D.E. Publicado em 04/11/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação para condenar a empresa "Lindoyana de Águas Minerais Ltda." à indenização de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por publicidade enganosa e lesão ao patrimônio público, valor a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação em ação civil pública interposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - IBAMA em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado contra a empresa Lindoyana de Aguas Minerais Ltda.
O Ministério Público Federal atuou no feito logo após sua distribuição (fls. 117 e 119/120).
Citada, a parte ré apresentou contestação (fls. 143/156), tendo requerido a produção de prova testemunhal, a qual foi devidamente deferida e produzida (fls. 208 e 223/230).
Após manifestação das partes e do Parquet (fls. 234/236, 238/240 e 245/249), foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido inicial e extinguiu o feito com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil (fls. 254/257).
Em razões recursais, o IBAMA alega, em síntese, que: estabeleceu com a empresa Lindoyana de Aguas Minerais Ltda tratativa para a formação de uma parceria, pela qual seria criado e mantido, por meio de mútua colaboração, um "banco de sangue de psitacídeos/passeriformes em cativeiro"; dessa forma, a empresa ré liberaria, no prazo de até três anos, um total de R$ 265.000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil reais) para o projeto e, em contrapartida, o apelante autorizaria o uso da respectiva logomarca (IBAMA) no invólucro de embalagens de sucos destinados à comercialização pela apelada, contendo menção à parceria e aos correspondentes objetivos, inclusive de que parte da renda auferida com a venda seria destinada à criação do aludido banco de sangue; mesmo com as tratativas já avançadas, a empresa ré comunicou à autora a desistência da parceria, alegando, entre o mais, dificuldades financeiras; após denúncia de um consumidor, verificou-se que, sem qualquer autorização específica, a apelada comercializou os produtos contendo a sigla do IBAMA durante as tratativas e mesmo após a formalização da desistência. Destarte, a empresa ré teria violado o princípio da boa-fé objetiva, frustrando justa expectativa de que a avença seria concretizada; causado danos ao meio ambiente, já que o banco de sangue de pássaros em cativeiro acabou não sendo criado; lesionado o patrimônio público, dada a indevida utilização da logomarca IBAMA nos rótulos das caixas de suco; proporcionado danos ao mercado de consumo, vez que veiculou propaganda enganosa acerca de uma parceria inexistente. Dessa forma, pugna pela reforma do julgado, para que a ré seja condenada a indenizar o valor integral do contrato frustrado ou, subsidiariamente, a fixação de outro montante sob os critérios da razoabilidade, o qual deverá ser destinado ao mesmo projeto ou outro que envolva recuperação ou proteção ao meio ambiente (fls. 260/276).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 279/285).
A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opina, em parecer, pelo parcial provimento do recurso para que a empresa Lindoyana Águas Minerais Ltda seja condenada ao pagamento de indenização pelos danos ao patrimônio público e às relações de consumo, sendo tais valores destinados ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (fls. 290/305).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Ab initio, é de rigor conhecer ex officio da remessa oficial, vez que o artigo 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular), o qual determina que: "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição", aplica-se analogicamente às ações civis públicas, vez que tanto estas quanto as ações populares visam tutelar o patrimônio público lato sensu, estando ambas regidas pelo microssistema processual da tutela coletiva, conforme entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional:
No mérito, a causa de pedir que ensejou a propositura desta demanda foi bem exposta na r. sentença, razão pela qual transcrevo alguns trechos:
Inconformado com o decisum, o IBAMA pleiteia a sua reforma, com a condenação da ré ao ressarcimento, alegando para tanto violação do princípio da boa-fé objetiva em decorrência da frustração da justa expectativa de concretização da parceira de interesse público consistente na criação e manutenção de "banco de sangue de psitacídeos e passiformes em cativeiro", o que teria causado danos ao meio ambiente por culpa da empresa-ré, já que privou a coletividade dos benefícios resultantes de tal empreendimento, tal como o combate ao tráfico de animas. Ainda, sustenta a ocorrência de lesão ao patrimônio público, tendo em vista que, não obstante o acordo não tivesse vingado, houve utilização da logomarca IBAMA nos rótulos das caixas de suco comercializados pela apelada, de maneira que, mesmo não cumprindo sua parte, beneficiou-se indevidamente da contraprestação que lhe seria devida caso o contrato fosse efetivado. Por fim, afirma que danos ao mercado de consumo foram causados em razão da ré ter veiculado propaganda enganosa ao colocar tais produtos com a insígnia do IBAMA no mercado.
Antes de adentrar ao mérito recursal, cabe destacar que a ação civil pública é um dos instrumentos processuais adequados para tutelar direitos e interesses supraindividuais, os quais abrangem os difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
A manutenção do meio-ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determinar o artigo 225 da Constituição Federal:
A fim de conferir uma maior proteção ao meio-ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, incidindo a teoria do risco integral, razão pela qual incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade civil para afastar a obrigação de indenizar, verbis:
Assim, basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se assim o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.
Em se tratando de responsabilidade civil, objetiva ou subjetiva, vigora no direito pátrio o princípio da causalidade adequada ou princípio do dano direto e imediato, segundo o qual a ninguém pode ser imputada responsabilidade por dano a que não tenha dado causa, sendo esta considerada o evento que ensejou direta e concretamente o resultado danoso.
No caso em tela, a pessoa jurídica "Lindoyana de Águas Minerais Ltda." protocolou em 30.11.2005 requerimento junto à Superintendência Estadual em São Paulo (fl. 18) manifestando-se interesse em formar uma parceria visando executar projeto multilateral de "criação e manutenção de banco de sangue de psitacídeos/passiformes em cativeiro", cuja coordenação ficaria a cargo da Divisão de Fauna do IBAMA/SP e patrocínio da empresa ré.
Segundo a proposta, a parte ré faria investimentos periódicos, semestralmente, entre 2006 a 2008, no valor total de R$ 265.000,00 (duzentos e sessenta e cinco mil reais), e, em contrapartida, ela estaria autorizada a comercializar parcela de sua linha de sucos em embalagens com a logomarca do IBAMA e menção de que parcela da renda auferida com a respectiva venda seria revertida em projeto de conservação da fauna silvestre nacional.
É de rigor reconhecer que as questões sobre as tratativas frustradas e o suposto dano ao meio ambiente se confundem, uma vez que o IBAMA, ao alegar quebra de lealdade e de boa-fé objetiva por parte da empresa ré, não o poderia fazer, propriamente, sob o ângulo da responsabilidade civil extracontratual indenizatória, mas, sim, antes de tudo, remeteu à ótica dos interesses transindividuais, denunciando que a conduta da apelada, em não finalizar o projeto, proporcionou danos ao meio ambiente, estes considerados difusos e aptos a serem defendidos por ação coletiva.
Constata-se que o objetivo da parceria entre a empresa "Lindoyana de Águas Minerais Ltda." e o IBAMA era a criação do "banco de sangue de psitacídeos/passeriformes em cativeiro", o qual visaria propiciar o controle mais efetivo do plantel dos criadouros, possibilitar o controle das reproduções realizadas em cativeiro e criar um banco de material genético das espécies para estudos moleculares, tudo a combater o comércio ilegal e tráfico de animais (fls. 21/23 e 24/27).
Contudo, tal dano ambiental não pode ser imputado à empresa ré, por ser preexistente e independente de qualquer atuação da recorrida, mas apenas aos responsáveis por infrações contra a fauna e ao Poder Público por falha na fiscalização, estando ausente, dessa forma, o nexo de causalidade necessário entre a conduta e o resultado lesivo. Ademais, não há se falar em nexo de causalidade pela mera probabilidade de redução dos danos ambientais, já que o acordo sequer chegou a ser concretizado.
Não se olvide que ocorreu uma expectativa legítima do IBAMA na execução do projeto, através de investimentos realizados pela ré durante três anos, o qual poderia minimizar as aludidas práticas ilícitas contra o meio-ambiente, sendo que a não concretização da avença poderia, em tese, tão somente caracterizar ato ilícito pelo rompimento do dever de lealdade, um dos consectários da boa-fé objetiva.
Por outro lado, como bem observado pela MMª Magistrada a quo, a cláusula oitava da minuta do contrato dispunha que:
Destarte, se nem pela rescisão unilateral do acordo já concretizado ensejaria indenização, não há sequer se cogitar em ressarcimento por dano ambiental resultante da desistência do ajuste.
Quanto aos alegados danos aos consumidores ou lesão ao patrimônio público, resta incontroverso pela prova documental juntada aos autos, em especial fotografias das caixas de suco (fls. 35/42) e comprovante de compra (fls. 90/91 e 92) e depoimentos testemunhais prestados em juízo (fls. 208/208v e 223/230) que caixas de suco produzidos pela empresa "Lindoyana de Águas Minerais Ltda." foram postas em circulação no mercado com o logotipo do IBAMA e com menção ao projeto que patrocina de coibição a retirada de animais da natureza e combate ao tráfico de fauna silvestre.
É incontestável que o IBAMA, autarquia federal, por ser pessoa jurídica, não é titular de direitos da personalidade, vez que são fundados na dignidade humana, mas merece a proteção que deles decorre e naquilo que sua falta de estrutura biopsicológica permite exercer. Assim, nos termos da Súmula nº 227 do C. Superior Tribunal de Justiça: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral", de maneira que a utilização indevida de logomarca do IBAMA, a qual dispensa prova da existência concreta de prejuízo por ser o dano in re ipsa, decorrente da não autorização da autarquia federal, enseja indenização por dano à imagem.
Conforme entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, o patrimônio público passível de ser defendido através de ações coletivas abrange tanto aspectos materiais quanto imateriais, desde que haja lesão direta ao bem jurídico tutelado:
Em razão do projeto não ter sido iniciado, vez que a fase de negociações do acordo entre o IBAMA e a empresa ré sequer foi superada, a conduta da ré configurou publicidade enganosa, independentemente de sua boa ou má-fé, nos termos do artigo 37, §1º, do Código de Defesa do Consumidor, pois veiculou informação falsa de eminente caráter publicitário, com forte potencial a induzir em erro consumidores, ainda mais considerando que produtos fabricados por indústrias que tenham consciência ambiental, por meio de contribuição direta para preservação do meio ambiente e apoio de órgãos públicos, possuem maior potencial de venda e aceitação pública.
A empresa ré deveria aguardar a efetiva celebração do contrato para iniciar a produção, circulação e comercialização de produtos em embalagens com logotipo do IBAMA e mensagem acerca do projeto da parceria, devendo ser afastada qualquer alegação de que estava autorizada tácita ou implicitamente a comercializar produtos nos moldes da futura avença durante as tratativas, vez que houve apenas uma mera expectativa de que o acordo seria realmente firmado, o qual não se concretizou apenas por desistência da ré (fls. 82v, 146 e 159/162).
Apesar do IBAMA e da empresa ré terem discutido acerca do layout das embalagens dos sucos na esfera administrativa e daquele ter se manifestado favoravelmente à assinatura do acordo (fls. 17v e 44), é de rigor reconhecer que tais circunstâncias são inerentes às tratativas preliminares, não podendo se concluir que houve uma anuência prévia da autarquia à celebração da própria parceira para que seu signo e sigla fossem, desde as negociações prévias, veiculadas nas embalagens.
Ademais, mesmo após ter sido notificada para deixar de usar a marca IBAMA em suas embalagens (fls. 83/84), a empresa ré comercializou produtos com referência ao projeto que jamais seria executado e ao logotipo da autarquia federal (fls. 89/92).
Assim, tendo a ré violado direito básico do consumidor de "proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais", previsto no artigo 6º, IV, do Código de Defesa do Consumidor, bem como causado dano à imagem do IBAMA ao veicular sem autorização ou contraprestação logotipo dessa autarquia federal, o que, nos termos do artigo 5º, V e X, da Constituição Federal e artigos 16, 18, 20 e 52 do Código Civil, enseja a devida reparação.
Repise-se que a obrigação de reparar decorre do próprio uso não autorizado de imagem, direito personalíssimo, dispensa prova da ocorrência de prejuízo concreto, vez que o dano é presumido.
Nesse sentido:
Acerca do quantum indenizatório, inexistindo previsão legal taxativa, deve ser arbitrada de maneira razoável e proporcional, sem causar enriquecimento ilícito. Assim, em face da baixa potencialidade lesiva da conduta, haja vista que tão somente um único lote contendo 500 (quinhentas) caixas de suco foi indevidamente comercializado, revela-se justa e adequada a coibir a prática de condutas ilícitas a condenação em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), valor a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, por se tratar de dano a direito e interesse difuso, não sendo possível determinar o número exato de vítimas atingidas, bem como de direito personalíssimo à imagem.
Diante do exposto, dou parcial provimento à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação para condenar a empresa ré "Lindoyana de Águas Minerais Ltda." à indenização de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por publicidade enganosa e lesão ao patrimônio público, valor a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85.
Sem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios, com fulcro no artigo 18 da Lei nº 7.347/85.
É o voto.
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Data e Hora: | 26/10/2015 17:44:34 |