Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/11/2015
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006561-84.2010.4.03.6106/SP
2010.61.06.006561-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : LUIZ CARLOS GONCALVES DE SOUZA
ADVOGADO : GO021018 FERNANDO MARQUES FAUSTINO
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : LUIZ FRANCISCO PEREIRA
ADVOGADO : SP150976 JOSE VIGNA FILHO e outro(a)
No. ORIG. : 00065618420104036106 2 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334, DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONTRABANDO. MEDICAMENTOS. CONSUMO PESSOAL. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. PENA-BASE.
1. A prescrição, antes do trânsito em julgado da sentença para a acusação, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime. No caso em tela, em que o réu foi condenado por contrabando, cuja pena máxima é de quatro anos de reclusão, o prazo prescricional aplicável é de oito anos, nos termos do art. 109, IV c.c. 334, do Código Penal. Ressalte-se que, nestes autos, recorreu o Ministério Público Federal, pretendendo o aumento de pena aplicada e também sua condenação pelo delito de descaminho, do qual foi absolvido.
2. Considerando as causas interruptivas da prescrição previstas no art. 117 do Código Penal, verifica-se que não precluiu o direito punitivo do Estado, pois entre a data dos fatos (26.08.2010) e a data de recebimento da denúncia (28.02.2011), assim como entre esta data e a publicação da sentença (14.08.2014) não transcorreu o referido lapso de oito anos. Preliminar rejeitada.
3. A sentença absolveu LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA e LUIZ FRANCISCO PEREIRA da imputação de descaminho, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, incidindo à espécie o princípio da insignificância, face o baixo valor atribuído às mercadorias apreendidas. Entendo, a despeito dos argumentos da acusação, que o valor dos tributos não deve ser atualizado (corrigido monetariamente), pois o crime de descaminho é delito formal, que se perfaz no momento em que ocorre a importação sem o pagamento dos tributos devidos, sendo o cálculo dos tributos elididos efetuado em relação ao tempo do delito. Absolvição mantida.
4. O juízo a quo, valendo-se da prerrogativa processual constante do art. 383, do Código de Processo Penal (emendatio libelli), alterou a capitulação jurídica dos fatos penais discutidos aqui, passando a considerar a narrativa delitiva a partir do cominado no art. 334, do Código Penal (crime de contrabando).
5. A autoria e a materialidade se encontram plenamente configuradas pelos seguintes documentos: Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/03); Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 12/15, relativo às mercadorias descaminhadas); Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (fls. 125/129); Laudo de Exame de Veículo Terrestre (fls. 131/136, identificando a adulteração do carro, de sorte a comportar maior quantidade de mercadorias); Ofício da Polícia Civil do Estado de Goiás, relativo à arma que se encontrava em poder de LUIZ FRANCISCO PEREIRA (fls. 147/150); Laudo de Exame farmacêutico (fls. 154/159 e 169/175), assim como pelos depoimentos prestados pelo réu e pelas testemunhas, tanto em sede policial quanto perante o juízo.
6. O próprio acusado, em seu interrogatório judicial, admitiu que adquiriu todos os medicamentos apreendidos no Paraguai, embora tenha argumentado que seriam para consumo pessoal, vez que praticante de artes marciais (jiu-jitsu) e não para comercialização. Esta insurgência, entretanto, não se sustenta, sobretudo face a grande quantidade de medicamento que portava, também pelos valores expressivos gastos naquela intenção, e pelo fato de que alguns destes medicamentos não se prestam a melhorar o desempenho esportivo, conforme demonstrado pelos laudos periciais.
7. A pena-base do delito de contrabando foi fixada ½ (metade) acima do mínimo legal, mais precisamente em 01 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão.
8. A pena-base foi exasperada em relação ao mínimo legal diante dos maus antecedentes do réu (certidão de fl. 100), bem como diante de sua culpabilidade acentuada, vez que, praticante de artes marciais (jiu-jitsu), conheceria os efeitos deletérios à saúde humana da comercialização e utilização de medicamentos vedados pela ANVISA. Esses motivos são suficientes à manutenção da pena-base tal como fixada pela r. sentença recorrida.
9. Embora o parquet alegue a necessidade de exasperação da pena-base dada a gravidade do delito, não há notícia a respeito de efetivos danos a terceiros ou à coletividade, obstando sua pretensão de majoração daquele quantum.
10. Preliminar rejeitada; recursos de apelação desprovidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, por unanimidade, negar provimento ao apelo da defesa e, por maioria, negar provimento ao recurso de apelação ministerial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 09 de novembro de 2015.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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Data e Hora: 12/11/2015 14:33:56



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006561-84.2010.4.03.6106/SP
2010.61.06.006561-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : LUIZ CARLOS GONCALVES DE SOUZA
ADVOGADO : GO021018 FERNANDO MARQUES FAUSTINO
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : LUIZ FRANCISCO PEREIRA
ADVOGADO : SP150976 JOSE VIGNA FILHO e outro(a)
No. ORIG. : 00065618420104036106 2 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÕES CRIMINAIS interpostas por LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA e pela JUSTIÇA PÚBLICA contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 2ª Vara Federal em S. José do Rio Preto/SP, que condenou o primeiro pela prática do crime de contrabando, previsto no artigo 334, do Código Penal, à pena de 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direitos (prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária de 06 (seis) salários mínimos).

A r. sentença ainda absolveu LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA e LUIZ FRANCISCO PEREIRA da imputação de descaminho, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, incidindo à espécie o princípio da insignificância, face o baixo valor atribuído às mercadorias apreendidas.

Outrossim, concedeu a LUIZ CARLOS o direito de recorrer em liberdade.

Estão na denúncia os fatos que seguem:


"Consta dos presentes autos que, em 26 de agosto de 2010, policiais rodoviários abordaram, no km 83 da Rodovia Otaviano Cardoso Filho, SP-461, na cidade de Nhandeara/SP, o veículo GM/Vectra, cor preta, placas DWH-7742/Sorocaba/SP, ocupados pelos ora denunciados, o qual continha em seu interior grande quantidade de mercadorias de procedência estrangeira sem a devida documentação fiscal e produtos sem registro no órgão de vigilância sanitária (medicamentos e suplementos para atividade física).
Consta, ainda, que por ocasião da abordagem, LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA confessou que estava transportando mercadorias estrangeiras adquiridas em Ciudad del Este/PY sem qualquer documentação legal.
Em revista feita nos pertences de LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA (mochila preta), os policiais encontraram também 05 (cinco) frascos do medicamento DILA-T Dilatador Espamolítico Bronquial de 100ml; 10 (dez) cartelas contendo 05 (cinco) ampolas cada do medicamento Lipostabil de 5 ml; 04 (qua e tro) cartelas, contendo 10 (dez) comprimidos cada, do medicamento Brontel de 20 mcg; 15 (quinze) cartelas, contendo 10 (dez) comprimidos cada, do medicamento Hemogenin; 01 (um) frasco do suplemento alimentar Amino Fuel de 948 ml.
Por sua vez, LUIZ FRANCISCO PEREIRA, policial civil, assumiu a propriedade de duas dúzias de camisetas e bermudas apreendidas (item 11 do auto de apresentação e apreensão - fls. 12) e comunicou que em sua mochila encontrava-se uma arma da polícia civil do Estado de Goiás, devidamente municiada com dez cartuchos íntegros em seu carregador. De acordo com o ofício às fls. 148/150 a arma apreendida, o carregador e as munições realmente pertencem à Polícia Civil do Estado de Goiás.
As mercadorias foram devidamente apreendidas (fls. 12/13). O Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal confirmou a origem estrangeira das mercadorias e as avaliou em R$ 29.364,47 (vinte e nove mil trezentos e sessenta e quatro reais e quarenta e sete centavos), sendo que as roupas apreendidas foram avaliadas em R$ 921,44 (novecentos e vinte e um reais e quarenta e quatro centavos) (fls. 124/129).
Consoante os laudos periciais às fls. 154/159 e 169/175, todas as substâncias apreendidas não possuem registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e, assim, não podem ser comercializadas ou importadas em todo território nacional. Com relação ao produto lipostabil, cumpre consignar que a ANVISA determinou, inclusive, a suspensão da fabricação, distribuição, comércio e uso do medicamento, conforme Resolução nº 2.473, de 16 de agosto de 2007.
Consigne-se que a grande quantidade de substâncias apreendidas não deixa qualquer dúvida quanto à destinação comercial de tais produtos.
Por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, o denunciado LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA afirmou que, juntamente com LUIZ FRANCISCO PEREIRA, o qual é policial civil e possui uma loja de roupas no "Camelódromo OK", esteve no Paraguai, onde adquiriu mercadorias que pretendia revender, tendo gasto a quantia aproximada de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Alegou ter adquirido anabolizantes para uso próprio (fls. 06/07).
LUIZ FRANCISCO PEREIRA afirmou que foi convidado por LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA para ir ao Paraguai, onde esse último iria "receber um dinheiro". Disse que enquanto LUIZ CARLOS tratava de compromissos pessoais, comprou bermudas para serem comercializadas numa loja de sua esposa no "Camelódromo OK". Alego não ter visto as mercadorias no carro, não obstante o mesmo estivesse sem os bancos traseiros (fls. 08/09).
De acordo com laudo de exame de veículo terrestre às fls. 131/136, o assento traseiro e o estepe do veículo foram suprimidos para aumentar a capacidade de carga.
(...)"

(fls. 182/184, destaques no original)


A denúncia foi recebida em 28.02.2011 (fl. 206).

A defesa prévia foi apresentada, fls. 272/276 (LUIZ CARLOS).

Rejeitada a absolvição sumária, fls. 319/320, foi designada audiência de instrução e determinado a oitiva das testemunhas e o interrogatório das acusadas, os quais foram devidamente realizados (termos e mídias constantes de fls. 348/360, 388/393 e 403).

Alegações finais às fls. 429/432 (parquet), 439/463 (LUIZ CARLOS) e 468/473 (LUIZ FRANCISCO).

A sentença condenatória foi proferida às fls. 475/483, na data de 14.08.2014.

A acusação recorreu, fls. 489/493, requerendo a condenação dos réus também pelo crime de descaminho, devendo ser afastada a aplicação do princípio da insignificância mediante a atualização do valor dos tributos devidos em relação à mercadoria apreendida.

A condenação de LUIZ FRANCISCO PEREIRA pelo crime de descaminho também deveria ocorrer em virtude de se encontrar portando arma de fogo, era policial civil e sabia do propósito ilícito da viagem organizada por LUIZ CARLOS, motivos que ensejam afastar a aplicação do princípio da insignificância no caso em tela.

Em relação ao crime de contrabando, pretende a majoração da pena de LUIZ CARLOS, diante da gravidade das consequências do crime.

Inconformada, a defesa de LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA interpôs recurso de apelação e em suas razões, fls. 539/552, aduz, preliminarmente, a prescrição da pretensão punitiva do Estado.

No mérito, pleiteia sua absolvição, reiterando o argumento de que adquiriu produtos médicos no Paraguai para estrito consumo pessoal, tendo em vista ser praticante de artes marciais (jiu-jitsu).

Mantida a condenação, requer a redução da pena ao mínimo legal, inexistentes razões para sua exasperação além desse patamar.

Com as contrarrazões da defesa, fls. 506/512 e 517/522, e do Ministério Público Federal às fls. 559/562, os autos subiram a esta E. Corte Regional.

Em parecer de lavra do Exmo. Procurador Regional da República, Dr. José Ricardo Meirelles, fls. 565/, manifestou-se o parquet pelo desprovimento do recurso defensivo e o parcial provimento do recurso ministerial, com aumento da pena aplicada ao crime de contrabando.

É O RELATÓRIO.

À revisão, na forma regimental.


PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 31/08/2015 11:42:11



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0006561-84.2010.4.03.6106/SP
2010.61.06.006561-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : LUIZ CARLOS GONCALVES DE SOUZA
ADVOGADO : GO021018 FERNANDO MARQUES FAUSTINO
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : LUIZ FRANCISCO PEREIRA
ADVOGADO : SP150976 JOSE VIGNA FILHO e outro(a)
No. ORIG. : 00065618420104036106 2 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

Do caso dos autos.


Encontram-se na denúncia (fls. 182/184) os fatos que seguem:


"Consta dos presentes autos que, em 26 de agosto de 2010, policiais rodoviários abordaram, no km 83 da Rodovia Otaviano Cardoso Filho, SP-461, na cidade de Nhandeara/SP, o veículo GM/Vectra, cor preta, placas DWH-7742/Sorocaba/SP, ocupados pelos ora denunciados, o qual continha em seu interior grande quantidade de mercadorias de procedência estrangeira sem a devida documentação fiscal e produtos sem registro no órgão de vigilância sanitária (medicamentos e suplementos para atividade física).
Consta, ainda, que por ocasião da abordagem, LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA confessou que estava transportando mercadorias estrangeiras adquiridas em Ciudad del Este/PY sem qualquer documentação legal.
Em revista feita nos pertences de LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA (mochila preta), os policiais encontraram também 05 (cinco) frascos do medicamento DILA-T Dilatador Espamolítico Bronquial de 100ml; 10 (dez) cartelas contendo 05 (cinco) ampolas cada do medicamento Lipostabil de 5 ml; 04 (qua e tro) cartelas, contendo 10 (dez) comprimidos cada, do medicamento Brontel de 20 mcg; 15 (quinze) cartelas, contendo 10 (dez) comprimidos cada, do medicamento Hemogenin; 01 (um) frasco do suplemento alimentar Amino Fuel de 948 ml.
Por sua vez, LUIZ FRANCISCO PEREIRA, policial civil, assumiu a propriedade de duas dúzias de camisetas e bermudas apreendidas (item 11 do auto de apresentação e apreensão - fls. 12) e comunicou que em sua mochila encontrava-se uma arma da polícia civil do Estado de Goiás, devidamente municiada com dez cartuchos íntegros em seu carregador. De acordo com o ofício às fls. 148/150 a arma apreendida, o carregador e as munições realmente pertencem à Polícia Civil do Estado de Goiás.
As mercadorias foram devidamente apreendidas (fls. 12/13). O Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal confirmou a origem estrangeira das mercadorias e as avaliou em R$ 29.364,47 (vinte e nove mil trezentos e sessenta e quatro reais e quarenta e sete centavos), sendo que as roupas apreendidas foram avaliadas em R$ 921,44 (novecentos e vinte e um reais e quarenta e quatro centavos) (fls. 124/129).
Consoante os laudos periciais às fls. 154/159 e 169/175, todas as substâncias apreendidas não possuem registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e, assim, não podem ser comercializadas ou importadas em todo território nacional. Com relação ao produto lipostabil, cumpre consignar que a ANVISA determinou, inclusive, a suspensão da fabricação, distribuição, comércio e uso do medicamento, conforme Resolução nº 2.473, de 16 de agosto de 2007.
Consigne-se que a grande quantidade de substâncias apreendidas não deixa qualquer dúvida quanto à destinação comercial de tais produtos.
Por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, o denunciado LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA afirmou que, juntamente com LUIZ FRANCISCO PEREIRA, o qual é policial civil e possui uma loja de roupas no "Camelódromo OK", esteve no Paraguai, onde adquiriu mercadorias que pretendia revender, tendo gasto a quantia aproximada de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Alegou ter adquirido anabolizantes para uso próprio (fls. 06/07).
LUIZ FRANCISCO PEREIRA afirmou que foi convidado por LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA para ir ao Paraguai, onde esse último iria "receber um dinheiro". Disse que enquanto LUIZ CARLOS tratava de compromissos pessoais, comprou bermudas para serem comercializadas numa loja de sua esposa no "Camelódromo OK". Alego não ter visto as mercadorias no carro, não obstante o mesmo estivesse sem os bancos traseiros (fls. 08/09).
De acordo com laudo de exame de veículo terrestre às fls. 131/136, o assento traseiro e o estepe do veículo foram suprimidos para aumentar a capacidade de carga.
(...)"

Preliminar de prescrição.

A defesa de LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA aduz, preliminarmente, a prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Contudo, a perda da faculdade de aplicar a sanção penal ao acusado em virtude de lapso temporal ainda não se operou.

A prescrição, antes do trânsito em julgado da sentença para a acusação, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime. No caso em tela, em que o réu foi condenado por contrabando, cuja pena máxima é de quatro anos de reclusão, o prazo prescricional aplicável é de oito anos, nos termos do art. 109, IV c.c. 334, do Código Penal.

Ressalte-se que, nestes autos, recorreu o Ministério Público Federal, pretendendo o aumento de pena aplicada e também sua condenação pelo delito de descaminho, do qual foi absolvido.

Considerando as causas interruptivas da prescrição previstas no art. 117 do Código Penal, verifica-se que não precluiu o direito punitivo do Estado, pois entre a data dos fatos (26.08.2010) e a data de recebimento da denúncia (28.02.2011), assim como entre esta data e a publicação da sentença (14.08.2014) não transcorreu o referido lapso de oito anos.

Ante o exposto, rejeito a preliminar e passo à análise do mérito.

Mérito.

Aplicabilidade do princípio da insignificância ao delito de descaminho.

A sentença recorrida absolveu LUIZ CARLOS GONÇALVES DE SOUZA e LUIZ FRANCISCO PEREIRA da imputação de descaminho, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, incidindo à espécie o princípio da insignificância, face o baixo valor atribuído às mercadorias apreendidas.

A acusação, porém, recorreu, requerendo a condenação dos réus, devendo ser afastada a aplicação do princípio da insignificância mediante a atualização do valor dos tributos devidos.

A condenação de LUIZ FRANCISCO PEREIRA pelo crime de descaminho também deveria ocorrer em virtude de se encontrar portando arma de fogo, era policial civil e sabia do propósito ilícito da viagem organizada por LUIZ CARLOS.

Todos estes motivos ensejariam afastar a aplicação do princípio da insignificância no caso em tela.

Entendo, porém, que o valor dos tributos não devem ser atualizados (corrigido monetariamente), pois o crime de descaminho é delito formal, que se perfaz no momento em que ocorre a importação sem o pagamento dos tributos devidos, sendo o cálculo dos tributos elididos efetuado em relação ao tempo do delito.

Nesse sentido, precedentes dos Tribunais Regionais Federais da 3ª e da 4ª Região:


"PENAL - DESCAMINHO DE CIGARROS PARAGUAIOS - SENTENÇA QUE RECONHECEU A INSIGNIFICÂNCIA DA CONDUTA CONFORME O INC. III DO ARTIGO 397 DO CÓD. DE PROCESSO PENAL - APELO MINISTERIAL INTENTANDO A CONTINUIDADE DO PROCESSO, LOUVANDO-SE EM CÁLCULO DA CARGA TRIBUTÁRIA QUE INCIDIRIA NA OPERAÇÃO DE INGRESSO DA MERCADORIA, OBTIDO ATRAVÉS DE MECANISMO DE "CONTA" DISPONÍVEL NO "SITE" DA RECEITA FEDERAL (INTERNET) - CARGA TRIBUTÁRIA CONTENDO, ALÉM DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO E DO I.P.I., VALORES CORRESPONDENTES A OUTROS TRIBUTOS (COFINS/IMPORTAÇÃO, PIS/IMPORTAÇÃO, ICMS), ALÉM DE MULTA E CORREÇÃO MONETÁRIA INCIDENTES SOBRE O PRINCIPAL - DESCABIMENTO, JÁ QUE EM SEDE DE DESCAMINHO A REGRA É O PERDIMENTO DOS BENS, RAZÃO PELA QUAL A LEI IMPEDE A INCIDÊNCIA DE TRIBUTAÇÃO DIVERSA, ALÉM DOS IMPOSTOS ADUANEIROS, QUE SÃO CONSIDERADOS PELA RECEITA FEDERAL, EM "ESTIMATIVA", APENAS PARA FINS DE REPRESENTAÇÃO PENAL - OFENSA, AINDA, AO PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE QUE VIGE NO PROCESSO PENAL, JÁ QUE O ARTIGO 334 DO CÓD. PENAL (EM REDAÇÃO VETUSTA, MAS AINDA ATUAL) REFERE-SE APENAS A "IMPOSTOS", ESPÉCIE TRIBUTÁRIA QUE, NOS TERMOS DA CONSTITUIÇÃO, DIFERE DAS CONTRIBUIÇÕES (COFINS/PIS) - SENTENÇA MANTIDA. (...)
2. O artigo 334 do Código Penal - que não admite interpretação extensiva nem analógica, senão in bonam partem - estabelece que é punida a sonegação de "imposto" devido pela entrada clandestina de mercadoria de procedência estrangeira. Tratando-se de introdução de mercadoria alienígena não proibida, os impostos devidos à União são: imposto de importação (II), cujo fato gerador é a entrada do produto estrangeiro no território nacional (artigo 19 do CTN); Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), derivado do desembaraço aduaneiro de produto de origem estrangeira (artigo 46, I, do CTN). Contribuições (COFINS e PIS) não são impostos conforme a atual sistemática constitucional, de modo que a norma penal não pode ser expandida para albergar, em desfavor do agente, carga tributária excedente do conceito de "imposto" (estrita legalidade). (...)
8. Incabível qualquer correção monetária, sequer sobre a "estimativa" de incidência de imposto de importação e IPI facultada pelo artigo 65 da Lei nº 10.833/2003. Primeiro, porque o Direito Penal é retrospectivo, é um "olhar sobre o passado" que se consolidou num momento determinado, de modo que eventos ulteriores (futuros) não podem retroagir para se agregar ao fato tido como criminoso em desfavor do agente; daí porque o valor do dano - sempre que ele for penalmente relevante na instância criminal - não pode sofrer atualização monetária. Segundo, porque o multicitado artigo 65 da Lei nº 10.833/2003 não autoriza a Receita Federal, no momento de estimar a carga tributária para fins de representação penal, a incluir correção monetária; logo, o princípio da legalidade estrita - que orienta também o Direito Tributário - impede que o capítulo do cálculo da Receita Federal usado nos autos possa ser validamente usado no quanto contenha a atualização monetária. (...)"
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0005160-24.2008.4.03.6105, Rel. para Acórdão DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 10/05/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/05/2011 PÁGINA: 202)
" PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. ART. 334 DO CÓDIGO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR DOS TRIBUTOS ELIDIDOS. PIS/COFINS. MULTA E CORREÇÃO MONETÁRIA. NÃO INCLUSÃO. 1. Firmou-se na jurisprudência a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, nos termos do entendimento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual é inadmissível que a conduta seja irrelevante para a Administração Fazendária e não o seja para o Direito Penal. 2. O parâmetro utilizado para a aferição da tipicidade material da conduta, no valor de R$ 10.000,00, tinha por base o art. 20 da Lei n° 10.522/2002 e a Portaria nº 49 do Ministério da Fazenda, de 1º/04/2004, e foi modificado pela Portaria nº 75 do Ministério da Fazenda, de 26/03/2012, que alterou para R$ 20.000,00 o valor para arquivamento das execuções fiscais, patamar que deve ser observado para os fins penais, nos termos da referida orientação jurisprudencial. 3. O montante dos impostos suprimidos deve considerar o Imposto de Importação e o IPI, sem o cômputo do PIS e COFINS. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça. 4. A aferição do valor tributário elidido, para fins de insignificância, não inclui encargos adicionados sobre aquele valor, como multas e atualização monetária. Precedentes. (TRF4, ACR 0001961-39.2006.404.7203, Sétima Turma, Relator José Paulo Baltazar Junior, D.E. 01/08/2013)"

No caso dos autos, o valor dos tributos não recolhidos é de R$ 18.932,20 (dezoito mil novecentos e trinta e dois reais e vinte centavos), (fls.295/310), o que enseja a aplicação do princípio da insignificância, nos termos das Portarias n.º 75 e 130 do Ministério da Fazenda, que, na prática, acabaram por alterar a previsão contida no art. 20 da Lei nº. 10.522/02.

Não há nos autos elementos de prova sobre os réus desenvolverem a conduta delituosa de forma habitual, o que tornaria inviável a aplicação do princípio da insignificância ao caso em tela.

A aplicação do princípio da insignificância é medida de política criminal, que visa a afastar a persecução penal em casos de delitos de pequena monta, que não ofendem de forma grave a ordem jurídica.

O parquet pretende a condenação de LUIZ FRANCISCO PEREIRA pelo crime de descaminho também em virtude de se encontrar portando arma de fogo e que, mesmo sendo policial civil, sabia do propósito ilícito da viagem organizada por LUIZ CARLOS, motivos que determinam afastar a aplicação do princípio da insignificância no caso em tela.

A despeito da reprovabilidade de sua conduta, este elementos não se mostram suficientes a denegar a aplicação da benesse pretoriana, pois a ofensa ao bem jurídico tutelado pelo crime de descaminho foi de pequena relevância, diante do baixo valor das mercadorias apreendidas, conforme exposto anteriormente.

De modo que rejeito essa pretensão recursal da acusação, mantendo a absolvição dos réus em relação ao crime de descaminho.

Materialidade e autoria do delito de contrabando.

Inicialmente, é necessário sublinhar que o juízo a quo, valendo-se da prerrogativa processual constante do art. 383, do Código de Processo Penal (emendatio libelli), alterou a capitulação jurídica dos fatos penais discutidos aqui, passando a considerar a narrativa delitiva a partir do cominado no art. 334, do Código Penal (crime de contrabando).

No caso tem tela, a materialidade se encontra plenamente configuradas pelos seguintes documentos: Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/03); Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 12/15, relativo às mercadorias descaminhadas); Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (fls. 125/129); Laudo de Exame de Veículo Terrestre (fls. 131/136, identificando a adulteração do carro, de sorte a comportar maior quantidade de mercadorias); Ofício da Polícia Civil do Estado de Goiás, relativo à arma que se encontrava em poder de LUIZ FRANCISCO PEREIRA (fls. 147/150); Laudo de Exame farmacêutico (fls. 154/159 e 169/175), assim como pelos depoimentos prestados pelo réu e pelas testemunhas, tanto em sede policial quanto perante o juízo.

A autoria também é inequívoca, encontrando-se devidamente comprovada, a começar do fato de que o réu foi preso em flagrante delito durante abordagem policial.

Outrossim, o próprio acusado, em seu interrogatório judicial, mídia de fl. 393, admitiu que adquiriu todos os medicamentos apreendidos no Paraguai, embora tenha argumentado que seriam para consumo pessoal, vez que praticante de artes marciais (jiu-jitsu) e não para comercialização.

Esta insurgência, entretanto, não se sustenta, sobretudo face a grande quantidade de medicamento que portava, também pelos valores expressivos gastos naquela intenção, e pelo fato de que alguns destes medicamentos não se prestam a melhorar o desempenho esportivo, conforme demonstrado pelos laudos periciais (fls. 154/159 e 169/175).

Por tudo isso, deve prevalecer a condenação do réu pelo delito de contrabando.

Dosimetria da pena.

Requer a defesa a diminuição da pena-base ao mínimo legal e a acusação, por sua vez, a exasperação da pena.

A pena-base do delito de contrabando foi fixada ½ (metade) acima do mínimo legal, mais precisamente em 01 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão.

A pena-base foi exasperada em relação ao mínimo legal diante dos maus antecedentes do réu (certidão de fl. 100), bem como diante de sua culpabilidade acentuada, vez que, praticante de artes marciais (jiu-jitsu), conheceria os efeitos deletérios à saúde humana da comercialização e utilização de medicamentos vedados pela ANVISA.

Esses motivos são suficientes à manutenção da pena-base tal como fixada pela r. sentença recorrida.

Embora o parquet alegue a necessidade de exasperação da pena-base dada a gravidade do delito, não há notícia a respeito de efetivos danos a terceiros ou à coletividade, obstando sua pretensão de majoração daquele quantum.

Na segunda fase da pena, verifico que ocorreu a confissão espontânea, motivo que determina a redução da pena em 1/6 (um sexto), assim como efetuado pelo juízo de piso, a resultar na pena intermediária de 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão.

Além da atenuante da confissão, não existem outras agravantes ou atenuantes, bem como causas de aumento ou diminuição de pena, de sorte que a pena intermediária torna-se a pena definitiva, inexistindo reparo a ser efetuado.

Mantida a pena tal como disposta em sentença, não há modificação a ser impingida ao regime inicial de cumprimento e molde determinado para a substituição da pena privativa de liberdade, vez que em conformidade aos ditames legais contidos nos arts. 33 e 44, do Código Penal.

Por todo o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, NEGO PROVIMENTO a ambos os recursos de apelação, mantendo integralmente a r. sentença, nos termos explicitados no voto.

É COMO VOTO.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


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