Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001198-37.2000.4.03.6181/SP
2000.61.81.001198-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal LUIZ STEFANINI
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELADO(A) : JOSE EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ
ADVOGADO : SP178938 THIAGO QUINTAS GOMES
EXCLUIDO(A) : FABIO MONTEIRO DE BARROS FILHO (desmembramento)
ADVOGADO : SP127964 EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI
EXCLUIDO(A) : LUIZ ESTEVAO DE OLIVEIRA NETO (desmembramento)
ADVOGADO : DF012330 MARCELO LUIZ AVILA DE BESSA
EXCLUIDO(A) : NICOLAU DOS SANTOS NETO (desmembramento)
ADVOGADO : SP012982 FRANCISCO DE ASSIS PEREIRA e outros(as)

EMENTA

PENAL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DE TURMA. AFASTAMENTO. APLICAÇÃO DAS NORMAS REGIMENTAIS VIGENTES, CRIADAS POR ESTA CORTE REGIONAL COM AUTORIZAÇÃO DO ARTIGO 96 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. CRIMES DE QUADRILHA OU BANDO E USO DE DOCUMENTO FALSO. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. CRIMES DE PECULATO, ESTELIONATO E CORRUPÇÃO ATIVA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO DECRETADA. DOSIMETRIA DA PENA: APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA "REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA". REPRIMENDAS QUE NÃO PODEM SER APLICADAS EM PATAMAR SUPERIOR AO JULGADO ANTERIORMENTE POR ESTE TRIBUNAL, ANULADO PELO C. STF. CONCURSO MATERIAL DE CRIMES. APLICAÇÃO DO ARTIGO 69 DO CÓDIGO PENAL. PENA SUPERIOR A OITO ANOS DE RECLUSÃO. REGIME INICIAL FECHADO. PERDA DOS BENS COMO EFEITO DA CONDENAÇÃO E COM O FIM DE INDENIZAR O ERÁRIO. APELAÇÕES MINISTERIAL E DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO PROVIDAS.
1. Mantém-se íntegra a competência deste órgão fracionário, deslocado para a E. Primeira Turma desta Corte em razão de mudança regimental, pois a alteração de competência interna, "ratione materiae", por meio de norma regimental, aplica-se para feitos distribuídos tão somente após a alteração do Regimento Interno. Precedentes do C. STJ.
2. No caso destes autos, o presente recurso de apelação foi distribuído neste Tribunal à relatoria da eminente Desembargadora Federal Suzana Camargo, em 10.10.2005 (fls. 17008, vol. 66), momento em que foi firmada a competência deste gabinete, posteriormente sucedido pelo Desembargador Federal Luiz Stefanini, sendo certo que a nulidade do julgamento anterior, de maio de 2006, com determinação pelo C. STF de novo julgamento, não enseja, sob o aspecto das normas processuais, nova distribuição, mas tão somente simples encaminhamento dos autos ao órgão julgador cuja competência já fora antes firmada.
3. É essa a expressa determinação do artigo 3º e § único da Resolução nº 392, de 18.06.2014, cujo texto é claro no sentido de que somente haverá fixação da competência às Seções especializadas, para os feitos distribuídos após a referida Resolução, devendo aqueles distribuídos antes de 02.07.2014 permanecer sob a relatoria do gabinete/órgão a quem já fora distribuído o recurso, a ação ou o incidente.
4. Afastada, por unanimidade, a arguição de incompetência desta E. Primeira Turma.
5. Da prescrição: considerando que para os crimes de quadrilha ou bando e uso de documento falso, o apelado foi condenado por esta Corte, no ano de 2006, para cada qual, ao cumprimento de dois anos e dois meses de reclusão, e que, à luz do princípio da proibição da "reformatio in pejus indireta", é vedada a aplicação neste julgamento de reprimenda mais severa, o prazo prescricional é, in casu, de oito anos. Dessa forma, ocorreu a prescrição da pretensão punitiva estatal, pois referido prazo restou ultrapassado entre a data do V. Acórdão condenatório, em 03 de maio de 2006, até a presente data, a ensejar a extinção da punibilidade em relação a ambos os crimes, nos termos do artigo 107, inciso IV, c.c art. 109, inciso IV, e art. 110, § 1º, com a redação anterior à Lei nº 12.234/2010, todos do Código Penal, restando prejudicada a apreciação da apelação ministerial em relação a tais delitos.
6. Recurso ministerial analisado, pois, tão somente quanto aos crimes de peculato, estelionato e corrupção ativa, ainda não alcançados pela prescrição, em razão das penas aplicadas pela E. Quinta Turma deste Tribunal, no julgamento realizado em 03 de maio de 2006, que também interrompeu a prescrição.
7. Peculato: materialidade comprovada por farta documentação acostada aos autos, dando conta do desvio de dinheiro público, inicialmente liberado pelo TRT à INCAL, em cumprimento ao contrato administrativo entabulado, mas que, por meios fraudulentos, depois foi parar nas contas particulares de pessoas físicas e jurídicas não vinculadas à construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.
8. Nesse sentido, a acusação trouxe aos autos vários documentos que comprovam, sem qualquer dúvida, que entre abril e julho de 1992, período em que NICOLAU ainda era Presidente do E. Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, grande parte do dinheiro repassado pelo TRT à INCAL teve destinação diversa daquela prevista no contrato para a construção do Fórum Trabalhista de São Paulo, tendo sido rastreados pela CPI do Judiciário valores altíssimos, em milhões de dólares, depositados em contas no exterior de NICOLAU DOS SANTOS NETO e de pessoas físicas ou jurídicas que nenhuma relação possuíam com a obra em questão.
9. Trata-se, por exemplo, de ordens de transferências bancárias datadas de abril de 1992 a julho de 1992 (fls. 1473/1474, vol. 06), ou seja, período em que NICOLAU, como visto, era ainda Presidente do Tribunal e, nessa condição, detinha o poder de mando e de ordenar despesas para a obra, possuindo, com isso, a disponibilidade jurídica dos valores que eram repassados ao TRT-SP pelo Tesouro Nacional.
10. Foram rastreadas pela CPI, entre abril a julho de 1992, oito ordens bancárias em favor de NICOLAU, que variavam entre, aproximadamente, US$ 180.000,00 (cento e oitenta mil dólares) a US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares), totalizando quase US$ 3.000.000 (três milhões de dólares), apenas nesse período inicial das obras (vide planilha de fl. 1474, vol. 06), as quais, por terem ocorrido durante o período em que Nicolau exercia a Presidência do TRT, dão suporte ao cometimento do crime de peculato.
11. Apurou-se, ainda, que em datas próximas das ordens bancárias emitidas pelo TRT-SP em favor da INCAL, esta também realizou diversas transferências ao "GRUPO OK", de propriedade de LUIZ ESTEVÃO, bem como a terceiros destinatários não relacionados à obra do TRT, tais como o Banco del Panamá, com sede no Paraguai, o Interbanco, com sede no Paraguai, além de outros beneficiários não identificados e pessoas físicas e jurídicas não vinculadas à construção civil.
12. Como exemplo, podem-se citar as ordens bancárias de fls. 2650/2734, do TRT à INCAL, bem como a planilha de fls. 6222/6360, vol. 26, elaborada pelo BANCO CENTRAL DO BRASIL, as quais demonstram as oitenta liberações de crédito pela União ao TRT e deste à INCAL.
13. De fato, verifica-se de tais documentos que em 13.04.1992 foi emitida a ordem bancária nº 920B00753, no valor total de CR$ 6.500.000.000,00, em favor da INCAL (fl. 6223, vol. 26), que, por sua vez, apenas dois dias depois, depositou elevada quantia em favor do GRUPO OK, de LUIZ ESTEVÃO, no valor de CR$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de cruzeiros), o mesmo ocorrendo em relação a outras duas ordens bancárias datadas de 08.05.92 e 25.05.92 (OB's nº 920b00920 e OB 920b01072 - vide fls. 6223 e 6224, vol. 26), pelas quais foram realizados altos depósitos, de aproximadamente CR$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de cruzeiros), em favor das empresas GRUPO OK INCORPORAÇÕES S.A, GRUPO OK CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES S.A e RECREIO AGROPECUÁRIA, que nenhuma relação tinham com a construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.
14. Ademais, em 03.06.92 e 10.06.92 a INCAL recebeu mais duas ordens bancárias do TRT (OBs 920b01141 e 920b0197), que, juntas, somavam CR$ 16.000.000.000,00 (dezesseis bilhões de cruzeiros), sendo que em datas próximas, entre 08.06.92 a 24.06.92, vultosas quantias foram transferidas pela INCAL às empresas MONTEIRO DE BARROS ESC IMOB LTDA - CR$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de cruzeiros), BANCO DEL PARANA - cerca de CR$ 300.000.000,00 (Trezentos milhões de cruzeiros), ITERBANCO S.A - cerca de CR$ 300.000.000,00 (Trezentos milhões de cruzeiros), bem como a FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, que em 08.06.92 aparece como destinatário de CR$ 90.000.000,00 (noventa milhões de cruzeiros), o mesmo ocorrendo com a empresa SPLIT CORRETORA DE MERCADORIA, em 11.06 e 12.06.92, com depósitos de mais de CR$ 280.000.000,00 (duzentos e oitenta milhões de cruzeiros), além da INTERNATIONAL REAL ESTATE, com um cheque depositado pela INCAL no dia 16.06.92 em seu favor no total de CR$ 1.200.000.000,00 (um bilhão e duzentos milhões de cruzeiros) - vide planilha de fls. 6225/6227, vol. 26.
15. Nessa mesma toada, tem-se que no mês seguinte, em 02.07.1992, a INCAL recebeu nova ordem de pagamento do TRT (OB 920b01356), no valor de CR$ 19.000.000.000,00 (dezenove bilhões de cruzeiros), sendo que, da mesma forma, novos depósitos em favor do BANCO DEL PARANA, à CORRETORA SPLIT, ao GRUPO OK, à VALEO TERMICO LTDA e a FABIO MONTEIRO DE BARROS FILHO foram constatados em datas muito próximas, isto é, em 06.07, 07.07, 09.07 e 10.07.1992, alcançando o valor total de aproximadamente CR$ 7.000.000.000,00 (sete bilhões de cruzeiros) - vide planilha de fls. 6227/6229, vol. 26.
16. Portanto, da vasta documentação acostada aos autos verifica-se que, ao menos até julho do ano de 1992, esse "modus operandi" repetia-se sempre que o TRT-SP emitia ordens bancárias à INCAL, que, por sua vez, realizava a distribuição do dinheiro entre as diversas empresas dos GRUPOS MONTEIRO DE BARROS e OK e pessoas físicas respectivas, além, é claro, a NICOLAU DOS SANTOS NETO.
17. Autoria imputada ao réu José Eduardo Correa Teixeira Ferraz também efetivamente comprovada nos autos. Com efeito, restou demonstrado que o acusado respondia pela INCAL, como sócio e/ou diretor executivo, e, além disso, tinha integral conhecimento de todo o esquema criminoso engendrado pelo grupo, dele fazendo parte. Ainda, o rastreamento de contas feito durante as investigações possibilitou identificar que NICOLAU DOS SANTOS NETO recebeu inúmeros cheques da "CORRETORA SPLIT", que, por sua vez, foi destinatária de dezenas de cheques emitidos pelo ora apelado JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ, bem como por seu sócio FÁBIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, conforme demonstram as planilhas de fls. 1444/1448, vol. 06.
18. O ora apelado tinha total conhecimento dos benefícios e vantagens que eram pagos a NICOLAU DOS SANTOS NETO, e, portanto, do desvio de dinheiro público relacionado à obra do Fórum Trabalhista de São Paulo - única obra em andamento pela INCAL à época dos fatos -, e participou, ativamente, das condutas necessárias para o pagamento desses benefícios e vantagens indevidas.
19. Estelionato: O "modus operandi" do grupo criminoso consistia no uso de relatórios e pareceres fraudulentos, emitidos pelo engenheiro Antônio Carlos da Gama e Silva, atestando a regularidade da execução da obra, enquanto na realidade o seu andamento estava muito aquém do atestado, possibilitando, com isso, o superfaturamento da obra pelos demais réus. Nicolau, agora não mais como Presidente do TRT e ordenador de despesas, e sim como Presidente da Comissão de Obras, valia-se dolosamente de tais pareceres para ludibriar a nova administração do Tribunal quanto ao andamento da obra, possibilitando que vultosas quantias fossem liberadas à INCAL, que, por sua vez, por meio de seus sócios e administradores, desviava parte do dinheiro a pessoas físicas e jurídicas sem qualquer vínculo com o contrato firmado com o TRT, entre elas o GRUPO OK, de propriedade do corréu Luiz Estevão de Oliveira Neto, Fábio Monteiro de Barros Filho, Nicolau dos Santos Neto e o próprio apelado.
20. Nesse sentido, restou apurado em parecer técnico da FUNDUSP - Fundo de Construção da Universidade de São Paulo (fls. 12885/12917, vol. 50 e fls. 1414/1416, vol. 06) -, que o cronograma físico da obra não passava de 64,15% de conclusão em abril de 1998, ao passo que o desembolso das verbas públicas à incorporadora já alcançava a cifra de 98,70% do valor total do contrato entre o TRT-SP e a INCAL (fl. 12895, vol. 50 e fls. 1414/1416, vol. 06), enquanto os relatórios do engenheiro Antônio Carlos da Gama e Silva indicavam uma execução da obra da ordem de 97,80%, para dezembro de 1997, conforme parecer técnico da evolução física da obra, por ele emitido, de fls. 3249/3258, vol. 14, em cujo bojo consta que até aquele momento - dezembro do ano de 1997 - a INCAL já havia recebido do TRT a importância de R$ 202.406.189,70 (duzentos e dois milhões, quatrocentos e seis mil, cento e oitenta e nove reais e setenta centavos), equivalendo a 97,79% do preço.
21. No mesmo sentido, foi o quanto apurado pela equipe de auditoria do Tribunal de Contas da União, tendo os auditores realizado inspeção "in locu" na obra e constatado diversas inconsistências nos pareceres apresentados pelo Engenheiro Gama, relativos ao desenvolvimento da obra, entre elas, as seguintes: [...] iv) a 'Superestrutura', que consta como praticamente concluída (99,99%), encontra-se muito aquém da finalização. Este item inclui dois serviços sequer iniciados, que são a Estrutura Espacial, avaliada em R$ 9.340.000,00, e as Passarelas Metálicas, em fase de projeto, com valor aproximado de R$ 2.365.000,0; v) ocorrência de diversos itens do orçamento nos quais nenhum ou praticamente nenhum serviço foi realizado, não obstante constar das planilhas de medição elevados percentuais de execução, tais como Forros (55,90%), Revestimentos Internos (99,60%), Pintura (40,80%) etc; e vi) "Esquadrias de Madeira (86,80% para 15,97%), Esquadria Metálica (98,42% para 8,67%), Vidros (98,11% para 6,13%), Impermeabilização (93,52% para 11,56%), Pisos Internos (97,57% para 10,34%), Elétrica/Telefonia (99,80% para 48,98%), Instalações Hidráulicas (99,13% para 51,92%), Ar Condicionado (99,60% para 37,05%), Elevadores (98,86% para 20,25%), e Paisagismo (33,00% para 00%) - (fls. 1420/1421, vol. 06, e Acórdão nº 045/99 do Plenário do TCU, de fls. 9628/9658, item 20, fl. 9634, vol. 38).
22. A testemunha Floriano Correa Vaz da Silva, ex-Presidente do TRT, afirmou em juízo que o INSTITUTO FALCÃO BAUER, contratado para a verificação da situação da obra do Forum Trabalhista, constatou que o preço estava 100% (cem por cento) pago, mas a obra apenas 75% (setenta e cinco por cento) construída (fls. 6388/6396, vol. 26).
23. Apurou-se que a diferença entre o total dos valores pagos pelo TRT-SP à INCAL e o que foi realmente investido na obra demonstrou ter havido prejuízo ao Tesouro no valor de R$ 156.000.000,00 (cento e cinquenta e seis milhões de reais) como consequência dos atos praticados, inclusive por José Eduardo que, como diretor da empresa INCAL, de tudo estava ciente e colaborando na prática ilícita com unidade de propósitos e vontade com os demais acusados, assim sobressaindo-se o dolo das suas condutas, ao agir em coautoria com Antonio Carlos (condenado no julgamento da apelação criminal nº 2000.61.81.003274-1, de relatoria do eminente Desembargador Federal Luiz Stefanini, pelo delito de estelionato majorado,) e Nicolau dos Santos Neto e demais acusados, todos condenados nesta ação penal, por força de decisão tomada por este Tribunal, em sessão de julgamento da Colenda 5ª Turma realizada em 03 de maio de 2006 (fls.18.010/18.587, vols. 70/71).
24. As provas demonstram que as várias operações fraudulentas efetivadas e comprovadas nos autos denotam o poder, a vontade e o resultado da conduta do réu JOSÉ EDUARDO, representante das empresas Monteiro de Barros e Incal, ao induzir em erro o ente público, visando à obtenção de vantagem ilícita, a perfazer o estelionato, mediante o uso de artifícios fraudulentos, resultando, consequentemente, caracterizado o crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, o que ocorreu de forma continuada, no período de julho de 1993 a julho de 1998.
25. Corrupção ativa: os crimes de corrupção passiva, de NICOLAU DOS SANTOS NETO, e de corrupção ativa perpetrado por JOSÉ EDUARDO e demais corréus extranei, consumaram-se algum tempo antes da efetiva entrega da vantagem indevida a NICOLAU, bem como antes dos posteriores desvios do dinheiro do Tesouro Nacional pelo grupo, estes últimos relacionados aos crimes de peculato e estelionato.
26. Com efeito, o robusto contexto probatório carreado aos autos demonstra, sem sombra de dúvidas, que a "venda" por NICOLAU de seu cargo público ocorreu, obviamente, em data anterior ao início do ano de 1992, ou seja, antes da realização da licitação e da adjudicação do contrato à INCAL, tendo ele entabulado com JOSÉ EDUARDO e demais réus a entrega, a ele, de vantagem indevida, desde que a empresa do Grupo Monteiro de Barros viesse a se tornar vencedora do certame, fato que efetivamente se viabilizou à INCAL diante da fraude ao procedimento licitatório.
27. Portanto, a corrupção passiva de NICOLAU, consubstanciada em solicitar ou receber vantagem indevida, e a corrupção ativa do apelado e demais réus extranei consumaram-se exatamente nesse momento, isto é, quando o grupo criminoso acordou a entrega de vantagem àquele sob a condição de que o grupo empresarial dos corruptores vencesse a licitação e obtivesse o contrato administrativo para a construção do Fórum Trabalhista de São Paulo.
28. E, considerando que tais crimes são formais, consumaram-se eles exatamente no ato de referido pacto, independentemente de a vantagem patrimonial indevida ter sido entregue a NICOLAU tempos depois - entrega do apartamento em Miami no ano de 1994 -, e de outros crimes terem sido posteriormente praticados pela organização. Naquele exato momento (do pacto odioso), qual seja, antes do início do ano de 1992 - anteriormente à realização do procedimento licitatório fraudulento -, é que foram quebrados o decoro, a moralidade administrativa e a probidade devida por todo servidor no exercício de cargo público, consumando-se tanto a corrupção passiva de NICOLAU quanto a corrupção ativa do apelado e demais corréus extranei.
29. Exatamente esse mesmo pensamento dá-se em relação aos crimes de corrupção ativa e passiva quanto ao engenheiro ANTONIO CARLOS DA GAMA E SILVA.
30. Com efeito, ao lhe ser prometida vantagem indevida, e ao aceitá-la, a fim de que, a partir de junho do ano de 1993, emitisse laudos fraudulentos quanto ao andamento da obra do Tribunal, GAMA e os demais acusados extranei, entre eles o ora apelado, praticaram, respectivamente, corrupção passiva e ativa, independentemente de em atos posteriores terem o apelado e demais corréus extranei, valendo-se de tais laudos, superfaturado a obra e desviado para si o dinheiro decorrente deste superfaturamento, o que caracterizou o crime de estelionato, momento em que NICOLAU não figurava mais como Presidente do TRT, mas apenas como Presidente da Comissão de Obras, conforme já bem delineado nos itens acima.
31. A entrega da vantagem indevida, prometida pelos corruptores, foi efetivamente concretizada, tanto a NICOLAU quanto ao engenheiro GAMA.
32. Com efeito, a farta prova documental colhida não deixa qualquer dúvida de que o Grupo Monteiro de Barros pagou dívidas de NICOLAU, referentes à aquisição do apartamento em Miami. Caracterizado, portanto, o oferecimento e posterior entrega por JOSÉ EDUARDO, através do Grupo Monteiro de Barros, de vantagens financeiras indevidas a NICOLAU DOS SANTOS NETO, a fim de que, no início do ano de 1992, praticasse ato de ofício infringindo dever funcional, consistente em fraude à licitação e entrega de seu objeto à INCAL, favorecendo, assim, empresa do Grupo Monteiro de Barros.
33. José Eduardo participou decisivamente - ainda que na qualidade de intermediário - da compra do apartamento de NICOLAU em Miami/EUA, colocando-se à disposição do corréu, pessoalmente, para resolver pendências financeiras quanto a cobranças relativas ao imóvel, tratando, inclusive, da negociação desta dívida nos Estados Unidos da América, nos termos da documentação e prova oral analisadas.
34. Concretizou, pois, esse corréu o que havia sido prometido por ele e pelos demais corruptores extranei, entregando a NICOLAU vantagem indevida que, obviamente, extrapolou os termos do contrato firmado entre a INCAL e o TRT-SP, porquanto paga a NICOLAU em razão de prática anterior de ato de ofício com infringência de dever funcional.
35. No tocante à corrupção ativa em relação ao engenheiro Antônio Carlos da Gama e Silva, constata-se que os cheques emitidos pelo Grupo Monteiro de Barros (especificamente pela "Monteiro de Barros Const. e Incorp. Ltda.", "Monteiro de Barros Escr. Imob. Ltda." e "Recreio Agropecuária Empr. e Particip. Ltda.") - do qual José Eduardo era Diretor-Executivo à época dos fatos -, e depositados na conta de titularidade de ANTONIO CARLOS DA GAMA E SILVA, referem-se ao período compreendido entre 25/05/1992 e 13/10/1994, totalizando US$ 42.483,35 (quarenta e dois mil, quatrocentos e oitenta e três dólares e trinta e cinco centavos) - fl. 1.404, vol. 06.
36. Caracterizado, pois, tanto o oferecimento quanto a efetiva entrega de vantagem indevida a funcionário público - ANTONIO CARLOS DA GAMA E SILVA encontrava-se no exercício da função de prestador de serviços à Administração Pública, nos termos do art. 327 do Código Penal - por José Eduardo (Diretor-Executivo na INCAL à época dos fatos, contando com amplos poderes de administração e gestão, inclusive quanto à emissão de pagamentos e cheques, conforme fundamentação tecida quando da análise do crime de peculato-desvio), determinando o primeiro a emitir pareceres materialmente falsos, que efetivamente viabilizaram a liberação de recursos financeiros à INCAL, nos termos do quanto narrado pela exordial acusatória e concluído por este Relator.
37. Do concurso material de crimes: Em se tratando de crimes com bens jurídicos diversos, praticados também em circunstâncias e momentos distintos, reconhece-se o concurso material de crimes, à luz do artigo 69 do Código Penal, devendo as reprimendas aplicadas ser somadas. Veja-se que se trataram de condutas cindidas no tempo, porquanto perpetradas em momentos completamente distintos - a corrupção (ativa e passiva) antes do início do ano de 1992, ou seja, antes do procedimento licitatório; o peculato-desvio entre fevereiro de 1992 a julho de 1992; o estelionato entre junho de 1993 até julho de 1998 - sendo diversos, ainda, os bens jurídicos tutelados em relação a cada tipo penal infringido; daí o imprescindível reconhecimento do concurso material entre eles.
38. Assim, considerando as penas de 7 (sete) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 900,00 (novecentos reais), para o crime de peculato; de 7 (sete) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 900,00 (novecentos reais), para o crime de estelionato; e de 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 900,00 (novecentos reais), para o crime de corrupção ativa, a reprimenda total, observado o concurso material, resta definitivamente aplicada em 22 (vinte e dois anos e quatro meses de reclusão) e multa de 600 (seiscentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 900,00 (novecentos reais).
39. Tendo em vista que a pena final restritiva de liberdade superou oito anos de reclusão, o regime inicial de seu cumprimento é o fechado, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea "a", do Código Penal.
40. Do perdimento dos bens: Corolário à sanção, resta decretada a perda dos bens pertencentes ao réu como produto dos crimes aqui retratados, e que vierem a ser apurados como tal na sede própria, a fim de ressarcir a União dos prejuízos sofridos, assegurando-se a viabilidade do ressarcimento ao erário dos valores desviados, o que faço com fulcro no art. 91 do Código Penal.
41. Arguição de incompetência afastada. Prescrição reconhecida quanto aos crimes de quadrilha ou bando e uso de documento falso.
42. Apelações do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União providas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, preliminarmente, por unanimidade, nos termos do voto do Relator, não acolher a alegação de incompetência da Primeira Turma desta Corte Regional. No mérito, por unanimidade, de ofício, julgar extinta a punibilidade do apelado em relação aos crimes de quadrilha ou bando e de uso de documento falso, em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos do artigo 107, inciso IV, c.c art. 109, inciso IV, e 110, § 1º, com a redação anterior à Lei nº 12.234/2010, todos do Código Penal, restando prejudicada a apreciação da apelação ministerial em relação a tais delitos. DAR PROVIMENTO à apelação ministerial e à apelação da Advocacia Geral da União, a fim de afastar a "emendatio libelli" realizada em primeiro grau, e, com isso, condenar o apelado JOSÉ EDUARDO CORREA TEIXEIRA FERRAZ às seguintes penas: a) 7 (sete) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 900,00 (novecentos reais), como incurso no artigo 312, "caput", do Código Penal (peculato-desvio); b) 7 (sete) anos de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 900,00 (novecentos reais), como incurso no artigo 171, § 3º, do Código Penal (estelionato qualificado); c) 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 900,00 (novecentos reais), como incurso no artigo 333 e § único, do Código Penal (corrupção ativa). Observado o concurso material (art. 69 do Código Penal), a pena final resta definitivamente aplicada em 22 (vinte e dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e multa de 600 (seiscentos) dias-multa, no valor unitário de R$ 900,00 (novecentos reais). Prosseguindo o julgamento, a Turma, por unanimidade, decretou a perda dos bens pertencentes ao réu como produto dos crimes aqui retratados, e que vierem a ser apurados como tal na sede própria, a fim de ressarcir a União dos prejuízos sofridos, assegurando-se a viabilidade do ressarcimento ao erário dos valores desviados, o que faço com fulcro no art. 91 do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de novembro de 2015.
RENATO TONIASSO
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): RENATO TONIASSO:10137
Nº de Série do Certificado: 510D21965BDDD56A
Data e Hora: 12/11/2015 14:44:20