Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 25/04/2016
PETIÇÃO CRIMINAL Nº 0026452-08.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.026452-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
REQUERENTE : ROBERVAL FERREIRA FRANCA
ADVOGADO : SP309336 LAERTE JOSE CASTRO SAMPAIO e outros(as)
: SP166465 VIVIANE BARCI DE MORAES
REQUERIDO(A) : MATHEUS BARALDI MAGNANI
ADVOGADO : PR037220 TERCIO ISSAMI TOKANO

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO EM RAZÃO DE SUAS FUNÇÕES. LEGITIMIDADE CONCORRENTE. SÚMULA 714, STF. INJÚRIA. PRESCRIÇÃO. DIFAMAÇÃO. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE FATO CERTO, CONCRETO, ESPECÍFICO E DETERMINADO. "ANIMUS DIFFAMANDI". AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. EXCLUDENTE DO ART. 142, III, CP. QUEIXA-CRIME REJEITADA.
1. Em que pese a nova redação do artigo 145, parágrafo único, do Código Penal, dada pela Lei nº 12.033/2009, a legitimidade ativa para a ação penal, no caso de crime contra a honra de funcionário público em razão de suas funções, é concorrente, podendo ser ajuizada pelo funcionário público, em ação penal privada, ou pelo Ministério Público, em ação penal pública condicionada à representação do ofendido. Súmula nº 714, do E. Supremo Tribunal Federal.
2. Deve ser rejeitada a queixa-crime quanto ao delito de injúria qualificada, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva verificada no lapso compreendido entre a data dos fatos e a presente data. A pena máxima cominada para o delito previsto no artigo 140, c.c. artigo 141, inc. II e III, ambos do Código Penal, é de 08 (oito) meses, que prescreve em 03 (três) anos, de acordo com o artigo 109, inciso VI, do Código Penal. Tendo em vista que os fatos ocorreram em 26/07/2012, verifica-se que transcorreram mais de 03 (três) anos entre a data dos fatos e a presente data.
3. Relativamente ao crime de difamação qualificada, inicialmente deve ser afastada a alegação do querelado de falta de suporte mínimo de materialidade, pois, tratando-se de crime formal, que não depende da modificação do mundo exterior - embora o resultado naturalístico possa ocorrer - é suficiente a juntada aos autos das notícias extraídas da rede mundial de computadores.
4. Para que se configure o crime de difamação é preciso que o agente impute ao ofendido fato certo, concreto, específico e determinado. No caso, não consta que o ora querelado tenha imputado fato certo e determinado ao querelante, o que descaracteriza, de pronto, a possível ocorrência de crime de difamação. Em nenhum momento, nos trechos das notícias juntadas pelo querelante e supostamente difamatórias, o Procurador da República menciona o Comandante da Polícia Militar, ora querelante. Mas ainda que se entenda que o querelante pudesse ser determinável pelas suas características, não houve imputação de fato concreto e específico.
5. Assiste razão à Procuradoria Regional da República ao mencionar a ausência de justa causa porque atípica a conduta por ausência do dolo consubstanciado na consciência e vontade de difamar o querelante ("animus diffamandi"). O raciocínio está de acordo com a lei processual penal, no sentido de que a ausência de tipicidade acarreta falta de justa causa à instauração da ação penal, uma vez que a atipicidade, especialmente no caso, pode ser constatada de plano, sem necessidade de análise detida de provas a serem produzidas em instrução criminal.
6. É cediço em sede doutrinária e na jurisprudência das Cortes Superiores do país que nos crimes contra a honra exige-se o elemento subjetivo do tipo específico (dolo específico), consubstanciado na especial intenção de ofender, magoar, macular a honra alheia. Os denominados "animus criticandi", "narrandi" ou "corrigendi" não são suficientes para preencher os tipos penais em tela e, consequentemente, a caracterizar crimes contra a honra, porquanto ausente a específica vontade de macular a honra alheia. Não há como se cogitar, portanto, que o querelado, ao proferir suas críticas, estivesse no afã de atingir a honra objetiva do querelante, mas, antes, de ofertar críticas na defesa do interesse público e social. Assim, o cenário fático delineado nos autos denota que não houve o dolo específico de difamar o Comandante da Polícia Militar. Evidenciada a atipicidade da conduta narrada, não há justa causa para a instauração de ação penal.
7. A rejeição da queixa-crime decorre, ainda, da excludente do artigo 142, III, do Código Penal. Resta evidente que o Procurador da República proferiu as afirmações no exercício de sua função institucional e, a seu ver, no interesse do Estado e da coletividade.
8. Este C. Órgão Especial, em consonância com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, decidiu recentemente pela possibilidade de aplicação do princípio da sucumbência nos casos de ação penal privada, aplicando-se por analogia (art. 3º, CPP) o disposto no artigo 20, §4º, do antigo Código de Processo Civil - artigo 85, § 8º, do novo codex. Desta forma, considerando que a apresentação da queixa-crime ensejou a necessidade de apresentação da resposta preliminar pelo querelado, condeno o querelante ao pagamento de honorários advocatícios, que, tendo em vista o grau de zelo do profissional, a natureza da causa e o tempo necessário à condução do trabalho, deve ser arbitrado no valor de R$ 2.000,00 (dois) mil reais.
9. Rejeição da queixa-crime com fulcro no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Orgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, reconhecer a legitimidade ativa concorrente e rejeitar a queixa-crime quanto ao crime de injúria qualificada, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, por maioria, rejeitar a queixa-crime quanto ao crime de difamação, com fulcro no art. 395, III, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, vencidos os Desembargadores Federais Nelton dos Santos e Cotrim Guimarães (em retificação de voto), que desclassificavam o crime de difamação para injúria, reconhecendo a prescrição, e, por maioria, condenar o querelante ao pagamento de honorários advocatícios, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, vencidos os Desembargadores Federais Cotrim Guimarães e Nelton dos Santos, que não condenavam em honorários advocatícios.


São Paulo, 13 de abril de 2016.
ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


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PETIÇÃO CRIMINAL Nº 0026452-08.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.026452-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
REQUERENTE : ROBERVAL FERREIRA FRANCA
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REQUERIDO(A) : MATHEUS BARALDI MAGNANI
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DECLARAÇÃO DE VOTO

De início, acompanho o voto proferido pelo e. relator no que tange à preliminar de legitimidade ativa concorrente.


Também acompanho o voto proferido por Sua Excelência no ponto em que reconhece ter havido prescrição da pretensão punitiva em relação à imputação de violação ao artigo 140 do Código Penal (crime de injúria).


No que concerne aos fatos tipificados, na queixa, como difamação, ouso divergir da d. maioria, na parte em que concluíram pela inexistência de dolo na conduta do querelado.


A esse respeito, penso que, nesta fase do procedimento, não seja possível formular afirmação tão peremptória em favor do querelado. A instrução probatória, sim, seria o palco adequado à discussão e à apuração desse aspecto da causa, observados o contraditório e a ampla defesa.


No presente momento, considero viável, apenas, a análise da aptidão ofensiva das expressões atribuídas ao querelante e a existência de substrato probatório mínimo a autorizar a deflagração da ação penal.


Nesse passo, observo, de pronto, que as expressões verbais atribuídas ao querelado, diversamente do que concluiu a maioria, possuem, sim, conteúdo ofensivo à honra do querelante.


Com efeito, da queixa consta que o querelado teria afirmado que o Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo:


a) incita e aceita a prática de violência por mero prazer;


b) faz apologia ao uso da violência por parte do Estado, bem como faz com que tenhamos praças absolutamente desequilibrados que não conseguem nem dosar nem direcionar a violência;


c) submete, juntamente com seus subordinados, um pedaço significativo da sociedade brasileira que está sendo submetida a uma polícia de Estado arbitrária, que usa a violência de forma desregulada e desmedida;


d) estimula uma conduta ilegal e sádica de seus comandados, pois afirmou que a Polícia Militar respira violência, que vai desde o assassinato sádico e banal de cidadãos inocentes, até a agressão moral, que é constante;


e) garante a impunidade e permite ações violentas por parte da PM, ao afirmar que a ideia é a de apresentar uma representação ao procurador-geral pedindo a intervenção federal no Estado. São medidas que ajudam a retirar a sensação de poder e de corpo que vem garantindo a impunidade e permitindo ações violentas por parte da PM, completando que muita arbitrariedade tem sido cometida pelas autoridades por causa de supostos desacatos.


É certo que as expressões não contêm fatos certos e determinados e, nesse particular, assiste razão àqueles que não veem a tipificação do delito de difamação. Fatos certos e determinados são aqueles que podem ser individualizados no tempo e no espaço, o que não se dá com as genéricas afirmações narradas na queixa.


Por outro lado, dúvida não há de que, quando indeterminados os fatos e desde que as expressões utilizadas possuam caráter ofensivo à honra alheia, configura-se o delito de injúria.


Ora, ao atribuir tantas aleivosias ao querelante, a este o querelado teria impingido, no mínimo, a pecha de "prevaricador". Sim, ao afirmar que o querelante prega a violência por prazer, estimula a violência de seus comandados e inclusive o assassinato sádico e banal de cidadãos inocentes, dando-lhes, ademais, garantia de impunidade, o querelado teria, em outras palavras, tachado o querelante de "torpe criminoso".


Tais imputações, associadas à figura do Comandante Geral da Polícia Militar, cargo que pressupõe lisura de comportamento e compromisso com a lei, com a ordem e com a segurança pública, representam, sem sombra de dúvidas, violações à honra das mais graves.


Se o querelado usou tais expressões no calor do debate ou não, movido ou não por emoção incontida, tudo isso é matéria a ser debatida, frise-se, durante a ação penal, não se podendo afirmar, neste momento, sequer com razoável segurança, que não tenha havido o animus injuriandi.


De outra parte, ventilou-se, durante a discussão da causa perante o Órgão Especial, como fundamento para a rejeição da queixa, que o nome do querelante não teria sido declinado pelo querelado e, mesmo, que a exordial acusatória não conteria sequer uma vítima.


Com a devida vênia, o querelante ocupa cargo único na estrutura da administração pública paulista. Só existe um Comandante Geral da Polícia Militar em São Paulo. Não seria, como de fato não é, necessário nominá-lo. Não há, portanto, a menor possibilidade de escusar a posição do querelado a conta de tais argumentos.


Em síntese, penso que, na verdade, não tenha havido difamação. À falta de fatos determinados, todas as condutas descritas na peça acusatória configuram, em tese, injúria, crime que, todavia, não mais pode ser alvo da persecução penal porque a respectiva pretensão punitiva acha-se fulminada pela prescrição.


Por fim, destaque-se que a prescrição não foi causada pelo querelante, que se desincumbiu de seu ônus de oferecer a queixa dentro do prazo decadencial e a tempo de ver adiante a acusação. Desse modo, não procede, data venia, a condenação do querelante ao pagamento de honorários advocatícios. Se falha houve, esta só pode ser atribuída ao aparato judiciário federal, não sendo sequer razoável que o querelante sofra consequências pelo que não deu causa.


Ante o exposto:


a) afasto a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam;


b) desclassifico para o crime de injúria os fatos tipificados, na queixa, como difamação;


c) reconheço, em relação a todos os fatos descritos na queixa, a prescrição da pretensão punitiva estatal, declarando a extinção da punibilidade; e


d) deixo de impor ao querelante a condenação ao pagamento de verba honorária.


É como voto.



NELTON DOS SANTOS
Desembargador Federal


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PETIÇÃO CRIMINAL Nº 0026452-08.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.026452-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
REQUERENTE : ROBERVAL FERREIRA FRANCA
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: SP166465 VIVIANE BARCI DE MORAES
REQUERIDO(A) : MATHEUS BARALDI MAGNANI
ADVOGADO : PR037220 TERCIO ISSAMI TOKANO

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO:

Trata-se de queixa-crime oferecida por Roberval Ferreira França em face de MATHEUS BARALDI MAGNANI, Procurador da República, pela prática, em tese, dos crimes de difamação e injúria qualificadas por terem sido praticadas contra funcionário público, em razão de suas funções, e na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a sua divulgação (arts. 139 e 140, c.c. art. 141, inc. II e III, todos do CP).

Narra a inicial que:

"(...) no dia 26 de julho de 2012, no período da tarde, em audiência pública organizada pelo Ministério Público Federal em conjunto com a Defensoria Pública do Estado, o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e o Movimento Nacional dos Direitos Humanos, realizada nas dependências do Ministério Público Federal, na Sede da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, nesta cidade e comarca da Capital, MATHEUS BARALDI MAGNANI, Procurador da República, já qualificado, difamou ROBERVAL FERREIRA FRANÇA, funcionário público, na presença de várias pessoas, imputando-lhe fatos ofensivos à sua reputação, atentando contra sua honra objetiva, especialmente quando afirmou que o querelante, no exercício do cargo de Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo:
(a) Incita e aceita a prática de 'violência por mero prazer' (DOC. 02 - IG São Paulo e UOL);
(b) Faz 'a apologia ao uso da violência' por parte do Estado, bem como 'faz com que tenhamos praças (policiais) absolutamente desequilibrados que não conseguem nem dosar nem direcionar a violência' (DOC. 02 - IG São Paulo e UOL)
(c) Submete, juntamente com seus subordinados, 'um pedaço significativo da sociedade brasileira está sendo submetida a uma polícia de Estado arbitrária, que usa a violência de forma desregulada e desmedida' (DOC. 03 - Jornal do Brasil)
(d) Estimula uma conduta ilegal e sádica de seus comandados, pois afirmou que 'a Polícia Militar respira violência, que vai desde o assassinato sádico e banal de cidadãos inocentes, até a agressão moral, que é constante' (DOC.03 - Jornal do Brasil)
(e) Garante a impunidade e permite ações violentas por parte da PM, ao afirmar que 'a ideia é apresentar uma representação ao procurador-geral pedindo a intervenção federal no Estado. São medidas que ajudam a retirar a sensação de poder e de corpo que vem garantindo impunidade e permitindo ações violentas por parte da PM', completando que 'muita arbitrariedade tem sido cometida pelas autoridades por causa de supostos desacatos' (DOC. 04 - AGÊNCIA ESTADO)."

Aduz, ainda, que:

"(...) no mesmo dia, local e horário, MATHEUS BARALDI MAGNANI INJURIOU ROBERVAL FERREIRA FRANÇA, funcionário público, na presença de várias pessoas, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro, com o claro propósito de humilhar o querelante, tentando desacreditá-lo enquanto Comandante Geral da Polícia Militar perante toda a Sociedade e exigindo sua imediata demissão, com claros danos pessoais e à carreira do mesmo ao:
1. Afirmar que a ideologia do querelante vem prejudicando a Polícia Militar: 'Eu acho que já é oportuno o momento para se questionar a troca do comando da polícia militar, mas não só a troca pontual, também a luta pela mudança da estrutura ideológica' (DOC. 02 - IG São Paulo e UOL).
2. Pedir o afastamento do Comando Geral da Polícia Militar Paulista, criticando sua 'estrutura ideológica', que 'cria assassinos' (DOC. 05 - Rede Brasil Atual), acusando o Comando Geral da PM/SP de 'falta de controle', tendo afirmado que 'é preciso pedir imediatamente a exclusão do comando da PM (Polícia Militar) no Estado de São Paulo... Tudo nasce dentro da cultura de apologia ao excesso de violência. Isso cria assassinos que depois ficam incontroláveis' (DOC. 06 - Portal Terra e Blog Reinaldo Azevedo).
3. Proferir verdadeiras ameaças ao Governo do Estado de São Paulo, sempre no intuito de ofender e humilhar o querelante, desejando obter sua demissão, ao afirmar que 'Caso o estado de São Paulo não troque imediatamente o comando, ajuizarei essa ação civil nos próximos dias' (DOC. 07 - Jornalista Marina Pinhoni)."

A Procuradoria Regional da República opinou pela rejeição liminar da queixa-crime por falta de justa causa para a ação penal, tendo em vista a atipicidade da conduta por ausência de dolo, consubstanciado na consciência e vontade de difamar ou injuriar o querelante, configurando meras críticas ofertadas pelo querelado que, embora ásperas, foram feitas no calor das discussões. Requereu, caso não fosse rejeitada liminarmente a queixa-crime, a notificação do querelado para apresentar a resposta preliminar (fls. 38/39).

O querelado foi notificado nos termos do artigo 4º, da Lei nº 8.038/90 (fls. 56/61) e ofereceu resposta às fls. 62/96, sustentando a inépcia da queixa-crime, pois:

a) a inicial não trouxe a sentença completa das afirmações feitas pelo querelado, descrevendo apenas pequenos extratos de frases isoladas, ocorrendo, portanto, evidente edição da sentença que se pretendeu imputar ao querelado;

b) nas afirmações feitas pelo querelado, não houve nenhuma referência direta ao Coronel da Polícia Militar, ora querelante;

c) atipicidade da conduta de difamar por ausência de imputação de um fato determinado, apto a configurar o crime de difamação, bem como ausência do animus diffamandi; e,

d) atipicidade da conduta de injuriar, pois houve mero juízo de valor acerca da necessidade da troca do comando de uma instituição, assim como sua estrutura ideológica, bem como ausência do animus injuriandi, configurando mera emissão de opinião acerca de determinado estado das coisas, e, quanto ao ajuizamento de ação civil pública, aduz que é próprio da função desempenhada por um Procurador da República o seu ajuizamento, quando entender cabível.

Alega, ainda, que as supostas afirmações teriam sido propaladas pelo querelado em audiência pública para discussão da crise na segurança pública do Estado de São Paulo, na qual estava presente como representante do Ministério Público Federal em defesa dos direitos humanos e, caso fossem consideradas válidas as imputações deduzidas na queixa, está o querelado acobertado pela garantia da autonomia funcional, a qual exclui os crimes de injúria e difamação em ocasiões nas quais o funcionário público, no exercício de sua função, emite conceito desfavorável a quem quer que seja, nos termos do artigo 142, inciso III, do Código Penal.

Por fim, aduz a ausência de justa causa ante a falta de suporte mínimo de materialidade, vez que o querelante apenas trouxe notícias extraídas da internet, das quais elenca pequenos trechos de frases supostamente ditas pelo querelado.

Às fls. 138/160, o querelado juntou cópia da decisão emanada pelo Conselho Nacional do Ministério Público que determinou o arquivamento, por ausência de descumprimento de dever legal, do Processo Administrativo Disciplinar instaurado em face do ora querelado, relativamente aos fatos descritos na petição inicial da queixa-crime.

O feito foi a mim redistribuído por sucessão em 15 de junho de 2015.

Considerando a juntada de novos documentos pelo querelado, determinei a intimação do querelante e do Ministério Público Federal, nos termos do artigo 5º, da Lei nº 8.038/1990, que se manifestaram, respectivamente, às fls. 186/187 e 197, reiterando os termos da queixa-crime e do parecer ministerial.

É o relatório.

ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


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Data e Hora: 18/04/2016 17:24:33



PETIÇÃO CRIMINAL Nº 0026452-08.2012.4.03.0000/SP
2012.03.00.026452-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
REQUERENTE : ROBERVAL FERREIRA FRANCA
ADVOGADO : SP309336 LAERTE JOSE CASTRO SAMPAIO e outros(as)
: SP166465 VIVIANE BARCI DE MORAES
REQUERIDO(A) : MATHEUS BARALDI MAGNANI
ADVOGADO : PR037220 TERCIO ISSAMI TOKANO

VOTO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO:

Inicialmente, consigno que, em que pese a nova redação do artigo 145, parágrafo único, do Código Penal, dada pela Lei nº 12.033/2009, a legitimidade ativa para a ação penal, no caso de crime contra a honra de funcionário público em razão de suas funções, é concorrente, podendo ser ajuizada pelo funcionário público, em ação penal privada, ou pelo Ministério Público, em ação penal pública condicionada à representação do ofendido, nos termos da Súmula nº 714, do E. Supremo Tribunal Federal, verbis:

"É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções."

Embora referida Súmula tenha sido editada antes da nova redação do mencionado artigo 145, parágrafo único, do Código Penal, que dispõe sobre a legitimidade exclusiva do Ministério Público, mediante ação penal pública condicionada, é certo que a Súmula nº 714 continua sendo aplicada pelos Tribunais pátrios, inclusive pelo próprio Supremo Tribunal Federal e por este C. Órgão Especial, mesmo após a entrada em vigor da Lei nº 12.033/2009.

Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados, posteriores à entrada em vigor da nova lei:

"CRIME CONTRA A HONRA. PARLAMENTAR. OFENSAS IRROGADAS QUE NÃO GUARDAM NEXO COM O EXERCÍCIO DO MANDATO. CONSEQUENTE INAPLICABILIDADE DA REGRA DO ART. 53 DA CF. CRIME DE INJÚRIA PRATICADO CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO EM RAZÃO DE SUAS FUNÇÕES. LEGITIMIDADE CONCORRENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SÚMULA 714 DESTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. ATO QUE DISPENSA MAIORES FORMALIDADES. TRANSAÇÃO PENAL. IMPOSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO CONCEDER O BENEFÍCIO SEM A PROPOSTA DO TITULAR DA AÇÃO PENAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO QUE ABRANGE TAMBÉM A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. NULIDADE DE DEPOIMENTOS COLHIDOS POR AUTORIDADE INCOMPETENTE. INQUÉRITO PARA APURAR CRIME IMPUTADO A DEPUTADO FEDERAL. SUPERVISÃO QUE COMPETE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DENÚNCIA QUE, MESMO EXCLUÍDAS AS PROVAS PRODUZIDAS POR AUTORIDADE INCOMPETENTE, ESTÁ LASTREADA EM INDÍCIOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTES PARA SEU RECEBIMENTO.
1. A inviolabilidade dos Deputados Federais e Senadores, por opiniões palavras e votos, prevista no art. 53 da Constituição da Republica, é inaplicável a crimes contra a honra cometidos em situação que não guarda liame com o exercício do mandato.
2. O Ministério Público tem legitimidade ativa concorrente para propor ação penal pública condicionada à representação quando o crime contra a honra é praticado contra funcionário público em razão de suas funções. Nessa hipótese, para que se reconheça a legitimação do Ministério Público exige-se contemporaneidade entre as ofensas irrogadas e o exercício das funções, mas não contemporaneidade entre o exercício do cargo e a propositura da ação penal.
(...)." - destaquei.
(STF, Inq 3438, Relª. Minª. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 11/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015)
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. CRIME CONTRA A HONRA DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE OFENDIDO À AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
(...)
3. No caso presente, não há que se falar em perempção, considerando que, em se tratando de crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções, é concorrente a legitimação para a respectiva ação penal, a teor da Súmula 714-STF, sendo desimportante a participação do ofendido em eventual audiência de conciliação, uma vez que apresentou a respectiva representação perante o Ministério Público.
4. Habeas corpus não conhecido."
(STJ, HC 207.421/GO, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 11/11/2014, DJe 19/11/2014)
"DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA HONRA: CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. LEGITIMIDADE DO OFENDIDO PARA A AÇÃO PENAL. SÚMULA 714/STF. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO. INÉPCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA. FALTA DE NARRATIVA DE ELEMENTARES DOS TIPOS PENAIS. QUEIXA-CRIME REJEITADA.
1. A legitimidade do Ministério Público nas ações penais por crime contra a honra de servidor público, em razão do exercício de suas funções, é concorrente e não exclui a legitimidade do próprio ofendido para ajuizar queixa-crime (Súmula 714/STF); constando a imputação da prática do crime de calúnia e difamação, e não a do crime de denunciação caluniosa, a legitimidade para a ação penal não é pública incondicionada para o efeito de inviabilizar a queixa-crime.
(...)."(TRF3, PET 00011143720094030000, rel. Desembargador Federal Carlos Muta, Orgão Especial, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2012)

Passo ao exame do mérito.

Em primeiro lugar, deve ser rejeitada a queixa-crime quanto ao delito de injúria qualificada, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva verificada no lapso compreendido entre a data dos fatos e a presente data.

A pena máxima cominada para o delito previsto no artigo 140, c.c. artigo 141, inc. II e III, ambos do Código Penal, é de 08 (oito) meses, que prescreve em 03 (três) anos, de acordo com o artigo 109, inciso VI, do Código Penal.

Tendo em vista que os fatos ocorreram em 26/07/2012, verifica-se que transcorreram mais de 03 (três) anos entre a data dos fatos e a presente data.


Relativamente ao crime de difamação qualificada, inicialmente afasto a alegação do querelado de falta de suporte mínimo de materialidade, pois, tratando-se de crime formal, que não depende da modificação do mundo exterior - embora o resultado naturalístico possa ocorrer - é suficiente a juntada aos autos das notícias extraídas da rede mundial de computadores.

Por outro lado, não se verifica o fumus boni iuris consubstanciado em elementos mínimos que indiquem cometimento de crime pelo ora querelado.

Dispõe o artigo 395, do Código de Processo Penal, que:

"Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal."

Segundo consta, as alegadas expressões difamatórias teriam sido proferidas pelo Procurador da República Matheus Baraldi Magnani em audiência pública designada para se discutir o aumento da violência policial no Estado de São Paulo.

Com efeito, o tema é complexo, além de dizer respeito ao interesse público e social.

O querelante traz notícias jornalísticas e de internet, nas quais consta que o Procurador da República fez críticas à atuação policial e ao Comando da Polícia Militar.

Apontam-se como difamatórias as seguintes passagens constantes das referidas notícias, verbis:

"Para Matheus Magnani, do MPF em São Paulo, polícia pratica 'violência por mero prazer'; segundo governador Geraldo Alkmin, ação é 'totalmente descabida'.
(...)
Em audiência pública no Ministério Público Federal em São Paulo, nesta quinta-feira, o procurador da República Matheus Baraldi Magnani defendeu a troca de comando da Polícia Militar. 'Eu acho que já é oportuno o momento para se questionar a troca de comando da polícia militar, mas não só a troca pontual, também a luta pela mudança da estrutura ideológica", disse. Segundo o MPF o objetivo da audiência é impedir novas mortes e violações aos direitos dos cidadãos.
(...) O procurador criticou também a 'apologia ao uso da violência' por parte do Estado. Segundo ele, isso 'faz com que tenhamos praças (policiais) absolutamente desequilibrados que não conseguem nem dosar nem direcionar a violência".
(...)
Sem definir uma data, o procurador da República Matheus Baraldi informou que vai entrar com ação na 1ª instância da Justiça Federal solicitando o afastamento do comando da PM de São Paulo. Também pedirá ao Ministério Público Federal que acompanhe a situação da criminalidade no Estado pelos próximos 12 meses. 'O que chamou a atenção para tomar essa medida foi a violência por mero prazer por parte dos PMs. O governo precisa resolver isso imediatamente", afirmou. (...)" - destaquei (- trechos extraídos de matéria jornalística publicada no sítio "ultimosegundo.ig.com.br".).
"(...) O Ministério Público Federal (MPF), em Guarulhos, realizou nesta terça-feira (31) sua primeira ação concreta no sentido de federalizar a apuração de um crime. O órgão enviou ofício ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pedindo que proponha ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a federalização da apuração do assassinato por policiais militares de dois adolescentes ocorrido em São Bernardo do Campo, em novembro de 2011.
A solicitação foi feita pelo procurador da República de Guarulhos, Matheus Baraldi Magnani. Segundo informações que lhes foram repassadas pela Fundação Criança de São Bernardo do Campo há indícios de desaparecimento do inquérito policial aberto para apurar o caso.
"É forte o entendimento no Estado de São Paulo segundo o qual a Polícia Militar está se convertendo em uma polícia assassina"
"Não é desta forma que o Brasil cumprirá sua obrigação assumida perante o mundo de efetivamente cumprir o Tratado Internacional de Combate à Tortura", argumenta o procurador.
A decisão de pedir a federalização do caso - que levaria a investigação para a Polícia Federal e o processo para a Justiça Federal - ocorre após audiência pública, na última quinta-feira (26), onde foram discutidos os sucessivos casos de violência policial cometidos no estado de São Paulo.
Para Baraldi, "é forte o entendimento no Estado de São Paulo segundo o qual a Polícia Militar está se convertendo em uma polícia assassina, com liberdade para humilhar, subjugar e matar desenfreadamente". No documento enviado a Gurgel, ele lembrou que em maio deste ano o Brasil foi advertido pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o uso excessivo de violência, especificamente o praticado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP).
O procurador do MPF insiste que a truculência policial afeta indistintamente diversos segmentos da sociedade paulista. "Se hoje os episódios de assassinatos de inocentes praticados por policiais militares em bairros nobres chamam a atenção da sociedade paulista de forma mais acentuada, é certo que a periferia da capital paulista convive com a arbitrariedade e com assassinatos brutais de inocentes há muito tempo", disse.
Baraldi também acrescentou que "a Polícia Militar paulista respira violência, que vai desde o assassinato sádico e banal de cidadãos inocentes, até a agressão moral, que é constante" e, por conta disso, "um pedaço significativo da sociedade brasileira está sendo submetida a uma polícia de Estado arbitrária, que usa a violência de forma desregulada e desmedida".
O caso
De acordo com a Fundação Criança, os adolescentes Douglas da Silva e Felipe Pontes Macedo voltavam da escola, por volta das 21h30 do dia 30 de novembro de 2011, quando foram abordados pelos policiais. No inquérito consta que "policiais militares em serviço afirmaram ter sido agredidos a tiros por Douglas da Silva e Felipe Macedo Pontes durante abordagem de rotina e, na reação a tal agressão, acabaram por ferir mortalmente ambos os autores".
O laudo residuográfico constatou a ausência de resíduos de chumbo nas mãos dos adolescentes. Isto significa que eles não teriam disparado nenhum tiro, o que deixaria resíduos nas mãos. Sem ter acesso ao inquérito, a Fundação Criança conseguiu que a Ouvidoria da Policia do Estado de São Paulo colhesse o depoimento de duas testemunhas. Uma delas relatou que "visualizou os policiais derrubarem os menores Felipe e Douglas de uma moto vermelha e, sem qualquer motivação, efetuarem vários disparos de arma de fogo". Outra testemunha contou que, após os disparos, os policiais começaram a discutir entre si ao perceberem que os adolescentes não estavam armados." - destaquei (matéria publicada pelo sítio do Jornal do Brasil, em 31.07.2012).
"O Ministério Público Federal (MPF) quer entrar com uma ação civil pública pedindo o afastamento do comando da Polícia Militar em São Paulo, alegando a perda do controle da situação. A medida será apresentada amanhã, quinta-feira, em audiência pública organizada pelo órgão em parceria com a Defensoria Pública, o Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e o Movimento Nacional de Direitos Humanos.
Segundo o procurador da República Matheus Baraldi Magnani, a Justiça Federal pode atuar quando tratados e convenções internacionais são desrespeitados, como aqueles assinados pelo Brasil se comprometendo em garantir direitos individuais. "A ideia é também apresentar uma representação ao procurador-geral pedindo a intervenção federal no Estado. São medidas que ajudam a retirar a sensação de poder e de corpo que vem garantindo a impunidade e permitindo ações violentas por parte da PM", afirmou o procurador Magnani.
Outra medida que a ação pretende cobrar é a proibição da prisão em flagrante para casos de "desacato à autoridade". "Muita arbitrariedade tem sido cometida pelas autoridades por causa de supostos desacatos."
Segundo a defensora pública Daniela Skromov de Albuquerque, o objetivo da audiência pública é chegar a ações concretas que sirvam para coibir a violência policial. "O caso do publicitário (Ricardo Prudente de Aquino, de 39 anos, morto na semana passada por PMs durante abordagem desastrosa em Pinheiros) não foi acidente. Foi resultado de um problema estrutural na PM", afirmou a defensora. A família de Aquino e comandantes da PM foram convidados para o evento. Procurado, o comando da corporação afirmou que não havia sido notificado e, por isso, não comentaria o caso.
Ataques
O grupo Mães de Maio, criado por parentes de jovens assassinados após ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, em maio de 2006, vai protocolar hoje em Brasília carta à presidente Dilma Rousseff cobrando medidas que, há seis anos, não saem do papel. Elas acusam PMs pela morte de parte deles. "Como nada foi feito, a violência volta a se repetir", diz Débora Maria da Silva, coordenadora do grupo.
Entre as demandas estão o acompanhamento federal jurídico e político do crescimento da violência no Estado; parecer sobre pedido de federalização dos chamados crimes de maio de 2006, quando 493 pessoas morreram em uma semana, após os ataques do PCC; abolição dos registros de casos de "resistência seguida de morte"; e a criação de uma Comissão da Verdade para crimes policiais. (...)" - destaquei (matéria veiculada pela Agência Estado em 25.07.2012).


Considerando que a tipicidade consiste na conformidade de determinada conduta a um tipo penal, o qual traz a descrição legal de uma ação ou omissão tida por infração penal, conduta típica é, pois, aquela que, ao menos em tese, se amolda a um tipo prescrito em lei. Logo, só existe justa causa para a ação penal quando a conduta que a motivou, narrada na inicial, é típica.

Para que se configure o crime de difamação é preciso que o agente impute ao ofendido fato certo, concreto, específico e determinado.

Como bem ilustra Guilherme de Souza Nucci, "24. Imputação de fato: é preciso que o agente faça referência a um acontecimento, que possua dados descritivos como ocasião, pessoas envolvidas, lugar, horário, entre outros, mas não um simples insulto. Dizer que uma pessoa é caloteira configura injúria, ao passo que espalhar o fato de que ela não pagou aos credores 'A', 'B' e 'C', quando as dívidas X, Y e Z venceram no dia tal, do mês tal, configura difamação."

No mesmo sentido, julgados do E. Supremo Tribunal Federal e deste C. Órgão Especial:

"QUEIXA-CRIME CONTRA SENADORA DA REPÚBLICA. SUPOSTO CRIME DE CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. DESCARACTERIZAÇÃO. CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE INJÚRIA. ALEGAÇÕES DE INÉPCIA E DE FALTA DE INTERESSE AFASTADAS. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CÓDIGO PENAL. EXISTÊNCIA DE ANIMUS DEFENDENTI. INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE MATERIAL PARLAMENTAR.
A queixa-crime não é inepta se narra com exatidão os fatos que podem ser enquadrados como crime, indica as circunstâncias desses fatos, ressalta a data e o meio de imprensa pelo qual foi divulgado as manifestações, cumprindo, assim, o artigo 41 do Código Penal.
O Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que, nas ofensas propter officium, a legitimidade para a propositura é concorrente entre o Ministério Público e o ofendido (INQ nº 726-AgR, relator para o acórdão Ministro Sepúlveda Pertence).
Os crimes de calúnia e difamação exigem afirmativa específica acerca de fato determinado. Configura-se como injúria, por outro lado, as assertivas genéricas que não consideram fatos específicos, mas simplesmente se referem a afirmações vagas e imprecisas feitas à pessoa do querelante. Precedentes.
Existência, no caso, do ânimo de defesa da querelada contra declarações feitas anteriormente, o que descaracteriza o crime de injúria pelo fato de faltar os elementos subjetivos do tipo penal (dolo específico e animus injuriandi). Hipótese de incidência da imunidade material, uma vez que as manifestações veiculadas guardam nexo com exercício da função parlamentar, eis que na defesa de um programa político do governo estadual do partido da querelada.
Queixa-crime não recebida." - destaquei.
(STF, Inq 1937, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 24/09/2003, DJ 27-02-2004 PP-00021 EMENT VOL-02141-03 PP-00482)
"NOTITIA CRIMINIS. MOÇÃO DE REPÚDIO DA CÂMARA MUNICIPAL DE COXIM/MS EM DESFAVOR DE JUIZ FEDERAL, POR AFIRMAÇÕES FEITAS NO BOJO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO ORDINÁRIA. IMPUTAÇÃO TEMERÁRIA DOS CRIMES DE INJÚRIA E PREVARICAÇÃO/ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA DE TIPICIDADE FORMAL DE CRIMES CONTRA A HONRA. IMUNIDADE DO JUIZ À LUZ DO ART. 41 DA LOMAN. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ACOLHIDO.
1. Trata-se de "moção de repúdio", autuada como Representação Criminal/Notitia Criminis, emanada da Câmara Municipal de Coxim/MS, em desfavor do MM. Juiz Federal Gilberto Mendes Sobrinho, na ocasião titular da 1ª Vara Federal de Coxim, pela prática, em tese, do crime de injúria contra a população coxinense, do crime de prevaricação, bem como de ato de improbidade administrativa.
2. Assertivas do Juiz: "Nesta cidade de Coxim, por exemplo, a Caixa, um dos maiores bancos do país, manteve a promoção 'fatura zero'. Mas aqui não há boas bibliotecas e livrarias, vegetando a maior parte da população em vergonhoso analfabetismo" (suposta injúria contra a população). O suposto crime de prevaricação ou ato de improbidade concerne ao fato de o Juiz ter encaminhado para aqueles que o representaram, cópias das razões que apresentou à Corregedoria Regional da 3ª Região em sua defesa.
3. Ausência de animus injuriandi vel diffamandi. Constata-se que a finalidade do excerto, erroneamente interpretado pela Câmara Municipal de Coxim/MS como ofensivo à honra de seus cidadãos, foi a promoção de uma crítica construtiva; é de clareza solar a demonstração de preocupação do Magistrado diante da realidade dos serviços de educação naquele Município, pois a Magna Carta elege ao nível máximo a seriedade que o Poder Público deve ter com a educação dos cidadãos (art. 205), sendo certo que é da competência do Município manter a educação infantil e o ensino fundamental, justamente duas pedras angulares na luta contra a mancha negra do analfabetismo, nódoa que retira do indivíduo a capacidade de ser um cidadão pleno.
4. Ausência de tipicidade formal de crime contra a honra. Há muitos anos o STF já afirmou a compreensão de que "...a injúria é a ofensa à honra do indivíduo, um juízo de valor depreciativo capaz de atingir o seu aspecto subjetivo" (RCr nº 1.442/DF, 1ª Turma, RTJ 105/295). E mais recentemente aquela Corte verbalizou que "OS CRIMES CONTRA A HONRA SUPOEM, EM SUA CONFIGURAÇÃO ESTRUTURAL E TIPICA, A EXISTÊNCIA DE UM SUJEITO PASSIVO DETERMINADO E CONHECIDO. NÃO É IMPRESCINDIVEL, CONTUDO, QUE A PESSOA MORALMENTE OFENDIDA SEJA OBJETO DE EXPRESSA REFERENCIA NOMINAL. BASTA, PARA EFEITO DE CARACTERIZAÇÃO TIPICA DOS DELITOS CONTRA A HONRA, QUE O OFENDIDO SEJA DESIGNADO DE MANEIRA TAL QUE SE TORNE POSSIVEL A SUA IDENTIFICAÇÃO, AINDA QUE NA LIMITADA ESFERA DE SUAS RELAÇÕES PESSOAIS, PROFISSIONAIS OU SOCIAIS" (1ª Turma - RTJ 142/816). Essa é a posição que se coaduna perfeitamente com a doutrina mais abalizada (Magalhães Noronha - Paulo José da Costa Jr. - Heleno Fragoso), porquanto, como bem ensinava Nelson Hungria, a vítima deve ter ciência da própria respeitabilidade pessoal; é corolário disso tudo que a ação penal em regra dependa de queixa oferecida pelo lesado ou quem legalmente o represente (art. 145 do CP). Ora, de um lado as afirmações do Juiz não se dirigiram a qualquer cidadão em particular que fosse analfabeto - pelo contrário, como já visto, tratou-se de crítica a um status quo - que pudesse validamente usar do direito constitucional a ação penal privada; de outro, a Câmara Municipal é apenas o segmento legislativo do Município, não é representante legal de cada um dos cidadãos.
5. Incogitável a difamação, porquanto para a capitulação prevista no art. 139 do CP exige-se igualmente um sujeito passivo determinado (ou determinável pelas suas características) que é insultado quando o agente lhe assaca um fato determinado que lhe traga "...reprovação no círculo social em que vive" (Hungria, Comentários ao Código Penal, VI/86).
6. Incidência da imunidade prevista no art. 41 da LC nº 35/79: o representado manifestou seu espanto pelo nível do analfabetismo que encontrou no Município de Coxim - que, conforme o Censo IBGE 2010, disponível na internet, atingiria 10,86% da população - e o fez em sentença proferida no bojo de ação ordinária nº 0000543-19.2011.4.03.6007, sem excessos.
7. O ato do Magistrado ao explicitar para seus detratores as razões de sua defesa ofertada perante a Corregedoria Regional não capitula prevaricação ou outro ilícito.
8. Pedido de arquivamento acolhido." - destaquei.
(TRF3, RPCR 00087420420144030000, rel. Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, Orgão Especial, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/09/2014)

No caso, não consta que o ora querelado tenha imputado fato certo e determinado ao querelante, o que descaracteriza, de pronto, a possível ocorrência de crime de difamação.

Em nenhum momento, nos trechos das notícias juntadas pelo querelante e supostamente difamatórias, o Procurador da República menciona o Comandante da Polícia Militar, ora querelante. Mas ainda que se entenda que o querelante pudesse ser determinável pelas suas características, não houve imputação de fato concreto e específico.

De qualquer forma, ainda que se considerasse a imputação de fato certo e determinado ao querelante, apto a configurar o delito, assiste razão à Procuradoria Regional da República ao mencionar a ausência de justa causa porque atípica a conduta por ausência do dolo consubstanciado na consciência e vontade de difamar o querelante (animus diffamandi).

O raciocínio está de acordo com a lei processual penal, no sentido de que a ausência de tipicidade acarreta falta de justa causa à instauração da ação penal, uma vez que a atipicidade, especialmente no caso, pode ser constatada de plano, sem necessidade de análise detida de provas a serem produzidas em instrução criminal.

É cediço em sede doutrinária e na jurisprudência das Cortes Superiores do país que nos crimes contra a honra exige-se o elemento subjetivo do tipo específico (dolo específico), consubstanciado na especial intenção de ofender, magoar, macular a honra alheia. Os denominados "animus criticandi", "narrandi" ou "corrigendi" não são suficientes para preencher os tipos penais em tela e, consequentemente, a caracterizar crimes contra a honra, porquanto ausente a específica vontade de macular a honra alheia.

Observa-se que as frases foram pronunciadas no calor das discussões ou em determinado contexto e, considerado o tema envolvido, de relevante interesse público e social, natural que o Procurador da República estivesse preocupado com o crescimento da violência nos confrontos policiais e não especificamente em difamar o ora querelante.

Evidencia-se, inclusive, da fotografia à fl. 12, a exaltação dos ânimos, como bem apontado no parecer da Procuradoria Regional da República, em que se vê o Defensor Público Carlos Weis e o Presidente da Associação dos Oficiais da Polícia Militar, ambos com os indicadores em riste.

Não há como se cogitar, portanto, que o querelado, ao proferir suas críticas, estivesse no afã de atingir a honra objetiva do querelante, mas, antes, de ofertar críticas na defesa do interesse público e social. Assim, o cenário fático delineado nos autos denota que não houve o dolo específico de difamar o Comandante da Polícia Militar.

Desse modo, não restou caracterizada a adequação jurídico penal do fato em relação ao delito previsto no artigo 139, do Código Penal.

Sobre o tema, a doutrina pátria leciona, verbis:

"O dolo é a vontade de imputar, atribuir fato desonroso a alguém, seja verdadeiro ou não. Exige-se, porém, o animus diffamandi, elemento subjetivo do tipo, que 'se expressa no cunho de seriedade que o sujeito imprime à sua conduta'. Inexiste o delito, pois, quando o agente atua com animus jocandi, narrandi, consulendi, defendendi etc. Decidiu-se pela inexistência do crime na crítica desfavorável, desenvolvida em linguagem elevada e serena, (...) e na explosão emocional ocorrida em acirrada discussão." (MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, v. II, 28ª ed, São Paulo: Atlas, 2011, pp. 127-128).

Nesse sentido, julgados do E. Supremo Tribunal Federal e da Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça:

"HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A HONRA. PRÁTICA ATRIBUÍDA A ALUNOS DE FACULDADE DE DIREITO (PUC/SP). RECLAMAÇÃO POR ELES OFERECIDA, EM TERMOS OBJETIVOS E SERENOS, CONTRA PROFESSORA UNIVERSITÁRIA. ANIMUS NARRANDI. DESCARACTERIZAÇÃO DO TIPO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. PEDIDO DEFERIDO. CRIMES CONTRA A HONRA. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.
- A intenção dolosa constitui elemento subjetivo, que, implícito no tipo penal, revela-se essencial à configuração jurídica dos crimes contra a honra.
- A jurisprudência dos Tribunais tem ressaltado que a necessidade de narrar ou de criticar atua como fator de descaracterização do tipo subjetivo peculiar aos crimes contra a honra, especialmente quando a manifestação considerada ofensiva decorre do regular exercício, pelo agente, de um direito que lhe assiste (direito de petição) e de cuja prática não transparece o pravus animus, que constitui elemento essencial à positivação dos delitos de calúnia, difamação e/ou injúria. (...)."
(STF, HC 72.062 - SP, Rel. Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, DJ de 21 de novembro de 1997.)
"AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CORTE ESPECIAL. DELITO DE INJÚRIA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO NA CONDUTA DO REPRESENTADO. EXPRESSÕES UTILIZADAS COMO FUNDAMENTOS DE DECISUM. ANIMUS NARRANDI. AÇÃO PENAL REJEITADA.
1. Denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em face de desembargador do TRF da 1ª Região, pela suposta prática de injúria e difamação, consubstanciada na prolação de decisum judicial.
2. Os delitos contra a honra reclamam, para a configuração penal, o elemento subjetivo consistente no dolo de ofender na modalidade de "dolo específico", cognominado "animus injuriandi", consoante cediço em sede doutrinária e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e deste Superior Tribunal de Justiça.
3. A doutrina pátria leciona que: O dolo na injúria, ou seja, a vontade de praticar a conduta, deve vir informado no elemento subjetivo do tipo, ou seja, do animus infamandi ou injuriandi, conhecido pelos clássicos como dolo específico. Inexiste ela nos demais animii (jocandi, criticandi, narrandi etc.) (itens 138.3 e 139.3). Tem-se decidido pela inexistência do elemento subjetivo nas expressões proferidas no calor de uma discussão, no depoimento como testemunha etc. (MIRABETE, Julio Fabrini, Código Penal Interpretado, 6ª Ed, São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 1.123) (Grifamos). No mesmo sentido, FRAGOSO, Heleno Cláudio: 'o propósito de ofender integra o conteúdo de fato dos crimes contra a honra. Trata-se do chamado 'dolo específico', que é elemento subjetivo do tipo inerente à ação de ofender. Em conseqüência, não se configura o crime se a expressão ofensiva for realizada sem o propósito de ofender. É o caso, por exemplo, da manifestação eventualmente ofensiva feita com o propósito de informar ou narrar um acontecimento (animus narrandi), ou com o propósito de debater ou criticar (animus criticandi), particularmente amplo em matéria política." (Lições de Direito Penal - Parte Especial; 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 221-222, v.I.). NELSON HUNGRIA por seu turno, assim definia o dolo específico nos crimes contra a honra: Pode-se, então, definir o dolo específico do crime contra a honra como sendo a consciência e a vontade de ofender a honra alheia (reputação, dignidade ou decoro), mediante a linguagem falada, mímica ou escrita. Ê indispensável a vontade de injuriar ou difamar, a vontade referida ao eventus sceleris, que é no caso, a ofensa à honra. (Comentários ao Código Penal, 5ª ed.: Rio de Janeiro, Forense, 1982, p. 53, volume VI, ).
4. Forçoso destacar, que se infere do voto reputado pela Procuradora-representante como injurioso, a intenção de expor os fatos com acréscimo de certa dose de perplexidade por parte de seu prolator, instado a conceder ordem de habeas corpus em processo de extrema gravidade, por força de sua duração irrazoável, sendo certo que após longos 5 anos de investigação solicitou-se "diligências indispensáveis", o que pressupõe sejam requeridas ab initio no bojo da persecução ainda inquisitorial.
5. O animus narrandi depreendido do voto faz ressoar inequívoco que o voto tão-somente teve o condão de narrar os acontecimentos, quando muito com dose de animus criticandi sem que se pudesse depreender qualquer intenção de injuriar a procuradora representante. Sob esse ângulo, narrou o expositor do voto; verbis: Sim, atrasos eventuais, os juízes e os tribunais, inclusive nossa Terceira Turma, tem aceito. Estamos, assim, de acordo com a afirmativa da Quinta Turma do STJ. Mas uma demora de quase cinco anos não pode ser considerada eventual. E o pior para, depois de todo esse tempo, pedir diligências, que diz ser imprescindíveis pelo Ministério Público federal, já deveriam ter sido requeridas logo no início da investigação. Só podemos dizer, datíssima vênia, que a Procuradora da República Lívia Nascimento Tinoco foi desidiosa.
6. A expressão de vênia, acompanhada por embargos de declaração na qual o denunciado reconheceu nominalmente que não fora a Procuradora-representante, a desidiosa, reforça a ausência de elemento subjetivo no tipo penal. Sob esse enfoque, é mister ressaltar que ambas as votações foram públicas, encerrando retratação eficaz. É que o Desembargador, quando se pronunciou em sede de embargos de declaração, verberou, verbis: "O equívoco contido no acórdão - a inércia não foi da Procuradora da República"; reconhecendo nominalmente que à Procuradora-representante não poderia ser atribuída a pecha de desidiosa, porquanto, diversamente do que lhe parecera, a mesma recebera os autos em prazo recente, restando.
7. A jurisprudência da Suprema Corte e da egrégia Corte Especial perfilha o entendimento supra delineado, consoante se infere dos seguintes precedentes: HC 72.062/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, DJU 21.11.97; Apn 516/DF, Rel. Min. ELIANA CALMON, Corte Especial, DJU 06.10.08; Apn 490/RS, desta relatoria, DJU 25.09.08; ExVerd 42/ES, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Corte Especial, DJU 03.09.07; Apn 488/SP, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Corte Especial, DJU 19.11.07; e Apn 360/MG, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁUDA RIBEIRO, Corte Especial, DJU 25.04.05.
8. Piero Calamandrei, na sua memorável obra "O elogio aos juízes feito por um advogado", distingue os sentimento da paixão e da razão, atribuindo o primeiro aos advogados na atuação em juízo e o segundo aos juízes, como consectário do equilíbrio, representando pela balança da Justiça. Nada obstante, no calor das discussões, a paixão judicial autentica a humanidade dos juízes, razão pela qual, com acerto, assentou-se nessa Corte que: " (...) 2. No teatro de disputas políticas e de espaço de poder institucional, as condutas dos envolvidos nos fatos desencadeadores da denúncia criminal tornam desculpáveis possíveis ofensas, acusações e adjetivações indesejáveis. 3. Na avaliação contextual dos fatos pertinentes, não se identifica a vontade deliberada de difamar ou injuriar. 4. As ásperas palavras dirigidas à vítima, pela denunciada, soam como indignação pelos episódios institucionais vivenciados. (...)" (Apn 516/DF, Rel. Min. ELIANA CALMON, Corte Especial, DJU 06.10.08)
10. A atipicidade do fato descrito na denúncia decorre, ainda, de subprincípio encartado na LOMAN, art. 41 segundo o qual o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir, salvo em casos específicos ora não observados, bem como da excludente do art. 142, III do Código Penal, verbis: "Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível: (...) III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício."
11. Improcedência da acusação (artigo 6º, caput da Lei 8.038/90)."
(APn 555/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, julgado em 01/04/2009, DJe 14/05/2009)
"QUEIXA-CRIME. DIFAMAÇÃO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. DECADÊNCIA. OCORRÊNCIA.
1. O dies ad quem relativo ao prazo de decadência para o oferecimento de queixa inicia-se quando o ofendido tem ciência inequívoca de quem é o autor do crime.
2. Na hipótese em que os fatos tidos por criminosos constem do voto proferido em sessão de julgamento na qual a vítima estava ausente, a mera publicação do respectivo acórdão não é suficiente à comprovação de que a vítima tenha tomado conhecimento de prática de crime e de sua autoria na data de circulação do Diário da Justiça.
3. Nos crimes contra a honra, inexistindo tipicidade em tese de condutas descritas como criminosas, inclusive porque ausente o dolo específico descaraterizando o crime, mesmo em tese, a denúncia deve ser rejeitada.
4. Queixa rejeitada."
(STJ, Apn 488/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJU 19.11.07)
"Crime contra a honra. Decadência. Prazo. Contagem. Difamação. Magistrado no exercício da função jurisdicional. Legitimidade. Ausência do elemento subjetivo do tipo.
I- O prazo legal de seis meses para decadência do direito de queixa é contado na forma estabelecida no art. 10 do Código Penal, na linha do calendário comum. Precedentes.
II- Parte legítima para responder pelas declarações consideras ofensivas emanadas do voto da relatora do feito é a própria relatora, e não o órgão colegiado.
III- As opiniões emanadas do magistrado em suas decisões, sem o propósito inequívoco de ofender, descaracteriza o tipo subjetivo nos crimes contra a honra.
IV- Queixa-crime rejeitada."
(STJ, Apn 360/MG, Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Corte Especial, DJU 25.04.05).

De acordo com a doutrina penal dominante (cf. Carlos Frederico Coelho Nogueira, in: Comentários ao Código de Processo Penal, Vol.1- Bauru, SP: EDIPRO, 2002, p. 661), o dolo e a culpa stricto sensu integram o tipo, daí inferirmos que a inicial deva ser rejeitada quando a inocorrência de qualquer desses elementos subjetivos está demonstrada de maneira inequívoca, prescindindo-se de provas a serem colhidas na instrução, como ocorre no caso dos autos.

À vista do exposto, evidenciada a atipicidade da conduta narrada, não há justa causa para a instauração de ação penal.

A rejeição da queixa-crime decorre, ainda, da excludente do artigo 142, III, do Código Penal, verbis:

"Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:
(...)
III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício."

Resta evidente que o Procurador da República proferiu as afirmações no exercício de sua função institucional e, a seu ver, no interesse do Estado e da coletividade.

Destarte, uma vez demonstrados: a) o não preenchimento do núcleo do tipo da difamação; b) a ausência do elemento subjetivo do tipo penal, bem como do dolo específico do autor, descaracterizando o crime; c) o "animus criticandi" do Procurador da República, que na sua função institucional observou a ocorrência da violência policial que correntemente é noticiada na imprensa nacional; e d) a excludente do artigo 142, inciso III, do Código Penal, forçoso concluir pela rejeição da queixa-crime apresentada contra o Procurador da República Matheus Baraldi Magnani, por atipicidade da conduta, que resta evidenciada de plano.


Este C. Órgão Especial, em consonância com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, decidiu recentemente pela possibilidade de aplicação do princípio da sucumbência nos casos de ação penal privada, aplicando-se por analogia (art. 3º, CPP) o disposto no artigo 20, §4º, do antigo Código de Processo Civil - artigo 85, § 8º, do novo Codex, verbis:

"PENAL. PROCESSO PENAL. QUEIXA-CRIME. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO QUERELADO E QUERELANTE. OMISSÃO APENAS QUANTO À CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA. ACOLHIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO QUERELANTE REJEITADOS.
I - A apresentação de queixa-crime, rejeitada após o oferecimento de defesa-prévia pelo querelado, ensejou a necessidade de apresentação de defesa pelo querelado, acarretando-lhe, inegavelmente, o ônus que deve ser suportado pelo querelante, parte vencida na lide.
II - Possibilidade de aplicação do princípio da sucumbência nos casos de ação penal privada. Precedentes dos tribunais superiores.
III - Integração do julgado para, à luz da jurisprudência predominante nos tribunais pátrios, aplicar, por analogia, conforme autorizado pelo art. 3°, do CPP, o disposto no art. 20, § 4°, do CPC, para o fim de condenar o querelante no pagamento de honorários advocatícios em favor do querelado, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
IV - Embargos de declaração do querelante que visam a rediscussão de sua pretensão, sem apontar quaisquer dos vícios no julgado, divorciando-se da essência deste recurso. Se é a reforma do julgado que busca o recorrente, para isto não se prestam os embargos, pena de se aviltar a sua "ratio essendi".
V - Embargos de declaração do querelado acolhidos para integração do julgado, fazendo constar a condenação do querelante no pagamento de honorários advocatícios. Rejeitados os embargos declaratórios opostos pelo querelante."
(PET 00314516720134030000, relª.. Desembargadora Federal Cecília Marcondes, Orgão Especial, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/05/2015)

Desta forma, considerando que a apresentação da queixa-crime ensejou a necessidade de apresentação da resposta preliminar pelo querelado, condeno o querelante ao pagamento de honorários advocatícios, que, tendo em vista o grau de zelo do profissional, a natureza da causa e o tempo necessário à condução do trabalho, deve ser arbitrado no valor de R$ 2.000,00 (dois) mil reais.

Ante o exposto, pronuncio-me pela REJEIÇÃO da queixa-crime oferecida em face de MATHEUS BARALDI MAGNANI, com fulcro no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal, condenando-se o querelante ao pagamento de honorários advocatícios, no valor de R$ 2.000,00 (dois) mil reais.

É o voto.


ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


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