Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/11/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002040-11.2006.4.03.6115/SP
2006.61.15.002040-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : VAMBERTO DELL PIAGGI
ADVOGADO : SP150869 MARCELO BRANQUINHO CORREA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00020401120064036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. ARTIGO 334, § 1º, "C", DO CÓDIGO PENAL. FALTA DE PROVA SEGURA DA MATERIALIDADE DELITIVA. NÃO COMPROVADA A SUPOSTA ORIGEM ESTRANGEIRA DOS BRINQUEDOS APREENDIDOS EM PODER DO ACUSADO, EM TESE, DESCAMINHADOS. ABSOLVIÇÃO MANTIDA, COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 386, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ARTIGO 296, § 1º, II, DO CÓDIGO PENAL. SELOS VERDADEIROS DO INMETRO UTILIZADOS INDEVIDAMENTE PELO RÉU, A PARTIR DE SUA ILÍCITA APOSIÇÃO DIRETA EM BRINQUEDOS A ELES NÃO CORRESPONDENTES, EM DETRIMENTO DE SUA CERTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA E EM PROVEITO PRÓPRIO, NO ÂMBITO DE SEU ESTABELECIMENTO COMERCIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. DOLO CONFIGURADO. DOSIMETRIA E SUBSTITUIÇÃO REGULARMENTE REALIZADAS NOS TERMOS DA SENTENÇA. APELOS DA DEFESA E DA ACUSAÇÃO IMPROVIDOS.
1. Em suas razões de apelação (fls. 1002/1027), o Parquet Federal postula a reforma parcial da r. sentença, para que o réu seja condenado, também, pela prática delitiva descrita no artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal, bem como para que seja aumentada a pena a ele imposta pelo magistrado sentenciante, em relação ao delito do artigo 296, § 1º, II, do Código Penal.
2. No entanto, inexiste nos autos qualquer prova segura acerca da suposta origem estrangeira das mercadorias apreendidas em poder do réu em seu estabelecimento comercial, ônus este pertencente à acusação.
3. Ainda que o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal n. 0812200/32870/07 tenha mencionado que os brinquedos apreendidos eram, em tese, estrangeiros, fato é que deixou de especificar o respectivo país de origem ou procedência de qualquer das mercadorias discriminadas às fl. 05/12 do Apenso II. Ademais, a prova testemunhal colhida nos autos nada esclarece a esse respeito. Tampouco houve a confecção de Laudo Merceológico a fim de suprir, eventualmente, tal omissão.
4. Assim, havendo fundada dúvida quanto à materialidade delitiva, de rigor a manutenção da sentença absolutória relativamente ao delito do artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal, em observância ao princípio jurídico da presunção de inocência (in dubio pro reo), nos termos do artigo 386, II, do Código de Processo Penal.
5. De resto, devidamente realizada e fundamentada a dosimetria das penas impostas ao réu, no mínimo patamar legal, pelo Juízo Federal a quo (fl. 994-v), em razão da prática delitiva descrita no artigo 296, § 1º, II, do Código Penal, bem como a substituição da pena corporal, na forma do artigo 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal.
6. A despeito do postulado pela defesa, os elementos de cognição demonstram que "VAMBERTO", de forma livre e consciente, em 04/08/2006, utilizou indevidamente diversos selos verdadeiros do INMETRO, a partir de sua aposição ilícita em parte dos brinquedos apreendidos, com os quais não guardavam qualquer correspondência, em detrimento de sua certificação compulsória e em proveito próprio, no âmbito de suas atividades comerciais desenvolvidas no "Hiper Lojão do Real" (Vamberto Dell Piaggi EPP), em São Carlos/SP: Requerimentos de Confirmação da Certificação de Brinquedos preenchidos pelo órgão certificador (fls. 38/39, 42/43 e 45/46 do Apenso II); Termo de Constatação e cópia exemplificativa de uma das cartelas de selos encontradas na loja autuada (fls. 47/48 do Apenso II); Ofício n. 346/Dqual/INMETRO de 11/09/2008 (fls. 122/123); declarações manuscritas das testemunhas de defesa (fls. 207 e 210); depoimentos das testemunhas em sede policial (fls. 38/40) e em juízo (fls. 914/916-mídia); interrogatórios do réu em sede policial (fls. 36/37 e 94/96) e em juízo (fls. 944/945-mídia).
7. Destarte, incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, em relação à prática do delito previsto no artigo 296, § 1º, II, do Código Penal, impondo-se, de rigor, a manutenção do decreto condenatório, bem como da dosimetria das penas a ele fixadas no mínimo patamar legal e da substituição da pena corporal, na forma do artigo 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal, e em consonância com sua situação econômica evidenciada nos presentes autos.
8. Apelos da defesa e da acusação improvidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos de apelação interpostos pela acusação e pela defesa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de novembro de 2015.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002040-11.2006.4.03.6115/SP
2006.61.15.002040-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : VAMBERTO DELL PIAGGI
ADVOGADO : SP150869 MARCELO BRANQUINHO CORREA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00020401120064036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pela defesa de VAMBERTO DELL PIAGGI, em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara Federal Criminal de São Carlos/SP, que absolveu o réu dos delitos descritos nos artigos 334, § 1º, "c", e 296, § 1º, I, ambos do Código Penal, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, condenando-o, todavia, pela prática do crime previsto no artigo 296, § 1º, II, do mesmo diploma legal.

Narra a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (fls. 175/181):

Consta do incluso inquérito policial que, no dia 04/08/2006, em horário não esclarecido, no estabelecimento comercial denominado "Hiper Lojão do Real", localizado na rua Episcopal, nº 1.091, região central desta cidade, VAMBERTO DELL PIAGGI, em proveito próprio e no exercício de atividade comercial, expunha à venda e mantinha em depósito diversos brinquedos, de procedência estrangeira e sem a necessária cobertura de documentação legal (notas fiscais), que sabia serem produtos de introdução clandestina ou de importação fraudulenta por parte de outrem.
Consta, também, que, na mesma oportunidade, VAMBERTO DELL PIAGGI, ainda na qualidade de responsável pelo estabelecimento comercial em questão, utilizava indevidamente selos verdadeiros, porém sem guardar correspondência com os produtos em que foram colocados, e selos falsificados, em prejuízo do Fisco, no tocante à fiscalização do estabelecimento e detecção de mercadoria em condições irregulares de mercancia, e do consumidor, quanto à origem, qualidade e responsabilidade decorrente de sua exposição a consumo.
Restou apurado que, em operação conjunta da Polícia Federal e da Receita Federal, impulsionada por "denúncias"/informações anônimas da ocorrência de descaminho, uso de selos falsos, infrações trabalhistas e venda de cigarros falsificados, e realizada no estabelecimento comercial denominado "Hiper Lojão do Real", mantido sob a responsabilidade de VAMBERTO DELL PIAGGI, foi encontrada grande quantidade de produtos de origem estrangeira (brinquedos), num total de 2.052 (duas mil e cinquenta e duas) unidades, além de 177 (cento e setenta e sete) selos do INMETRO, não vinculados/anexados aos produtos respectivos. Parte dessa mercadoria estava exposta à venda e o restante era mantido em depósito, porém vinculado à atividade comercial por ele explorada (Auto de Apreensão à fl. 41 e amostra à fl. 44).
No decorrer dos trabalhos de verificação e individualização das mercadorias arrecadadas na loja, a fiscalização encontrou, ocultos, mais 3.994 (três mil, novecentos e noventa e quatro) selos de qualificação de produtos e com inscrição do INMETRO, distribuídos em quatro blocos de cartelas inseridos em sacos plásticos, parte destes com as inscrições "Toys" e "Made in China". Ou seja, uma quantidade muito superior ao volume de brinquedos arrecadados. O material foi apreendido (Auto de Apreensão à fl. 73).
A Receita Federal do Brasil selecionou produtos sem amparo em notas fiscais ou documento equivalente, lavrando, na sequência, Auto de Infração (AI), categórico ao reconhecer a sua origem estrangeira, e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (TAGF), o qual traz a listagem completa das mercadorias em situação irregular, atribuindo-lhes o valor de R$ 12.191,00 (doze mil, cento e noventa e um reais) (fls. 03/12 do apenso II).
Mais adiante, a Receita Federal do Brasil informou o valor dos tributos federais iludidos com a importação irregular da mercadoria: R$ 6.095,50 (seis mil, noventa e cinco reais e cinquenta centavos) (em anexo).
Oficiado pela Receita Federal, o INMETRO, em resposta, esclareceu, dentre outras coisas, que o comerciante não pode apor o selo no produto, tarefa a ser realizado pelo respectivo fabricante, importador ou distribuidor, porém antes de sua disponibilização no comércio (Ofício nº 346, de 11/09/2008 - fls. 122/3).
Os 3.994 selos descobertos pela fiscalização durante os trabalhos de especificação das mercadorias foram submetidos à perícia. O respectivo Laudo de Exame Documentoscópico (Autenticidade Documental) (fls. 136/40), produzido pelo Setor-Técnico-Científico da Polícia Federal, concluiu (a) pela provável falsidade de 2000 (dois mil) selos relativos à empresa (importadora) neles identificada como "Lambda Imp. Ind. E Com. Ltda." (CNPJ n. 03.706.308/0001-46), tendo em vista a invalidez da inscrição de tal importadora no CNPJ, verificada após consulta ao sítio eletrônico da Receita Federal do Brasil; e (b) que os demais selos (1.994), relativos à empresa "Spectrum Import Importação e Comércio Ltda." (CNPJ nº 06.004.561/001-45), apesar de não apresentarem indícios de falsidade, não se prestam a certificar os produtos respectivos, pois "As cartelas de selos com nome do Inmetro e do Instituto Betontec de Avaliação de Conformidade - IBAC não representam a realidade do mercado atual, pois o IBAC não mais atua como Organismo Certificador de brinquedos. Além disso, os selos se referem à extinta, a ABNT NBR 11786, quando estamos trabalhando desde 2005 com a Norma Mercosul NM 300. Desta forma, os selos encaminhados anexos aos ofício mencionado for[a]m caracterizados como desatualizados pelo Inmetro" (resposta do INMETRO à consulta realizada pelos experts)
Após a realização de consultas junto a entidades certificadoras, a Receita Federal do Brasil obteve a informação de que os produtos apreendidos, afora a ausência de notas fiscais, não detinham a certificação compulsória ou apresentavam itens sem adequação ao certificado e segurança informado na etiqueta de identificação. Ou seja, os produtos continham selos que não correspondiam à respectiva certificação, como se verifica da tabela constante de fl. 42 do apenso II.
Ao final do procedimento fiscal, a Receita Federal do Brasil, em razão da irregularidade que envolveu a comercialização dos brinquedos apreendidos, devidamente minudenciada em relatório específico (fls. 13/35 do apenso II), aplicou a pena (administrativa) de perdimento dos bens (Ofício nº 106, de 04/09/2008 - fl. 112).
A gerência e administração do empreendimento no interesse do qual os produtos, em parte, estavam expostos à venda e, em parte, eram mantidos em depósito com a perspectiva de venda ulterior, sem a necessária cobertura de notas fiscais (ou documento equivalente) e acompanhados de selos de certificação, em parte, falsificados e, em parte, autênticos, porém sem correspondência, estavam a cargo VAMBERTO DELL PIAGGI, como se pode inferir de suas declarações (fls. 36/7 e 94/6), os depoimentos de Aline Franciane Pereira Barbosa (fl. 38) e Clovis Vicente Dulci (fls. 39/40), respectivamente funcionária e contador da empresa, e do resultado da diligência conjunta deflagrada pela Polícia Federal e pela Receita Federal do Brasil.

A denúncia do Parquet Federal foi recebida em 14/09/2010 (fl. 182).

Resposta à acusação (fls. 201/205).

Decisão afastando as hipóteses de absolvição sumária previstas no artigo 397 do Código de Processo Penal e determinando o prosseguimento do feito (fls. 780).



Notitia criminis inqualificada (fls. 06/07 e 24); amostra (fl. 44); Auto de Apreensão (fl. 41); Auto de Apreensão (fl. 73); Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal n. 0812200/32870/07 (fls. 03/12 do Apenso II); Relatório Fiscal Específico (fls. 13/36 do Apenso II); Requerimentos de Confirmação da Certificação de Brinquedos preenchidos pelo órgão certificador (fls. 38/39, 42/43 e 45/46 do Apenso II); Termo de Constatação e cópia exemplificativa de uma das cartelas de selos encontradas na loja autuada (fls. 47/48 do Apenso II); Ofício n. 346/Dqual/INMETRO de 11/09/2008 (fls. 122/123); Laudo de Exame Documentoscópico (autenticidade documental) n. 795/2008-UTEC/DPF/POR/SP (fls. 136/140); Relatório Policial (fls. 141/148); Termo de Entrega e Depósito n. 3/2009 (fl. 153); Termo do valor de tributo sonegado (fls. 169/170); declarações manuscritas das testemunhas de defesa (fls. 207/210); depoimentos das testemunhas em sede policial (fls. 38/40) e em juízo (fls. 804/808-mídia, 871/873-mídia, 914/916-mídia, 926/928 e 942/943); interrogatórios do réu em sede policial (fls. 36/37 e 94/96) e em juízo (fls. 944/945-mídia).

Alegações finais da acusação (fls. 948/966) e da defesa (fls. 971/982).

Após regular instrução, sobreveio a sentença de fls. 984/995, que julgou parcialmente procedente a denúncia e absolveu VAMBERTO DELL PIAGGI da prática delitiva descrita nos artigos 334, § 1º, "c", e 296, § 1º, I, ambos do Código Penal, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, condenando-o, todavia, a 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 01 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, pelo cometimento do delito do artigo 296, § 1º, II, do Código Penal, ficando substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e mais 10 (dez) dias-multa, também no valor unitário de 01 (um) salário mínimo vigente à época dos fatos, a título de multa substitutiva.

Publicada a sentença em 22/02/2013 (fl. 996).

Apela o Parquet Federal (fls. 1000/1027), pleiteando a reforma parcial da sentença, para que o réu seja condenado, também, pela prática delitiva descrita no artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal, bem como para que seja aumentada a pena a ele imposta pelo magistrado sentenciante, em relação ao delito do artigo 296, § 1º, II, do Código Penal.

Contrarrazões da defesa (fls. 1033/1040), pelo desprovimento do apelo ministerial.

Apela a defesa (fls. 1053/1060), postulando a reforma parcial da r. sentença, para que réu seja absolvido, também, da acusação de ter cometido o delito do artigo 296, § 1º, II, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

Contrarrazões ministeriais (fls. 1077/1094), pelo desprovimento do apelo da defesa.

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 1097/1100), pelo desprovimento do recurso da defesa e pelo parcial provimento do apelo ministerial tão somente para que seja majorada acima do mínimo-legal a pena-base então fixada ao réu pelo cometimento do delito do artigo 296, § 1º, II, do Código Penal.

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 16/09/2015 18:52:04



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002040-11.2006.4.03.6115/SP
2006.61.15.002040-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : VAMBERTO DELL PIAGGI
ADVOGADO : SP150869 MARCELO BRANQUINHO CORREA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00020401120064036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

I - DA APELAÇÃO MINISTERIAL

Em suas razões recursais (fls. 1002/1027), o Parquet Federal postula a reforma parcial da r. sentença, para que o réu seja condenado, também, pela prática delitiva descrita no artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal, bem como para que seja aumentada a pena a ele imposta pelo magistrado sentenciante, em relação ao delito do artigo 296, § 1º, II, do Código Penal.

O apelo ministerial não comporta provimento.

Conforme bem observado pelo Juízo de 1º grau à fl. 986 da sentença e também pela Procuradoria Regional da República à fl. 1099 do parecer ministerial, inexiste nos autos qualquer prova segura acerca da suposta origem estrangeira das mercadorias apreendidas em poder do réu em seu estabelecimento comercial, ônus este pertencente à acusação.

Ainda que o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal n. 0812200/32870/07 tenha mencionado que os brinquedos apreendidos eram, em tese, estrangeiros, fato é que deixou de especificar o respectivo país de origem ou procedência de qualquer das mercadorias discriminadas às fl. 05/12 do Apenso II. Ademais, a prova testemunhal colhida nos autos nada esclarece a esse respeito. Tampouco houve a confecção de Laudo Merceológico a fim de suprir, eventualmente, tal omissão.

Assim, havendo fundada dúvida quanto à materialidade delitiva, de rigor a manutenção da sentença absolutória relativamente ao delito do artigo 334, § 1º, "c", do Código Penal, em observância ao princípio jurídico da presunção de inocência (in dubio pro reo), nos termos do artigo 386, II, do Código de Processo Penal.

Nessa linha, trago à colação julgados deste TRF3:

PENAL. ARTIGO 334, § 1º, ALÍNEA "C". CONTRABANDO. MÁQUINA CAÇA-NÍQUEL. AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE. ORIGEM ESTRANGEIRA DA MERCADORIA. NÃO COMPROVAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. APELO PROVIDO.
1. Ausência de prova da materialidade delitiva.
2. Inexistência de prova da origem estrangeira da máquina "caça-níquel" ou de seus componentes.
3. Necessidade de prova da origem estrangeira da mercadoria para configuração do crime previsto no artigo 334, § 1º, alínea "c", do Código Penal.
4. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça: CC 125.723/SP, Terceira Seção, Rel. Des. Convocada Marilza Maynard, j. 04/02/2013, DJE 20/02/2013; CC 117.352/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, j. 28/09/2011, DJE 07/12/2011; CC 103.301/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, j. 14/10/2009, DJE 22/10/2009; AgRg no REsp 1.329.328/ES, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, j. 22/05/2014, DJE 30/05/2014.
5. Apelação provida.
(TRF 3ª Região, 11ª TURMA, ACR 0007874-87.2013.4.03.6102, Rel. JUIZ CONVOCADO SIDMAR MARTINS, j. em 28/07/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/08/2015, grifos nossos)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APREENSÃO DE MÁQUINAS VÍDEO-BINGO, VÍDEO-POQUER e CAÇA-NÍQUEL EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL. MATERIALIDADE NÃO DEMONSTRADA. NÃO COMPROVAÇÃO DA IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE COMPONENTES "SUPOSTAMENTE" ESTRANGEIROS DAS MÁQUINAS. NÃO COMPROVAÇÃO DA CIÊNCIA DOS RÉUS DA EXISTÊNCIA DE COMPONENTES ESTRANGEIROS NO INTERIOR DAS MÁQUINAS. CONTRABANDO (ART. 334, §1º, "C", DO CP). AFASTADO. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. Materialidade não demonstrada.
2. O crime de contrabando não se tipifica apenas com a utilização de máquinas que contenham no seu interior peças importadas, é preciso que as mercadorias tenham sido importadas clandestinamente.
3. O Ministério Público deve apontar indícios concretos acerca da origem estrangeira dos equipamentos eletrônicos, bem como da ciência do acusado no tocante à introdução clandestina do produto no país, sendo insuficiente, para tanto, a mera presunção da importação irregular tão somente pelo fato do produto não conter a indicação do local em que a empresa está estabelecida.
4. Sentença de absolvição mantida.
5. Apelação Improvida.
(TRF 3ª Região, 1ª TURMA, ACR 0007684-34.2007.4.03.6103, Rel. DES. FED. MARCELO SARAIVA, j. em 05/05/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/05/2015, grifos nossos)

De resto, devidamente realizada e fundamentada a dosimetria das penas impostas ao réu, no mínimo patamar legal, pelo Juízo Federal a quo (fl. 994-v), em razão da prática delitiva descrita no artigo 296, § 1º, II, do Código Penal, bem como a substituição da pena corporal, na forma do artigo 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal.

Com efeito, compulsando os autos, não vislumbro a presença de quaisquer das circunstâncias judiciais alegadas pelo Parquet Federal às fls. 1018/1025, a justificarem eventual exasperação das penas-bases inicialmente fixadas, nos moldes do artigo 59 do Código Penal.

Destarte, nego provimento ao recurso ministerial.


II - DA APELAÇÃO DA DEFESA

Em suas razões recursais (fls. 1054/1060), VAMBERTO DELL PIAGGI pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para que seja absolvido, também, da acusação de ter cometido o delito do artigo 296, § 1º, II, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

A despeito do postulado pela defesa, os elementos de cognição demonstram que "VAMBERTO", de forma livre e consciente, em 04/08/2006, utilizou indevidamente diversos selos verdadeiros do INMETRO, a partir de sua aposição ilícita em parte dos brinquedos apreendidos, com os quais não guardavam qualquer correspondência, em detrimento de sua certificação compulsória e em proveito próprio, no âmbito de suas atividades comerciais desenvolvidas no "Hiper Lojão do Real" (Vamberto Dell Piaggi EPP), em São Carlos/SP: Requerimentos de Confirmação da Certificação de Brinquedos preenchidos pelo órgão certificador (fls. 38/39, 42/43 e 45/46 do Apenso II); Termo de Constatação e cópia exemplificativa de uma das cartelas de selos encontradas na loja autuada (fls. 47/48 do Apenso II); Ofício n. 346/Dqual/INMETRO de 11/09/2008 (fls. 122/123); declarações manuscritas das testemunhas de defesa (fls. 207 e 210); depoimentos das testemunhas em sede policial (fls. 38/40) e em juízo (fls. 914/916-mídia); interrogatórios do réu em sede policial (fls. 36/37 e 94/96) e em juízo (fls. 944/945-mídia).

Segundo apontado pelo Relatório Fiscal específico acostado às fls. 13/36 do Apenso II (grifos nossos), inclusive com registro de imagens:

[...] durante a operação realizada em 04/08/2006, foram encontrados no segundo andar do estabelecimento supra, vários selos de certificação Inmetro. Eles estavam soltos, sem nenhuma referência a quais brinquedos pertenciam, eram novos e passíveis de serem apostos em quaisquer itens. Tal situação evidenciava um elevado risco de irregularidade na utilização dos Selos Certificadores, já que poderiam ser colados em qualquer brinquedo existente no estabelecimento. Considerando que o estabelecimento fiscalizado não é o importador, muito menos o fabricante dos brinquedos, não faz sentido a existência dos selos naquela condição.
Prosseguindo nas averiguações, os servidores da Receita Federal constataram também a existência de brinquedos importados expostos à venda sem Selo Certificador, bem como dois Selos apostos no mesmo item - situações que contrariam a legislação que regulamenta o assunto.
Por tudo já relatado, vislumbrou-se naquele momento que além da possibilidade quanto a irregularidades na importação dos bens, poder-se-ia ter também infrações referentes à Certificação. Assim, com base nos indícios existentes, as mercadorias foram apreendidas para posterior conferência.
Após a realização da deslacração das caixas contendo os itens apreendidos, foi coletada em 06/10/2006 e 12/06/2007, amostra dos brinquedos apreendidos para análise da adequação dos itens ao Certificado de Segurança/Inmetro informado na embalagem ou etiqueta de certificação dos bens. As amostras foram selecionadas contendo um item de cada tipo de brinquedo apreendido, sendo posteriormente enviadas ao Ibac - Instituto Betontec de Avaliação - organismo certificador dos selos encontrados avulsos na loja. Foi solicitado que confirmassem a adequação do Certificado de Segurança Inmetro existente nos brinquedos.
O resultado foi que dos 126 brinquedos enviados, 67 NÃO guardavam adequação ao Certificado existente em suas embalagens. Assim temos que 53% da amostra enviada não foi reconhecida como REGULAR pelo Ibac, ou seja, os brinquedos analisados não guardavam adequação com aqueles Selos que neles estavam apostos, evidenciando tratar-se de Selos que não certificavam aqueles itens.
Portanto, considerando a análise da amostra feita pelo Ibac, considerando a existência de selos avulsos no estabelecimento, concluímos pela existência e utilização de Selos do Inmetro de maneira simulada, irregular, tudo na tentativa de dar legalidade a comercialização de brinquedos que jamais passaram pelo crivo da Certificação.

De acordo com as informações preenchidas pelo Instituto Betontec de Avaliação da Conformidade (fls. 38/39, 42/43 e 45/46 do Apenso II), em atendimento à solicitação da Delegacia da Receita Federal de Araraquara/SP, entre as 126 (cento e vinte seis) amostras de brinquedos diferentes encaminhadas para análise de tal órgão certificador, 67 (sessenta e sete) delas não guardavam, de fato, "adequação ao certificado de segurança/INMETRO informado", restando especificados ainda, na forma de tabelas, o número do certificado, o nome/razão social da importadora, o seu CNPJ e a descrição de cada uma das referidas mercadorias apreendidas.

Ao ser interrogado em sede policial (fls. 36/37), "VAMBERTO" chegou a admitir ter adquirido junto à LC IMPORTS parte dos selos apreendidos em 04/08/2006, os quais lhe teriam sido encaminhados, separadamente, pela referida empresa importadora, "sob a alegação de que se os selos fossem encaminhados em separado, seria economizada mão de obra". Também afirmou que "normalmente os selos eram remetidos na mesma quantidade em que adquiridos produtos (um selo para cada produto)", revelando ainda que "assim que colocasse a etiqueta de venda poderiam também colocar os selos do INMETRO", em desacordo com a legislação pertinente.

Nos termos do artigo 1º da Portaria INMETRO n. 108/2005, "a certificação compulsória dos brinquedos, no âmbito do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade - SBAC, deverá ser feita de acordo com o Regulamento Técnico Mercosul sobre Segurança de Brinquedos, de 8 de outubro de 2004", o qual, em seu Anexo I, atribuiu expressamente aos responsáveis pela "fabricação" e "importação" a incumbência de providenciar a certificação de seus respectivos brinquedos, vale dizer, antes do momento de sua comercialização.

Oficiado pela Delegacia da Polícia Federal de Araraquara/SP, o INMETRO esclareceu às fls. 122/123 que "os selos são de responsabilidade dos fornecedores do objeto com conformidade avaliada e devem, necessariamente, serem apostos antes da sua comercialização", de tal modo que dependendo do caso, "suas aposição poderá ser feita pelo fabricante, importador ou distribuidor do produto", mas não pelo "comerciante".

Ouvido novamente perante a autoridade policial (fls. 94/96), o réu passou a alegar, de maneira inverossímil e isolada nos autos, desconhecer eventual proibição de, na qualidade de comerciante, vir a providenciar ele próprio a certificação dos respectivos produtos, por meio da aposição de selos, ainda que verdadeiros, nos brinquedos apreendidos, não obstante sua larga experiência nesse ramo do comércio ("há seis é proprietário do estabelecimento denominado 'Hiper-Lojão' situado na urbe de São Carlos") e seu elevado grau de instrução ("superior completo").

Ao ser interrogado em juízo (fls. 944/945-mídia), "VAMBERTO" afirmou que foram apresentadas notas fiscais em relação a todas as mercadorias, mas que nunca conferia especificamente os selos, embora ciente de que tais brinquedos só poderiam ser comercializados se acompanhados de seus respectivos selos do INMETRO. De maneira vacilante e até mesmo contraditória com suas declarações anteriores, aduziu que, pessoalmente e na qualidade de comerciante, nunca chegou a realizar qualquer procedimento ilícito de aposição direta de selos sobressalentes ou adquiridos em separado nos brinquedos encontrados em seu estabelecimento comercial, alegando desconhecer sua eventual prática por algum de seus funcionários, bem como as normas do INMETRO relativas à certificação.

Em desfavor da versão apresentada em juízo pelo acusado a respeito do procedimento de aposição direta indevida de selos do INMETRO em brinquedos por ele comercializados no "Hiper Lojão do Real", destaco, a seguir, alguns dos depoimentos ou declarações, mais contundentes, colhidos na fase inquisitorial e em juízo.

A partir de declarações manuscritas acostadas à fl. 207 (grifos nossos), Caren Ariana de Souza afirmou que trabalhava como menor aprendiz na empresa do acusado entre 16/11/2004 a 31/03/2010, sendo que "os brinquedos eram recebidos em caixas lacradas com os selos respectivos já aplicados ou soltos, em cartelas" e que "segundo somente dois dos fornecedores que assim entregavam os brinquedos[,] era o adquirente, no caso, a Vamberto Dell Piaggi EPP, quem deveria afixá-los nos locais indicados por esses mesmos fornecedores".

À fl. 210 (grifos nossos), Denis Daniel Fogar declarou, por sua vez, que trabalhava à época na referida empresa como estoquista, e que "recebia todo tipo de mercadoria, entre elas brinquedos e que na maioria já vinham com os selos do Imitro [sic, Inmetro] colados ou afixados pelos fornecedores e se me recordo bem apenas [os de] uma empresa de Piracicaba ou Santa Barbara vinham com os selos soltos na caixa, os quais colávamos conforme a necessidade de abastecer a loja".

Ouvida em juízo às fls. 914/916-mídia, a testemunha Rogério César Ferreira, auditor fiscal da Receita Federal participante da diligência realizada em 04/08/2011, afirmou que naquela ocasião, no estabelecimento comercial do réu, foram encontrados selos avulsos, bem como detidas mercadorias diversas para posterior conferência. Relatou ainda que, por meio de amostras, identificou-se que, em alguns dos itens apreendidos, os selos apostos não correspondiam aos respectivos brinquedos nos quais estavam colocados, ao passo que outros simplesmente não apresentavam qualquer selo, sendo que alguns desses produtos possuíam até mesmo dois ou mais selos apostos na mesma embalagem.

Tal como bem anotado pelo magistrado sentenciante à fl. 993:

Em verdade, o acusado não conseguiu retificar, de forma convincente, a versão que havia apresentado nas duas vezes em que foi ouvido perante a Autoridade Policial. Assim, o conjunto probatório revela que, de fato, os selos foram encaminhados pelas empresas importadoras, com o consentimento do réu, para que ele os colasse nos produtos, com o intuito de economizar mão-de-obra e, por consequência, reduzir o preço do produto.
É evidente que, com a economia de mão-de-obra pela fornecedora, o acusado foi diretamente beneficiado com a redução dos preços dos produtos entregues, e, por consequência, acabou por assumir, de forma intencional, o encargo de apor os selos nos brinquedos.
A autoria e o dolo, portanto, são inegáveis.
Também não é convincente a alegação do réu de que não sabia que o comerciante não poderia colar os selos.

Destarte, restam incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, em relação à prática do delito previsto no artigo 296, § 1º, II, do Código Penal, impondo-se, de rigor, a manutenção do decreto condenatório, bem como da dosimetria das penas a ele fixadas no mínimo patamar legal e da substituição da pena corporal, na forma do artigo 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal, e em consonância com sua situação econômica evidenciada nos presentes autos.

Ante o exposto, nego provimento ao apelo da defesa.


Diante de todo o expendido, nego provimento aos recursos de apelação interpostos pela acusação e pela defesa.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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