Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/11/2015
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0014397-72.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.014397-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : WELLINGTON SIMOES DE SOUZA
ADVOGADO : ES014476 KAREN WERB
No. ORIG. : 00143977220134036181 7P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA. LEI Nº 11.343/06, ARTIGO 33, § 1º, INCISOS I E II. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECLASSIFICAÇÃO. CRIME DE CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO.
I - A importação de semente de maconha não configura o delito do artigo 33, § 1º, I, da Lei nº 11.343/06 que se refere à matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente.
II - As sementes de maconha não podem ser consideradas matérias-primas, pois não possuem "condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., resultarem em entorpecentes ou drogas análogas".
III - A matéria-prima, destinada à preparação, é aquela industrializada, que, de uma forma ou de outra, pode ser transformada ou adicionada a outra substância, com capacidade de gerar substância entorpecente ou que cause dependência ou, ainda, seja um elemento que, por suas características, faça parte do processo produtivo das drogas.
IV - De outra parte, não se extrai maconha da semente, mas da planta germinada da semente, se esta sofrer transformação por obra da natureza e produzir o folhas necessárias para a droga. A partir exclusivamente da semente ou adicionando qualquer outro elemento, não se obtém, por si só, a maconha. A semente é a maconha em potência, mas, antes disso, precisa ser adequadamente cultivada a fim de florescer.
V - A semente é pressuposto lógico e antecedente para a configuração do tipo penal descrito no artigo 33, § 1º, II, da Lei nº 11.343/06, em que o legislador tipificou como sendo crime a conduta de semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação da droga.
VI - No caso dos autos, não foram iniciados os atos executórios consistentes em semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de droga. Apenas se supõe que seriam plantadas para ulterior consumo ou revenda do produto do cultivo no mercado interno.
VII - A conduta não se subsome ao artigo 33, § 1º, inciso I, da Lei n.º 11.343/06, porquanto a semente de maconha não constitui matéria-prima, objeto material do referido tipo penal.
VIII - A conduta poderia ser enquadrada no artigo 33, § 1º, inciso II, da Lei nº 11.343/06 se o investigado ao menos houvesse semeado, cultivado ou feito a colheita de planta destinada à preparação do entorpecente ou de substância que determine dependência, o que também não ocorreu, no caso dos autos.
IX - A importação de sementes não inscritas no Registro Nacional de Cultivares, como no caso em tela, configura, em tese, o crime de contrabando, que tipifica a importação e a exportação de mercadorias proibidas.
X - O princípio da insignificância é inaplicável ao crime de contrabando. No entanto, deve-se verificar as peculiaridades do caso concreto para se afastar de plano a incidência do referido princípio, sob pena de se punir condutas que, não obstante formalmente típicas, não causam lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal.
XI - In casu, considerando que a conduta consistiu na importação de 35 (trinta e cinco) sementes de maconha, encontram-se presentes os parâmetros considerados pelos Tribunais Superiores para o reconhecimento da insignificância: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica.
XII - Recurso em sentido estrito a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto do relator, acompanhado pelo voto da Des. Fed. Cecília Mello, vencido o Des. Fed. Nino Toldo, que dava provimento ao recurso do Ministério Público Federal e receber a denúncia, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de novembro de 2015.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0014397-72.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.014397-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
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RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito, interposto pelo Ministério Público Federal, em face da decisão que rejeitou a denúncia, que apontava a prática do delito de tráfico internacional de entorpecentes, consubstanciado na importação de 35 (trinta e cinco) sementes de Canabis Sativa Lineu.

O juiz a quo entendeu que a importação das sementes de maconha não configura o crime de tráfico internacional de entorpecentes, pois se trata de ato preparatório impunível (fls. 132/135-v).

Em suas razões recursais (fls. 138/142), o Ministério Público Federal reitera que a conduta de importar sementes de Canabis Sativa Lineu configura o crime do art. 33, §1º, I c.c. art. 40, I da Lei 11.343/06.

Contrarrazões da defesa (fls. 146/160), nas quais requer o desprovimento do recurso ministerial.

Mantida a decisão recorrida, em sede de juízo de retratação (fls. 162).

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 166/180), em que opina pelo provimento do recurso, a fim de que a denúncia seja recebida com tipificação do art. 334, caput, 1ª parte, do Código Penal, na forma da Súmula 709/STF, bem como pugna pela não aplicação do princípio da insignificância.

É o relatório.

Dispensada a revisão, na forma regimental.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0014397-72.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.014397-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
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RECORRIDO(A) : WELLINGTON SIMOES DE SOUZA
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VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Narra a denúncia a prática do crime descrito no artigo 33, § 1º, c.c. art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06 porquanto WELLINGTON SIMÕES DE SOUZA teria importado, sem autorização e em desacordo com as normas legais e regulamentares, 35 (trinta e cinco) sementes de maconha.

O Juízo de 1º grau rejeitou a denúncia, por entender que a conduta investigada não caracteriza o crime de tráfico internacional de entorpecentes.

O Ministério Público Federal, no entanto, reitera que a conduta supostamente perpetrada pelo acusado caracteriza o crime do artigo 33, § 1º, I c.c. art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06.

Assim dispõe o artigo 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/06:


§ 1º  Nas mesmas penas incorre quem:
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

As sementes de maconha não podem ser consideradas como matéria-prima, ao menos, juridicamente. Vejamos:


"Matéria-prima é a substância de que podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes ou drogas que causem dependência física ou psíquica. Não há necessidade de que as matérias-primas já tenham de per si os efeitos farmacológicos dos tóxicos a serem produzidos; basta que tenham as condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., resultarem em entorpecentes ou drogas análogas. São matérias-primas o éter e a acetona, conforme orientação do Supremo Tribunal federal e consagração da Convenção de Viena de 1988" (g.n.) (Tóxicos - Prevenção - Repressão, Vicente Greco Filho, Ed. Saraiva, 1993,p. 101).

Do conceito acima descrito, depreende-se que as sementes de maconha não podem ser consideradas matérias-primas, pois não possuem "condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., resultarem em entorpecentes ou drogas análogas".

A matéria-prima, destinada à preparação, é aquela industrializada, que, de uma forma ou de outra, pode ser transformada ou adicionada a outra substância, com capacidade de gerar substância entorpecente ou que cause dependência ou, ainda, seja um elemento que, por suas características, faça parte do processo produtivo das drogas.

De outra parte, não se extrai maconha da semente, mas da planta germinada da semente, se esta sofrer transformação por obra da natureza e produzir as folhas necessárias para a droga. A partir exclusivamente da semente ou adicionando qualquer outro elemento, não se obtém, por si só, a maconha. A semente é a maconha em potência, mas, antes disso, precisa ser adequadamente cultivada a fim de florescer.

Nesse sentido, decisão em Embargos Infringentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:


"EMBARGOS INFRINGENTES. CRIME DE ENTORPECENTES (ARTIGOS 12- § 1º - I, DA LEI Nº 6.368/76). SEMENTES DE MACONHA.
A guarda ou posse de semente de maconha não configura o delito do artigo 12 - § 1º - I, da lei nº 6.368/76. A semente de maconha não é matéria-prima, pois esta seria a substância que deve ser submetida a trabalho industrial antes de ser tornada própria ao consumo. Não se extrai maconha da semente, mas da planta germinada da semente, se esta sofrer transformação por obra da natureza e não da indústria humana. EMBARGOS ACOLHIDOS, POR MAIORIA." (g.n.)
(TJ/RS, Embargos Infringentes nº 70019927193, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Rel. José Antônio Cidade Pitrez, j. 03/08/2007)

No mesmo sentido, julgado da E. Primeira Turma deste Tribunal:

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. IMPORTAÇÃO. SEMENTES DE MACONHA. MATÉRIA-PRIMA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.
1. No que tange à tipicidade ou não da importação de sementes de maconha como crime de tráfico de drogas, é necessário distinguir "preparação de drogas" da "produção de drogas".
2. A semente de maconha presta-se à produção da maconha, mas não à preparação dela, pois a semente, em si, não apresenta o princípio ativo tetrahidrocanabinol (THC) em sua composição e não tem qualidades químicas que, mediante adição, mistura, preparação ou transformação química, possam resultar em drogas ilícitas.
3. O verbo preparar tem o sentido de "aprontar (algo) para que possa ser utilizado"; "cuidar para que (algo) aconteça como planejado"; "compor (algo) a partir de elementos ou ingredientes"; "criar um estado de coisas propício a (que algo ocorra)", entre outras acepções, conforme Minidicionário de Caldas Aulete. Já o verbo produzir significa "fazer nascer de si"; "fabricar"; "causar"; "provocar", etc. (ibidem).
4. Comparando esses verbos, verifica-se que: a) a semente de maconha não pode ser "composta" com outros elementos, substâncias ou ingredientes para, a partir dela, criar uma substância entorpecente; e b) as condutas de "aprontar" a semente de maconha, "cuidar" dela ou "criar um estado de coisas propício" a que ela germine importam a que a semente seja "semeada" ou "cultivada". Só assim, ela "produzirá" a maconha, ao dela "fazer nascer" a planta que dará origem à droga.
5. A semente de maconha não poderá ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à preparação da maconha, a que se refere o inciso I, do § 1º do art. 33, da Lei n. 11.343/06.
6. Para que se configure o crime de tráfico de drogas previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/06, é preciso que a substância por si só tenha potencialidade para a produção de efeitos entorpecentes e/ou psicotrópicos e possa causar dependência física ou psíquica, o que não ocorre com as sementes da planta Cannabis sativa Linneu.
7. A semente de maconha poderá ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à produção da maconha. Não há, porém, qualquer referência à produção de drogas nesse inciso. Logo, não se pode equiparar a "preparação" à "produção" em face do princípio da legalidade estrita que norteia a interpretação do Direito Penal. Caso fosse a intenção do legislador, haveria referência expressa à "produção" e não apenas à "preparação" de drogas, no inciso em questão.
8. Já à luz do inciso II do § 1º do art. 33 da Lei de Drogas, a importação (e a consequente posse) da semente de maconha é meramente ato preparatório, portanto, impunível, das condutas aí previstas.
9. A semente de maconha, quando semeada ou cultivada, dá origem à planta que se constitui em matéria-prima para a preparação da droga denominada "maconha". A importação e posse da semente de maconha, até que, ao menos, se inicie a execução dessas condutas, não poderá ser considerada fato típico caracterizador do crime do art. 33 da Lei n. 11.343/06, nos termos do art. 14, II, do CP.
10. Só quando o agente inicia a semeadura ou o cultivo da planta de maconha, utilizando-se da semente dessa planta que importou, parece configurar-se, em tese, o crime equiparado ao tráfico previsto no § 1º, II, do art. 33 da Lei n. 11.343/06.
11. Importante ressaltar a distinção que a lei faz em relação à matéria-prima que sirva para a preparação de drogas e às plantas que se constituem em matéria-prima para a preparação de drogas. Nesse passo, é de se observar que, no inciso I do § 1º do art. 33, fala-se em "matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas", enquanto, no inciso II, "plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas".
12. Razoável interpretar a primeira referência a "matéria-prima", contida no inciso I, como a que cuida da hipótese em que a matéria-prima não decorreu de plantas, enquanto a segunda, contida no inciso II, como a que decorreu de plantas. Essa distinção parece excluir a semente de maconha do âmbito de incidência do inciso I e incluí-la no do inciso II, pois ela é que dá origem a planta que se constitui em matéria-prima para a preparação da substância entorpecente conhecida como "maconha".
13. Assim, não se prepara a "maconha" tendo por base a semente dela, mas sim a partir da planta que dela se originou.
14. Registre-se que muitos órgãos do Ministério Público Federal, ou seja, os próprios procuradores da República que oficiam perante as varas federais criminais de São Paulo, têm sustentado a atipicidade da conduta de importar sementes de maconha e têm requerido o arquivamento do inquérito policial ou da peça de informação instaurado a respeito.
15. Ainda que equiparasse a preparação de drogas à sua produção, a quantidade da semente apreendida, ou seja, 28 (vinte e oito), denota que a intenção do agente era plantio para consumo pessoal e não para o tráfico. Tal conduta, teoricamente subsumível no art. 28, § 1º, da Lei n. 11.343/06, na forma tentada (CP, art. 14, II), apresenta-se impunível, já que o preceito secundário, isto é, as penas do art. 28 da Lei n. 11.343/06, na prática, não comportam combinação com o art. 14, parágrafo único, do Código Penal.
16. Cumpre registrar que a importação de semente de maconha poderá subsumir-se no crime de contrabando, ou seja, no crime de importação de mercadoria proibida (art. 334, caput, do Código Penal), já que não se permite a importação de semente de maconha sem prévia autorização do órgão competente, de modo que não houve, nem haverá, liberação geral de tal conduta como fato penalmente atípico, a ponto de incentivar pessoas desavisadas a acharem que a importação de semente de maconha não é crime, portanto, livre. Muito pelo contrário. A importação de semente de maconha sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar é, sim, crime, ressalvando-se que não se trata de crime de tráfico de drogas, mas sim de contrabando.
17. Eventual punição do agente pelo contrabando deverá levar em conta duas ordens de considerações. A primeira diz respeito à quantidade da semente de maconha importada ilegalmente, e a segunda, às condições pessoais do infrator.
18. Quanto à quantidade da semente, há que se indagar do cabimento ou não do princípio da insignificância ou da bagatela. Tal princípio é um corolário do princípio da intervenção mínima que informa o Direito Penal contemporâneo (o qual deriva, por sua vez, do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana), segundo o qual só se justifica a intervenção desse ramo do direito como último instrumento de controle social ("ultima ratio"), devendo o Estado, sempre que há instrumentos menos gravosos para assegurar a paz social, prioritariamente recorrer a eles, evitando-se o emprego da pena criminal, que atinge mais intensamente a liberdade individual, que é um dos bens mais preciosos do ser humano. Daí falar-se em caráter subsidiário do Direito Penal, pelo que o Direito Penal deve atuar tão-somente em face de fatos que causem grave lesão ou perigo de lesão aos bens jurídicos por ele tutelados.
19. Nesse diapasão, se ínfima a quantidade de semente importada, aplicável, ao menos em tese, o princípio da insignificância, ficando a critério do prudente arbítrio do juiz em cada caso concreto, pois o fato, embora formalmente típico, pode não sê-lo sob o ponto de vista da tipicidade material.
20. Quanto às condições pessoais do infrator, é necessário verificar se ele já importou as sementes de maconha, qual a finalidade por ele visada por essa conduta, qual o seu meio de vida, se a intenção dele é a de semeá-las e plantá-las, com vistas à colheita da planta para consumo pessoal ou para o tráfico, se há indício de habitualidade etc., pois, dependendo da resposta a essas indagações, a solução variará, deixando ser aplicável o princípio da insignificância, ainda que ínfima a quantidade da semente ilegalmente importada.
21. Na situação dos autos, a conduta narrada na inicial acusatória não se subsume ao tipo descrito no artigo 33, parágrafo 1°, inciso I, da Lei n° 11.343/2006, haja vista que a semente importada pelo paciente não constitui matéria-prima destinada à preparação de drogas.
22. Agravo regimental prejudicado. Ordem concedida para trancar a ação penal, em razão da atipicidade da conduta imputada ao paciente." (g.n.) (HC 0025590-03.2013.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, Primeira Turma, j. 12/11/2013, DJE 27/11/2013).

Ressalte-se, ainda, que a semente é pressuposto lógico e antecedente para a configuração do tipo penal descrito no artigo 33, § 1º, II, da Lei nº 11.343/06, em que o legislador tipificou como sendo crime a conduta de semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação da droga, verbis:

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

No caso dos autos, não foram iniciados os atos executórios consistentes em semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de droga. Apenas se supõe que seriam plantadas para ulterior consumo ou revenda do produto do cultivo no mercado interno.

Nesse sentido, decisão do Tribunal Regional Federal da 1º Região:

"PENAL E PROCESSO PENAL. ART.12, CAPUT, (PRIMEIRA FIGURA), C/C 18, INCISO I (PRIMEIRA FIGURA), DA LEI 6.368/76, C/C ART. 14, II, DO CP. ART. 43, I, DO CPP. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA (MACONHA), POR INTERMÉDIO DE SÍTIO NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES (INTERNET). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ATO PREPARATÓRIO. I - A conduta atribuída ao denunciado foi, de fato, mero ato preparatório não punível, a teor do que dispõe o art. 31 do CP. Tampouco há que se falar em tentativa (art. 14, II, do CP), uma vez que não se iniciou a fase executória, pressuposto para sua ocorrência. II - Na hipótese, não há como se concluir pela traficância internacional atribuída ao denunciado. A rigor, verifica-se a tentativa de importação de sementes de substância proscrita, que, apesar da confissão do acusado, em fase policial, apenas se presume que seriam plantadas para posterior consumo ou revenda do produto do cultivo no mercado interno. III - Presunção desacompanhada de fato concreto torna duvidosa a tipicidade da conduta e, por conseguinte, incabível o recebimento da denúncia. IV - Conduta que não se abona; contudo, é atípica, porque meramente preparatória. V - Recurso desprovido" (g.n.)
(RCCR 200634000311480, Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro, e-DJF 26/09/2008)

Como é cediço, no âmbito do direto penal, reina o princípio da legalidade estrita e da tipicidade cerrada, de sorte que só a conduta prévia e perfeitamente descrita na hipótese de incidência da norma penal autoriza a lícita imputação criminal.

Por tais razões, tenho que a conduta apontada na denúncia não se subsume ao artigo 33, § 1º, inciso I, da Lei nº 11.343/06, porquanto a semente de maconha não constitui matéria-prima, objeto material do referido tipo penal.

A conduta poderia ser enquadrada no artigo 33, § 1º, inciso II, da Lei nº 11.343/06 se o investigado ao menos houvesse semeado, cultivado ou feito a colheita de planta destinada à preparação do entorpecente ou de substância que determine dependência, o que também não ocorreu, no caso dos autos.

Por outro lado, a Lei 10.711/03, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas, determina:

Art. 34. Somente poderão ser importadas sementes ou mudas de cultivares inscritas no Registro Nacional de Cultivares.
Parágrafo único. Ficam isentas de inscrição no RNC as cultivares importadas para fins de pesquisa, de ensaios de valor de cultivo e uso, ou de reexportação.

Por conseguinte, a importação de sementes não inscritas no Registro Nacional de Cultivares, como no caso em tela, configura, em tese, o crime de contrabando, que tipifica a importação e a exportação de mercadorias proibidas.

Não se se olvida que, em regra, o princípio da insignificância é inaplicável ao crime de contrabando. No entanto, deve-se verificar as peculiaridades do caso concreto para se afastar de plano a incidência do referido princípio, sob pena de se punir condutas que, não obstante formalmente típicas, não causam lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal.

In casu, considerando que a conduta consistiu na importação de 35 (trinta e cinco) sementes de maconha, encontram-se presentes os parâmetros considerados pelos Tribunais Superiores para o reconhecimento da insignificância: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica.

Nesse sentido, trago à colação recente julgado da E. Décima Primeira Turma deste Tribunal:


"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA - RECLASSIFICAÇÃO DO FATO -EMENDATIO LIBELLIS - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE - POSSIBILIDADE - DENÚNCIA REJEITADA - ATIPICIDADE DA CONDUTA.
1. O recurso em sentido estrito foi interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão que rejeitou a denúncia de acusado da prática do crime previsto no artigo 33, §1º, inciso I, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/06.
2. Em sede policial, o denunciado - que é estudante do terceiro grau declarou que não efetuou a compra das sementes de maconha apreendida nos autos e não sabe que efetuou a compra em seu nome, vez que morava em uma "república" com mais cinco colegas e que não é usuário de maconha. (fls. 32).
3. As sementes de maconha, no estado em que se encontravam, não poderiam ser consideradas drogas, uma vez que não possuíam tetrahidrocanabinol (THC) em sua composição segundo consta do Laudo de Perícia Criminal Federal (Química Forense) de fls. 15/19.
4. No caso dos autos, as sementes foram apreendidas ainda no curso do seu trajeto, vez que foram apreendidas no setor alfandegário da Receita Federal de São Paulo, não chegando sequer a ser semeadas, assim, a conduta praticada pelo recorrido, tal como posta, não se enquadra em quaisquer dos dispositivos da Lei 11.343/2006.
5. Por tais fundamentos, em sede de juízo de admissibilidade, o decisum entendeu que os fatos se amoldam em tese ao crime de contrabando.
6. O Juízo de origem rejeitou a denúncia por falta de justa causa da ação penal, caracterizada pela irrelevância penal da conduta delitiva do recorrido, vez que a lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, ou quando a lesão ao bem jurídico protegido for irrelevante.
7. Sendo inaplicável, em regra, o princípio da insignificância para os crimes de contrabando, penso que no caso em tela não há como entender que 11(onze) sementes de maconha seriam capazes de colocar minimamente em risco a saúde pública.
8. Ademais, o recorrido aduz não ter importado e não saber quem importou em seu nome as sementes e pela pequena quantidade ou pela forma de aquisição e por não haver indicações de reiteração em sua conduta, resta evidente a ausência de propósito comercial.
9. Das informações dos autos colhe-se que as sementes foram apreendida na sede dos Correios na capital de São Paulo junto ao Serviço de Remessas Postais Internacional da Alfândega de São Paulo dentro da referida zona primária aduaneira, local onde se concebe, em tese, a possibilidade de ocorrência da tentativa, porquanto apesar de estar no território nacional, por razões de política de comércio exterior e relações internacionais, a internação efetiva da mercadoria é postergada após a atuação, eficaz ou potencial, da fiscalização, presente, portanto, a situação de tentativa, prevista no artigo 14, inciso II, do Código Penal.
10. Diante da pequena quantidade e ausência de propósito comercial em sua aquisição e afronta aos interesses de toda a sociedade, cabendo invocar, no específico caso, o princípio da insignificância.
11. Recurso a que se nega provimento." (g.n.)
(RSE nº 0007841-20.2014.4.03.6181, Rel. Des. Fed. Cecilia Mello, j. 28/04/2015)

Ante o exposto, nego provimento ao Recurso em Sentido Estrito.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
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Data e Hora: 10/11/2015 19:11:36