$1,00 (um real) ou R$1,50 (um real e cinquenta centavos) por peça costurada. Que não é registrada em carteira de trabalho. Que trabalham de segunda a sábado até meio dia."

- os depoimentos, colhidos perante a autoridade policial, das vítimas Victor Hugo Quispe Huayhua (fl. 18), Alex Wilder Tarqui Choque (fl. 19), Rodrigo Laura Mollo (fl. 20), Felix Quispe Calle (fl. 21), Graciela Apaza Castillo (fl. 22) e Eva Roxana Calle Mamani (fls. 28/29), todos no sentido de que o trabalho era realizado das 06:00 ou 07:00 horas da manhã até por volta de 22:00 ou 23:00 horas, com intervalos para almoço e jantar, de segunda a sexta-feira e, aos sábados, até meio dia, com remuneração calculada por peça produzida (variável entre R$0,60 e R$1,50), da qual eram descontadas despesas com moradia e alimentação das vítimas;

- o boletim de ocorrência nº 29/2009 (fls. 47/49), lavrado em 10/09/2009, perante a DOSAT (Delegacia de Investigação sobre Infrações contra a Organização Sindical e Acidentes de Trabalho), do qual consta:

"Comparecem as vítimas [Eva Roxana Calle Mamani e Julio Coca Cruz] na companhia da Sra. Maria Susicleia Assis, do sindicato das costureiras, noticiando à Autoridade que na data, horário e local supra declinados, foram postos para fora da residência, a qual também era utilizada como ateliê de costura. Informa a vítima EVA que chegaram ao Brasil no mês de fevereiro, na companhia de seu marido JULIO, sendo que moraram e trabalharam em diversos locais; que há cerca de um mês e meio estabeleceu residência na av. Casa Verde 2421, imóvel pertencente a Sra. Ilda e Sr. Fred, os quais, além da hospedagem e alimentação, empregavam a vítima e seu marido na oficina/ateliê de costura. Que a vítima e seu marido trabalhavam das 06:00 da manhã às 22:30 horas, ou 23:00horas, com horário de almoço e jantar de aproximadamente 30 ou 45 minutos. Que a vítima e seu marido recebiam por peça de roupa costurada, sendo que receberia o valor de R$ 1,00 ou R$1,50 (um real ou um real e cinquenta centavos) a peça. Que até a presente data não recebeu o valor referente à manufatura de tais peças, vez que eram descontados o valor da hospedagem e da alimentação. Que na data de hoje, a averiguada Ilda mandou a vítima e seu marido, os quais possuem uma criança de colo (4 meses) saírem da residência, não efetuando o pagamento do mês trabalhado. [...]"

- termo de declarações prestadas pela vítima Julio Coca Cruz em sede policial (fls. 50/51):

"Que o declarante saiu de seu país natal com destino ao Brasil, mais precisamente para a cidade de São Paulo, com a finalidade de trabalhar em confecção; que, em busca de trabalho, o declarante juntamente com sua esposa EVA, chegaram até as pessoas de HILDA e FREDI, os quais possuem uma oficina de confecção na Av. Casa Verde, nr. 2421. Junto às referidas pessoas combinaram que receberiam por calça costurada R$1,00 (um real) e ali poderiam residir, uma vez que tem um filho recém-nascido. Ocorre que, após um mês e meio de trabalho, nada foi pago e no dia de hoje, HILDA disse ao declarante e sua esposa que deixassem a casa, sem nenhum motivo justificável. Que, está há dois dias sem alimentação e seus pertences pessoais ficaram na casa, uma vez que sem dinheiro não conseguem outro local para se alojarem. [...]"

- laudo nº 39.969/2009 (fls. 86/94), que apontou:

"DOS EXAMES:
Conforme ilustram os anexos fotográficos, foi encontrado completo equipamento de costura nos diversos cômodos em conjunto com alojamentos e cozinha, tudo em estado precário de higiene, salubridade e segurança. Várias pessoas com traços fisionômicos latinos trabalhavam naquela atividade.
Na garagem situada no recuo frontal, dormitórios improvisados. Em outros dois dormitórios, em meio à falta de higiene, crianças dormiam sobre camas.
Em diversos pontos do prédio, a rede elétrica era aparente e improvisada, acarretando perigo de curto-circuito." - grifos meus

A prova testemunhal produzida pela acusação na fase judicial, em especial àquela armazenada na mídia de fl. 478, confirma a materialidade e a autoria do delito:

- Maria Susicléa Assis - assistente de base do Sindicato das Costureiras do Estado de São Paulo (livre transcrição da mídia de fl. 478):

"Houve uma denúncia feita no sindicato, por um casal que queria deixar uma oficina de costura, na Avenida Casa Verde, 2421, mas estariam sendo impedidos por seus empregadores (os réus), que confiscaram os pertences dos trabalhadores, além de negarem o pagamento pelo trabalho realizado.
Levamos então os dois até a Delegacia de Polícia do Bom Retiro, onde foi lavrado o correspondente Boletim de Ocorrência.
Posteriormente, eu acompanhei a polícia em diligência no local dos fatos, na condição de representante do Sindicato das Costureiras.
A casa era um imóvel assobradado, todo fechado, com janelas e portas trancadas. Os dormitórios eram subdivididos e ocupados, cada um, por duas ou três famílias.
O ambiente geral era totalmente insalubre e sujo. As vítimas comiam no local, trabalhavam no local e ficavam presas no local e o horário de trabalho era por volta de seis, sete da manhã até cerca de dez da noite de segunda a sexta e sábados pela manhã.
Os trabalhadores estavam todos irregulares no Brasil e da remuneração mensal, efetuada com base na produção, havia desconto das passagens (da Bolívia para o Brasil) e da alimentação." - grifei

- Agnaldo Neves da Rocha - Policial Civil (livre transcrição da mídia de fl. 478):

"Na véspera da diligência, esteve uma pessoa na Delegacia, acompanhada da representante do Sindicato das Costureiras, afirmando sua família, inclusive com um bebê de quatro meses de idade, fora expulsa de uma oficina de costura onde trabalhava, onde também residia, e que teria sido expulsa do local, sem poder retirar seus pertences e sem receber os pagamentos devidos pelo trabalho realizado.
Em razão do horário, a diligência no local somente foi realizada no dia seguinte.
No local nós encontramos várias pessoas ligadas por vínculos familiares ou casadas entre si. As condições eram bastante precárias: havia um cômodo grande divido em dormitórios por cortinas e o local era todo muito sujo.
No corredor em direção à cozinha, eu verifiquei que havia um saco grande no chão que parecia ser algum tipo de alimento e perguntei o que era, quando fui informado tratar-se de ração.
Em um primeiro momento, pensei que era comida para cachorro, mas, no decorrer da diligência, eles me falaram que aquilo era o que comiam e que era daquele jeito que comiam no país de origem deles.
Os quartos eram muito pequenos e eles usavam colchas de retalhos para dividir o ambiente para cada família.
Lá residiam e trabalhavam cerca de nove pessoas.
Eles informaram que trabalhavam desde seis horas da manhã até mais de dez da noite, com horários reduzidos de alimentação.
Na delegacia, declararam que recebiam por peça produzida, entre R$1,00 ou R$1,50.
Dessa forma, era necessária grande produção para pagar pelas despesas com moradia, alimentação e até banhos.
Inclusive a pessoa que esteve na Delegacia fazendo o Boletim de Ocorrência tinha um bebê de colo e informou que era impedida de fazer intervalos para amamentar a criança.
No dia diligência, todas as janelas do imóvel estavam fechadas."

No mesmo sentido, o depoimento do policial civil Orestes Francisco Torres, qualificado à fl. 477.

De se ver que o teor dos depoimentos é consistente com os fatos apurados na fase de inquérito, no sentido da precariedade das condições de higiene, salubridade e segurança do local, bem como quanto à extensão da jornada de trabalho (cerca de quinze horas diárias) e aos descontos efetuados da remuneração dos trabalhadores sob a rubrica de despesas com moradia e alimentação.

No particular, a ré HILDA confirmou, em seu interrogatório judicial, que cerca de um terço do valor pago aos trabalhadores (que variava entre R$1,00 e R$1,50 por peça produzida) era descontado ao final do mês.

Ainda, inconteste que os réus eram os responsáveis pela manutenção dos trabalhadores em tais condições.

A despeito dos esforços envidados, as vítimas Eva Roxana Calle Mamani e Julio Coca Cruz não foram localizadas (fl. 451), razão pela qual suas declarações não foram colhidas em juízo.

Resta, por fim, a questão das declarações prestadas pelas vítimas Rodrigo e Felix na fase judicial (mídia de fl. 473).

Em Juízo, Rodrigo Mollo Laura afirmou que, na época da prisão em flagrante, trabalhava e morava no local com mais outras cinco pessoas e que cada uma dormia em seu próprio quarto.

Informou que seu horário de trabalho era das 8:00 às 17:00, com intervalo de almoço.

Questionado, informou que discrepância entre a jornada de trabalho declinada na audiência e aquela informada perante a autoridade policial decorre de horas extras que o depoente efetuava por espontânea vontade, a fim de aumentar a produção.

Afirmou que o valor da alimentação não era descontado da sua remuneração e que eram fornecidos alimentos de qualidade, como carne ou frango, com arroz e batatas, e frutas.

Afirmou, por fim, que a moradia era cedida gratuitamente e que o local de trabalho era arejado adequadamente.

Ainda, Felix Quispe Calle afirmou que trabalhava só de segunda a sexta, das oito da manhã às cinco da tarde, mas que, voluntariamente, fazia horas extras.

Informou que seu pagamento era realizado por peça produzida, aproximadamente metade do valor pago à confecção era repassada ao trabalhador.

Alega que residia, juntamente com sua esposa, Nancy e mais cinco trabalhadores, no mesmo imóvel onde ficava a oficina de costura, onde havia cinco quartos no total. Negou a existência de qualquer desconto em sua remuneração, quanto à alimentação ou hospedagem e, também, alegou que o local de trabalho era arejado.

Questionado, afirmou que não prestou depoimento na fase policial, foi apenas chamado para assinar uma declaração, cujo teor negou em juízo.

A palavra do ofendido deve ser sopesada cuidadosamente pelo julgador, quer porque pode tender para a indevida imputação da prática delitiva, por vingança ou ambição, por exemplo, quer porque as vítimas, principalmente de certos crimes, podem temer implicações pessoais em função de suas declarações, o que pode, igualmente, comprometer a veracidade dos fatos relatados.

Inclusive por tais razões, o Código de Processo Penal cuidou de enquadrar tais declarações em capítulo próprio, distinto daquele reservado às testemunhas, isentando a vítima de prestar o compromisso de dizer a verdade.

E, no caso dos autos, creio que as declarações de Rodrigo e Felix não retratam os fatos como se deram.

É sabido que o crime de redução à condição análoga à de escravo está profundamente ligado à aniquilação da dignidade humana e da possibilidade de autodeterminação do trabalhador.

No caso dos autos, os ofendidos são estrangeiros que se encontravam em situação irregular no País, o que já denota situação de vulnerabilidade. Ainda, foram vitimados por seus compatriotas, sendo bastante possível que, após a prisão destes últimos, os trabalhadores tenham a intenção de continuar exercendo funções semelhantes em outras oficinas de costura irregulares.

Demais disso, há vínculos de parentesco entre o ofendido Rodrigo e os acusados, o que prejudica ainda mais a credibilidade de suas declarações.

Consoante destacado pelo órgão acusatório, mesmo após a prisão em flagrante dos réus, o ofendido Rodrigo permaneceu no imóvel, "cuidando" dos filhos menores dos acusados, o que denota a proximidade com seus algozes e possivelmente um senso de dever em relação a eles.

Dessa forma, tenho que tais declarações devem ser analisadas com cautela, como asseverado, com sensibilidade, pelo magistrado sentenciante:

"As declarações das vítimas, no entanto, não gozam da necessária credibilidade.
Ora, a vítima RODRIGO é sobrinho dos réus, continuou morando no local, mesmo após o fechamento da oficina, e, quando de seu depoimento, residia em lugar próximo. O parentesco próximo inibe a vítima de manter fidelidade à realidade dos fatos.
Os ofendidos, sob uma ótica repugnante, mas compreensível, foram coniventes com a ação dos acusados, porque provavelmente já acostumados a trabalhar e viver em condições semelhantes, em seu país de origem, cujo ordenamento jurídico sabidamente não contempla a mesma proteção laboral existente na legislação brasileira.
Assim, acostumados a condições de trabalho degradantes em seu país de origem, ou simplesmente à falta generalizada de trabalho, as "vítimas", ao invés de sentirem revolta, acabam por alimentar um sentimento de agradecimento aos seus algozes, o que, por óbvio, torna imprestáveis os depoimentos prestados.
Assim, tenho como comprovados os fatos descritos na exordial acusatória."

Como bem assinalado pelo Parquet federal, há também importantes discrepâncias entre o quanto declarado pelos ofendidos e pelos acusados:

"Os apelantes divergiram em relação ao fato de os empregados dormirem ou não na oficina - já que HILDA afirmou que apenas Rodrigo, Felix e Nancy lá dormiam, enquanto FREDDY alegou que todos dormiam, exceto Júlio, Eva e Júlia -, bem como quanto ao fato de os alimentos serem ou não descontados do salário."

Reputo, pois, demonstrada a autoria do crime do art. 149, do Código Penal, pelos réus, HILDA MOLLO LAURA e FREDDY ANGEL CONDORI TICONA, nos moldes descritos na denúncia.


Concurso de crimes

No caso dos autos, os acusados foram denunciados pela prática do crime do art. 149 c.c. o art. 70 (contra nove vítimas), ambos do Código Penal.

No entanto, o magistrado sentenciante reconheceu que os crimes imputados na denúncia foram praticados não em concurso formal, mas em continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal).

No particular, a sentença é de ser revista.

O crime de redução à condição análoga à de escravo exige que a situação fática perdure no tempo, para que se possa constatar a submissão da vítima ao agente.

Trata-se, pois, de infração de natureza permanente, não comportando a incidência das disposições do art. 71 do CP (continuidade delitiva).

Neste sentido:

"HABEAS CORPUS. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO NA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. DENÚNCIA DE TRABALHADORES SUBMETIDOS AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO. AÇÃO REALIZADA PELO GRUPO DE FISCALIZAÇÃO MÓVEL EM PROPRIEDADE. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE DAS PROVAS COLHIDAS EM FACE DA AUSÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM.
[...]
4. Ademais, na hipótese vertente os pacientes foram acusados da prática dos delitos de redução a condição análoga à de escravo, frustração de direito assegurado pela lei trabalhista e falsidade documental, sendo que apenas o relativo à falsificação de documento público é instantâneo, já que os demais, da forma como em tese teriam sido praticados, são permanentes. 5. É dispensável o mandado de busca e apreensão quando se trata de flagrante delito de crime permanente, podendo-se realizar as medidas sem que se fale em ilicitude das provas obtidas (Doutrina e jurisprudência). 6. O só fato de os pacientes não terem sido presos em flagrante quando da fiscalização empreendida no estabelecimento não afasta a conclusão acerca da licitude das provas lá colhidas, pois o que legitima a busca e apreensão independentemente de mandado é a natureza permanente dos delitos praticados, o que prolonga a situação de flagrância, e não a segregação, em si, dos supostos autores do crime. Precedente. 7. Ordem denegada."
(STJ, 5ª Turma, HC 109966, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 04/10/2010).

Correta, portanto, a indicação ministerial, pois, mediante uma única conduta, os acusados subjugaram nove vítimas, atingindo nove bens jurídicos distintos (a liberdade pessoal de cada trabalhador reduzido à condição análoga à de escravo).

Sobre o tema, colaciono o seguinte precedente desta Corte:

"PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. COMPETÊNCIA FEDERAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ATENTADO CONTRA A LIBERDADE DE TRABALHO. FRUSTRAÇÃO DE DIREITO ASSEGURADO POR LEI TRABALHISTA. INOCORRÊNCIA. PENA-BASE: REDUZIDA. CONCURSO FORMAL DE CRIMES: MULTIPLICIDADE DE TRABALHADORES. 1. Apelação da Acusação e Defesa contra a sentença que condenou o réu Ronaldo Perão como incurso no artigo 149, §2º, inciso I, c/c artigo 71, ambos do Código Penal e absolveu os demais da imputada prática do crime do artigo 149, caput, §§ 1º e 2º, e artigos 197 e 203, todos do Código Penal.
[...]
14. Com uma só ação foram cometidos crimes, do ponto de vista imediato, contra 21 trabalhadores, de modo que restou caracterizada a ocorrência de concurso formal de crimes, e não de continuidade delitiva. Precedente. Inteligência do artigo 70 do CP. 15. Apelo da acusação improvido. Apelo da defesa parcialmente provido. De ofício reconhecido concurso formal."
(1ª Turma, ACR 00032520620114036111, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/05/2015)

Dosimetria

Na primeira fase da dosimetria da pena, o magistrado a quo valorou negativamente as seguintes circunstâncias judiciais: culpabilidade dos réus, motivos do crime e circunstâncias do delito.

Na segunda etapa da fixação da reprimenda, aplicou a agravante prevista no art. 61, II, "g", CP.

Sem causas de aumento ou de diminuição.

Por fim, reconheceu o concurso de crimes na modalidade do art. 70 do Código Penal, fixando a pena, definitivamente, em 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 41 (quarenta e um) dias-multa, para cada réu.

Neste tópico, o pedido da defesa é de ser parcialmente acolhido.

A culpabilidade dos acusados e as circunstâncias do crime autorizam a fixação da pena base acima do mínimo legal. Sobre o tema, transcrevo o seguinte trecho do parecer da Procuradoria Regional da República, cujos bem lançados fundamentos adoto como razões de decidir:

"A culpabilidade mostrou-se acentuada no caso concreto pelo fato de os apelantes terem explorado pessoas da mesma nacionalidade deles - boliviana -, pois, assim fazendo, demonstram ausência de compaixão com os próprios compatriotas, utilizando-se do conhecimento das dificuldades encontradas no país de origem para submeter seus pares, desamparados e mais vulneráveis, às condições precárias de trabalho e moradia. E mais. Dentre as vítimas, havia uma mulher grávida de seis meses que era submetida à jordana de trabalho de 15h diárias (Graciela Apaza Castillo - fl. 22), e outra com um bebê de quatro meses, a qual era impedida pelos apelantes de interromper o serviço para amamentar a criança e/ou trocar sua fralda (Eva Roxana Calle Mamani- fl. 25).
[...]
No tocante às circunstâncias do delito, além das jornadas de trabalho extensas, salários reduzidos e descontos de alimentos/moradia, cabe destacar a desproporção entre o número de pessoas e a capacidade da residência, a falta de higiene e de segurança no local, inclusive com perigo de curto-circuito, conforme atesta o Laudo à fl. 88."

No entanto, a pena base comporta exasperação em menor grau, considerando que os motivos do crime ("pura ganância"/ fins econômicos) não extrapolam o ordinário em crimes dessa natureza.

Afastada tal circunstância, fixo a pena base em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Na segunda fase, descabe aplicar a agravante prevista no art. 61, "g", do Código Penal, que dispõe, in verbis:

"Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
[...]
II - ter o agente cometido o crime:
[...]
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão."

Isto porque o "abuso de poder" previsto na norma é o abuso de uma função pública, de um poder conferido a uma autoridade pública, o que não se verifica no caso dos autos.

Ausente recurso do órgão acusatório, também não se afigura possível acolher o parecer da Procuradoria Regional da República pela aplicação supletiva da agravante genérica prevista no art. 61, II, "f", do Código Penal.

Demais disso, a agravante se aplica quando o crime é praticado com abuso de autoridade nas relações privadas (por exemplo, nos casos de tutela) ou quando o agente se vale de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

De se ver que a norma prescreve mais severa punição quando o crime é praticado por pessoa em quem a vítima deposita sua confiança, o que também não é o caso dos autos, pois a situação de coabitação é concomitante ao início da prática do delito, inexistindo nos autos qualquer elemento que indique uma situação prévia de relacionamento de confiança entre os réus e os ofendidos.

Não há atenuantes nem concorrem causas de aumento ou diminuição.

Por fim, em razão do concurso formal homogêneo, aplico a fração de ½ (metade) sobre a pena fixada, condenando os réus a 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa.

Apesar das circunstâncias judiciais não serem totalmente favoráveis, não vislumbro necessária a imposição de regime mais gravoso que o legal para início de cumprimento da pena.

Fixo, portanto, o regime semiaberto, nos termos do art. 33, §2º, "b", do Código Penal.

Impossível acolher a pretensão recursal de exoneração dos réus do pagamento da pena de multa, "por insuficiência de recursos", na medida em que a sanção pecuniária integra o preceito secundário da norma penal, não havendo escusa legal para justificar sua não aplicação.

No entanto, devida a redução do valor unitário do dia-multa, pois que o valor fixado em primeiro grau (cinco salários mínimos) não guarda correspondência com a situação econômica dos réus, ao menos do quanto restou comprovado nos autos.

Não reputo adequada a utilização do valor do aluguel mensal pago pelos apelantes (R$2.000,00) como parâmetro exclusivo para demonstração da sua capacidade econômica, pois há que se ter em mente que o prédio era utilizado para fins residenciais e comerciais, tanto da família (o casal e seus sete filhos), quanto dos trabalhadores.

Além disso, o fato de os réus terem sua defesa patrocinada por advogado constituído não pode ser considerado como sinal indicativo da riqueza dos apelantes.

Por outro lado, é certo que o rendimento dos acusados, conforme declinado em seus interrogatórios judiciais, autoriza a fixação do valor unitário do dia-multa em patamar superior ao mínimo legal.

Com efeito, a ré HILDA informou que pagava para os trabalhadores metade do que recebia pela venda das peças, o que, segundo seu depoimento, correspondia a cerca de R$800,00 (oitocentos) reais para cada um dos nove trabalhadores vitimados pela prática delitiva.

Verifica-se, portanto, que a receita familiar, segundo informações da acusada, seria de aproximadamente R$7.000,00 (sete mil reais).

Ainda que se considerem os gastos com a aquisição de tecidos e as despesas com a manutenção da oficina, nos termos do interrogatório judicial, é inegável que os réus percebem rendimentos condizentes com a fixação do valor unitário do dia-multa acima do mínimo legal.

Sopesadas tais circunstâncias, reduzo o valor do dia-multa para meio salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Quanto à fixação de um mínimo para reparação dos danos causados à vítima (art. 387, IV, CPP) pelo magistrado a quo, o recurso da defesa é de ser provido.

Isso porque, nos termos da jurisprudência consolidada do C. STJ, a permissão legal de cumulação de pretensão acusatória com a indenizatória não dispensa a existência de expresso pedido formulado pelo ofendido, inclusive como forma de garantia do contraditório e da ampla defesa ao acusado.

Sobre o tema: STJ, 6ª Turma, AGResp 1206643, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 25/02/2015; 6ª Turma, AGRESP 1383261, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJE 14/11/2013; 5ª Turma RESP 1246709, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJE 09/10/2012).

In casu, inexistindo pedido expresso para fixação do valor mínimo de reparação dos danos, a indenização fixada em primeiro grau fica extirpada da condenação.

Por fim, deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e de determinar a suspensão condicional da pena porque descumpridos os requisitos legais.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso defensivo para, mantendo a condenação dos réus FREDDY ANGEL CONDORI TICONA e HILDA MOLLO LAURA pela prática do crime do art. 149, do Código Penal, reduzir a pena fixada em primeiro grau para 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 25 (vinte e cinco) dias-multa, bem como para afastar o mínimo fixado para reparação civil dos danos e reduzir o valor do dia-multa para meio salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Comunique-se o Juízo das Execuções Criminais e o Ministério da Justiça.

É como voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 337FE89C4195D7A1
Data e Hora: 01/10/2015 17:55:09