Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/11/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004122-90.2007.4.03.6111/SP
2007.61.11.004122-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
APELANTE : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP210268 VERIDIANA BERTOGNA e outro(a)
APELADO(A) : COOPERATIVA HABITACIONAL DOS COMERCIARIOS DO ESTADO DE SAO PAULO - SECAO MARILIA II
ADVOGADO : SP072815 MARCOS ALBERTO GIMENES BOLONHEZI e outro(a)
APELADO(A) : PREFEITURA MUNICIPAL DE MARILIA SP
ADVOGADO : SP128639 RONALDO SERGIO DUARTE e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : JEFFERSON APARECIDO DIAS e outro(a)

EMENTA

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. ARTIGO 225, CF/88. LEIS 4.771/1965, 6.938/1981, 7.347/1985, 12.651/2012. RESOLUÇÃO CONAMA 303/2002. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL IN RE IPSA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E PROPTER REM. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. CONDUTA, NEXO E DANO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO A OBRIGAÇÕES DE FAZER E À RESTAURAÇÃO AMBIENTAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDAS.
I. Em sede de ação civil pública, é cabível o reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicando-se por analogia o art. 19 da Lei nº 4.717/65, em decorrência da interpretação harmônica do microssistema de tutela dos interesses difusos e coletivos. Precedentes do STJ.
II. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra o Município de Marília e cooperativa local com o objetivo de impor obrigações de fazer em razão da indevida intervenção em área de preservação permanente, consistente na construção de casas, ruas asfaltadas, sarjetas e servidões com galerias pluviais na faixa de cem metros contada a partir da borda do tabuleiro, local non aedificandi.
III. As áreas de preservação permanente não podem sofrer qualquer tipo de intervenção, à exceção daquelas expressa e taxativamente autorizadas pela lei, mediante o devido procedimento administrativo junto às autoridades ambientais, legalmente embasado, vedada inclusive a celebração de termo de ajustamento de conduta que tenha por escopo a manutenção da ocupação em afronta à legislação. Precedentes do STJ.
IV. Constitui área de preservação permanente, pelo só efeito da legislação, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a cem metros em projeções horizontais (Leis nº 4.771/1965, nº 12.651/2012, Resolução CONAMA nº 303/2002).
V. Impossibilidade de celebração de termo de ajustamento de conduta que autorize ocupação em área de preservação permanente mediante compensação ambiental, ainda que se revele pleito sucessivo na demanda, em razão da patente afronta aos regramentos regentes da matéria, situação que revela o interesse processual para ajuizamento da ação e torna imperioso o reconhecimento da nulidade do ajuste administrativo homologado pelo Juízo a quo.
VI. Maduro o feito para julgamento, impõe-se a apreciação das questões preliminares suscitadas e do mérito, nos termos do artigo 515, § 2º, do CPC.
VII. A Mata Atlântica é ecossistema que constitui patrimônio nacional, nos termos do artigo 225, § 4º, da CF/88, e o espaço sub judice está localizado dentro de tais limites. Essa realidade enseja a competência da Justiça Federal para a apreciação do presente feito, além da legitimidade ativa do Ministério Público Federal (artigos 1º, I, e 5º da LACP) e do IBAMA, ente responsável pelo exercício do poder de polícia na área. Precedentes do STJ.
VIII. Legitimidade passiva ad causam da cooperativa e do município, em virtude da plausibilidade de sua contribuição para a existência do dano ambiental, seja por conta da aprovação do projeto na via administrativa, seja em razão de sua execução física.
IX. A proteção ambiental detém status constitucional e os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia (art. 225, § 3º, CF/88, art. 4º, VII, c/c art. 14, § 1º, Lei nº 6.938/81). O tema é também regido pelo primado do devido uso da propriedade (artigos 182 e 186 da CF), a intitulada função socioambiental, a qual permeia a dimensão da tutela ambiental (artigo 1.228, § 1º, do Código Civil).
X. O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva e da teoria do risco integral.
XI. Dessume-se a obrigação de reparar pela ocorrência de dano ambiental quando há atuação em desconformidade aos regramentos de proteção ao meio ambiente e nexo de causalidade entre tal comportamento e o prejuízo causado.
XII. Impossibilidade de responsabilização do município pela ocorrência de lesão ao meio ambiente, porquanto de sua conduta não decorreu o dano, tampouco concorreu de qualquer modo para sua existência, seja de forma comissiva, seja de forma omissiva. A aprovação do projeto para construção do condomínio, pelas autoridades municipais, deu-se dentro da estrita margem da legalidade e em observância aos regramentos aplicáveis à espécie, de modo que não se evidencia nexo de causalidade entre sua atuação e o alegado dano.
XIII. Restou comprovada a atuação da cooperativa em desrespeito ao projeto aprovado pelas autoridades e em violação aos normativos de proteção ao meio ambiente quando da execução física do projeto do condomínio, porquanto construiu em local non aedificandi, a saber, dentro do limite de cem metros da borda do tabuleiro, o que revela nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado lesivo e torna imperiosa sua responsabilização pelo dano ambiental.
XIV. Descabimento da condenação ao pagamento de honorários advocatícios, em razão da interpretação sistemática e isonômica do art. 18 da Lei nº 7.347/85. Custas ex lege. Precedentes do STJ.
XV. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente a ação a fim de condenar a cooperativa a demolir as casas que construiu no loteamento dentro da área de preservação permanente da Mata Atlântica, existente na faixa de cem metros a partir da linha de ruptura do tabuleiro, e restaurado o meio ambiente degradado, sob pena de multa diária de R$1.000,00.
XVI. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, parcialmente providas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação para reformar a sentença, inclusive por força do reexame necessário, para julgar parcialmente procedente a ação a fim de condenar a cooperativa a demolir as casas que construiu no loteamento dentro da área de preservação permanente da Mata Atlântica, existente na faixa de cem metros a partir da linha de ruptura do tabuleiro, e restaurado o meio ambiente degradado, sob pena de multa diária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 04 de novembro de 2015.
André Nabarrete
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004122-90.2007.4.03.6111/SP
2007.61.11.004122-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
APELANTE : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP210268 VERIDIANA BERTOGNA e outro(a)
APELADO(A) : COOPERATIVA HABITACIONAL DOS COMERCIARIOS DO ESTADO DE SAO PAULO - SECAO MARILIA II
ADVOGADO : SP072815 MARCOS ALBERTO GIMENES BOLONHEZI e outro(a)
APELADO(A) : PREFEITURA MUNICIPAL DE MARILIA SP
ADVOGADO : SP128639 RONALDO SERGIO DUARTE e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : JEFFERSON APARECIDO DIAS e outro(a)

RELATÓRIO

Ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra COOPERATIVA HABITACIONAL DOS COMERCIÁRIOS DO ESTADO DE SÃO PAULO - SEÇÃO MARÍLIA II e MUNICÍPIO DE MARÍLIA (fls. 134/135), em 16/08/2007, com o objetivo de impor obrigações de fazer em razão da indevida construção em área de preservação permanente - APP. Foram formulados os seguintes pedidos no bojo da exordial:


a) condenação à obrigação de fazer, consistente em readquirir e demolir as casas do loteamento "Vila dos Comerciários II" construídas em área de preservação permanente da Mata Atlântica, localizadas na faixa de 100 metros a partir da linha de ruptura do tabuleiro, nos termos do artigo 2º, "g", da Lei nº 4.771/1965 e artigo 3º, VIII, da Resolução CONAMA nº 303/2002;


b) alternativamente, condenação à obrigação de fazer consistente na adoção de medidas compensatórias relativas aos prejuízos ambientais causados em virtude da edificação em terrenos do loteamento "Vila dos Comerciários II", localizados na citada área de preservação permanente;


c) fixação de multa diária pelo descumprimento da obrigação de fazer que vier a ser imputada, no prazo concedido, no patamar de R$1.000,00, a ser revertida ao Fundo Nacional de Direitos Difusos;


d) condenação da requerida ao pagamento das custas e honorários advocatícios, a serem revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (artigo 13 da Lei nº 7.347/1985).


Pleiteada, também, a intimação da União para integrar a lide (artigo 5º, § 2º, da Lei nº 7.347/1985). Atribuído à causa o valor de R$1.000,00.


Emenda à petição inicial, às fls. 134/135, para promover a inclusão do Município de Marília no polo passivo da ação e requerer a intimação do IBAMA para se manifestar quanto ao interesse de integrar a lide.


O IBAMA requereu sua inclusão no polo ativo da ação na qualidade de assistente litisconsorcial (artigo 54 do CPC) e informou que não concordava com nenhuma possibilidade de compensação ambiental, de modo que fosse proferida condenação das rés à obrigação de demolir as edificações existentes na APP (fls. 148/150, 155). A União, a seu turno, declinou não ter interesse em ingressar no feito (fls. 146, 162).


Devidamente citado, o Município de Marília apresentou defesa e pugnou pela total improcedência do pleito em razão da incidência de primados constitucionais e da aplicação da legislação municipal à espécie (fls. 164/171).


A cooperativa também contestou o feito e aduziu, em preliminar, a incompetência da Justiça Federal, a ilegitimidade ativa ad causam do Parquet Federal e a carência da ação. No mérito, sustentou o projeto ter sido devidamente aprovado pelas autoridades competentes, bem como celebrado termo de ajustamento de conduta para a adoção das medidas compensatórias cabíveis (fls. 193/209).


Réplica do Ministério Público Federal às fls. 238/244, por meio da qual rebateu os argumentos expendidos nas contestações e pugnou pelo julgamento antecipado da lide (artigo 330, I, do CPC), e do IBAMA às fls. 253/263.


Instadas as partes à especificação dos meios de prova (fls. 266, 293), o Parquet Federal reiterou o requerimento de apreciação antecipada do feito (fl. 266v); o IBAMA procedeu à colação de relatório de vistoria da área sub judice (fls. 286/292), com o fito de comprovar a indevida intervenção em APP (ruas pavimentadas, calçadas e residências); a cooperativa requereu a designação de audiência de conciliação, oitiva de testemunhas, juntada de novos documentos e perícia (fls. 296/297); o Município de Marília pugnou pelo julgamento antecipado da lide (fls. 318/319).


Às fls. 309/310, 314/315, o IBAMA reiterou não ser possível celebrar qualquer acordo no caso dos autos. À vista, no entanto, da "possibilidade de transação" (termo de ajustamento de conduta) entre a cooperativa e o Ministério Público Federal, foi deferida a suspensão do feito pelo prazo de 30 dias (fls. 327/328, 336). Decorrido, o Parquet Federal informou ter sido celebrado, com a cooperativa, termo de compromisso e ajustamento de conduta e projeto técnico para compensação e pugnou por sua homologação, com extinção do feito nos termos do artigo 269, III, do CPC (fls. 340/344, 381/382).


O IBAMA se manifestou sobre o pacto administrativo às fls. 391/392. Frisou que a legislação veda ao poder público anuir com a manutenção de qualquer tipo de intervenção em APP e que as medidas compensatórias somente são admitidas quando o dano não for recuperável, situação inocorrente in casu. Pugnou pelo julgamento do feito e procedência da ação, nos termos da exordial, para ser determinada a demolição das edificações. Sobre tal teor manifestaram-se o Ministério Público Federal (fls. 397/398), a cooperativa (fls. 403/404) e o Município de Marília (fls. 407/408).


Conclusos os autos, foi homologado o termo de ajustamento de conduta celebrado entre o Parquet Federal e a cooperativa e extinto o feito nos termos do artigo 269, III, do CPC. Determinado, ainda, o aguardo, em Secretaria, do cumprimento integral da avença (fls. 410/412).


Apelação do IBAMA às fls. 417/425v, em cujas razões pugna seja o recurso provido e integralmente reformada a sentença, nos seguintes termos:


a) consoante a dicção do artigo 225, caput e § 1º, da CF/88, e artigo 2º da Lei n.º 6.938/1981, é obrigação do poder público a defesa e preservação do meio ambiente, assim como a promoção de todas as ações para tornar efetiva tal tutela;


b) a Lei nº 8.028/1990, que deu nova redação ao artigo 6º da Lei nº 6.938/1981, determinou que o IBAMA, criado pela Lei nº 7.735/1989, fosse o órgão executor da política e das diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;


c) a Lei nº 9.605/1998 dispõe que são crimes contra a flora: destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção (artigo 38); impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação (artigo 40);


d) a definição legal das áreas de preservação permanente consta do Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), o qual prevê, em seu artigo 2º, "g", que assim se consideram as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: "nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a cem metros em projeções horizontais";


e) a proteção das áreas de preservação permanente é ressaltada em vários incisos do parágrafo 1º do artigo 225 da CF/88 e configura dever outorgado ao poder público e à coletividade, a fim de se primar pela manutenção do equilíbrio ecológico e da sadia qualidade de vida;


f) a preservação da biodiversidade também é aplicável ao instituto da APP, porquanto de riquíssima diversidade de espécies da fauna e flora (artigo 225, § 1º, II, CF/88);


g) a preservação é do espaço, independentemente da tipologia vegetal, por se tratar de vegetação que não pode ser removida, à vista de sua localização (artigo 225, § 1º, III, CF/88);


h) o regime aplicado à APP é o da expressa preservação (inciso II do artigo 2º da Lei nº 9.985/2000) e não o da simples conservação (inciso V do mesmo dispositivo), o que significa a proteção absoluta e integral de suas características naturais e não seu mero manejo sustentável;


i) configurada a intervenção irregular, sem autorização do poder público, em APP, de rigor a reparação do dano provocado;


j) os artigos 182 e 186 da Lei Maior preceituam a função social da propriedade urbana e rural, bem como fixam como um dos requisitos para sua observância a adequada utilização dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente;


k) o artigo 1.228, § 1º, do Código Civil (Lei nº 10.406/2002), preconiza que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas";


l) consta dos autos que a cooperativa erigiu construções em APP, em desrespeito ao artigo 3º, VIII, da Resolução CONAMA nº 303/2002, o qual caracteriza como de preservação permanente a faixa de cem metros a partir da borda do tabuleiro;


m) no termo de compromisso foi avençada medida compensatória em razão dos prejuízos causados pela edificação em terrenos localizados em área de preservação permanente, mas não constou a demolição das construções, requerida na petição inicial;


n) o Código Florestal veda intervenções humanas em APP, excetuados os casos de utilidade pública e interesse social (artigo 1º, § 2º, II), não configurados in casu;


o) a legislação regente do tema não permite ao poder público ratificar quaisquer projetos de recuperação ambiental que contemplem construções e intervenções em área de preservação permanente;


p) o ordenamento jurídico prioriza o retorno ao statu quo ante pela via específica da reparação, de modo que as medidas de compensação ambiental somente podem ocorrer quando inviável a recuperação in loco;


q) atende-se ao interesse público mediante a preservação ambiental e não com a manutenção de construções em área de preservação permanente, na já devastada Mata Atlântica, cujos fragmentos, devidamente recuperados, formam corredores ecológicos para o fluxo gênico de flora e fauna;


r) "a restauração natural deve ser percebida como a opção fundamental do sistema de responsabilidade civil por danos ecológicos" (artigo 225 da CF/88; fl. 424v);


s) o Enunciado nº 01/2005 - 4ª CCR trata da impossibilidade de homologação de termo de ajustamento de conduta que viole dispositivo legal, a exemplo daqueles que visam a regularizar intervenções em área de preservação permanente;


t) o termo de ajustamento de conduta não atende à legislação de proteção ambiental, razão pela qual devem ser demolidas todas as intervenções existentes na APP, nos termos da exordial;


u) prequestionamento expresso do artigo 225 da CF/88, artigo 2º da Lei nº 7.735/1989, artigos 2º e 6º da Lei nº 6.938/1981, artigos 1º, 2º, 3º e 4º do Código Florestal.


Às fls. 428/431, aduz a Cooperativa Habitacional dos Comerciários do Estado de São Paulo - Seção Marília II, em suas contrarrazões:


a) o autor apresentou pedidos sucessivos para, na eventualidade de não ser acolhido o primeiro (reaquisição e demolição das edificações erigidas em APP), ser julgado procedente o segundo (adoção de medidas compensatórias em razão dos prejuízos ambientais causados);


b) é lícita a formulação de mais de um pedido em ordem sucessiva, a fim de que o juiz conheça do posterior se não acolher o anterior (artigo 289 do CPC);


c) a decisão recorrida atendeu ao pleito subsidiário, considerado que a demolição das edificações pretendida pelo IBAMA não restabeleceria a área ambiental nos moldes originários, mas, ao contrário, poderia causar dano ainda maior ao meio ambiente;


d) acertou o decisum quanto à questão social, na medida em que os adquirentes dos imóveis não podem ser responsabilizados pela inércia do poder público, que deveria ter adotado providências em momento oportuno;


e) o pedido subsidiário foi plenamente atendido, pois a apelada promoveu projeto técnico para compensação ambiental e já depositou o valor referente à medida compensatória;


f) o empreendimento "Vila dos Comerciários" foi devidamente aprovado pelo Município de Marília, pelo Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais e pelo GRAPROHAB;


g) todas as medidas tomadas pela recorrida demonstram o seu empenho e total sucesso na operação e reparação do dano;


h) devem ser considerados o tempo de existência do loteamento e a realização de edificações, das casas habitadas e de toda a respectiva infraestrutura (sarjetas, galerias de água pluviais, ruas asfaltadas), que demonstram o interesse social em sua conservação.


Contrarrazões do Ministério Público Federal, às fls. 433/436, no sentido da manutenção do provimento recorrido. Argumenta, em síntese, que:


a) o artigo 2º da Lei nº 4.771/1965 (Código Florestal) previu configurarem APP as florestas e demais formas de vegetação natural situadas "nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados 'olhos d'água', qualquer que seja a sua situação topográfica num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura" (alínea "c") e "nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais" (alínea "g");


b) o citado dispositivo legal, porém, somente foi regulamentado em março de 2002, com a edição da Resolução CONAMA nº 303, que explicitou os respectivos conceitos, nos termos de seu artigo 2º, inciso II: "nascente ou olho d'água: local onde aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea"; artigo 2º, inciso XI: "tabuleiro ou chapada: paisagem de topografia plana, com declividade média inferior a dez por cento, aproximadamente seis graus e superfície superior a dez hectares, terminada de forma abrupta em escarpa, caracterizando-se a chapada por grandes superfícies a mais de seiscentos metros de altitude"; artigo 3º: "constitui área de preservação permanente a área situada:" (...) inciso II - "ao redor de nascente ou olho d'água, ainda que intermitente, com raio mínimo de cinquenta metros de tal forma que proteja, em cada caso, a bacia hidrográfica contribuinte"; (...) inciso VIII - "nas escarpas e nas bordas dos tabuleiros e chapadas, a partir da linha de ruptura em faixa nunca inferior a cem metros em projeção horizontal no sentido do reverso da escarpa";


c) o termo de ajustamento de conduta de fls. 341/344 foi celebrado com base em projeto técnico de compensação com reflorestamento (fls. 345/378) e objetivou compatibilizar a preservação ambiental ao interesse dos proprietários e moradores, observado o interesse público e o desenvolvimento sustentável;


d) o acordo almejou reparar as lesões ambientais provocadas pelas construções erigidas na área e fixar obrigações de cunho compensatório, como o plantio de mudas de espécies nativas da região;


e) as edificações e intervenções levadas a efeito no "Vila dos Comerciários II" são anteriores à edição da Resolução CONAMA nº 303/2002;


f) está caracterizada a boa-fé dos proprietários e moradores de residências no condomínio, decorrente da obtenção das autorizações em âmbito estadual (GRAPROHAB e DEPRN) e municipal, em respeito aos limites de não edificação fixados pelos referidos entes públicos;


g) não se pode penalizar de forma tão drástica os proprietários e moradores do condomínio, com a demolição de suas casas, quando o próprio poder público não se entrosa, na medida em que fixa limites diferenciados, no âmbito de cada ente federativo, para as áreas non aedificandi;


h) no embate "demolição versus termo de ajustamento de conduta" deve ser observado o princípio da proporcionalidade, cujos elementos são "conformidade ou adequação dos meios empregados; necessidade ou exigibilidade da medida adotada e proporcionalidade em sentido estrito" (fl. 435v);


i) a pretensão à demolição das intervenções já efetuadas é desproporcional, porquanto o interesse público foi atendido com a celebração do acordo e realizada a devida reparação do meio ambiente degradado pelo infrator;


j) a solução mais adequada e justa é a confirmação do termo de ajustamento de conduta celebrado pelas partes.


Nesta instância, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação (fls. 440/441v).


É o relatório.

À revisão.




André Nabarrete
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 11/11/2015 18:46:12



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004122-90.2007.4.03.6111/SP
2007.61.11.004122-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
APELANTE : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : SP210268 VERIDIANA BERTOGNA e outro(a)
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ADVOGADO : SP072815 MARCOS ALBERTO GIMENES BOLONHEZI e outro(a)
APELADO(A) : PREFEITURA MUNICIPAL DE MARILIA SP
ADVOGADO : SP128639 RONALDO SERGIO DUARTE e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : JEFFERSON APARECIDO DIAS e outro(a)

VOTO

Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a Cooperativa Habitacional dos Comerciários do Estado de São Paulo - Seção Marília II e o Município de Marília, com o objetivo de impor obrigações de fazer para a plena restauração de área de preservação permanente em terreno da Mata Atlântica, localizado na citada municipalidade, em virtude de indevidas construções ali realizadas.



I - DO REEXAME NECESSÁRIO


O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:


"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo". (Redação dada pela Lei nº 6.014/73).

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. 1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009). 2. Agravo Regimental não provido."
(STJ, AGREsp 1219033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 25/04/2011).

O entendimento é aplicável quando a sentença foi proferida nos termos do artigo 269, III, do CPC, consoante a interpretação dada ao artigo 475, I, do CPC pela Superior Corte, a qual se ilustra pela ementa a seguir transcrita:


"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA "C" DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL SOBRE O QUAL SUPOSTAMENTE RECAI A CONTROVÉRSIA. SÚMULA N. 284 DO STF, POR ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DE DISSÍDIO COM JULGADOS DO STF. PRECEDENTES. AÇÃO DE COBRANÇA E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ACORDO FIRMADO. HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL. REEXAME NECESSÁRIO. TRANSAÇÃO. DIREITO INDISPONÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. 1. É impossível conhecer do especial interposto com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional, pois, mesmo nestes casos, é necessária a indicação do dispositivo da legislação infraconstitucional federal sobre o qual recai a divergência, sob pena de atração da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal, por analogia (fundamentação deficiente). 2. Por outro lado, também não merece conhecimento o recurso pelo alegado dissídio jurisprudencial já que foram trazidos aos autos somente julgados do Supremo Tribunal Federal - STF. A uniformização da interpretação de matéria constitucional nos Tribunais pátrios não está dentre os objetivos alcançáveis via recurso especial, cabendo tal tarefa ao Supremo Tribunal Federal via recurso extraordinário e outros instrumentos jurídicos postos à disposição dos interessados, sob pena de usurpação de funções daquela Corte por este Tribunal. 3. Discute-se nos autos a legalidade de acordo firmado entre o recorrente e o Município de Goioerê/PR, no qual se transacionou a compensação dos débitos existentes na Ação Civil Pública de n. 97/2001 com os créditos que seriam apurados na Ação Ordinária de Cobrança n. 300/2004, decorrentes de subsídios a que o autor teria direito pelo exercício do cargo de Vereador e Presidente da Câmara Municipal na gestão 1993/1996, além do pagamento de crédito remanescente a ser pago pelo Município no valor de R$ 15.000,00. 4. A insurgência especial está embasada na alegada ofensa ao disposto nos artigos 475, I, e 269, III, ambos do CPC, asseverando o recorrente que a sentença homologatória extinguiu o processo com julgamento de mérito, inexistindo qualquer nulidade, na medida em que teve anuência do Ministério Público. Acrescenta que a sentença exarada não contraria os interesses do Município, e, por tal razão, não se sujeita ao reexame necessário. 5. Na hipótese dos autos, o Município, com a realização do acordo, admitiu como devidos valores que sequer foram apurados judicialmente, e ainda terá que desembolsar mais uma quantia de R$ 15.000,00 a serem pagos ao ora recorrente em prestações de R$ 1.000, 00. Em sendo assim, revela-se notoriamente desfavorável ao ente público a decisão homologatória da transação formulada entre as partes, que ostenta a natureza de sentença de mérito, dando ensejo a sua submissão ao duplo grau de jurisdição, segundo a regra do artigo 475, inciso I, do CPC. 6. Outro aspecto relevante a ser apreciado diz respeito à impossibilidade de Municipalidade firmar acordo semelhante ao que fora celebrado nos autos, em que reconheceu a existência de uma dívida e compensou-a com créditos discutidos em ação civil pública, vez que se tratam de direitos patrimoniais de caráter indisponível. 7. Segundo o disposto nos arts. 840 e 841 do novo Código Civil, a transação que previne ou põe fim ao litígio tem como características (i) a existência de concessões recíprocas entre as partes, o que pressupõe se tratar de direito disponível e alienável; (ii) ter por objeto direitos patrimoniais de caráter privado, e não público. Assim, in casu, por se tratar de direito indisponível, referente a dinheiro público, é manifestamente ilegítima a transação pecuniária homologada em primeiro grau. 8. Há, ainda, aspecto de suma importância atinente ao fato de que o acordo teve como finalidade compensar créditos provenientes de condenação sofrida pelo ex-edil em ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público, que tem como objeto a aplicação das demais penalidades previstas no art. 12, II, da Lei 8.429/92, inclusive o pagamento de multa civil de até duas vezes o valor desviado. Considerando esse dado, o acordo firmado entre as partes é expressamente vedado pelo art. 17, § 1º, da Lei 8.429/92. Portanto, a sentença que homologou transação realizada entre a Fazenda Pública Municipal e o recorrente, reconhecendo débito para com este último, mostra-se totalmente eivada de nulidade insanável. 9. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta parte, não provido." (destaques aditados)
(STJ, REsp 1198424, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, v.u., DJe 18/04/2012).

In casu, verifica-se que as cláusulas do termo de ajustamento de conduta não abarcaram o pedido principal, qual seja, a imposição de obrigação de fazer à cooperativa para que readquirisse e demolisse as construções do loteamento invasoras da área de preservação permanente. Tampouco foi de fato contemplado o pedido alternativo, pois as medidas compensatórias pactuadas não primam pela efetiva tutela do meio ambiente atingido, de modo que o termo, tal qual celebrado, não atendeu ao interesse público e, ainda, violou a legislação norteadora do tema.


Assim, far-se-á o reexame necessário da sentença.



II- DA IMPOSSIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA QUANTO À OCUPAÇÃO DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE


À luz da regência do tema, a qual será a seguir analisada, não se afigura possível a celebração de termo de ajustamento de conduta da forma como pactuado entre o MPF e a cooperativa e, por consequência, sua homologação em sede da presente ação civil pública.


A cooperativa, quando do início da consecução física do projeto do condomínio, incidiu em uma primeira infração à legislação ambiental, consistente em remoção de vegetação nativa da área de preservação permanente, da qual derivou autuação em âmbito administrativo e imposição de multa.


Ainda que houvesse "autorização" da legislação municipal, (Lei Complementar nº 54/1992, alterada pelas Leis Complementares nº 247/2000 e nº 402/2004) para intervenção na área de preservação permanente, revelaria afronta aos limites estabelecidos pela normatização de âmbito federal e não a legitimaria, pois os entes federados devem observar o patamar mínimo de proteção ao patrimônio público fixado pela União, na forma que será posteriormente aduzida. A atuação em âmbito regional e local pode apenas incrementar a tutela protetiva. Nesse sentido já decidiu este Tribunal Regional: "não obstante a aprovação da propriedade pela Municipalidade, as leis municipais devem encontrar-se em conformidade com o ordenamento legal federal e estadual, haja vista a competência concorrente para fins de tutela do meio ambiente, devendo, sobretudo, encontrarem-se tais normas em consonância com os ditames estabelecidos na Constituição da República" (TRF3, AMS 00040036520074036100).


A área de reserva jamais poderia ter sido contemplada no projeto como passível de ocupação, menos ainda comercializada para fins de ali ser realizada qualquer edificação. A existência das áreas de preservação permanente decorre ex lege, independe, inclusive, de qualquer anotação cartorial e obriga o titular do domínio e da posse a respeitá-las, na forma e nos limites estabelecidos pelo ordenamento.


Em virtude da atuação da cooperativa em desacordo às normas ambientais e com o fito de atender à plena tutela do meio ambiente, foi celebrado um primeiro termo de ajustamento de conduta, em 11/08/1997, atrelado ao processo SMA nº 79.050/1997 (fls. 89/91, 109/112). Por meio de suas cláusulas foram impostas à cooperativa obrigações para efetiva preservação do meio ambiente, atinentes à conservação in natura do local, em suma, elaboração de novo projeto com observância aos limites da área de preservação permanente, tanto da nascente quanto em relação à borda do tabuleiro, bem como de submeter o novo projeto à devida aprovação junto à prefeitura e à autoridade ambiental, além de regularização do sistema de drenagem e plantio de mudas nativas. A cooperativa, de outro lado, foi beneficiada com a suspensão das sanções administrativas aplicadas e redução da multa imposta.


Esse primeiro TAC, de tal forma celebrado, respeitou a legislação ambiental e atendeu ao interesse público, na medida em que promoveu a observância do princípio da plena preservação do meio ambiente pela via da reparação específica e não de mera compensação ambiental, em harmonia com a legislação federal regente do tema, porquanto não permitiu qualquer tipo de ocupação das áreas de preservação permanente. Não foi, todavia, o que ocorreu quando da celebração do segundo termo de ajustamento de conduta, homologado pelo Juízo a quo.


Em sede de fiscalização ambiental, consoante o boletim de ocorrência datado de 01/04/2007 (fls. 120/121), foi constatada, em resumo, a presença de vegetação secundária em estágio médio de regeneração de Mata Atlântica, numa faixa de 77 (setenta e sete) metros a partir da linha de ruptura do relevo, sendo que a via asfaltada encontra-se a uma distância de 05 (cinco) metros da faixa de vegetação, o que significa que a cooperativa, em verdade, não cumpriu todos os deveres contidos no primeiro TAC, pois deixou de promover a integral adequação física do local às exigências formuladas, porquanto não executou fielmente o novo projeto aprovado junto aos órgãos públicos, inclusive pelas autoridades ambientais, razão pela qual não adimpliu o objetivo último do pacto, qual seja, a conservação in natura da área de preservação permanente, em nova violação aos normativos ambientais e, também, às cláusulas do termo de ajustamento.


A informação é confirmada pelo relatório de vistoria do IBAMA, datado de 08/04/2008, colacionado às fls. 287/292: "No decorrer da vistoria a equipe técnica constatou que se trata de um loteamento aberto, onde foi implantado um conjunto habitacional de residências populares, localizado na borda do tabuleiro, ocupando parte de área de preservação permanente - APP. A borda da escarpa é contornada por ruas pavimentadas e calçadas. Os trabalhos tiveram início na Rua Anna Domingues cuja localização margeia a escarpa. Neste local foram tomadas duas medidas com trena a partir da rua/meio feio até a ruptura do relevo, sendo constatado que esta rua está a uma distância média em torno de sessenta metros da borda da escarpa, portanto localizada em área de preservação permanente. Há ainda as rias José Rodrigues Dias, Rua Isamu Egashira e Santo Marco Gravena que terminam perpendicularmente na Rua Anna Domingues, que ocupam em seu traçado parte da área considerada de preservação permanente, onde foram edificadas aproximadamente quinze residências. Na confluência das Ruas Antônio de Oliveira Reis e Flávio Grassi, verificamos outro ponto de intervenção em APP, localizada a aproximadamente setenta metros da ruptura do relevo, sendo ocupada dom parte dessas ruas pavimentadas, construção de bocas de lobo e estima-se que quatro residências também estão edificadas em área de preservação permanente. Conclusão. Verificamos que na implantação do empreendimento não foi obedecido fielmente o Memorial Descritivo e Justificativo, que previa uma faixa de cem metros 'non aedificandi' ao longo da escarpa. Desta forma, concluímos que no caso em tela houve violação da Legislação Ambiental Federal acima citada, com intervenções indevidas e, área de preservação permanente, mediante a construção de calçadas, ruas pavimentadas e casas" (g.n.).


A situação ensejou o ajuizamento da presente demanda, com o escopo precípuo de obter a restauração in loco. Entretanto, no decorrer do trâmite processual, foi celebrado entre o Ministério Público Federal e a cooperativa termo de ajustamento de conduta quanto à forma de ocupação promovida no local, que possibilitou a manutenção das moradias mediante compensação ambiental em local diverso do ora sub judice, em que pese à expressa oposição do IBAMA, o qual apontou a impossibilidade de celebração de qualquer pacto nesse sentido.


Extrai-se do citado instrumento (fls. 341/344) terem as partes considerado, em suma, para fins de justificativa de sua celebração: o pacto atende à tutela do meio ambiente e à função social da propriedade; é função institucional do Ministério Público a promoção da proteção ao meio ambiente; nos termos da legislação regente do tema, o loteamento se encontra em área de preservação permanente, na Mata Atlântica, ecossistema protegido pela própria Carta Magna; o pedido formulado na exordial da ação civil pública abarca de modo alternativo a adoção de medidas compensatórias; há na área non aedificandi casas habitadas, ruas asfaltadas, sarjetas e servidões com galerias pluviais; em razão do tempo de existência das construções, eventual demolição seria mais danosa. Assim, foram pactuadas as seguintes cláusulas:


"1. A Cooperativa Habitacional dos Comerciários do Estado de São Paulo - Seção Marília II, por força da ação civil pública acima e visando dirimir a lide suscitada, se compromete a adotar medida compensatória aos prejuízos causados em virtude da edificação em terrenos do loteamento "Vila dos Comerciários II" que estão localizados em área de preservação permanente.


2. A título de medida compensatória, a Cooperativa Habitacional dos Comerciários do Estado de São Paulo - Seção Marília II efetuará o depósito judicial da importância de R$2.889,75 (dois mil, oitocentos e oitenta e nove reais e setenta e cinco centavos), no prazo de 30 (trinta) dias da celebração do presente termo, correspondente aos custos de implantação e manutenção de 1.290 (mil, duzentos e noventa) mudas de espécies nativas da região, em conformidade com o Projeto de Reflorestamento elaborado pela Engenheira Agrônoma Janaina de Lucena Zandonadi.


3. O valor arrecadado será necessariamente utilizado pelo Ministério Público Federal para o plantio de mudas com vistas à recuperação de área degradada, em local a ser posteriormente designado pelo mencionado Órgão.


4. A Cooperativa Habitacional dos Comerciários do Estado de São Paulo - Seção Marília II efetuará o pagamento dos honorários da engenheira agrônoma.


5. O descumprimento das obrigações estatuídas no presente termo de ajustamento de conduta acarretará para as partes, multa diária de R$1.000,00 (mil reais). No caso de inadimplemento da Cooperativa Habitacional dos Comerciários do Estado de São Paulo - Seção Marília II, a multa reverterá para o Fundo Estadual, de Defesa e Reparação de Interesses Difusos Lesados, até a satisfação total das obrigações assumidas, sem prejuízo dos demais consectários legais, exceto nos casos de comprovada impossibilidade ou culpa exclusiva de terceiros. No caso de descumprimento parcial ou total do presente ajuste, a execução da multa não excluirá a possibilidade de propositura de execução judicial para cumprimento da obrigação, constituindo o presente Termo de Compromisso e Ajustamento de Conduta título executivo extrajudicial, nos termos do art. 5º da Lei nº 7.347/85."


Por meio de tal termo de ajustamento, a compensação ecológica ficou adstrita ao ínfimo valor de R$2.889,75 por um dano ocorrido em área de preservação permanente da Mata Atlântica, a ser destinado à implantação e manutenção de 1.290 mudas de espécies nativas, as quais, no entanto, não seriam destinadas ao local, mas a outro a ser apontado pelo Parquet. Tais cláusulas revelam, sem dúvida, afronta à legislação protetiva ambiental e, mais ainda, ao próprio direito da coletividade a ter preservada, de fato, a qualidade do meio ambiente para a atual e futuras gerações.


Como fartamente demonstrado, as áreas de preservação permanente não podem sofrer qualquer tipo de intervenção, à exceção daquelas expressa e taxativamente autorizadas pela lei, mediante o devido procedimento administrativo, legalmente embasado, junto às autoridades ambientais, situação inocorrente in casu, porque todas as edificações foram erigidas em escancarado desprezo aos normativos regentes do tema.


O próprio Ministério Público Federal, em suas manifestações, (e.g. fl. 397), concorda que esse TAC desrespeita a legislação de proteção ambiental vigente. Utiliza, no entanto, como "justificativa para descumprir a lei", o fato de que os particulares que compraram as residências e ali habitam não poderiam ser penalizados pela inércia do poder público, que demorou cerca de 10 anos para efetuar a fiscalização e constatar a violação. Sustenta, também, ter havido a compatibilização da preservação ambiental ao interesse público e desenvolvimento sustentável.


O argumento é extremamente frágil, posto que pressupõe seja desconsiderado o ordenamento jurídico por eventual erro ou negligência da administração pública, para que "não se perpetuem". Tampouco se caracteriza ser do interesse público ou configurar desenvolvimento sustentável a não conservação in natura da área de preservação permanente, içada ao topo de proteção na escala da legislação ambiental, abrangida por direito difuso da mais alta relevância. Assim, atentaria à proporcionalidade e razoabilidade justamente a não prevalência do direito difuso em relação ao alegado direito de propriedade, o qual, desde o início, não atende à sua função socioambiental.


Se algum efetivo dano aos particulares envolvidos sobrevier, há de ser promovida a devida reparação em ação própria. Em sede desta ação civil pública, resta robustamente comprovado que a própria cooperativa erigiu as construções de modo ilegal, já que dissonantes do projeto e respectiva planta aprovados após o primeiro TAC pela municipalidade e autoridades ambientais, situação mais que hábil à sua responsabilização, nos termos pugnados em sede do exórdio.


Vale enfatizar que a execução física não foi da forma autorizada pelo poder público. Portanto, eventual arguição de "boa-fé" dos particulares também não pode aqui ser oposta para legitimar a manutenção das residências, pois, além de ter havido afronta à lei, desrespeitaram os projetos de fato aprovados pelas autoridades.


Sobre o tema e no sentido ora declinado, colaciona-se ementa do Superior Tribunal de Justiça:


"AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SUPRESSÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE FORA DAS HIPÓTESES RESTRITIVAMENTE TRAÇADAS NA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE LICENÇA AMBIENTAL PRÉVIA VÁLIDA. NORMAS AMBIENTAIS. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA DE SUPRESSÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE. DEVER DE REPARAÇÃO DO AGENTE CAUSADOR DO DANO AMBIENTAL. PRESSUPOSTOS PRESENTES NO CASO EM CONCRETO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Na origem, trata-se de ação civil pública ambiental interposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul em face da parte ora recorrida cujo objeto é a ilegalidade da supressão da área de preservação permanente em face da construção de imóvel na margem do Rio Ivinhema/MS. Antes de se adentrar ao mérito, cumpre fazer, então, a análise das questões preliminares suscitadas em contrarrazões do recurso especial. 2. Preliminares de perda de objeto em virtude da revogação do antigo Código Florestal e alegação de conexão com outro processo de relatoria do Exmo. Sr. Ministro Benedito Gonçalves rejeitadas. 3. Do mérito: De acordo com o Código Florestal brasileiro (tanto o de 1965, como o atual, a Lei 12.651, de 25.5.2012) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão, encontra-se uniformemente protegida pela exigência de prévia e válida autorização do órgão ambiental competente, qualquer que seja o seu bioma, localização, tipologia ou estado de conservação (primária ou secundária). Além disso, em se tratando de área de preservação permanente, a sua supressão deve respeitar as hipóteses autorizativas taxativamente previstas em Lei, tendo em vista a magnitude dos interesses envolvidos de proteção do meio ambiente. Precedentes do STF (no âmbito da ADI nº 3.540/DF - medida cautelar) e do STJ (RESp 176.753/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIM, SEGUNDA TURMA, julgado em 7.2.2008, DJe 11.11.09). 4. No caso em concreto, da análise do acórdão ora recorrido exsurge a presença dos seguintes elementos que se tornaram incontroversos para a análise ora realizada, quais sejam: (a) houve a construção de empreendimento em área de preservação permanente, a qual, segundo expressamente afirmado pelo acórdão recorrido, causou a supressão da vegetação local; (b) esta conduta foi praticada sem autorização válida, vez que a Licença de Operação nº 12/2008 teria sido expedida em desacordo com a legislação ambiental pertinente; e, (c) ainda com a nulidade da Portaria, tal circunstância não pode não pode afetar àqueles que já haviam realizado edificações na área em questão. 5. Note-se que a análise destas premissas não implicam no revolvimento do conjunto fático e probatório constante dos autos, uma vez que, tão somente, foi realizada revaloração da prova, o o que é permitido na via recursal sem que haja a incidência da Súmula 7/STJ. Neste sentido, o seguintes precedente: REsp 1264894/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 09/09/2011. 6. Diferentemente do que entendeu o acórdão ora recorrido, não há como legitimar a conduta da parte ora recorrida tendo em vista a ausência de previsão legal autorizativa para tanto. A justificativa utilizada pelo Tribunal a quo para determinar a manutenção da parte recorrida na localidade - inviabilidade de se prejudicar àqueles que apoiado na sua validade ou legalidade realizaram benfeitorias ou edificações na localidade - também não encontra respaldo na ordem jurídica vigente. 7. Isso porque, sendo a licença espécie de ato administrativo autorizativo submetido ao regime jurídico administrativo, a sua nulidade implica que dela não pode advir efeitos válidos e tampouco a consolidação de qualquer direito adquirido (desde que não ultrapassado o prazo previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, caso o beneficiário esteja de boa fé). Vale dizer, declarada a sua nulidade, a situação fática deve retornar ao estado ex ante, sem prejuízo de eventual reparação civil do lesado caso presentes os pressupostos necessários para tal. Essa circunstância se torna ainda mais acentuada tendo em vista o bem jurídico tutelado no caso em tela, que é o meio ambiente, e a obrigação assumida pelo Estado brasileiro em diversos compromissos internacionais de garantir o uso sustentável dos recursos naturais em favor das presentes e futuras gerações. 8. Além do mais, as restrições impostas ao exercício de atividades econômicas bem como de ocupação em áreas de preservação permanente seguem o regime jurídico das limitações administrativas, espécie de intervenção do Estado na propriedade que promove restrições nos poderes advindos do seu domínio exercido sobre a coisa, e não a sua supressão. Assim, em tese, fica afastada a justificativa utilizada pelo Tribunal a quo de que tal medida acarretaria na perda da propriedade por meio de desapropriação, sendo que, caso tal fato jurídico de fato ocorra, o ordenamento dispõe de meios hábeis a tutelar eventuais interesses legítimos por parte do titular do direito de propriedade. 9. Quanto ao pedido de indenização formulado para parte ora recorrente, foi reconhecida a prática de ato ilícito pela parte ora recorrida em face do meio ambiente, é de se observar que os elementos da responsabilidade civil por dano ambiental bem como as medidas de reparação dos danos ambientais causados pela parte ora recorrida foram estabelecidos na sentença proferida pelo Juízo de 1º grau, devendo a mesma ser restaurada em sua integralidade, nos termos requeridos pela parte ora recorrente. 10. Recurso especial provido, com a determinação de que sejam extraídas cópias dos presentes autos e a remessa delas ao Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul para apuração de eventual prática de ato de improbidade administrativa ambiental." (destaques aditados)
(STJ, REsp 1362456, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, v.u., DJe 28/06/2013).

Também não procede a arguição de "anterioridade" do empreendimento à edição da Resolução CONANA nº 303/2002, porque ela não instituiu a proteção ambiental e respectiva delimitação dos terrenos na região, que já estavam disciplinadas pelo Código Florestal de 1965, a Lei nº 4.771/1965. Não se fala em reconhecimento de "direito adquirido" ou "ato jurídico perfeito" para legitimar afronta ao próprio ordenamento à época já existente.


Cite-se, ainda, que a legislação, doutrina e jurisprudência pátrias não admitem celebração de termo de ajustamento de conduta quando viola expressa disposição de lei. A título de exemplo, o Enunciado nº 01/2005 da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal - Meio Ambiente e Patrimônio Cultural recomenda a não realização de qualquer pacto no tocante às áreas de preservação permanente. Por certo o conteúdo dele revela "recomendação", situação enfatizada pelo Parquet por meio de seu parecer nesta instância, embasado em consulta realizada junto à própria Câmara (fls. 440/441 e correlata documentação), em especial à luz do primado da independência funcional dos membros do Ministério Público, a teor do disposto na Carta Magna e Lei Complementar nº 75/1993, cujos dispositivos atinentes à matéria seguem transcritos:

CF/1988
"Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
§ 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional."
LC nº 75/1993
"Art. 4º São princípios institucionais do Ministério Público da União a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional."
"Art. 171. Compete às Câmaras de Coordenação e Revisão:
I - promover a integração e a coordenação dos órgãos institucionais que atuem em ofícios ligados à sua atividade setorial, observado o princípio da independência funcional;
(...)"

Os termos do enunciado, portanto, jamais poderiam violar a independência funcional, primado norteador da instituição. De outro lado, em observância justamente à função institucional do órgão, a câmara não se eximiu de alertar para a gravidade do tema mediante a edição do texto em comento e destaque da legislação protetiva ao meio ambiente. Seu advento, portanto, não é obrigatório, mas de considerável importância.


Expressa a legislação ambiental quanto à proibição de ocupação ou de qualquer tipo de intervenção em APP, torna-se inadmissível qualquer pacto que vise conservar no local as edificações, mantenha a agressão ao meio ambiente e desrespeite o ordenamento. No cotejo entre os interesses, há de prevalecer a busca pela preservação ambiental para o presente e futuro, a qual revela a supremacia do interesse público na espécie e faz valer a concretização da função socioambiental da propriedade.


A cooperativa, em suas contrarrazões, expendeu os mesmos argumentos do Parquet, já analisados, e também suscitou ter sido colocado no preâmbulo do termo de ajustamento de conduta que o pacto atendeu ao pedido sucessivo contemplado na exordial, atinente à compensação ambiental (artigo 289 do CPC), tanto que fora depositado o valor total ali indicado. Alegou também que o projeto foi devidamente aprovado pelo município e pelas demais autoridades ambientais.


Como anteriormente explicitado, o projeto foi devidamente aprovado pelas autoridades competentes. O que se verificou, em verdade, foi o desajuste no momento de sua execução física, de modo que se furtou a cooperativa ao devido cumprimento do pactuado.


Quanto à existência temporal do empreendimento, sob os aspectos da proporcionalidade e razoabilidade, impende ressaltar não haver o aduzido interesse social em sua manutenção; há, sim, interesses privados, os quais em nada se aproximam do interesse público e social, porquanto a qualidade de vida é direito fundamental à própria existência do ser humano.


Ante os fundamentos apresentados, verifica-se a impossibilidade de celebração de termo de ajustamento de conduta, seja quanto ao objeto, seja quanto à forma, bem como de ser aceita a compensação ambiental pactuada, ainda que se revele "pleito sucessivo" nesta demanda, situação que demonstra a nulidade do ajuste.


Apenas a título de nota, a confecção do aludido pacto contém outra deficiência de ordem técnica. Sua elaboração teve como base documento particular, produzido pela engenheira agrônoma Janaina de Lucena Zandonadi, consistente em "laudo de caracterização - projeto técnico para compensação ambiental", colacionado às fls. 345/378, o qual se encontra desprovido de qualquer aprovação pelos órgãos ambientais responsáveis. Consigne-se, também, a impossibilidade de ser tomado de forma absoluta para embasar qualquer projeto de compensação por dano ao meio ambiente, porque devem as autoridades ambientais ser devidamente acionadas para que emitam sua anuência quanto ao projeto e, assim, profiram a correlata autorização mediante prévio estudo oficial das condições para a efetiva restauração (e.g., artigos 26 a 28 da Lei nº 12.651/2012; Lei nº 9.985/2000; artigos 31 e seguintes do Decreto nº 4.340/2002), ainda mais quando o regime jurídico prioritariamente aplicado a tal área é o da completa preservação - e não o da simples conservação ou compensação, cuja exemplificação conceitual pode ser encontrada no artigo 2º, incisos II e V, da Lei nº 9.985/2000.


O laudo particular, portanto, não pode ser considerado para a peremptória validade do termo de ajustamento ora em comento. Entretanto, alguns pontos anotados pela expert devem ser aqui expressamente consignados, porquanto revelam a situação de total descaso quanto à área de preservação permanente, seja por parte da cooperativa, seja por parte dos próprios moradores do local. A título ilustrativo, mencione-se ter sido aferido pela profissional, inclusive mediante colação de fotografias, que a faixa non aedificandi não está isolada, parte dela foi queimada e, até mesmo, destina-se a depósito de restos de construção, galhos e folhas secas, lixo doméstico, entre outros (fls. 372 e 375).


Em razão da nulidade do termo de ajustamento de conduta, não pode ser mantida a sentença recorrida. Tal situação, no entanto, não impõe sejam os autos restituídos à instância de origem para julgamento do feito, porquanto está devidamente instruído e não demanda qualquer outra dilação probatória. Ademais, não houve especificação de provas pela municipalidade e pelo Ministério Público, os quais pleitearam o julgamento antecipado da lide (fls. 238/244, 266v, 318/319), tampouco pelo IBAMA, que se limitou a colacionar relatório de vistoria da área sub judice (fls. 286/292). No tocante à cooperativa, pugnou pela designação de audiência de conciliação, realização de prova testemunhal, pericial e juntada de novos documentos, cujos requerimentos devem ser indeferidos, à vista de sua desnecessidade.


A designação de audiência de conciliação, nos termos do artigo 331 do CPC, não se revela cabível, pois a demanda versa sobre direitos que não admitem transação e o IBAMA declarou expressamente não anuir com a realização de qualquer acordo que objetivasse a manutenção das edificações, donde não ser possível obter transação para pôr fim à lide. Além disso, posteriormente a tal requerimento, concretizou-se a celebração do termo de ajustamento de conduta, na forma pretendida pela parte - cuja nulidade foi anteriormente analisada.


Quanto à oitiva de testemunhas e nomeação de expert para efetivação de perícia, são igualmente desnecessárias, nos termos dos artigos 400, 420 e 427 do CPC. Não há controvérsia nos autos em relação à construção em área de preservação permanente, o que per se revela a ocorrência do dano sub judice, porquanto se configura in re ipsa, e até mesmo a produção de prova técnica de lesividade é dispensável. Ademais, há farta documentação acerca das arguições trazidas a debate, como fotografias, laudos técnicos, autos de infração e boletins de ocorrência.


Tampouco se afigura ser caso de se deferir a juntada de novos documentos "para o fim de se comprovar que foram cumpridas pela requerida as exigências do ajustamento de conduta pactuado no processo SMA 79.050, firmado em 11 de agosto de 1997, referente ao mesmo empreendimento" (fl. 297), pois já há nos autos prova consubstanciada em documentos públicos que confirmam a violação do pacto (e.g., fls. 120/121; artigo 364 do CPC), os quais são corroborados pela investigação realizada no âmbito do MPF, a saber, por laudos, fotografias e ofícios, bem como, porque em verdade não se trata de "documentos novos", pois não remetem a fatos ocorridos após a apresentação da defesa (artigos 300, 396 e 397 do CPC).


Assim, maduro o feito para julgamento, passa-se à apreciação das questões preliminares suscitadas e do mérito, nos termos do artigo 515, § 2º, do CPC.



III - DAS PRELIMINARES



III. 1. Da competência da Justiça Federal e da legitimidade ativa do Ministério Público Federal e do IBAMA


A Mata Atlântica é ecossistema que constitui patrimônio nacional, nos termos do artigo 225, § 4º, da CF/88, e o espaço sub judice está localizado dentro de tais limites. Essa realidade enseja a competência da Justiça Federal para a apreciação do presente feito, além da legitimidade ativa do Ministério Público Federal (artigos 1º, I, e 5º da LACP) e do IBAMA, ente responsável pelo exercício do poder de polícia na área.


Esse entendimento está sedimentado em nossa jurisprudência pátria, consoante se afere da ementa a seguir colacionada, da Superior Corte:


"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. ÁREA PRIVADA. MATA ATLÂNTICA. DESMATAMENTO. IBAMA. PODER FISCALIZATÓRIO. POSSIBILIDADE. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM . EXISTÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, bem como da competência para o licenciamento. 2. A dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta é apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do Parquet Federal. 3. A atividade fiscalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao IBAMA interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado, o que, juntamente com a legitimidade ad causam do Ministério Público Federal, define a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito. Recurso especial provido."
(STJ, REsp 1479316, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, v.u., DJe 01/09/2015).


III. 2. Da legitimidade passiva


As condutas sub judice foram atribuídas à atuação direta da cooperativa, qual seja, elaboração do projeto, seu encaminhamento às autoridades competentes para aprovação e, ainda, sua consecução física, situação que a torna legitimada a figurar na lide para possibilitar sua responsabilização pelos danos ao meio ambiente apontados no exórdio.


Quanto ao Município de Marília (fls. 133/135), consta dos documentos de fls. 20 e seguintes ter aprovado o empreendimento e o classificado como de "interesse social", além de confirmado sua legalidade e conformidade à legislação e posturas municipais, razão pela qual teria havido, a priori, anuência quanto à forma de execução do projeto ("reserva de faixa não edificável de 15,00 metros de largura mínima de cada lado", fl. 20) e, assim, corresponsabilidade, o que o torna também legitimado para figurar no polo passivo.



III. 3. Da carência da ação


A arguição de carência da ação, nos termos do artigo 301, X, do CPC, também não merece ser acolhida.


A cooperativa sustentou que a irregularidade das edificações na área de preservação permanente sub judice já havia sido anteriormente identificada pelas autoridades ambientais e, em razão disso, foi celebrado termo de ajustamento de conduta em 11/08/1997, nos termos da Resolução SMA nº 05/1997. Desse modo, devidamente cumpridos os deveres ali firmados, não haveria interesse processual para a propositura desta ação civil pública.


Na forma já explanada, a celebração do primeiro termo de ajustamento de conduta (11/08/1997) não exclui a possibilidade de responsabilização da cooperativa, ainda mais quando se afere não ter havido seu efetivo adimplemento quando da execução física do empreendimento, justamente o fato que embasou a propositura da demanda.


Aduziu a cooperativa, também, que o pagamento de multa administrativa nos âmbitos municipal e estadual substitui a multa federal quanto à mesma "hipótese de incidência", nos termos do artigo 76 da Lei nº 9.605/1998, ratificado pelo Decreto nº 3.179/1999, o que revela ausência de objeto da ação e lide temerária (artigo 3º do CPC). A circunstância, todavia, em nada afeta o objeto ou o interesse processual, menos ainda implica ser temerário o ajuizamento da demanda, porquanto é possível a responsabilização dos agentes degradadores do meio ambiente em âmbito civil, administrativo e criminal, inclusive cumulação de penalidades, em razão da independência entre tais esferas.


Desse modo, não há que se falar na extinção do feito sem apreciação de mérito (artigo 267, VII, do CPC), pois devidamente preenchidas as condições da ação.



IV - DOS FATOS


Consta dos autos que, em 05/12/2005, foi instaurado no âmbito da Procuradoria da República em Marília o Procedimento Administrativo nº 1.34.007.000252/2005-58, com o escopo de apurar a ocorrência de danos à Mata Atlântica localizada em condomínios do citado Município - no caso da presente ação, condomínio "Vila dos Comerciários II" (fls. 11 e seguintes).


Colacionada cópia dos procedimentos atinentes à inicial aprovação do projeto e ao licenciamento ambiental (fls. 21 e seguintes), inclusive dos trâmites perante a Secretaria do Meio Ambiente (Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DEPRN, processo nº 79.050/1997), GRAPROHAB, (protocolo nº 2.407) e Secretaria Municipal de Planejamento Urbano, de cujos documentos pode ser aferido que o loteamento (conjunto habitacional) foi à época considerado de "interesse social" (fls. 21, 24).


Às fls. 20 e 27/28, as certidões nº 34/1997, nº 749/1996 e nº 06/1997, expedidas pela Prefeitura de Marília, atestam que o terreno sub judice se encontra em área de "expansão urbana", "zona sem definição" (Lei Complementar Municipal nº 54/1992).


Do teor do memorial descritivo e justificativo do loteamento, datado de 19/12/1996, prévio à aprovação do projeto (fls. 47/53), extrai-se que não existiam áreas vulneráveis ou reservadas na gleba, tampouco corpos d'água. No entanto, consta do mesmo documento terem sido identificados locais não passíveis de qualquer tipo de ocupação por configurarem áreas de proteção non aedificandi, a saber, nascente e faixa de 100 metros ao longo de itambé/tabuleiro. Tal informação é confirmada pelo laudo de vistoria nº 72/1997, elaborado por engenheiro supervisor do DEPRN/SMA: "esta nascente origina um pequeno curso d'água afluente do Córrego do Pombo (...). A Prefeitura Municipal de Marília, baseando-se na Lei Municipal 54/92, (...) exige que seja preservada uma faixa de proteção não edificante de 100 (cem) metros nas bordas dos 'itambés' ou seja da linha de ruptura acentuada do relevo, que no caso específico nos parece estar inferior à medida exigida". Foi identificado pelo citado profissional e, também, pelo representante da GRAPROHAB, não haver correspondência entre o projeto e a constatação in loco, dada a inexistência de autorização do poder público para o corte de árvores, o que revelou a necessidade de alteração do projeto para adequação técnica mediante compromisso de ajustamento de conduta (fls. 71/72, 80, 82/83).


Às fls. 85/87, 101 e 228, auto de infração ambiental nº 19.956, datado de 23/07/1997, além da respectiva guia de recolhimento da multa administrativa, aplicada por inobservância ao artigo 19 da Lei nº 4.771/1965, ou seja, cortar vegetação tipo capoeira em estágio avançado de regeneração sem a respectiva licença, num total de vinte árvores, bem como por violação ao artigo 2º, "c", do mesmo diploma legal, a saber, suprimir com emprego de máquina agrícola (esteira) vegetação rasteira considerada de preservação permanente.


Com vista a regularizar tal situação, foi celebrado, em 11/08/1997, termo de ajustamento de conduta ambiental entre a cooperativa e a Autoridade Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, atrelado ao já citado processo SMA nº 79.050/1997 (fls. 89/91, 109/112). Das cláusulas pactuadas impende destacar:


"2. Pelo presente, obriga-se a Devedora Ambiental, perante a Autoridade Ambiental, a adotar as seguintes medidas e condicionantes técnicas em relação à atividade degradadora a que deu causa, de modo a cessar, adaptar, recompor, corrigir ou minimizar seus efeitos negativos sobre o meio ambiente, observando rigorosamente os prazos assinalados, contados a partir da assinatura deste termo:


2.1. Reformulação do projeto de implantação do loteamento, obedecendo as delimitações reais do mesmo, com as nascentes e respectivas áreas de preservação permanente localizadas em planta, bem como a aprovação prévia do novo projeto junto à Prefeitura Municipal de Marília, dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias.


2.2. Regularização do Sistema de Drenagem junto ao Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo - DAEE, atendendo todas as exigências técnicas e legais estipuladas por aquele Departamento, dentro do prazo de 180 (cento e oitenta) dias.


2.3. Reflorestamento com mudas de essências nativas típicas da região, na área objeto do auto de infração ambiental (...) totalizando 940 mudas (...) executado o controle de pragas e ervas daninhas e demais tratos culturais necessários ao efetivo desenvolvimento das mesmas, assim como o isolamento da área, dentro do prazo de 180 (cento e oitenta dias).

(...)


(destaques aditados)


O novo projeto foi encaminhado à prefeitura na data de 20/08/1997, consoante se afere às fls. 102 e seguintes, do qual se realça o registro de área non aedificandi de 40.742,29 m2, nos termos do pacto administrativo, e foi aprovado no âmbito da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (DEPRN e GRAPROHAB, fls. 109/110).


Extrai-se dos autos, também, em que pese ter sido elaborado novo projeto e procedida à sua aprovação, não ter a cooperativa respeitado os termos pactuados no momento de sua consecução. O Ofício nº 2BPAmb-014/403/07 de 20/04/2007 (fls. 115/119), noticia que: "no Loteamento Vila dos Comerciários II, existe uma faixa de reserva florestal preservada que chega a 77 metros de largura a partir da linha de ruptura do relevo, observando-se a existência de via asfaltada a uma distância de 5 metros da reserva florestal. Referido documento se reporta às informações contidas no boletim de ocorrência ambiental lavrado em 01/04/2007, fls. 120/121, as quais seguem transcritas:


"Durante o Patrulhamento Rural e Ambiental, esta equipe se destacou até o Bairro Comerciários II, no término da Rua Amador Bueno, a fim de dar cumprimento à Ordem de Serviço nº 2BPAmb-007/410/02, que versa a respeito da verificação de possíveis atividades ou obras em desacordo com o licenciamento ambiental expedido pela Secretaria do Meio Ambiente.


No local, verificou-se a instalação de um conjunto habitacional denominado Vila dos Comerciários II, o qual já fora concluído e completamente habitado, caracterizando assim uma área urbana consolidada, nos termos da legislação vigente.


O empreendimento cujo Processo está registrado sob número 79050/97 da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, prevê a instalação de área verde no local, sendo destacada a presença de vegetação secundária em estágio médio de regeneração de Mata Atlântica, numa faixa de 77 (setenta e sete) metros a partir da linha de ruptura do relevo, sendo que a via asfaltada encontra-se a uma distância de 05 (cinco) metros da faixa de vegetação.


Há de se observar que conforme Parecer Técnico do Geólogo Emílio Carlos Prandi (CREA 0700111447), de 12/07/2005, o planalto de Marília está situado numa região geomorfológica denominada tabuleiro, portanto, a área 'non aedificandi', constatada na ocasião, deve ser de 100 (cem) metros, conforme o disposto no artigo 2º, letra "g", da Lei Federal nº 4.771/65, e artigo 3º, item VIII, da Resolução CONAMA nº 303/2002, portanto a área 'non aedificandi' constatada na ocasião desta vistoria está em desacordo com a legislação vigente.


Não foi verificada, no corpo do processo em questão, autorização ou termo de compromisso de recuperação ambiental expedido pelo Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais que determinasse qualquer medida de recuperação de possível degradação ambiental ocorrida à época da instalação do empreendimento."


O mencionado parecer técnico, colacionado às fls. 127/129, assim relata a situação geomorfológica da região sub judice:


"Trata-se de um planalto estrutural constituído por formas acentuadamente erodidas, sustentadas por arenitos e subordinadamente por conglomerados com cimento carbonático (Formação Marília), geralmente compactos e resistentes quando sãos. Essas rochas com estrutura maciça e dispostas em camadas, com leve caimento para NW, suportam uma superfície de cimeira extensa constituída por platôs alongados de topos suavemente ondulados e espigões com vertentes mais íngremes no lado sudeste. Conforme destacado por ARAÚJO FILHO & AB'SABER (1969), as vertentes escarpadas desse platô sedimentar constituem fator mais importante que a altitude na separação de tais níveis mais elevados, frente as colinas mais baixas que os envolvem, ou eventualmente neles penetram na forma de níveis embutidos de pedimentos. (...)


A unidade denominada Planalto Residual de Marília corresponde a um prolongamento para oeste do Planalto Residual de Botucatu, desempenhando um vasto planalto de topo aplanado no interflúvio Tietê/Paranapanema que se encontra delimitado em todas as direções pelo Planalto Centro Ocidental. (...)


Em observações realizadas em campo pôde-se notar que a região de Marília se caracteriza por Planaltos em forma de tabuleiros bordejados por escarpas íngremes, conforme se pode verificar nas fotos 1 e 2 (...).


Após análises das biografias clássicas que descrevem a Geomorfologia da região de Marília, reformada por estudos recentes, e da verificação em campo dos fatores assinalados nestas bibliografias, conclui-se que o Planalto de Marília é um tabuleiro, pois são formas topográficas elevadas, planas e que terminam, de forma abrupta, em escarpas."


Considerados tais elementos, as autoridades ambientais apontaram transgressões às normas de proteção do meio ambiente e a ocorrência de grave dano ambiental, em razão da atuação ilegal em área de preservação permanente, inclusive desmatamento, relativamente à faixa de reserva florestal de 77 metros de largura, a partir da linha de ruptura do relevo, além de indevida intervenção consistente em construção de via asfaltada a uma distância de 5 metros da reserva florestal porquanto a faixa de 100 metros contada a partir da borda do tabuleiro é área non aedificandi (artigos 2º, "g", da Lei nº 4.771/1965 e 3º, VIII, da Resolução CONAMA nº 303/2002).



IV - DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE


A proteção ao meio ambiente (artigo 1º, I, da LACP) tem status constitucional, a teor do disposto no artigo 225 da Lei Maior. Os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia:


"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais."
(destaques aditados)

A preservação ambiental, assim como do patrimônio público de modo geral, é competência comum dos entes federativos (artigo 23, I, VI e VII, CF/88). Anote-se que cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios seguir as diretrizes editadas pela União, de modo que não podem reduzir a tutela estabelecida em âmbito de legislação federal, mas somente a incrementar, em observância aos princípios da simetria e da proteção máxima aos direitos de titularidade da coletividade.


A Lei Maior recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária. Vale destacar as Leis nº 4.771/1965 e nº 6.938/1981 com suas posteriores alterações, ressaltada a recente revogação do Código de 1965 com o advento da Lei nº 12.651/2012. Tais diplomas também preceituam a obrigação de toda a sociedade e do poder público quanto à defesa do meio ambiente, além da promoção das correlatas ações necessárias à sua preservação (artigos 1º e 2º, Lei nº 6.938/1981).


A novel legislação ambiental também é aplicável a fatos pretéritos à sua vigência, inclusive por sua expressa previsão, na medida em que regula situações de transição e incrementa a defesa do meio ambiente. Frise-se ser princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de seu alcance e importância.


De se anotar, também, a regência do tema pelo primado do devido uso da propriedade (artigos 182 e 186 da CF), a intitulada função socioambiental, a qual permeia a dimensão da tutela ambiental, nos termos do artigo 1.228, § 1º, do Código Civil:


"Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas."

A defesa do meio ambiente abarca a apuração da responsabilidade objetiva dos agentes causadores de dano a tal patrimônio, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c/c artigo 14, § 1º, ambos da citada Lei nº 6.938/1981, além do artigo 2º do atual Código Florestal, verbis:


Lei nº 6.938/1981
"Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
(omissis)
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos."
"Art. 14. (omissis)
§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."
Lei nº 12.651/2012
"Art. 2º. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.
§ 1º. Na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às disposições desta Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento sumário previsto no inciso II do art. 275 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos do § 1º do art. 14 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, e das sanções administrativas, civis e penais."

De tais dispositivos decorre a obrigatoriedade do uso consciente da propriedade, consoante sua função social em amplo aspecto, sob pena de se impor ao agente causador do dano ambiental o dever de reparar ou indenizar pelos prejuízos sucedidos independentemente de culpa. São suficientes, assim, a comprovação de ação ou omissão, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo, inclusive, perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva e impor a reparação tanto in natura quanto em pecúnia.


O direito ambiental brasileiro igualmente não socorre o agente que ocupa determinada área depois de sua degradação, para de tal fato pretender beneficiar-se, pois as obrigações ambientais são propter rem. O atual Código Florestal, a citada Lei nº 12.651/2012, foi ainda mais longe em seu escopo protecionista, ao preceituar, em seu artigo 2º, § 2º, que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural". Configuram, assim, "limitações administrativas reais" por estatuir as hipóteses legais de uso permitido em numerus clausus e, portanto, não passíveis de ampliação pela via administrativa ou judicial.


A responsabilização pela ocorrência do dano ambiental e correlata aplicação de penalidade também se dá nos termos da Lei nº 9.605/1998, na forma dos artigos a seguir transcritos:

"Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."
"Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: (Incluído pela Lei nº 11.428, de 2006).
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. (Incluído pela Lei nº 11.428, de 2006).
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade. (Incluído pela Lei nº 11.428, de 2006)."

"Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente."
"Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V - destruição ou inutilização do produto;
VI - suspensão de venda e fabricação do produto;
VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total de atividades;
X - (VETADO)
XI - restritiva de direitos."

Impende registrar, também, para o escopo de solucionar a presente lide, as disposições específicas sobre as áreas de preservação permanente. A definição de tais áreas decorre ex lege, ou seja, não depende de qualquer regulamentação, delimitação ou especificação infralegal, a exemplo da Resolução CONAMA nº 303/2002, a qual, em verdade, apenas frisou o conteúdo da própria lei ordinária, a exemplo da fixação dos limites das áreas protegidas. De outro lado, a definição legal não impede venham os parâmetros nela estabelecidos a ser ampliados em âmbito regional e local, pois deve prevalecer a norma mais protetiva. Segue a transcrição da legislação vigente à época e nos dias atuais:


Lei nº 4.771/1965
"Art. 1º. (...)
§ 2º. Para os efeitos deste Código, entende-se por:
(...)
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
(...)"
"Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
(...)
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura;
(...)
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
(...)
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo."
Lei nº 12.651/2012
Art. 4º. Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
(...)
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d'água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;
(...)
VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
(...)
Resolução CONAMA nº 303/2002
"Art. 3º. Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:
(...)
II - ao redor de nascente ou olho d`água, ainda que intermitente, com raio mínimo de cinquenta metros de tal forma que proteja, em cada caso, a bacia hidrográfica contribuinte;
(...)
VIII - nas escarpas e nas bordas dos tabuleiros e chapadas, a partir da linha de ruptura em faixa nunca inferior a cem metros em projeção horizontal no sentido do reverso da escarpa;
(...)"

O Código Florestal de 1934 (Decreto nº 23.793/1934) já preceituava ser o meio ambiente de interesse comum a todos e configurar situação limitadora do uso da propriedade. A seu turno, a Lei nº 4.771/1965, em regra mantida pelo atual Código de 2012, disciplina não serem possíveis intervenções em áreas de preservação permanente, tampouco a manutenção de edificações. Referidos diplomas, por outro lado, trazem taxativas exceções quanto ao uso tolerado em áreas de preservação, atreladas essencialmente às hipóteses de utilidade pública e interesse social:

Lei nº 4.771/1965
"Art. 1º. (...)
§ 2º. Para os efeitos deste Código, entende-se por:
(...)
IV - utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras essenciais de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão;
c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA;
V - interesse social:
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como: prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área; e (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)"
"Art. 3º. Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:
(...)
§ 1º. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social."
"Art. 4º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
§ 1º. A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
§ 2º. A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
§ 3º. O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
§ 4º. O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001).
(...)"

Lei nº 12.651/2012
"Art. 3º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
(...)
VIII - utilidade pública:
a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária;
b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho;
c) atividades e obras de defesa civil;
d) atividades que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções ambientais referidas no inciso II deste artigo;
e) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
IX - interesse social:
a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras e proteção de plantios com espécies nativas;
b) a exploração agroflorestal sustentável praticada na pequena propriedade ou posse rural familiar ou por povos e comunidades tradicionais, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e não prejudique a função ambiental da área;
c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei;
d) a regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009;
e) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade;
f) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;
g) outras atividades similares devidamente caracterizadas e motivadas em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional à atividade proposta, definidas em ato do Chefe do Poder Executivo federal;
(...)"
"Art. 7º. A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado."
"Art. 8º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas nesta Lei.
(...)
§ 2º. A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente de que tratam os incisos VI e VII do caput do art. 4º poderá ser autorizada, excepcionalmente, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, para execução de obras habitacionais e de urbanização, inseridas em projetos de regularização fundiária de interesse social, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda.
(...)
§ 4º. Não haverá, em qualquer hipótese, direito à regularização de futuras intervenções ou supressões de vegetação nativa, além das previstas nesta Lei."

"Art. 61-A. Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008.
(...)
§ 11. A realização das atividades previstas no caput observará critérios técnicos de conservação do solo e da água indicados no PRA previsto nesta Lei, sendo vedada a conversão de novas áreas para uso alternativo do solo nesses locais.
§ 12. Será admitida a manutenção de residências e da infraestrutura associada às atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural, inclusive o acesso a essas atividades, independentemente das determinações contidas no caput e nos §§ 1o a 7o, desde que não estejam em área que ofereça risco à vida ou à integridade física das pessoas.
(...)
§ 16. As Áreas de Preservação Permanente localizadas em imóveis inseridos nos limites de Unidades de Conservação de Proteção Integral criadas por ato do poder público até a data de publicação desta Lei não são passíveis de ter quaisquer atividades consideradas como consolidadas nos termos do caput e dos §§ 1o a 15, ressalvado o que dispuser o Plano de Manejo elaborado e aprovado de acordo com as orientações emitidas pelo órgão competente do Sisnama, nos termos do que dispuser regulamento do Chefe do Poder Executivo, devendo o proprietário, possuidor rural ou ocupante a qualquer título adotar todas as medidas indicadas.
§ 17. Em bacias hidrográficas consideradas críticas, conforme previsto em legislação específica, o Chefe do Poder Executivo poderá, em ato próprio, estabelecer metas e diretrizes de recuperação ou conservação da vegetação nativa superiores às definidas no caput e nos §§ 1o a 7o, como projeto prioritário, ouvidos o Comitê de Bacia Hidrográfica e o Conselho Estadual de Meio Ambiente.
§ 18. (VETADO)."
"Art. 61-B. Aos proprietários e possuidores dos imóveis rurais que, em 22 de julho de 2008, detinham até 4 (quatro) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, é garantido que a exigência de recomposição, nos termos desta Lei, somadas todas as Áreas de Preservação Permanente do imóvel, não ultrapassará: (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
I - 10% (dez por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área de até 2 (dois) módulos fiscais; e (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
II - 20% (vinte por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 2 (dois) e de até 4 (quatro) módulos fiscais. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
III - (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012)."
(destaques aditados)

Os dispositivos ora transcritos, que à evidência se aplicam tanto às áreas rurais como urbanas, contemplam como regra a vedação a qualquer tipo de intervenção em áreas de preservação permanente. Permitem, excepcionalmente, algumas ações e manutenção de construções eventualmente já erigidas em determinadas situações, seja à luz da legislação vigente à época dos fatos, seja nos termos dos permissivos dos atuais regramentos. As normas excepcionais, no entanto, configuram rol taxativo e devem ser interpretadas de modo restritivo.


In casu, não se verifica qualquer situação passível de exclusão da regra geral, ausente em especial a chamada "exceção da utilidade pública ou interesse social" para se pretender a manutenção das moradias erigidas em área de preservação permanente, ainda mais quando não demonstrada a "inexistência de alternativa técnica e locacional" no momento de planejamento do empreendimento. A construção que se mostra desde sua concepção em desacordo à correlata normatização não pode ser beneficiada pela complacência do poder público mediante autorização de sua manutenção, justamente por violar ab initio o interesse público.


De igual modo, não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça. Como já se disse: "Até porque se se pudesse falar em 'anterioridade', ela deveria beneficiar a boa qualidade do meio ambiente, que sem dúvida precedeu toda a instalação fonte de danos e agressões ambientais, sendo de todo inadmissível pretender que a existência e a repetição de emissões poluentes em certo local, mesmo ao longo de seguidos anos, determine a sorte de toda uma região e comprometa indefinidamente, para o futuro, o destino do meio ambiente e da qualidade de vida da população." (MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 116).



VI - DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS RÉUS PELA OCORRÊNCIA DO DANO AMBIENTAL


Dessume-se a obrigação de reparar pela ocorrência de dano ambiental quando há atuação em desconformidade aos regramentos de proteção ao meio ambiente e nexo de causalidade entre tal comportamento e o prejuízo causado.


No tocante à conduta da cooperativa, afere-se dos elementos dos autos que a lesão ao meio ambiente decorreu de sua atuação direta. A corré, quando do início das obras de construção do condomínio, procedeu à indevida derrubada de árvores e deixou de observar a área de nascente, situação que culminou na celebração do primeiro termo de ajustamento para a devida regularização, à luz da normatização regente do tema (fls. 89/91, 109/112). O pacto administrativo, como já mencionado, atribuiu à cooperativa a obrigação de apresentar novo projeto, vedada peremptoriamente a contemplação de qualquer ocupação em áreas de preservação permanente, para efetiva observância à legislação ambiental e seus princípios norteadores.


A cooperativa apresentou o novo projeto dentro dos padrões técnicos ajustados, em coadunação aos normativos de preservação ambiental, e foi, em consequência, devidamente aprovado pelas autoridades administrativas e ambientais (fls. 102 e seguintes). No entanto, no momento da execução física do empreendimento, a corré desrespeitou os termos pactuados, porquanto construiu em local non aedificandi, a saber, dentro do limite de cem metros da borda do tabuleiro, o que desatendeu aos deveres constantes do termo de ajustamento de conduta e, por consequência, violou as normas de proteção ambiental (transcritas e analisadas no item anterior). A realidade está confirmada nos autos por meio da farta prova documental e técnica anteriormente registrada (e.g. ofícios, boletim de ocorrência ambiental, pareceres técnicos; fls. 115/119, 120/121, 127/129) e, inclusive, confessada pela própria ré. Resta, portanto, comprovada a sua conduta e o nexo com o dano causado.


Quanto à atuação do Município de Marília, não se entende ter agido de modo a colaborar de qualquer maneira para a concretização do prejuízo ao meio ambiente sub judice, qual seja, a invasão de área de preservação permanente consistente em cem metros a contar da borda de tabuleiro (ruptura de relevo). Como visto, em decorrência da celebração do primeiro termo de ajustamento de conduta, a cooperativa procedeu à elaboração de novo projeto e o submeteu à aprovação das autoridades competentes, tanto no âmbito municipal quanto estadual, inclusive das autoridades ambientais responsáveis (fls. 102/103, 109/112). Assim, está evidenciado que a aprovação do novo projeto por parte do município ocorreu dentro da estrita margem da legalidade, em observância aos regramentos aplicáveis à espécie e ao pacto administrativo. O que se verificou, como acima consignado, foi o desrespeito dos termos pactuados pela cooperativa, a qual não observou o projeto aprovado pelas autoridades no momento de sua consecução. Desse modo, sobre o município não pode recair qualquer responsabilização, porquanto de sua conduta não decorreu o dano ambiental, tampouco concorreu de qualquer modo para sua existência, seja de forma comissiva, seja de forma omissiva. Assim sendo, não há que se falar em nexo de causalidade entre a atuação da municipalidade e o dano ambiental, razão pela qual não deve ser compelida ao cumprimento dos pedidos formulados pelo autor, cuja pretensão condenatória deverá recair exclusivamente sobre a cooperativa.


Registre-se ainda, quanto aos terceiros que venham a ter sua propriedade ou posse atingidas, serem em verdade corresponsáveis pelo dano ao meio ambiente, em razão da característica propter rem do direito sub judice e à vista de sua contribuição para manutenção do prejuízo ambiental, situação que revela a não observância da função socioambiental da propriedade. No entanto, a responsabilização pelo dano ambiental, que é civil, objetiva e solidária, enseja no âmbito processual a formação do litisconsórcio facultativo entre os vários degradadores, diretos ou indiretos, de modo que, configurado serem múltiplos os agentes, abre-se ao autor a possibilidade de demandar quaisquer deles, isoladamente ou em conjunto (artigos 46 e 47 do CPC), na esteira dos fundamentos expendidos e consoante o entendimento jurisprudencial firmado no âmbito da Superior Corte:


"PROCESSUAL CIVIL. REPARAÇÃO E PREVENÇÃO DE DANOS AMBIENTAIS E URBANÍSTICOS. DESLIZAMENTOS EM ENCOSTAS HABITADAS. FORMAÇÃO DO POLO PASSIVO. INTEGRAÇÃO DE TODOS OS RESPONSÁVEIS PELA DEGRADAÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DESNECESSIDADE. 1. Hipótese em que a pretensão recursal apresentada pelo Município de Niterói se refere à inclusão do Estado do Rio de Janeiro no polo passivo da Ação Civil Pública que visa a reparação e prevenção de danos ambientais causados por deslizamentos de terras em encostas habitadas. 2. No dano ambiental e urbanístico, a regra geral é a do litisconsórcio facultativo. Segundo a jurisprudência do STJ, nesse campo a "responsabilidade (objetiva) é solidária" (REsp 604.725/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 22.8.2005, p. 202); logo, mesmo havendo "múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio", abrindo-se ao autor a possibilidade de "demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo" (REsp 880.160/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.5.2010). No mesmo sentido: EDcl no REsp 843.978/SP, Rel. Ministro Heman Benjamin, Segunda Turma, DJe 26.6.2013. REsp 843.978/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 9.3.2012; REsp 1.358.112/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.6.2013. 3. Agravo Regimental não provido."
(STJ, AGAREsp 432409, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 19/03/2014);
"PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO IRREGULAR. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. SERRA DO MAR. MATA ATLÂNTICA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS ADQUIRENTES DOS LOTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO FACULTATIVO. NULIDADE INEXISTENTE. 1. Não ofende o art. 535, II, do CPC, decisões em que o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Há litisconsórcio passivo facultativo, nas ações civis públicas por dano ambiental em loteamento irregular, entre os responsáveis primários pelos atos ilícitos, os terceiros adquirentes de lotes e seus ocupantes, em razão da responsabilidade solidária por dano ambiental. Precedentes. 3. Recurso especial não provido." (destaques aditados)
(STJ, REsp 1328874, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, v.u., DJe 05/08/2013).

Cumpre tecer, ainda, algumas considerações quanto aos argumentos expendidos pelas partes em sede de razões e contrarrazões recursais, bem como quanto à configuração do dano ambiental.


O IBAMA tem atribuição legal para executar as políticas e diretrizes governamentais, fixadas quanto ao meio ambiente, e exercer o poder de polícia ambiental (artigo 2º da Lei nº 7.735/1989; artigos 2º a 6º da Lei nº 6.938/14981, com a redação dada pela Lei nº 8.028/1990; artigos 1º a 4º do Código Florestal).


Na forma já demonstrada, em que pese ter sido declarado pelas autoridades que o loteamento se caracteriza como de "interesse social", assim não pode ser considerado para fins da legislação ambiental, na forma dos dispositivos anteriormente transcritos, ainda mais quando ocupa indevidamente APP.


O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.


Não há qualquer conflito entre a questão da preservação ambiental e o direito de propriedade, porquanto este não pode ser desvinculado de sua função socioambiental, a qual abrange os fundamentos e preceitos norteadores já declinados, inclusive da impossibilidade da pretensão ao direito adquirido à degradação ambiental. É indissociável da função socioambiental da propriedade a noção do seu uso de modo a resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, configurado de modo incontroverso ser local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois se trata de área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.


Tampouco se pode falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", pois, frise-se, estão ab initio em situação irregular, em virtude da ausência de licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.


A título de nota, ainda que houvesse autorização administrativa para a ocupação de terreno consolidado como área de preservação permanente, configuraria ato administrativo nulo, porque editado em afronta à literal disposição dos regramentos atinentes à tutela do meio ambiente, ora apontados, ou, no mínimo, perderia sua eficácia, dada a impossibilidade de se sustentar o "direito adquirido à degradação ambiental". O próprio Superior Tribunal de Justiça adota posição incisiva nesse sentido, consoante se depreende da ementa a seguir transcrita:


"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CASAS DE VERANEIO ("RANCHOS"). LEIS 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965), 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) E 6.938/81 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). DESMEMBRAMENTO E LOTEAMENTO IRREGULAR. VEGETAÇÃO CILIAR OU RIPÁRIA. CORREDORES ECOLÓGICOS. RIO IVINHEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE DA AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA, NO DIREITO BRASILEIRO, DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL TÁCITA. PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE OFÍCIO DE LICENÇA E DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ. 1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública ambiental movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul contra proprietários de 54 casas de veraneio ("ranchos"), bar e restaurante construídos em Área de Preservação Permanente - APP, um conjunto de aproximadamente 60 lotes e com extensão de quase um quilômetro e meio de ocupação da margem esquerda do Rio Ivinhema, curso de água com mais de 200 metros de largura. Pediu-se a desocupação da APP, a demolição das construções, o reflorestamento da região afetada e o pagamento de indenização, além da emissão de ordem cominatória de proibição de novas intervenções. A sentença de procedência parcial foi reformada pelo Tribunal de Justiça, com decretação de improcedência do pedido. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CILIAR 2. Primigênio e mais categórico instrumento de expressão e densificação da "efetividade" do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", a Área de Preservação Permanente ciliar (= APP ripária, ripícola ou ribeirinha), pelo seu prestígio ético e indubitável mérito ecológico, corporifica verdadeira trincheira inicial e última - a bandeira mais reluzente, por assim dizer - do comando maior de "preservar e restaurar as funções ecológicas essenciais", prescrito no art. 225, caput e § 1º, I, da Constituição Federal. 3. Aferrada às margens de rios, córregos, riachos, nascentes, charcos, lagos, lagoas e estuários, intenta a APP ciliar assegurar, a um só tempo, a integridade físico-química da água, a estabilização do leito hídrico e do solo da bacia, a mitigação dos efeitos nocivos das enchentes, a barragem e filtragem de detritos, sedimentos e poluentes, a absorção de nutrientes pelo sistema radicular, o esplendor da paisagem e a própria sobrevivência da flora ribeirinha e fauna. Essas funções multifacetárias e insubstituíveis elevam-na ao status de peça fundamental na formação de corredores ecológicos, elos de conexão da biodiversidade, genuínas veias bióticas do meio ambiente. Objetivamente falando, a vegetação ripária exerce tarefas de proteção assemelhadas às da pele em relação ao corpo humano: faltando uma ou outra, a vida até pode continuar por algum tempo, mas, no cerne, muito além de trivial mutilação do sentimento de plenitude e do belo do organismo, o que sobra não passa de um ser majestoso em estado de agonia terminal. 4. Compreensível que, com base nessa ratio ético-ambiental, o legislador caucione a APP ripária de maneira quase absoluta, colocando-a no ápice do complexo e numeroso panteão dos espaços protegidos, ao prevê-la na forma de superfície intocável, elemento cardeal e estruturante no esquema maior do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por tudo isso, a APP ciliar qualifica-se como território non aedificandi. Não poderia ser diferente, hostil que se acha à exploração econômica direta, desmatamento ou ocupação humana (com as ressalvas previstas em lei, de caráter totalmente excepcional e em numerus clausus, v.g., utilidade pública, interesse social, intervenção de baixo impacto). 5. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ. LICENCIAMENTO AMBIENTAL 6. Se é certo que em licença, autorização ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Administrador, quando implementa a legislação ambiental, incumbe agregar condicionantes, coartações e formas de mitigação do uso e exploração dos recursos naturais - o que amiúde acontece, efeito de peculiaridades concretas da biota, projeto, atividade ou empreendimento -, não é menos certo que o mesmo ordenamento jurídico não lhe faculta, em sentido inverso, ignorar, abrandar ou fantasiar prescrições legais referentes aos usos restringentes que, por exceção, sejam admitidos nos espaços protegidos, acima de tudo em APP. 7. Em respeito ao princípio da legalidade, é proibido ao órgão ambiental criar direitos de exploração onde a lei previu deveres de preservação. Pela mesma razão, mostra-se descabido, qualquer que seja o pretexto ou circunstância, falar em licença ou autorização ambiental tácita, mormente por quem nunca a solicitou ou fê-lo somente após haver iniciado, às vezes até concluído, a atividade ou o empreendimento em questão. Se, diante de pleito do particular, o Administrador permanece silente, é intolerável que a partir da omissão estatal e do nada jurídico se entreveja salvo-conduto para usar e até abusar dos recursos naturais, sem prejuízo, claro, de medidas administrativas e judiciais destinadas a obrigá-lo a se manifestar e decidir. 8. Embora o licenciamento ambiental possa, conforme a natureza do empreendimento, obra ou atividade, ser realizado, conjunta ou isoladamente, pela União, Distrito Federal e Municípios, não compete a nenhum deles - de modo direto ou indireto, muito menos com subterfúgios ou sob pretexto de medidas mitigatórias ou compensatórias vazias ou inúteis - dispensar exigências legais, regulamentares ou de pura sabedoria ecológica, sob pena de, ao assim proceder, fulminar de nulidade absoluta e insanável o ato administrativo praticado, bem como de fazer incidir, pessoalmente, sobre os servidores envolvidos, as sanções da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente (arts. 66, 67 e 69-A) e da Lei da Improbidade Administrativa, às quais se agrega sua responsabilização civil em regime de solidariedade com os autores diretos de eventual dano causado. HIPÓTESE DOS AUTOS 9. O Recurso Especial em questão debate, entre outros pontos, os efeitos da suspensão de ofício da Licença de Operação 12/2008, emitida pelo órgão ambiental do Estado de Mato Grosso do Sul e incorporada às razões de decidir do acórdão recorrido. Nos Embargos de Declaração, o Parquet suscita, de maneira expressa, a suspensão de ofício da licença concedida, bem como diversas outras omissões. Em resposta, o respectivo acórdão limita-se a apontar pretensão supostamente infringente, sem examinar as impugnações, todas pertinentes para o deslinde da controvérsia. Por essa razão, vislumbro ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes do STJ em situações análogas. 10. Recurso Especial parcialmente provido para anular o acórdão dos Embargos de Declaração. (destaques aditados)
(STJ, REsp 1245149, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 13/06/2013).

Não subsiste a premissa de que a demolição das construções traria mais consequências danosas e não permitiria a efetiva regeneração ambiental. É notória a capacidade de autorregeneração da flora, a qual se inicia sponte propria quando cessa a atividade de degradação humana. Entretanto, para que o processo de recuperação do meio ambiente possa ser desde logo principiado, até mesmo estimulado, impõe-se a imediata derrubada das construções, residências, ruas asfaltadas, sarjetas e servidões com galerias pluviais e, aferida necessidade técnica, a elaboração e implementação de PRAD - Plano de Recuperação de Área Degradada, para tornar mais efetiva a restauração in loco (Instrução Normativa nº 04/2011 do IBAMA).


Assim, comprovada a atuação da cooperativa, consistente na execução física do projeto atinente ao condomínio "Vila dos Comerciários II" em desrespeito ao projeto aprovado pelas autoridades e violação aos normativos de proteção ao meio ambiente (artigo 225 da CF/88; artigos 1º e 2º da Lei nº 4.771/1965; artigos 2º e 4º da Lei nº 12.651/2012; artigo 3º da Resolução CONAMA nº 303/200), bem como estabelecido o nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado lesivo, imperiosa a responsabilização da COOPERATIVA HABITACIONAL DOS COMERCIÁRIOS DO ESTADO DE SÃO PAULO - SEÇÃO MARÍLIA pelo dano ambiental praticado.


Anote-se que os pedidos condenatórios formulados não se demonstram, em verdade, alternativos, mas complementares. O intuito do Parquet, com o ajuizamento desta demanda, é o de promover a integral recuperação ambiental da área atingida. Para tanto, devem ambos ser conciliados, o que não revela apreciação ultra ou extra petita, pois a solução da lide, nas ações que objetivam a proteção dos direitos difusos e coletivos, deve buscar a tutela do bem sub judice em máxima amplitude e alcance. Em outras palavras, o pedido deve ser interpretado de forma a alcançar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Consoante o entendimento assente do C. STJ: "O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 15.03.2010). Conforme se ressaltou no julgamento do REsp 1.107.219/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 23.09.2010, 'os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide'. Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que 'não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda'. Os precedentes acima denotam a posição consolidada do STJ quanto à necessidade de se conferir ao pedido uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita" (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).


Fundado nessa orientação jurisprudencial, deve ser atendido o pleito do IBAMA, apresentado em suas razões recursais, para julgar a ação parcialmente procedente a fim de condenar a Cooperativa Habitacional dos Comerciários do Estado de São Paulo - Seção Marília II, nos seguintes termos:


a) à obrigação de fazer, consistente em demolir as edificações que construiu no loteamento "Vila dos Comerciários II" dentro da área de preservação permanente da Mata Atlântica, existente na faixa de 100 metros a partir da linha de ruptura do tabuleiro (artigo 2º, "g", Lei nº 4.771/1965; artigo 3º, VIII, Resolução CONAMA nº 303/2002), bem como a infraestrutura adjacente (ruas asfaltadas, sarjetas e servidões com galerias pluviais). As particularidades para concretização da medida deverão ser aferidas por ocasião do cumprimento de sentença, inclusive a prévia notificação dos proprietários e possuidores (STJ, AGAREsp 575474);


b) a adotar as medidas necessárias para ser promovida a efetiva recomposição da área de preservação permanente prejudicada, no local onde verificado o efetivo dano ambiental, vedada a compensação ou restauração em área diversa, mediante elaboração de PRAD - Plano de Recuperação de Área Degradada por ocasião da fase de cumprimento de sentença (Instrução Normativa nº 04/2011 do IBAMA);


c) acaso não cumprida a obrigação pela ré, fixa-se a multa diária de R$1.000,00, a ser revertida ao Fundo Nacional de Direitos Difusos, nos termos requeridos na exordial, importe que atende aos padrões da proporcionalidade e razoabilidade e não propicia enriquecimento ilícito (STJ, AGAREsp 273583).


Anote-se não ser necessária a "reaquisição" dos lotes, porquanto o direito de preservação ambiental é ínsito à posse e à titularidade do domínio, propter rem, como dito, e cabe aos atuais proprietários, aos seus sucessores a qualquer título e também a eventuais possuidores o dever de respeitar a não edificação na área de preservação permanente.



VII - DOS HONORÁRIOS


A questão da verba honorária sucumbencial deve ser examinada consoante o preceito contido no artigo 18 da Lei nº 7.347/85, pois "na ação civil pública, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85, com a redação dada ao art. 17 pela Lei 8.078/90" (STJ, REsp 493823).


Nesse passo, a novel jurisprudência da Superior Corte, por sua Primeira Seção, firmou o entendimento no sentido de que deve ser o tema tratado à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio, em observância à absoluta simetria de tratamento entre as partes. Assim, se não podem os legitimados ativos ser condenados aos honorários em sede de ação civil pública, igualmente não poderão de tal verba se beneficiar, ainda que o valor seja vertido ao fundo do artigo 13 da LACP.


A título ilustrativo, colacionam-se as ementas a seguir:


"AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DO DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - DETRO - RJ. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO. PERMISSÃO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Não viola o art. 535 do Código de Processo Civil o aresto que resolve suficientemente a lide, ainda que não acate os argumentos apresentados por uma das partes. 2. Recurso especial a que se nega provimento. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DA RÁPIDO MACAENSE LTDA. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO PERMISSÃO. TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 480, 481 E 482 DO CPC E 42, § 2º, DA LEI N. 8987/95. AFRONTA À RESERVA DE PLENÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. 1. Não viola o art. 535 do Código de Processo Civil o aresto que resolve suficientemente a lide, ainda que não acate os argumentos apresentados por uma das partes. 2. A análise da existência de cerceamento de defesa esbarra na Súmula 7/STJ, mormente quando a questão posta desborda dos lindes da ação civil pública. 3. No recurso especial, a empresa não combate diretamente fundamento do aresto recorrido segundo o qual a norma de efeito concreto que estipulou o contrato de adesão não pode ser objeto de controle de constitucionalidade. Aplicação da Súmula 283/STJ. 4. Por sua vez, a Corte de origem, a despeito de argumentos constitucionais, aferiu o descompasso do contrato de adesão com a Lei de Concessões, o que não constituiu violação da cláusula de reserva de plenário. 5.Nos termos do art. 42, § 2º, da Lei n. 8.987/95, deve a Administração promover certame licitatório para novas concessões de serviços públicos, não sendo razoável a prorrogação indefinida de contratos de caráter precário. 6. Por simetria, em sede de ação civil pública, não cabe a condenação do réu em honorários. Precedentes. 7. Recurso especial conhecido em parte e provido apenas em parte.(...)" (destaques aditados)
(STJ, REsp 1407860, Rel. Min. OG FERNANDES, Segunda Turma, v.u., DJE DATA:18/12/2013);

"PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - VIOLAÇÃO AO ART. 535 NÃO CONFIGURADA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MINISTÉRIO PÚBLICO AUTOR E VENCEDOR - DESCABIMENTO. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Na ação civil pública movida pelo Ministério Público, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei 7.347/85. 3. Posiciona-se o STJ no sentido de que, em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé do Parquet. 4. Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública. Precedentes. 5. Recurso especial não provido." (destaques aditados)
(STJ, REsp 1302105, Rel. Min. ELIANA CALMON, Segunda Turma, v.u., DJE DATA:14/08/2013);
"ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não cabe falar em ofensa ao art. 535 do CPC, na medida em que o Tribunal a quo decidiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia. 2. A jurisprudência da Primeira Seção deste Superior Tribunal é firme no sentido de que, por critério de absoluta simetria, no bojo de ação civil pública não cabe a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público. 3. Agravo regimental a que se nega provimento."
(STJ, AGAREsp 221459, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, v.u., DJE DATA:23/04/2013).


VIII - DO DISPOSITIVO


Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, inclusive por força do reexame necessário, para reformar a sentença e julgar parcialmente procedente a ação a fim de condenar a Cooperativa Habitacional dos Comerciários do Estado de São Paulo - Seção Marília II a demolir as casas que construiu no loteamento "Vila dos Comerciários II" dentro da área de preservação permanente da Mata Atlântica, existente na faixa de 100 metros a partir da linha de ruptura do tabuleiro, e restaurado o meio ambiente degradado, sob pena de multa diária de R$1.000,00. Sem condenação a honorários advocatícios. Custas ex lege.


É o voto.





André Nabarrete
Desembargador Federal Relator


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