Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015478-03.2007.4.03.6105/SP
2007.61.05.015478-0/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado WILSON ZAUHY
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MICENO ROSSI NETO
ADVOGADO : SP109648 CAIO CARNEIRO CAMPOS e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : PAULA ANGELA AMARAL CAUDURO
: ADRIANO ROSSI
: ANDRE LUIZ AMARAL CAUDURO
: SIDONIO VILELA GOUVEIA
No. ORIG. : 00154780320074036105 9 Vr CAMPINAS/SP

EMENTA

PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/86. MANUTENÇÃO DE DEPÓSITOS NO EXTERIOR NÃO DECLARADOS AO BANCO CENTRAL DO BRASIL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO DIREITO À INTIMIDADE (ART. 5º, INCISO X DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE AS CONDUTAS PREVISTAS NAS LEIS NºS. 7.492/86 E 8.137/90. NÃO APLICAÇÃO. ART. 22 DA LEI Nº 7.492/86. NORMA PENAL EM BRANCO. REGRAMENTO POR CIRCULARES DO BACEN. INOBSERVÂNCIA DOS LIMITES TRAÇADOS PELAS CIRCULARES DO BACEN. CONDENAÇÃO MANTIDA.
1. Inexistência de violação, no caso, ao art. 5º, inc. X, da Constituição Federal de 1988, porquanto não há inconstitucionalidade no tipo em questão, podendo a lei exigir a declaração dos valores mantidos no exterior, sem que ocorra afronta ao direito de propriedade ou de locomoção, em relação à saída de bens do país, nos termos do inc. XV do art. 5º da Constituição Federal.
2. Reconhece-se também a plena vigência do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, uma vez que não foi ele derrogado pelo art. 1º da Lei nº 8137/90.
3. Com efeito, a norma prevista na Lei nº 7.492/86 tem por escopo a proteção do Sistema Financeiro Nacional, enquanto a Lei nº 8.137/90 está direcionada ao Sistema Tributário, tutelando bens jurídicos de naturezas distintas.
4. No que diz com o mérito propriamente dito da demanda, o acusado foi condenado, por força da sentença de primeiro grau, porquanto manteve depósitos na conta Ergus n. 60.68.90 no Delta National Bank - NY, entre 2001 e 2004, não declarados às autoridades brasileiras.
5. No ordenamento pátrio, existem uma autarquia e um órgão do Ministério da Fazenda que exigem que as pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no país declarem a existência de depósitos mantidos no exterior: o Banco Central do Brasil - Bacen (art. 1º do Decreto-lei nº 1.060, de 1969 c.c. Circular n.º 2.911, de 29.11.2001, c.c. Circular n.º 3.071, de 07.12.2001 e as que lhe sucederam) e a Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRFB (art. 25, § 4º, da Lei n.º 9.250/95; arts. 798 e 804 do Decreto nº 3.000, de 26.03.1999).
6. O voto do eminente relator, estribando-se no "norte do arcabouço infranormativo complementar da norma penal em branco acima delineado" - vale dizer, de normas complementares ao artigo 22 da Lei nº. 7.492/86, considerou apenas os depósitos existentes "na data exata de 31 de dezembro de cada um dos períodos mencionados - conforme previsão das referidas normas complementares", para aferir se os limites estabelecidos na Circulares do Banco Central que elenca foram ultrapassados.
7. Ocorre que não é esse o espírito da norma traçada pelo artigo 22 da Lei nº. 7.492/96. Esse artigo, embora reclame complementação - por ser norma penal em branco -, não faz qualquer alusão em termos de corte temporal, para o fim de consideração do quantum mantido em depósito no exterior. Apenas em seu caput tipifica "efetuar operação de câmbio não autorizada com o fim de promover evasão de divisas do País", para, no seu parágrafo único, enquadrar nesse tipo penal quem "promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente".
8. Conforme se percebe, na lei não há qualquer menção às datas em que essas operações financeiras e os consequentes depósitos no exterior foram feitos; e, aliás, nem poderia fazê-lo, pois o seu escopo, conforme reconhece a doutrina colacionada, é proteger o sistema tributário e as reservas cambiais do País, o que se tornaria inócuo, se considerado apenas os depósitos existentes em 31/12 de cada exercício fiscal, diante da possibilidade do estabelecimento de um verdadeiro trampolim, com o levantamento de tais depósitos nos dias que se aproximam do final do ano, com a volta deles logo no início do ano seguinte - o que, aliás, teria acontecido no presente caso, conforme notou o e. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA em seu voto divergente.
9. Assim, considero que as circulares do BACEN, em questão, apenas complementam o artigo 22 da Lei nº. 7.492/86, no sentido de estabelecer limites para isenção da obrigação de comunicar àquela instituição a existência de depósitos no exterior, sendo que a data de "31 de dezembro do ano-calendário" serve para se fazer a conversão da moeda estrangeira, em Reais, para os fins a que se destina, inclusive de declaração de rendimentos, nos termos do § 4º do artigo 25 da Lei 9.250/95, também anteriormente transcrito. As comunicações à Receita Federal e ao Bacen, entretanto, devem ser feitas com base no maior volume de depósitos em moeda estrangeira mantido durante todo o ano, convertido pela cotação cambial do Real em 31/12.
10. No presente caso, conforme bem observado pelo MMº Juiz prolator da sentença, o exame dos documentos que constam dos autos - demonstrativos de transferências eletrônicas - (fls. 48/49 do apenso VI - 31/10/01 - fl.54, em 30/11/01, fl.56 em 31/12/01, fl.57 em 31/01/02, e dos demais documentos, todos encartados no volume VI do inquérito policial 9-0386/2009), mostra a existência de valores bastante superiores ao estabelecido nas Circulares e Resoluções poucos dias antes do ano base, momento em que os valores eram transferidos, retornando às contas poucos dias após a passagem do ano, fato que evidencia que em 31 de dezembro do ano base tais valores ainda se encontravam fora do país.
11. Desse modo, flagrante o estratagema adotado pelo acusado a fim de burlar, de camuflar o cometimento da infração, o que não pode beneficiá-lo, sob pena de abrir-se grave precedente para a impunidade.
12. Nesse passo, de relevo salientar-se que o crime em comento é permanente, porque prevê a modalidade de manter o depósito nas contas. A exemplo, cito as jurisprudências que a essa natureza se reportam (STJ HC 6.611, Felix Fischer, 5ª Turma, DJ 8/6/98; TRF3 AC200361810046790, Cotrim Guimarães, 2ª Turma, 2/3/2010) e assim considerando há que se ater ao cenário fático-jurídico mostrado pela universalidade dos depósitos, em sua visão conglobante.
13. Com relação à continuidade delitiva, é descabido falar-se em tal modalidade para o crime de evasão de divisas, tipificado no art. 22, parágrafo único, parte final, da Lei n.º 7.492/86, eis que, segundo pacífico entendimento doutrinário, se trata de crime permanente (ACR n.º 2002.61.81.003540-4, in DJE de 05.03.2015).
14. Recursos improvidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, por maioria, negar provimento ao recurso da defesa, nos termos do voto do Juiz Fed. Conv. Renato Toniasso, acompanhado pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o relator que lhe dava provimento para o efeito de reformar a sentença para absolver o réu com esteio no art. 386, III do CPP e, nos termos do voto médio do Juiz Fed. Conv. Renato Toniasso, negar provimento ao recurso ministerial, sendo que o relator não conhecia da apelação interposta pelo Ministério Público Federal e o Des. Fed. Hélio Nogueira que lhe dava parcial provimento para reconhecer a continuidade delitiva, bem como, de ofício, reduzir a pena de multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 01 de dezembro de 2015.
RENATO TONIASSO
Juiz Federal Convocado


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