Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 15/01/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006679-08.2011.4.03.6112/SP
2011.61.12.006679-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : TITO LIVIO SEABRA e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELANTE : BENEDITO JOSE PARO e outros(as)
: JORGE LUIZ COGNETTI
: JOSE CARLOS ROSA
: LUIZ PAULO FERREIRA
: CARLOS ORESTES PEREIRA
: DECIO DE OLIVEIRA
: LUCIANO MARCELO
: LUIZ HENRIQUE MARCON
ADVOGADO : SP241316A VALTER MARELLI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
PARTE AUTORA : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
PROCURADOR : ANGELICA CARRO e outro(a)
No. ORIG. : 00066790820114036112 2 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

EMENTA

AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÕES. REVELIA. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PRELIMINAR REJEITADA. DANO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FAIXA MARGINAL DE RIO. INSTRUMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO "PROPTER REM". IRRELEVÂNCIA DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL PREEXISTENTE. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE REPARAR E INDENIZAR. RECURSO DOS RÉUS IMPROVIDO. RECURSOS DA UNIÃO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROVIDOS.
1.Constatada a revelia (art. 319, CPC/73), os fatos alegados pelo Ministério Público Federal na inicial presumem-se relativamente verdadeiros, já que não incide nenhuma das exceções descritas no artigo 320 do Código de Processo Civil.
2. Havendo previsão legal de julgamento antecipado do mérito (art. 330, II, CPC/73), sendo mera consequência do efeito principal da revelia consistente em reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, não vislumbro o alegado cerceamento de defesa em razão da não realização de prova pericial, mormente pela presença de laudo de perícia criminal federal realizado pelo núcleo de criminalística do Departamento de Polícia Federal e Relatório Técnico Ambiental lavrado pelo IBAMA, o que coaduna com os princípios da persuasão racional e da livre apreciação das provas pelo magistrado.
3. Preliminar rejeitada.
4. Com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas as áreas de preservação permanente - APP`s entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65) quanto pelo novo Código Florestal (art. 3°, II, Lei n° 12.651/12), sendo que aquelas localizadas nas margens dos cursos d`água possuem dimensões de acordo com as respectivas larguras destes.
5. Em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.
6. A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de indenizar.
7. Basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se assim o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.
8. A obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal.
9. Eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma APP, vez que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis, tal como cursos d`águas, ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida, coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), razão pela qual é necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado.
10. Segundo Laudo de Perícia Criminal Federal realizado pelo Departamento de Polícia Federal e Relatório Técnico Ambiental lavrado pelo IBAMA, foi constatada, no município de Rosana/SP, a existência de loteamento, consistente em área impermeabilizante com uma edificação em alvenaria, situado à margem esquerda do Rio Paraná, localizado em área rural de 461,5m² e dentro da faixa de 500m considerada como área de preservação permanente, tendo em vista que o curso d`água tem mais de 600m, conforme previa e prevê a legislação pertinente (art. 2°, "a", item 4, Lei n° 4.771/65 e art. 4°, I, "e", Lei n° 12.651/12).
11. Resta demonstrado que os réus são possuidores e proprietários do imóvel em tela, conforme cópia de contrato particular de condomínio de rancho de pesca e lazer, o que foi corroborado por declarações prestadas perante autoridade policial.
12. Os documentos que instruem o presente feito demonstram que a construção em tela está situada próxima a rio, curso d`água natural perene e intermitente, não havendo que se falar em aplicação de resolução do CONAMA referente a áreas no entorno de reservatórios artificiais d`água, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d`água naturais.
13. Incumbindo ao réu o ônus da prova relativo a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II, CPC), descabe qualquer alegação de que a construção na APP em tela estaria autorizada legalmente, com fulcro no artigo 61-A do novo Código Florestal, haja vista que a parte ré não trouxe nenhum indício de que desenvolve atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo natural em área rural consolidada até 22.07.2008, o que poderia configurar uma exceção legal, não tendo inclusive produzido nenhuma prova oral nesse sentido.
14. Tratando-se a questão de proteção ao meio-ambiente, incide o princípio in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de potencial ou efetiva degradação ambiental.
15. Não merece prosperar a pretensão dos réus de que o local é passível de regularização fundiária, com base nos artigos 64 e 65 da Lei n°12.651/12, pois para tanto deveria estar inserido em área urbana consolidada, a qual não é definida somente através de ato municipal, vez que deve preencher requisitos mínimos estabelecidos em lei federal (artigo 47, Lei n° 11.977/09), consistentes em densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare e malha viária implantada com o mínimo de equipamento de infraestrutura urbana.
16. Considerando que construções de edifícios implicam em supressão de vegetação nativa e suas manutenções impedem a regeneração natural, não havendo, no caso em tela, autorização do Poder Público, o qual poderia concedê-la apenas em caso de utilidade pública, interesse social ou de baixa impacto ambiental (art. 4°, caput, Lei n° 4.717/65 e art. 8°, caput, Lei n° 12.651/12), a mera manutenção de edificação em APP é ilícito civil, passível de responsabilização, causando dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor a manutenção da condenação da parte ré em se abster de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente onde está situado o imóvel em tela, bem como de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal, sem a autorização do órgão ambiental competente; demolição de todas as construções existentes nas referidas áreas, com a retirada do respectivo entulho; e recomposição da cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pelo órgão ambiental competente, nos termos estabelecidos na r. sentença.
17. As obrigações de fazer ou não-fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
18. Imperiosa a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos causados pela intervenção antrópica na área de preservação permanente, correspondente ao período temporal em que a coletividade esteve privada desse bem comum, cujo quantum debeatur, a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, por se tratar de dano a direito e interesse difuso, deverá ser fixado na liquidação por arbitramento, nos termos dos artigos 475-C e 475-D do Código de Processo Civil.
19. Preliminar arguida pelos réus em apelação rejeitada e, no mérito, improvimento e apelações da União e do Ministério Público Federal providas para condenar os réus ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados pela intervenção antrópica em área de preservação permanente, cujo quantum debeatur deverá ser fixado por ocasião da liquidação da sentença, nos termos dos artigos 475-C e 475-D do Código de Processo Civil, a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida pelos réus em apelação e, no mérito, negar-lhe provimento e dar provimento às apelações da União e do Ministério Público Federal para condenar os réus ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados pela intervenção antrópica em área de preservação permanente, cujo quantum debeatur deverá ser fixado por ocasião da liquidação da sentença, nos termos dos artigos 475-C e 475-D do Código de Processo Civil, a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 17 de dezembro de 2015.
ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006679-08.2011.4.03.6112/SP
2011.61.12.006679-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : TITO LIVIO SEABRA e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELANTE : BENEDITO JOSE PARO e outros(as)
: JORGE LUIZ COGNETTI
: JOSE CARLOS ROSA
: LUIZ PAULO FERREIRA
: CARLOS ORESTES PEREIRA
: DECIO DE OLIVEIRA
: LUCIANO MARCELO
: LUIZ HENRIQUE MARCON
ADVOGADO : SP241316A VALTER MARELLI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
PARTE AUTORA : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
PROCURADOR : ANGELICA CARRO e outro(a)
No. ORIG. : 00066790820114036112 2 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas pelos réus Benedito José Paro, Jorge Luiz Cognetti, José Carlos Rosa, Luiz Paulo Ferreira, Carlos Orestes Pereira, Décio de Oliveira, Luciano Marcelo e Luiz Henrique Marçon, bem como pela União e pelo Ministério Público Federal em face da sentença julgou parcialmente procedente o pedido formulado em ação civil pública ambiental.


Segundo narrado na inicial pelo Ministério Público Federal, Benedito José Paro, Jorge Luiz Cognetti, José Carlos Rosa, Luiz Paulo Ferreira, Carlos Orestes Pereira, Décio de Oliveira, Luciano Marcelo e Luiz Henrique Marçon causaram dano ambiental em área de preservação permanente, impedindo a regeneração natural da vegetação local, em razão de possuírem, no município de Rosana/SP, imóvel com edificação que se inicia a 19m (dezenove metros) do nível da água, encontrando-se totalmente a menos de 500m (quinhentos metros) da margem do Rio Paraná (fls. 02/34).


Liminar deferida para impor aos réus a obrigação de não-fazer consistente em abstenção de realizar novas construções em área de várzea e de preservação permanente, com a paralisação de todas as atividades antrópicas ali empreendidas, de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente, e de conceder o uso da aludida área a qualquer interessado (fls. 37/38).


A União e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis- IBAMA ingressaram na lide como assistentes litisconsorciais ativos (fls. 72 e 96).


Os réus apresentaram contestações, porém intempestivas, vez que decorrido in albis o prazo para defesa (fl. 136).


Após regular trâmite processual, sem produção de provas em sede judicial, o MM Juízo da 2ª Vara Federal de Presidente Prudente/SP julgou parcialmente procedente o pedido, ratificando a liminar anteriormente deferida, para condenar os réus ao cumprimento de obrigação de não-fazer consistente em abster-se de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente onde se encontra o imóvel denominado "Condomínio Tracajá" e de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal do referido imóvel, sem a necessária e indispensável autorização do órgão competente; obrigação de fazer consistente em demolir todas as construções existentes nas áreas de várzea e preservação permanente inseridas no referido lote, e não previamente autorizadas pelos órgãos ambientais, providenciando, ainda, a retirada de todo o entulho para local aprovado pelo órgão ambiental, no prazo de 30 (trinta) dias; obrigação de fazer consistente em recompor a cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote, no prazo de 6 (seis) meses, pelo plantio racional e tecnicamente orientado de espécies nativas e endêmicas da região, com acompanhamento e tratos culturais, pelo período mínimo de 2 (dois) anos, em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pela Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais - CBRN ou pelo IBAMA, marcando-se prazo para apresentação do projeto junto àqueles órgãos não superior a 30 (trinta) dias; e ao pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) , limitado ao prazo de 30 (trinta) dias, em caráter exclusivo cominatório, em caso de descumprimento total ou parcial de ordem judicial (fls. 271/276v).


Em razões recursais, os réus pugnam, preliminarmente, pela nulidade da sentença em razão de cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado da lide. No mérito, requer a reforma da sentença, alegando para tanto que: a Lei n° 12.651/12 (novo Código Florestal) deve ser aplicada ao caso, o imóvel está situado em área urbana, a desproporcionalidade da obrigação de demolição do imóvel, haja vista que a área é passível de regularização ambiental e fundiária (fls. 297/325).


Por sua vez, a União pugna pela fixação de indenização pecuniária referente aos danos ambientais causados pelos réus resultante do impedimento de regeneração da vegetação no local da edificação, tendo em vista que as penas reparatória e indenizatória são cumuláveis (fls. 404/409v).


A seu turno, o Parquet igualmente pleiteia a condenação dos réus ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de indenização pela degradação ambiental resultante da intervenção antrópica no imóvel relativo ao período de sua ocupação, sem prejuízo da obrigação de recomposição da cobertura florestal (fls. 427/441).


Ambas as apelações foram recebidas apenas no efeito devolutivo quanto à parte da pretensão que foi objeto da liminar deferida e nos efeitos suspensivo e devolutivo quanto ao restante (fls. 403 e 469).


Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público Federal, pela parte ré e pela União (fls. 442/465, 471/477 e 479/496).


A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opina, em parecer, pelo provimento dos recursos da União e do Ministério Público Federal, condenando-se os ocupantes da área ao pagamento de indenização correspondente ao dano causado, e improvimento do recurso dos réus (fls. 516/524v).


É o relatório.


À revisão.



ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 17/12/2015 17:02:52



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006679-08.2011.4.03.6112/SP
2011.61.12.006679-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : TITO LIVIO SEABRA e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
APELANTE : BENEDITO JOSE PARO e outros(as)
: JORGE LUIZ COGNETTI
: JOSE CARLOS ROSA
: LUIZ PAULO FERREIRA
: CARLOS ORESTES PEREIRA
: DECIO DE OLIVEIRA
: LUCIANO MARCELO
: LUIZ HENRIQUE MARCON
ADVOGADO : SP241316A VALTER MARELLI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
PARTE AUTORA : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
PROCURADOR : ANGELICA CARRO e outro(a)
No. ORIG. : 00066790820114036112 2 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

VOTO

Inicialmente, constata-se que, muito embora todos os réus tenham sido devidamente citados (fls. 77, 101, 118 e 135), nenhum deles apresentou contestação em tempo oportuno, deixando transcorrer in albis o devido prazo processual (fl. 136), razão pela qual o MM Juízo a quo desconsiderou o teor das contestações apresentadas pelos réus, bem como o pedido de chamamento ao processo, por serem ambos intempestivos (fl. 257).


Dessa forma, constatada a revelia (art. 319, CPC/73), os fatos alegados pelo Ministério Público Federal na inicial presumem-se relativamente verdadeiros, já que não incide nenhuma das exceções descritas no artigo 320 do Código de Processo Civil.


Nesta hipótese, havendo previsão legal de julgamento antecipado do mérito (art. 330, II, CPC/73), sendo mera consequência do efeito principal da revelia consistente em reputação de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, não vislumbro o alegado cerceamento de defesa em razão da não realização de prova pericial, mormente pela presença de laudo de perícia criminal federal realizado pelo núcleo de criminalística do Departamento de Polícia Federal (fls. 65/71) e Relatório Técnico Ambiental lavrado pelo IBAMA (fls. 87/95), o que coaduna com os princípios da persuasão racional e da livre apreciação das provas pelo magistrado.


Outrossim, deveriam os réus, caso entendessem pela imprescindibilidade da prova pericial, postular de forma adequada, já que o teor das contestações foram desconsideradas pelo magistrado em face da intempestividade, o que não foi feito, tendo eles permanecidos inertes durante o prazo compreendido entre o despacho acerca da intempestividade das contestações e a conclusão dos autos para sentença (fls. 257 e 271).


Não se olvide que o efeito da revelia consistente na reputação dos fatos alegados pelo autor como verdadeiros não é absoluto, vez que é meramente relativa, podendo ser, ainda, afastada na hipótese de fatos aparentemente inverossímeis, que não é o caso em tela.


Ademais, pelo princípio iura novit curia, apenas os fatos alegados pelo autor presumem-se verdadeiros, de forma que o magistrado não se vincula à fundamentação jurídica exposta por aquele, de maneira que inexiste óbice ao julgamento de improcedência do pedido inicial, ainda que o réu seja revel e recaia presunção de veracidade sobre os fatos expostos na exordial.


Nesse sentido:


DIREITO CIVIL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA EM FACE DE MUNICÍPIO. CONTRATO DE DIREITO PRIVADO (LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTOS COM OPÇÃO DE COMPRA). AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO. EFEITOS MATERIAIS DA REVELIA. POSSIBILIDADE. DIREITOS INDISPONÍVEIS. INEXISTÊNCIA. PROVA DA EXISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO. DOCUMENTAÇÃO EXIBIDA PELO AUTOR. PROVA DO PAGAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA. ÔNUS QUE CABIA AO RÉU. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. CONCLUSÃO A QUE SE CHEGA INDEPENDENTEMENTE DA REVELIA.
1. Os efeitos materiais da revelia não são afastados quando, regularmente citado, deixa o Município de contestar o pedido do autor, sempre que não estiver em litígio contrato genuinamente administrativo, mas sim uma obrigação de direito privado firmada pela Administração Pública.
2. Não fosse por isso, muito embora tanto a sentença quanto o acórdão tenham feito alusão à regra da revelia para a solução do litígio, o fato é que nem seria necessário o apelo ao art. 319 do Código de Processo Civil. No caso, o magistrado sentenciante entendeu que, mediante a documentação apresentada pelo autor, a relação contratual e os valores estavam provados e que, pela ausência de contestação, a inadimplência do réu também.
3. A contestação é ônus processual cujo descumprimento acarreta diversas consequências, das quais a revelia é apenas uma delas. Na verdade, a ausência de contestação, para além de desencadear os efeitos materiais da revelia, interdita a possibilidade de o réu manifestar-se sobre o que a ele cabia ordinariamente, como a prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (art. 333, inciso II, CPC), salvo aqueles relativos a direito superveniente, ou a respeito dos quais possa o juiz conhecer de ofício, ou, ainda, aqueles que, por expressa autorização legal, possam ser apresentados em qualquer tempo e Juízo (art. 303, CPC).
4. Nessa linha de raciocínio, há nítida diferença entre os efeitos materiais da revelia - que incidem sobre fatos alegados pelo autor, cuja prova a ele mesmo competia - e a não alegação de fato cuja prova competia ao réu. Isso por uma razão singela: os efeitos materiais da revelia dispensam o autor da prova que lhe incumbia relativamente aos fatos constitutivos de seu direito, não dizendo respeito aos fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito alegado, cujo ônus da prova pesa sobre o réu. Assim, no que concerne aos fatos cuja alegação era incumbência do réu, a ausência de contestação não conduz exatamente à revelia, mas à preclusão quanto à produção da prova que lhe competia relativamente a esses fatos.
5. A prova do pagamento é ônus do devedor, seja porque consubstancia fato extintivo do direito do autor (art. 333, inciso II, do CPC), seja em razão de comezinha regra de direito das obrigações, segundo a qual cabe ao devedor provar o pagamento, podendo até mesmo haver recusa ao adimplemento da obrigação à falta de quitação oferecida pelo credor (arts. 319 e 320 do Código Civil de 2002). Doutrina.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1084745/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 30/11/2012)
RECURSO ESPECIAL - LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA POR ARTIGOS - REVELIA DO RÉU - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - SUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO PARA O CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ - QUANTUM INDENIZATÓRIO - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A TODOS OS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO - RECURSO IMPROVIDO.
1. Não consubstancia cerceamento de defesa o fato do magistrado, ante a revelia do réu e com base nas provas constantes dos autos, julgar antecipadamente a lide.
2. Aferir se as provas colacionadas aos autos eram suficientes para formar a convicção do julgador das instâncias ordinárias enseja, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório.
3. "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles." (Súmula 283/STF).
4. Recurso improvido.
(REsp 1184635/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 03/10/2011)

Destarte, rejeito a preliminar arguida pelos réus em apelação, razão pela qual passo à análise do mérito recursal.


A ação civil pública é um dos instrumentos processuais adequados para tutelar direitos e interesses supraindividuais, os quais abrangem os difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.


A manutenção do meio-ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal:


"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; 
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;      
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;     
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; 
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;    
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. 
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."(grifos nossos)

Neste contexto, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas as áreas de preservação permanente - APP`s entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65) quanto pelo novo Código Florestal (art. 3°, II, Lei n° 12.651/12), sendo que aquelas localizadas nas margens dos cursos d`água possuem dimensões de acordo com as respectivas larguras destes:


"Lei n° 4.771/65:
Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.
(...)
§ 2o  Para os efeitos deste Código, entende-se por: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001) 
(...)
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
(...)
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;  (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;  (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;  (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer  que seja a vegetação. (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)
Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal,  e nas  regiões  metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.(Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989)"
"Lei n° 12.651/12:
Art. 3o  Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
(...)
II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
(...)
Art. 4o  Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:
a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d'água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;
b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;
III - as áreas no entorno dos reservatórios d'água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d'água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;      (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d'água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;      (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).
V - as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;
VI - as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
VII - os manguezais, em toda a sua extensão;
VIII - as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;
IX - no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d'água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;
X - as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;
XI - em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012)."

Comparando as normas acima, conclui-se que as larguras mínimas das APP`s de faixas marginas de qualquer curso d`água não se alteraram em função da largura deste. Porém, houve alteração da linha inicial de demarcação, de forma que a nova legislação ambiental culminou em reduzir o tamanho da APP, vez que o antigo Código Florestal estabelecia sua fixação desde o nível mais alto em faixa marginal (nível alcançado por ocasião da cheia sazonal do curso d`água perene ou intermitente) e o novo Código Floresta desde a borda da calha do leito regular (calha por onde correm regularmente as águas do curso d`água durante o ano).


Saliente-se que, em face do princípio tempus regit actum e princípio da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.


Nesse sentido:


ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FORMAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. SÚMULA 83/STJ. PREJUDICADA A ANÁLISE DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.651/12. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO IMEDIATA. IRRETROATIVIDADE. PROTEÇÃO AOS ECOSSISTEMAS FRÁGEIS. INCUMBÊNCIA DO ESTADO. INDEFERIMENTO.
1. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse, independente do fato de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental. Casos em que não há falar em culpa ou nexo causal como determinantes do dever de recuperar a área de preservação permanente.
2. Prejudicada a análise da divergência jurisprudencial apresentada, porquanto a negatória de seguimento do recurso pela alínea "a" do permissivo constitucional baseou-se em jurisprudência recente e consolidada desta Corte, aplicável ao caso dos autos.
3. Indefiro o pedido de aplicação imediata da Lei 12.651/12, notadamente o disposto no art. 15 do citado regramento.
Recentemente, esta Turma, por relatoria do Ministro Herman Benjamin, firmou o entendimento de que "o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)." Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 327.687/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 26/08/2013)(grifos nossos)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/2012). REQUERIMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO APONTADA. AUTO DE INFRAÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA LEI NOVA. ATO JURÍDICO PERFEITO.
DIREITO ADQUIRIDO. ART. 6º, CAPUT, DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO.
(...)
3. Precedente do STJ que faz valer, no campo ambiental-urbanístico, a norma mais rigorosa vigente à época dos fatos, e não a contemporânea ao julgamento da causa, menos protetora da Natureza: O "direito material aplicável à espécie é o então vigente à época dos fatos. In casu, Lei n. 6.766/79, art. 4º, III, que determinava, em sua redação original, a 'faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado' do arroio" (REsp 980.709/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.12.2008).
(...)
(PET no REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 19/12/2012)
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - CONSTUÇÃO - RESERVATÓRIO DE ÁGUA VERMELHA - RECUO DE 30 METROS - OBSERVÂNCIA - RESOLUÇÃO/CONAMA 302/2002 - ZONA URBANA - ILEGALIDADE DA AUTUAÇÃO. 1. Afastada a alegação de prescrição da pretensão punitiva do IBAMA, dada a natureza permanente do ilícito narrado, o qual se protrai no tempo (art. 1º, Lei nº 9.873/1999). 2. Incidência, in casu, da regulamentação do Código Florestal da época (Lei nº 4.771/65, art. 2º, "b"), qual seja, a Resolução/CONAMA nº 302/2002, em atendimento ao princípio "tempus regit actum", postulado geral de direito com sede no Decreto-Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). 3. O conceito de área de preservação permanente extraído da Resolução/CONAMA nº 302/2002, em vigor à época da lavratura dos atos administrativos questionados, vem prescrito pelos artigos 2º e 3º. Nesse sentido, o limite espacial da área de preservação, em torno dos reservatórios artificiais, poderá ser 30 ou 100 metros, a depender de estar localizada em zona urbana (e expansão urbana) ou rural. 4. O loteamento "Condomínio Parque Paraíso" está situado no perímetro urbano, por contar com os seguintes equipamentos de infraestrutura: coleta de lixo, malha viária, vias com iluminação pública, caixa de coleta de água, rede de energia elétrica e de água encanada e tratada, linhas de telefonia, entre outros. Prova pré-constituída nos autos. 5. Incontroverso o fato de haver o impetrante obedecido o limite de 30 metros do reservatório da represa de Água Vermelha. 6. Sem condenação em honorários advocatícios, a teor do disposto no art. 25 da Lei nº 10.016/2009.(AMS 00020488720084036124, DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/09/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

No caso em tela, tendo sido os fatos apurados em 02.09.2010 e 04.04.2011 a 09.04.2011 (fls. 55/71 e 87/95), aplica-se a Lei n° 4.771/65, então em vigor, já que não restou comprovada a exata data da intervenção antrópica causadora do dano ambiental.


A fim de conferir uma maior proteção ao meio-ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de indenizar, verbis:


"Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
(...)
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."

Nesse sentido é firme a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o qual já se manifestou inclusive sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil:


AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DE COLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ - 1) PROCESSOS DIVERSOS DECORRENTES DO MESMO FATO, POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO COMO RECURSO REPETITIVO DE TEMAS DESTACADOS PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL, À CONVENIÊNCIA DE FORNECIMENTO DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL UNIFORME SOBRE CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FATO, QUANTO A MATÉRIAS REPETITIVAS; 2) TEMAS: a) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE NO JULGAMENTO ANTECIPADO, ANTE OS ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES; b) LEGITIMIDADE DE PARTE DA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DE CARGA PERIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR; c) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO; d) DANOS MORAL E MATERIAL CARACTERIZADOS; e) JUROS MORATÓRIOS: INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO - SÚMULA 54/STJ; f) SUCUMBÊNCIA. 3) IMPROVIMENTO DO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO.
1.- É admissível, no sistema dos Recursos Repetitivos (CPC, art. 543-C e Resolução STJ 08/08) definir, para vítimas do mesmo fato, em condições idênticas, teses jurídicas uniformes para as mesmas consequências jurídicas.
2.- Teses firmadas: a) Não cerceamento de defesa ao julgamento antecipado da lide.- Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido a avaria do Navio "N-T Norma", a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo IBAMA (da data do fato até 14.11.2001); b) Legitimidade ativa ad causam.- É parte legítima para ação de indenização supra referida o pescador profissional artesanal, com início de atividade profissional registrada no Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, e do Abastecimento anteriormente ao fato, ainda que a emissão da carteira de pescador profissional tenha ocorrido posteriormente, não havendo a ré alegado e provado falsidade dos dados constantes do registro e provado haver recebido atenção do poder público devido a consequências profissionais do acidente; c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva.- A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. d) Configuração de dano moral.- Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equivalente a um salário-mínimo. e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso.- Nos termos da Súmula 54/STJ, os juros moratórios incidem a partir da data do fato, no tocante aos valores devidos a título de dano material e moral; f) Ônus da sucumbência.- Prevalecendo os termos da Súmula 326/STJ, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não afasta a sucumbência mínima, de modo que não se redistribuem os ônus da sucumbência.
3.- Recurso Especial improvido, com observação de que julgamento das teses ora firmadas visa a equalizar especificamente o julgamento das ações de indenização efetivamente movidas diante do acidente ocorrido com o Navio N-T Norma, no Porto de Paranaguá, no dia 18.10.2001, mas, naquilo que encerram teses gerais, aplicáveis a consequências de danos ambientais causados em outros acidentes semelhantes, serão, como natural, evidentemente considerados nos julgamentos a se realizarem.
(REsp 1114398/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2012, DJe 16/02/2012)(grifos nossos)
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELA EMISSÃO DE FLÚOR NA ATMOSFERA. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. POSSIBILIDADE DE OCORRER DANOS INDIVIDUAIS E À COLETIVIDADE. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA.
1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte.
2. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art. 14, § 1º, da Lei n.
6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável.
3. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre a emissão do flúor na atmosfera e o resultado danoso na produção rural dos recorridos, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ.
4. É jurisprudência pacífica desta Corte o entendimento de que um mesmo dano ambiental pode atingir tanto a esfera moral individual como a esfera coletiva, acarretando a responsabilização do poluidor em ambas, até porque a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível.
5. Na hipótese, a leitura da exordial afasta qualquer dúvida no sentido de que os autores - em sua causa de pedir e pedido - pleiteiam, dentre outras, a indenização por danos extrapatrimonias no contexto de suas esferas individuais, decorrentes do dano ambiental ocasionado pela recorrente, não havendo falar em violação ao princípio da adstrição, não tendo a sentença deixado de apreciar parcela do pedido (citra petita) nem ultrapassado daquilo que fora pedido (ultra petita).
6. A admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea "c" do permissivo constitucional, exige a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts.
541 do CPC e 255 do RISTJ).
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1175907/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 25/09/2014)

Assim, basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se assim o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.


Outrossim, a obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal:


"Art. 7o  A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
§ 1o  Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei.
§ 2o  A obrigação prevista no § 1o tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural."

Destaca-se que a novel legislação apenas veio positivar a jurisprudência já consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a obrigação de reparação por dano ambiental possui natureza real, transmissível ao sucessor, a qualquer título, na hipótese de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, razão pela qual incabível qualquer alegação visando eximir-se do dever de reparação do dano em razão de ter ocorrido antes da novatio legis:

AMBIENTAL. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MÍNIMO ECOLÓGICO. DEVER DE REFLORESTAMENTO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. ART. 18, § 1º, DO CÓDIGO FLORESTAL de 1965. REGRA DE TRANSIÇÃO.
1. Inexiste direito ilimitado ou absoluto de utilização das potencialidades econômicas de imóvel, pois antes até "da promulgação da Constituição vigente, o legislador já cuidava de impor algumas restrições ao uso da propriedade com o escopo de preservar o meio ambiente" (EREsp 628.588/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 9.2.2009), tarefa essa que, no regime constitucional de 1988, fundamenta-se na função ecológica do domínio e posse.
2. Pressupostos internos do direito de propriedade no Brasil, as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal visam a assegurar o mínimo ecológico do imóvel, sob o manto da inafastável garantia constitucional dos "processos ecológicos essenciais" e da "diversidade biológica". Componentes genéticos e inafastáveis, por se fundirem com o texto da Constituição, exteriorizam-se na forma de limitação administrativa, técnica jurídica de intervenção estatal, em favor do interesse público, nas atividades humanas, na propriedade e na ordem econômica, com o intuito de discipliná-las, organizá-las, circunscrevê-las, adequá-las, condicioná-las, controlá-las e fiscalizá-las. Sem configurar desapossamento ou desapropriação indireta, a limitação administrativa opera por meio da imposição de obrigações de não fazer (non facere), de fazer (facere) e de suportar (pati), e caracteriza-se, normalmente, pela generalidade da previsão primária, interesse público, imperatividade, unilateralidade e gratuidade. Precedentes do STJ.
3. "A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem" (REsp 1.090.968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010), sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, descabendo falar em direito adquirido à degradação. O "novo proprietário assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento. Precedentes" (REsp 926.750/MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 4.10.2007; em igual sentido, entre outros, REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 7.10.2002; REsp 843.036/PR, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 9.11.2006; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2010; AgRg no REsp 1.206.484/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.3.2011; AgRg nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 18.2.2011). Logo, a obrigação de reflorestamento com espécies nativas pode "ser imediatamente exigível do proprietário atual, independentemente de qualquer indagação a respeito de boa-fé do adquirente ou de outro nexo causal que não o que se estabelece pela titularidade do domínio" (REsp 1.179.316/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 29.6.2010).
4. "O § 1º do art. 18 do Código Florestal quando dispôs que, 'se tais áreas estiverem sendo utilizadas com culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário', apenas criou uma regra de transição para proprietários ou possuidores que, à época da criação da limitação administrativa, ainda possuíam culturas nessas áreas" (REsp 1237071/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 11.5.2011).
5. Recurso Especial não provido.
(REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 11/09/2012) (grifos nossos)

Por outro lado, eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma APP, vez que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis, tal como cursos d`águas, ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida, coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), razão pela qual é necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado.


Há incidência ex legi nas APP`s estatuídas pelo artigo 4° do novo Código Florestal, pois já existem independentemente da intermediação de um ato do Poder Público, diversamente daquelas prevista no artigo 6° desse Codex, em que há necessidade de serem declaradas como tais por ato do Poder Executivo para existirem.


In casu, segundo Laudo de Perícia Criminal Federal realizado pelo Departamento de Polícia Federal (fls. 55/71) e Relatório Técnico Ambiental lavrado pelo IBAMA (fls. 87/95), foi constatada, no município de Rosana/SP, a existência de loteamento, consistente em área impermeabilizante com uma edificação em alvenaria, situado à margem esquerda do Rio Paraná, localizado em área rural de 461,5m² e dentro da faixa de 500m considerada como área de preservação permanente, tendo em vista que o curso d`água tem mais de 600m, conforme previa e prevê a legislação pertinente (art. 2°, "a", item 4, Lei n° 4.771/65 e art. 4°, I, "e", Lei n° 12.651/12).


Resta demonstrado que os réus são possuidores e proprietários do imóvel em tela, conforme cópia de contrato particular de condomínio de rancho de pesca e lazer, o que foi corroborado por declarações prestadas perante autoridade policial (fls. 160/166, 91, 94 e 101 dos autos do Procedimento Preparatório n° 310/2010 apensado aos presentes autos).


Frise-se que os documentos que instruem o presente feito demonstram que a construção em tela está situada próxima a rio, curso d`água natural perene e intermitente, não havendo que se falar em aplicação de resolução do CONAMA referente a áreas no entorno de reservatórios artificiais d`água, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d`água naturais.


Incumbindo ao réu o ônus da prova relativo a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II, CPC), descabe qualquer alegação de que a construção na APP em tela estaria autorizada legalmente, com fulcro no artigo 61-A do novo Código Florestal, haja vista que a parte ré não trouxe nenhum indício de que desenvolve atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo natural em área rural consolidada até 22.07.2008, o que poderia configurar uma exceção legal, não tendo produzido nenhuma prova nesse sentido. No mais, não se trata de fatos notórios, confessados pela parte contrária, incontroversos ou sobre os quais recai presunção legal de existência ou veracidade, situações que independeriam de prova, nos termos do artigo 334 do Código de Processo Civil.


Tratando-se a questão de proteção ao meio ambiente, incide o princípio in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de potencial ou efetiva degradação ambiental:


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS AMBIENTAIS. ADIANTAMENTO DE DESPESAS PERICIAIS. ART. 18 DA LEI 7.347/1985. ENCARGO DEVIDO À FAZENDA PÚBLICA. DISPOSITIVOS DO CPC. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
(...)
3. Em ação ambiental, impõe-se a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendedor, no caso concreto o próprio Estado, responder pelo potencial perigo que causa ao meio ambiente, em respeito ao princípio da precaução. Precedentes.
4. Recurso especial não provido.
(REsp 1237893/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA. REDUÇÃO DA PRODUÇÃO PESQUEIRA. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO CABIMENTO. DISSÍDIO NOTÓRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO INCONTESTE. NEXO CAUSAL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CABIMENTO. PRECEDENTES.
(...)
3. A Lei nº 6.938/81 adotou a sistemática da responsabilidade objetiva, que foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante, na espécie, a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de reparação do dano causado, que, no caso, é inconteste.
4. O princípio da precaução, aplicável à hipótese, pressupõe a inversão do ônus probatório, transferindo para a concessionária o encargo de provar que sua conduta não ensejou riscos para o meio ambiente e, por consequência, aos pescadores da região.
5. Agravo regimental provido para, conhecendo do agravo, dar provimento ao recurso especial a fim de determinar o retorno dos autos à origem para que, promovendo-se a inversão do ônus da prova, proceda-se a novo julgamento.
(AgRg no AREsp 206.748/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 27/02/2013)
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE APLICAÇÃO DOS ARTS. 6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA.
1. Em Ação Civil Pública proposta com o fito de reparar alegado dano ambiental causado por grave contaminação com mercúrio, o Juízo de 1º grau, em acréscimo à imputação objetiva estatuída no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, determinou a inversão do ônus da prova quanto a outros elementos da responsabilidade civil, decisão mantida pelo Tribunal a quo.
2. O regime geral, ou comum, de distribuição da carga probatória assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil. Trata-se de modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de corrigir eventuais iniquidades práticas (a probatio diabólica, p. ex., a inviabilizar legítimas pretensões, mormente dos sujeitos vulneráveis) e instituir um ambiente ético-processual virtuoso, em cumprimento ao espírito e letra da Constituição de 1988 e das máximas do Estado Social de Direito.
3. No processo civil, a técnica do ônus dinâmico da prova concretiza e aglutina os cânones da solidariedade, da facilitação do acesso à Justiça, da efetividade da prestação jurisdicional e do combate às desigualdades, bem como expressa um renovado due process, tudo a exigir uma genuína e sincera cooperação entre os sujeitos na demanda.
4. O legislador, diretamente na lei (= ope legis), ou por meio de poderes que atribui, específica ou genericamente, ao juiz (= ope judicis), modifica a incidência do onus probandi, transferindo-o para a parte em melhores condições de suportá-lo ou cumpri-lo eficaz e eficientemente, tanto mais em relações jurídicas nas quais ora claudiquem direitos indisponíveis ou intergeracionais, ora as vítimas transitem no universo movediço em que convergem incertezas tecnológicas, informações cobertas por sigilo industrial, conhecimento especializado, redes de causalidade complexa, bem como danos futuros, de manifestação diferida, protraída ou prolongada.
5. No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução), como também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de condutor e administrador do processo).
6. Como corolário do princípio in dubio pro natura, "Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução" (REsp 972.902/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele que supostamente gerou o dano ambiental a comprovar "que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva" (REsp 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009).
7. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, contém comando normativo estritamente processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de consumo (REsp 1049822/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18.5.2009).
8. Destinatário da inversão do ônus da prova por hipossuficiência - juízo perfeitamente compatível com a natureza coletiva ou difusa das vítimas - não é apenas a parte em juízo (ou substituto processual), mas, com maior razão, o sujeito-titular do bem jurídico primário a ser protegido.
9. Ademais, e este o ponto mais relevante aqui, importa salientar que, em Recurso Especial, no caso de inversão do ônus da prova, eventual alteração do juízo de valor das instâncias ordinárias esbarra, como regra, na Súmula 7 do STJ. "Aferir a hipossuficiência do recorrente ou a verossimilhança das alegações lastreada no conjunto probatório dos autos ou, mesmo, examinar a necessidade de prova pericial são providências de todo incompatíveis com o recurso especial, que se presta, exclusivamente, para tutelar o direito federal e conferir-lhe uniformidade" (REsp 888.385/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 27.11.2006. No mesmo sentido, REsp 927.727/MG, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 4.6.2008).
10. Recurso Especial não provido.
(REsp 883.656/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 28/02/2012)

Por outro lado, não merece prosperar a pretensão dos réus de que o local é passível de regularização fundiária, com base nos artigos 64 e 65 da Lei n°12.651/12, pois para tanto deveria estar inserido em área urbana consolidada, a qual não é definida somente através de ato municipal, vez que deve preencher requisitos mínimos estabelecidos em lei federal (artigo 47, Lei n° 11.977/09), consistentes em densidade demográfica superior a 50 (cinquenta) habitantes por hectare e malha viária implantada com o mínimo de equipamento de infraestrutura urbana.


Porém, tais requisitos legais não encontram-se preenchidos, vez que o laudo do IBAMA é claro no sentido de que a propriedade está situada em área rural, de acordo com a Lei n° 4.771/65, MP n° 1.956-54/00 e Resolução CONAMA n° 303/02 (fls. 87/95).


No mais, a área em questão é considerada como de risco, o que reforça a inviabilidade de regularização, conforme restou demonstrado pelo Auto de Constatação n° 226/09 (fls. 69/74 do apenso) e Ofício n° 14GB-121/2013/10 (fls. 127/140).


Destarte, considerando que construções de edifícios implicam em supressão de vegetação nativa e suas manutenções impedem a regeneração natural, não havendo, no caso em tela, autorização do Poder Público, o qual poderia concedê-la apenas em caso de utilidade pública, interesse social ou de baixa impacto ambiental (art. 4°, caput, Lei n° 4.717/65 e art. 8°, caput, Lei n° 12.651/12), a mera manutenção de edificação em APP é ilícito civil, passível de responsabilização, causando dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor a manutenção da condenação da parte ré em se abster de utilizar ou explorar as áreas de várzea e preservação permanente onde está situado o imóvel em tela, bem como de promover ou permitir a supressão de qualquer tipo de cobertura vegetal, sem a autorização do órgão ambiental competente; demolição de todas as construções existentes nas referidas áreas, com a retirada do respectivo entulho; e recomposição da cobertura florestal da área de preservação permanente do referido lote em conformidade com projeto técnico a ser submetido e aprovado pelo órgão ambiental competente, nos termos estabelecidos na r. sentença.


Nesse sentido:


ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CASAS DE VERANEIO ("RANCHOS"). LEIS 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965), 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) E 6.938/81 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). DESMEMBRAMENTO E LOTEAMENTO IRREGULAR. VEGETAÇÃO CILIAR OU RIPÁRIA. CORREDORES ECOLÓGICOS. RIO IVINHEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE DA AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA, NO DIREITO BRASILEIRO, DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL TÁCITA. PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE OFÍCIO DE LICENÇA E DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ.
1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública ambiental movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul contra proprietários de 54 casas de veraneio ("ranchos"), bar e restaurante construídos em Área de Preservação Permanente - APP, um conjunto de aproximadamente 60 lotes e com extensão de quase um quilômetro e meio de ocupação da margem esquerda do Rio Ivinhema, curso de água com mais de 200 metros de largura. Pediu-se a desocupação da APP, a demolição das construções, o reflorestamento da região afetada e o pagamento de indenização, além da emissão de ordem cominatória de proibição de novas intervenções. A sentença de procedência parcial foi reformada pelo Tribunal de Justiça, com decretação de improcedência do pedido.
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CILIAR 2. Primigênio e mais categórico instrumento de expressão e densificação da "efetividade" do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", a Área de Preservação Permanente ciliar (= APP ripária, ripícola ou ribeirinha), pelo seu prestígio ético e indubitável mérito ecológico, corporifica verdadeira trincheira inicial e última - a bandeira mais reluzente, por assim dizer - do comando maior de "preservar e restaurar as funções ecológicas essenciais", prescrito no art. 225, caput e § 1º, I, da Constituição Federal.
3. Aferrada às margens de rios, córregos, riachos, nascentes, charcos, lagos, lagoas e estuários, intenta a APP ciliar assegurar, a um só tempo, a integridade físico-química da água, a estabilização do leito hídrico e do solo da bacia, a mitigação dos efeitos nocivos das enchentes, a barragem e filtragem de detritos, sedimentos e poluentes, a absorção de nutrientes pelo sistema radicular, o esplendor da paisagem e a própria sobrevivência da flora ribeirinha e fauna. Essas funções multifacetárias e insubstituíveis elevam-na ao status de peça fundamental na formação de corredores ecológicos, elos de conexão da biodiversidade, genuínas veias bióticas do meio ambiente. Objetivamente falando, a vegetação ripária exerce tarefas de proteção assemelhadas às da pele em relação ao corpo humano: faltando uma ou outra, a vida até pode continuar por algum tempo, mas, no cerne, muito além de trivial mutilação do sentimento de plenitude e do belo do organismo, o que sobra não passa de um ser majestoso em estado de agonia terminal.
4. Compreensível que, com base nessa ratio ético-ambiental, o legislador caucione a APP ripária de maneira quase absoluta, colocando-a no ápice do complexo e numeroso panteão dos espaços protegidos, ao prevê-la na forma de superfície intocável, elemento cardeal e estruturante no esquema maior do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por tudo isso, a APP ciliar qualifica- se como território non aedificandi. Não poderia ser diferente, hostil que se acha à exploração econômica direta, desmatamento ou ocupação humana (com as ressalvas previstas em lei, de caráter totalmente excepcional e em numerus clausus, v.g., utilidade pública, interesse social, intervenção de baixo impacto).
5. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ.
LICENCIAMENTO AMBIENTAL 6. Se é certo que em licença, autorização ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Administrador, quando implementa a legislação ambiental, incumbe agregar condicionantes, coartações e formas de mitigação do uso e exploração dos recursos naturais - o que amiúde acontece, efeito de peculiaridades concretas da biota, projeto, atividade ou empreendimento -, não é menos certo que o mesmo ordenamento jurídico não lhe faculta, em sentido inverso, ignorar, abrandar ou fantasiar prescrições legais referentes aos usos restringentes que, por exceção, sejam admitidos nos espaços protegidos, acima de tudo em APP.
7. Em respeito ao princípio da legalidade, é proibido ao órgão ambiental criar direitos de exploração onde a lei previu deveres de preservação. Pela mesma razão, mostra-se descabido, qualquer que seja o pretexto ou circunstância, falar em licença ou autorização ambiental tácita, mormente por quem nunca a solicitou ou fê-lo somente após haver iniciado, às vezes até concluído, a atividade ou o empreendimento em questão. Se, diante de pleito do particular, o Administrador permanece silente, é intolerável que a partir da omissão estatal e do nada jurídico se entreveja salvo-conduto para usar e até abusar dos recursos naturais, sem prejuízo, claro, de medidas administrativas e judiciais destinadas a obrigá-lo a se manifestar e decidir.
8. Embora o licenciamento ambiental possa, conforme a natureza do empreendimento, obra ou atividade, ser realizado, conjunta ou isoladamente, pela União, Distrito Federal e Municípios, não compete a nenhum deles - de modo direto ou indireto, muito menos com subterfúgios ou sob pretexto de medidas mitigatórias ou compensatórias vazias ou inúteis - dispensar exigências legais, regulamentares ou de pura sabedoria ecológica, sob pena de, ao assim proceder, fulminar de nulidade absoluta e insanável o ato administrativo praticado, bem como de fazer incidir, pessoalmente, sobre os servidores envolvidos, as sanções da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente (arts. 66, 67 e 69-A) e da Lei da Improbidade Administrativa, às quais se agrega sua responsabilização civil em regime de solidariedade com os autores diretos de eventual dano causado.
HIPÓTESE DOS AUTOS 9. O Recurso Especial em questão debate, entre outros pontos, os efeitos da suspensão de ofício da Licença de Operação 12/2008, emitida pelo órgão ambiental do Estado de Mato Grosso do Sul e incorporada às razões de decidir do acórdão recorrido. Nos Embargos de Declaração, o Parquet suscita, de maneira expressa, a suspensão de ofício da licença concedida, bem como diversas outras omissões. Em resposta, o respectivo acórdão limita-se a apontar pretensão supostamente infringente, sem examinar as impugnações, todas pertinentes para o deslinde da controvérsia. Por essa razão, vislumbro ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes do STJ em situações análogas.
10. Recurso Especial parcialmente provido para anular o acórdão dos Embargos de Declaração.
(REsp 1245149/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 13/06/2013)(grifos nossos)

Outrossim, as obrigações de fazer ou não-fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).


Os deveres de indenizar e recuperar possuem natureza de ressarcimento cível, os quais almejam de forma simultânea e complementar a restauração do status quo ante do bem ambiental lesado, finalidade maior a ser alcançada pelo Poder Público e pela sociedade.


A possibilidade de cumulação visa, em última análise, evitar o enriquecimento sem causa, já que a submissão do poluidor tão somente à reparação do ecossistema degradado fomentaria a prática de ilícitos contra o meio-ambiente.


Inexistindo, portanto, bis in idem, os réus não se eximem da obrigação de indenizar ainda que demonstrem o propósito de recuperar a área ambientalmente degradada.


De acordo com esse entendimento, é a pacífica jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ARTS. 458, II, E 535, II, DO CPC. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. ARTS. 130 E 131 DO CPC. NÃO VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL. LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 14, § 1º, DA LEI N. 6.398/1981. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. MULTA DE QUE TRATA O ART. 538 DO CPC MANTIDA.
1. Não prospera a alegação de violação dos arts. 458, II, e 535, II, do CPC, uma vez que os arestos recorridos estão devidamente fundamentados. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que o julgador não está adstrito a responder a todos os argumentos das partes, desde que fundamente sua decisão.
2. Não houve violação dos arts. 130 e 131 do CPC. Isso porque, tais artigos consagram o princípio da persuasão racional (livre convencimento), segundo o qual o magistrado fica habilitado a julgar a demanda, conforme seu convencimento, à luz do cenário fático-probatório dos autos, da jurisprudência aplicável ao caso concreto, da legislação adequada e das circunstâncias particulares da demanda.
3. A responsabilidade pelos atos que desrespeitam as normas ambientais é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa (art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81), mormente quando comprovado o nexo causal entre a conduta e o dano, como no caso presente. Precedentes: AgRg no AREsp 165.201/MT, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 22/06/2012; REsp 570.194/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 12/11/2007.
4. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar. Precedentes: REsp 1.227.139/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/04/2012; REsp 1.115.555/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 23/02/2011.
5. A exigência da comprovação do cumprimento de "Condicionantes" impostas pelo IBAMA deverá ser realizada na fase do cumprimento de sentença, por demandar considerável lapso temporal.
6. Não se aplica a Súmula 98 do STJ quando há renovação de embargos declaratórios que apenas repetem os temas elencados nos embargos anteriores. Multa do art. 538 que deve ser mantida.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido.
(REsp 1307938/GO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 16/09/2014)(grifos nossos)
PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ORDEM URBANÍSTICA. LOTEAMENTO RURAL CLANDESTINO. ILEGALIDADES E IRREGULARIDADES DEMONSTRADAS. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. DANO AO MEIO AMBIENTE CONFIGURADO. DANO MORAL COLETIVO.
1. Recurso especial em que se discute a ocorrência de dano moral coletivo em razão de dano ambiental decorrente de parcelamento irregular do solo urbanístico, que, além de invadir Área de Preservação Ambiental Permanente, submeteu os moradores da região a condições precárias de sobrevivência.
2. Hipótese em que o Tribunal de origem determinou as medidas específicas para reparar e prevenir os danos ambientais, mediante a regularização do loteamento, mas negou provimento ao pedido de ressarcimento de dano moral coletivo.
3. A reparação ambiental deve ser plena. A condenação a recuperar a área danificada não afasta o dever de indenizar, alcançando o dano moral coletivo e o dano residual. Nesse sentido: REsp 1.180.078/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 28/02/2012.
4. "O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. (...) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos" (REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010.).
5. No caso, o dano moral coletivo surge diretamente da ofensa ao direito ao meio ambiente equilibrado. Em determinadas hipóteses, reconhece-se que o dano moral decorre da simples violação do bem jurídico tutelado, sendo configurado pela ofensa aos valores da pessoa humana. Prescinde-se, no caso, da dor ou padecimento (que são consequência ou resultado da violação). Nesse sentido: REsp 1.245.550/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 16/04/2015.
Recurso especial provido.
(REsp 1410698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015)(grifos nossos)
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR.POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL.
1. Cuidam os autos de ação civil pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa (Cerrado). O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual.
2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.
3. Ao responsabilizar-se civilmente o infrator ambiental, não se deve confundir prioridade da recuperação in natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar), e abstenção de uso e de nova lesão (obrigação de não fazer).
4. De acordo com a tradição do Direito brasileiro, imputar responsabilidade civil ao agente causador de degradação ambiental difere de fazê-lo administrativa ou penalmente. Logo, eventual absolvição no processo criminal ou perante a Administração Pública não influi, como regra, na responsabilização civil, tirantes as exceções em numerus clausus do sistema legal, como a inequívoca negativa do fato ilícito (não ocorrência de degradação ambiental, p. ex.) ou da autoria (direta ou indireta), nos termos do art. 935 do Código Civil.
5. Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação do réu, simultânea e agregadamente, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Aí se encontra típica obrigação cumulativa ou conjuntiva. Assim, na interpretação dos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), e do art. 3º da Lei 7.347/85, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Essa posição jurisprudencial leva em conta que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si mesmos considerados).
6. Se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado ao status quo ante (reductio ad pristinum statum, isto é, restabelecimento à condição original), não há falar, ordinariamente, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica, no futuro (= prestação jurisdicional prospectiva), de restauração in natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.
7. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa. Daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo do negócio", acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.
8. A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo.
9. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível.
10. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: a) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino ou intermediário), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, b) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (= dano residual ou permanente), e c) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).
11. No âmbito específico da responsabilidade civil do agente por desmatamento ilegal, irrelevante se a vegetação nativa lesada integra, ou não, Área de Preservação Permanente, Reserva Legal ou Unidade de Conservação, porquanto, com o dever de reparar o dano causado, o que se salvaguarda não é a localização ou topografia do bem ambiental, mas a flora brasileira em si mesma, decorrência dos excepcionais e insubstituíveis serviços ecológicos que presta à vida planetária, em todos os seus matizes.
12. De acordo com o Código Florestal brasileiro (tanto o de 1965, como o atual, a Lei 12.651, de 25.5.2012) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão, encontra-se uniformemente protegida pela exigência de prévia e válida autorização do órgão ambiental competente, qualquer que seja o seu bioma, localização, tipologia ou estado de conservação (primária ou secundária).
13. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros).
14. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.
(REsp 1198727/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 09/05/2013)

Dessa forma, imperiosa a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos causados pela intervenção antrópica na área de preservação permanente, correspondente ao período temporal em que a coletividade esteve privada desse bem comum, cujo quantum debeatur, a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, por se tratar de dano a direito e interesse difuso, deverá ser fixado na liquidação por arbitramento, nos termos dos artigos 475-C e 475-D do Código de Processo Civil:


AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA PERTENCENTE A UNIÃO. DANO AMBIENTAL.INDENIZAÇÃO. RECUPERACÃO DO MEIO AMBIENTE LOCAL. UNIÃO E IBAMA ASSISTENTES LITISCONSORCIAIS. 1. Não há que se falar em ausência de fundamentação da sentença ou em julgamento extra petita. 2. Não houve violação à Lei Adjetiva Civil, na medida em que não ocorreu extrapolação do pedido. 3. A sentença proferida incorreu em julgamento citra petita. Omissão no tocante ao pleito de indenização pelo uso irregular da área da União, de uso comum do povo. 4. Não restou devidamente comprovado nos autos que o muro de contenção erigido era necessário à segurança da residência. 5. Demolição da obra e recomposição do local com pedregulhos, tendo em vista tratar-se de área marítima pertencente à União, com intuito de evitar degradações ambientais ainda maiores e corrigir, da melhor forma possível os danos causados. 6. Cabível a indenização por uso irregular e gratuito de área da União e os danos ambientais perpetrados. O valor deverá ser calculado em liquidação por arbitramento. 7. Apelações e remessa oficial providas.
(AC 00074010320104036104, DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/04/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO AMBIENTAL PROPOSTA PARA CONDENAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS PELO DERRAMAMENTO DE "ACETATO DE VINILA" NA ÁGUA DO MAR DO ESTUARIO DO PORTO DE SANTOS, JULGADA IMPROCEDENTE. REMESSA OFICIAL TIDA POR OCORRIDA. AGRAVO RETIDO INTERPOSTO POR GLOBAL TRANSPORTE OCEÂNICO S/A NÃO CONHECIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DE OCEANUS AGÊNCIA MARÍTIMA RECONHECIDA. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO: A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE É IMPRESCRITÍVEL (PRECEDENTES). INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 225, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DAS LEIS 6.938/81 E 7.347/85 (TEORIA DO RISCO INTEGRAL). EFETIVA PROVA DA OCORRÊNCIA DO VAZAMENTO DE SUBSTÂNCIA RECONHECIDAMENTE NOCIVA ÀS FORMAS DE VIDA. IRRELEVÂNCIA DA EXTENSÃO DO DERRAMAMENTO. INDENIZAÇÃO EM FACE DA TOXIDADE DA SUBSTÂNCIA QUÍMICA DERRAMADA, COM LIQUIDAÇÃO POR ARBITRAMENTO (PRECEDENTES). JUROS DE MORA, CORREÇÃO MONETÁRIA E VERBA HONORÁRIA.
(...)
10. Verificando-se a ocorrência de dano ambiental, necessário se faz fixar o "quantum" indenizatório, o qual deve ser suficiente para repercutir na esfera patrimonial do poluidor, desestimulando-o a praticar atos deletérios ao meio ambiente. O valor da indenização, no caso em tela, deverá ser estimado por meio de liquidação por arbitramento, nos termos do disposto nos arts. 475-C e 475-D, do Código de Processo Civil, cujos parâmetros a serem utilizados para a fixação do valor deverão ser: 1) a quantidade de "acetato de vinila" derramado: aproximadamente 100 (cem) litros; 2) o grau de vulnerabilidade da área atingida; 3) a toxidade do produto químico derramado: "acetato de vinila" (VAM - IMO 3.2.1. - ONU - 1301), derivado de petróleo leve; 4) sua persistência no meio ambiente; e 5) a estimativa da mortalidade de organismos, em casos análogos.
11. Ao valor da indenização devem ser acrescidos juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano ou 0,5% (meio por cento) ao mês (arts. 1.062, 1.063 e 1.064, do antigo Código Civil), até dezembro/2002. A partir de 01/2003, com a entrada em vigor do Novo Código Civil, deverá ser observado o que dispõe o seu artigo 406, oportunidade em que os juros serão computados com base na Taxa SELIC, excluído qualquer outro índice de correção ou de juros de mora.
12. Considerando-se o grau do zelo profissional, bem como a complexidade da ação, razoável a fixação da verba de sucumbência no percentual de 10% sobre o valor da condenação nos termos do artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil, a ser revertido ao Fundo mencionado no art. 13 da Lei 7.347/1985.
(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AC 0013488-09.2009.4.03.6104, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 26/09/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2013)

Sobre o valor da indenização devem ser acrescidos juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano até dezembro de 2002 (arts. 1.062, 1.063 e 1.064, CC/16) e, a partir de janeiro de 2003, serão computados com base na Taxa SELIC, excluído qualquer outro índice de correção ou de juros de mora (art. 406, CC/02), a partir do evento danoso.


A correção monetária deverá incidir com base nos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 134/10 do Conselho da Justiça Federal, desde a data do arbitramento do valor da indenização.


Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida pelos réus em apelação e, no mérito, nego-lhe provimento e dou provimento às apelações da União e do Ministério Público Federal para condenar os réus ao pagamento de indenização pelos danos ambientais causados pela intervenção antrópica em área de preservação permanente, cujo quantum debeatur deverá ser fixado por ocasião da liquidação da sentença, nos termos dos artigos 475-C e 475-D do Código de Processo Civil, a ser revertido ao Fundo previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85.


É o voto.


ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


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