Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 15/06/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002373-30.2005.4.03.6104/SP
2005.61.04.002373-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : LUIZ ANTONIO PALACIO FILHO e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro(a)
APELADO(A) : Cia de Saneamento Basico do Estado de Sao Paulo SABESP
ADVOGADO : SP061183 EUNICE DE MELO SILVA e outro(a)
APELADO(A) : Prefeitura Municipal de Santos SP
ADVOGADO : SP139966 FLAVIA MARINHO COSTA DE OLIVEIRA e outro(a)

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMISSÁRIO DE ESGOTO DE SANTOS. ALEGAÇÃO DE UTILIZAÇÃO IRREGULAR DA PLATAFORMA E ÁREA CONTÍGUA. REEXAME NECESSÁRIO. AGRAVOS RETIDOS NÃO CONHECIDOS. LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA AD CAUSAM PRESENTES. EXISTÊNCIA DO INTERESSE PROCESSUAL E DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. NULIDADE DA SENTENÇA RECONHECIDA. NÃO REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL, INDISPENSÁVEL AO PERFEITO DESLINDE DA CONTROVÉRSIA POSTA. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.
I. O Ministério Público Federal e a União, com o ajuizamento da presente ação, objetivam a urbanização provisória da plataforma construída para emissão de esgotos ao mar e área contígua que se prestou a canteiro de obras mediante destinação compatível do terreno acrescido de marinha ao interesse público, em especial por meio de seu ajardinamento em harmonia ao restante da orla santista. Sucessivamente, buscam a própria recomposição do espaço ao statu quo ante, se e quando aferida tecnicamente tal possibilidade.
II. O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19.
III. Os agravos retidos apresentados não são passíveis de conhecimento. O recurso da União, em razão da ausência de reiteração em sua apelação (artigo 523, § 1º, do CPC/1973). O do Ministério Público Federal, porque eleita via inadequada, uma vez o indeferimento de pleito liminar dever ser desafiado pelo agravo na forma de instrumento. Precedentes do STJ.
IV. Os fatos narrados revelam interesse da União passível de oposição aos réus e a habilitam a integrar a lide ao lado do Ministério Público, donde não há que se falar em sua ilegitimidade ativa ad causam, em especial quando se afere ser proprietária do local objeto da demanda (artigo 20 da CF/88).
V. Configurada a legitimidade do Município de Santos para figurar no polo passivo, pois há elementos nos autos que indicam ter atuado de modo concorrente para a existência do alegado prejuízo ambiental, na medida em que celebrou contrato de cessão com a União, proprietária da área sub judice. Plausível, também, ter colaborado para incrementar o aduzido dano ambiental mediante realização de eventos de grande porte no espaço, que não seriam pertinentes com sua utilização e limitariam o acesso da população à praia e ao mar. Ademais, a municipalidade tem o dever de primar pela preservação do meio ambiente, a ela atribuído pela própria Carta Magna, nos termos de seu artigo 23, VI, ainda que o patrimônio seja de propriedade da União.
VI. A cessão do terreno acrescido de marinha ao Município de Santos não retira a legitimidade ad causam da SABESP, porque responsável pela construção da plataforma, por meio de prévia autorização do poder público. Desse pacto administrativo emanou permissão para que a ré utilizasse a área, além da imposição da obrigação de restauração do meio ambiente ao estado original. Assim, atuou diretamente nas obras de construção do emissário de esgotos e, de igual forma, em sua manutenção e em posteriores intervenções. Tal situação se revela à evidência suficiente para que figure no polo passivo da lide, de forma que não há que se falar em sua ilegitimidade.
VII. O interesse processual é requisito que se faz presente. Da causa de pedir se extrai possível a ocorrência de dano ambiental derivado de ação e omissão imputáveis aos réus. Cabe postular acerca de sua condenação às obrigações de fazer e não fazer para preservação do patrimônio ambiental. Não há que se falar em situação consolidada que por si seja causa excludente absoluta do dever de preservação do meio ambiente imposto ao poder público e a toda a sociedade ou à pretensão à responsabilização por eventuais danos, inclusive à luz da teoria do risco integral, aplicável à espécie.
VIII. O pedido é juridicamente possível, encontra ampla legislação e regulamentação que tutela os interesses sub judice, motivo pelo qual, da mesma forma, não está ausente tal pressuposto. Ademais, afigura-se a priori ter havido descumprimento de deveres pactuados com a União e a possibilidade de a conduta dos réus ter causado o dano ambiental, situação hábil a justificar o ajuizamento do feito.
IX. A prova pericial se revela fundamental para o fim de se aferir sobre a possibilidade de integral restauração do ecossistema local, com restabelecimento da orla marítima. A tecnologia à época de concepção do emissário, em 1974, já apontava a possibilidade de a tubulação ficar integralmente submersa, retirada a plataforma ao final das obras. Tanto é possível que obra similar foi realizada em Praia Grande e Guarujá, locais em que a praia não se verifica abruptamente interrompida por intervenção que se viu perpetuada por erro em sua execução. A perícia se demonstra útil e necessária inclusive porque há dados técnicos nos autos que indicam a possibilidade de remoção da plataforma.
X. O próprio Juízo a quo apontou, nos fundamentos da sentença, que a realização da prova pericial poderia ter contribuído para esclarecer quanto à atual situação do emissário, inclusive para aferir sobre a viabilidade de remoção ou não da plataforma, o que revela ausência de convicção quanto ao teor do julgamento proferido. Em que pese consideradas pela magistrada sentenciante outras circunstâncias para se entender pela extinção do feito sem apreciação de mérito quanto a alguns pedidos e pela improcedência de um deles, precipuamente a superveniência de fatos que alteraram substancialmente a realidade fática sub judice, a não realização de perícia por perito nomeado pelo Juízo macula a sentença, pois tal prova tem o condão efetivo de mudar o rumo da instrução probatória até então realizada, como reconhecido em sede do próprio provimento recorrido.
XI. Rejeitadas parte das preliminares processuais arguidas. Acolhida a preliminar de nulidade da sentença recorrida, dado parcial provimento às apelações do MPF e da União, inclusive por força do reexame necessário, para determinar a realização de prova pericial que afira a atual possibilidade de remoção da plataforma construída (emissário de Santos) e conservação da área contígua, bem como as consequências daí decorrentes, com o fito de ser atingida a máxima proteção ambiental.
XII. Agravos retidos não conhecidos. Apelações parcialmente providas.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer dos agravos retidos e dar parcial provimento às apelações, inclusive por força do reexame necessário, para declarar a nulidade da sentença e determinar a realização de prova pericial que afira a atual possibilidade de remoção da plataforma construída (emissário de Santos) e conservação da área contígua, bem como as consequências daí decorrentes, com o fito de ser atingida a máxima proteção ambiental, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 01 de junho de 2016.
André Nabarrete
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 09/06/2016 16:29:49



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002373-30.2005.4.03.6104/SP
2005.61.04.002373-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : LUIZ ANTONIO PALACIO FILHO e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro(a)
APELADO(A) : Cia de Saneamento Basico do Estado de Sao Paulo SABESP
ADVOGADO : SP061183 EUNICE DE MELO SILVA e outro(a)
APELADO(A) : Prefeitura Municipal de Santos SP
ADVOGADO : SP139966 FLAVIA MARINHO COSTA DE OLIVEIRA e outro(a)

RELATÓRIO


Ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela UNIÃO contra o MUNICÍPIO DE SANTOS e a COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO - SABESP, em 12/04/2005, com pedido liminar, a qual objetiva obter condenação dos réus a obrigações de fazer e de não fazer, em razão da ocorrência de dano ambiental e paisagístico na Praia de José Menino, proximidades da Ilha de Urubuqueçaba, Santos/SP ("emissário"), decorrente da indevida manutenção de plataforma e aterro sobre a praia e o mar, bem como utilização do local como depósito de entulho. Foram formulados os seguintes pedidos no bojo da exordial:


a) condenação da SABESP às obrigações de fazer consistentes em:


a.1) quanto à área que não cobre o emissário e que abrigou o canteiro de obras - área "B" -, sua recomposição ao estado natural anterior à construção do emissário, com as cautelas técnicas pertinentes para serem evitados outros impactos ambientais, além da manutenção das árvores ali existentes;


a.2) quanto à área que cobre o emissário, área "A" (plataforma):


a.2.1) enquanto permanecer a plataforma, manter o local em condições adequadas para a utilização livre e franca por toda a população, com custeio da segurança, limpeza, iluminação, realização e implantação de ajardinamento semelhante aos jardins da orla de Santos, e a urbanização não deve abrigar construções de porte que, além de impactos, dificultem a recomposição da área ao estado natural;


a.2.2) licenciar eventuais alterações que pretender realizar na tubulação do emissário de esgotos e submetê-las à avaliação dos órgãos competentes da União, o que significa sempre a análise detalhada por meio de EIA/RIMA sobre a viabilidade de remoção da plataforma, segundo parâmetros de segurança ambiental. O licenciamento deve ser realizado tanto na situação de ampliação como no caso de desativação do emissário ou, ainda, quando ocorrer qualquer outro motivo que evidencie a perda da função da plataforma, inclusive em caso de inovações tecnológicas no sistema de tratamento e lançamento de esgotos;


a.2.3) recompor a área ao estado anterior à construção da plataforma, assim que se configurar a viabilidade referida no item anterior;


b) condenação do MUNICÍPIO DE SANTOS:


b.1) à obrigação de não fazer, consistente na abstenção de dar às áreas "A" e "B" destinação incompatível com as características naturais do local, que é praia e mar, e a observar as previsões legais pertinentes, bem como seja a municipalidade impedida de promover ou consentir quaisquer eventos que envolvam construções sazonais ou permanentes, além de condenada a fiscalizar o local para evitar que terceiros promovam tais atividades no local, alertado desde logo o chefe do executivo municipal que o desrespeito à decisão ora requerida poderá configurar ato de improbidade administrativa;


b.2) na hipótese de remoção da plataforma, à obrigação de fazer, consistente em promover a retirada da edificação construída na praia junto à área "B", a qual não cobre o emissário e abrigou o canteiro de obras, com a restauração das condições naturais ou, subsidiariamente, que seja compelido a dar à edificação utilização para finalidade cuja localização seja indispensável para assegurar o adequado uso do restante da praia pela população, a exemplo de um "posto salva-vidas";


c) condenação de ambos os requeridos ao pagamento das custas e despesas processuais, inclusive decorrentes de eventual prova pericial;


d) a fixação de multa diária mínima de R$20.000,00 para o caso de eventual descumprimento de determinação judicial atinente a quaisquer dos pedidos;


e) a cominação de pena pecuniária no bojo da sentença, para o caso de descumprimento de qualquer parte de seu dispositivo pelos réus (artigo 287 do CPC e artigo 11 da Lei nº 7.347/1985).


Atribuído à causa o valor de R$20.000,00.



Postergada a análise do pedido liminar para depois da manifestação dos corréus (fl. 98).


Devidamente citados, os requeridos apresentaram suas defesas, colacionada a contestação da SABESP às fls. 116/129 e a do Município de Santos às fls. 150/160.


Réplicas do MPF às fls. 223/232 e da União às fls. 241/245.


O pedido liminar foi deferido parcialmente (fls. 249/256) para determinar ao Município de Santos que se abstivesse de dar às áreas "A" e "B" destinação incompatível com as características naturais do local, a observar as previsões legais pertinentes e não promover quaisquer eventos que envolvessem construções sazonais ou permanentes ou consentisse em sua realização, bem como impedisse terceiros de promoverem atividades no local, sob pena de multa diária de R$20.000,00 para eventual descumprimento da determinação. Oportunizada, outrossim, a especificação de provas.


Contra a decisão de fls. 249/256 o Parquet Federal interpôs o agravo retido de fls. 268/274, a União apresentou o agravo retido de fls. 307/315 e o município interpôs agravo de instrumento (autos nº 0029169-03.2006.4.03.0000, fls. 322/330, 384/386).


Em 08/05/2006, foi realizada audiência de tentativa de conciliação. Inicialmente, o Juízo a quo postergou a análise das preliminares por estarem intimamente entrelaçadas com o mérito e afastou a alegação de prescrição. Dessa decisão recorreu a SABESP, cuja irresignação foi indeferida pela magistrada. As partes transigiram para que pudesse ser realizada a festa "Inverno Santos de 2006", bem como eventos esportivos de pequeno porte e outros que se revelassem de utilidade pública e não violassem as Leis nº 9.636/1998 e nº 7.661/1988, condicionada à efetivação da adoção conjunta pelos corréus de medidas para que fossem realizados os projetos que melhor atendessem ao interesse coletivo e às posturas ambientais, suspensa neste ponto a liminar concedida. Determinado aos réus que trouxessem aos autos documentos pertinentes aos projetos sobre o emissário submarino. Designou-se, por fim, data para nova audiência (fls. 351/353).


Às fls. 355/380 e 392/503, a SABESP trouxe aos autos os documentos exigidos pelo Juízo por ocasião da audiência. O município colacionou pesquisa de opinião pública quanto à proposta de urbanização do espaço (fls. 514/559).


Realizou-se em 18/09/2006 nova audiência de conciliação (fls. 560/564), ocasião em que o Juízo de 1º grau, entre outras providências, determinou fosse encaminhado projeto para instalação de parque público no terreno acrescido de marinha (área "A"), bem como fossem realizadas obras de extensão ao projeto para integração do canteiro de obras à paisagem da praia (área "B"), sempre mediante observância das posturas ambientais (fls. 560/564).


Em 12/12/2006, foi promovida uma terceira audiência de conciliação, na qual o município informou o estádio de andamento do processo para implantação do parque público (fls. 750/752).


O MPF ratificou e reiterou suas manifestações anteriores e requereu o julgamento antecipado da lide por entender que versava sobre matéria exclusiva de direito (fls. 260/261 e 1194/1198). A SABESP informou que não tinha pretensão de produzir provas (fl. 281).


Às fls. 1214/1215, o Município de Santos informou que havia obtido do ente federal a cessão de uso da área, além da licença ambiental para instalação do parque público, e informou ter dado início ao procedimento licitatório para a execução da obra. Ressaltou que a proposta do referido parque foi debatida com o MPF (fls. 378/380), acolhida pelo Juízo (fls. 560/564) e devidamente deliberada entre os litigantes (fls. 750/752), sem qualquer insurgência ou inconformismo por parte do órgão ministerial ou do ente federal na oportunidade.


As partes pugnaram pelo julgamento do feito e apresentaram seus memoriais, colacionados os do MPF às fls. 1231/1263, da SABESP às fls. 1267/1283 e do Município de Santos às fls. 1285/1288. A União reiterou os termos apresentados pelo Parquet (fl. 1222).


Conclusos os autos, foi prolatada sentença, a qual, em relação ao Município de Santos, julgou extinto o feito, sem apreciação de mérito, e, quanto à SABESP, extinguiu o feito sem apreciação de mérito no tocante aos pedidos dos itens 1.1 e 1.2, e improcedente a pretensão à recomposição da área "A". Sem condenação a honorários advocatícios.


Apelação do Ministério Público Federal às fls. 1330/1374, em que reiterou, preliminarmente, os agravos retidos de fls. 268/274 e 307/315. No mérito recursal, expendeu a seguinte argumentação:


a) a SABESP, na qualidade de sucessora da empresa que implantou o emissário de esgotos na década de 1970, obteve autorização provisória para utilização da praia e do mar naquela localidade e deveria, ao final das obras, restaurar suas características originais, dever não cumprido, pois a plataforma lá permaneceu de forma ilegal, suprimiu o mar e a praia e impediu o acesso a estes, além de ter dado lugar a aterro cuja permanência é ilícita;


b) a sentença "apreciou pedido que não foi formulado e deixou de apreciar o pedido efetivamente existente";


c) há outras ações judiciais em trâmite que objetivam a retirada da plataforma. Nesta ação civil pública, todavia, o escopo não é a remoção imediata e incondicional da plataforma, tampouco a condenação dos réus a obrigação futura e incerta - ao contrário do que entendeu o Juízo sentenciante -, mas sua "regularização" mediante intervenções que "recomponham a área ao estado anterior à construção da plataforma", devidamente licenciadas, sem onerar a SABESP e a municipalidade para ser evitado o dispêndio de recursos públicos que poderiam ser utilizados em "outras obras prioritárias". Objetiva-se, assim, "que as futuras alterações da plataforma sejam submetidas à prévia realização do estudo previsto na legislação e que, se tal estudo vier indicar a viabilidade da remoção, que ela ocorra" (fl. 1347), "assegurada a possibilidade de recuperação futura" (fl. 1349);


d) o pedido formulado buscou possibilitar à própria SABESP a discricionariedade de decidir sobre continuidade da utilização atual do espaço mediante realização das benfeitorias indispensáveis descritas na inicial, para afastar a situação de abandono e permitir seu adequado uso pela população por meio do devido licenciamento (EIA/RIMA), "custeando a segurança, a limpeza, a iluminação, a realização e implantação de ajardinamento, semelhante aos jardins da orla de Santos";


e) não está provado nos autos que a despesa para remoção da plataforma seria superior à de sua permanência, inclusive porque as formações litorâneas configuram bem de uso comum do povo, de livre e franco acesso (artigo 225 da CF/88; Lei nº 7.661/1988), e demandam baixo dispêndio de recursos públicos para sua preservação, ao contrário da situação de conservação da plataforma no local, que consome altos valores para sua manutenção e não mantém a característica original do espaço;


f) em 2003, o Município de Santos iniciou a construção do "Museu Pelé" na área "B" e todas as licenças expedidas em âmbito administrativo foram impugnadas pelo Parquet por meio de ofícios e recomendações; tal projeto foi objeto da ação civil pública nº 2003.61.01.001402-4, em sede da qual a municipalidade manifestou desistência quanto à sua implementação;


g) a dilação probatória nos citados autos nº 2003.61.01.001402-4 revelou, por meio de EIA/RIMA elaborado pela Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas - FUNDESPA, diferentemente dos estudos anteriores, que "apesar de difícil e inviável", a remoção da plataforma seria possível e que não havia, sob tal estrutura, tubos do emissário de esgotos;


h) o recorrente ingressou com outra ação civil pública, autos nº 2008.61.04.002724-7, na qual objetiva a anulação de licenças concedidas para construção na área sub judice, bem como a abstenção da autoridade ambiental quanto à concessão de futuras licenças que tenham por escopo a implantação de qualquer outro projeto no local;


i) a área está degradada em razão da atuação da SABESP, pois deixou o local em condições nitidamente inferiores ao restante da orla, que conta com "um belo jardim e ciclovia", "exemplo nacional", de modo que, dada a importância do emissário, não pode a plataforma permanecer em estado de abandono e em desacordo ao projeto inicial;


j) a obrigação de preservação do meio ambiente abarca a reparação por danos ambientais e a adoção de todas as medidas técnicas necessárias à recuperação do bem lesado ou reparação dos prejuízos causados, sem, no entanto, serem provocados novos danos, inclusive o dever do poder público de bem administrar tal patrimônio e buscar reduzir os impactos causados por terceiros;


k) além de haver restrições de âmbito constitucional e legal ao uso do espaço (prioridade de sua conservação), o município promoveu o uso do local com prazo de cessão expirado e mediante desvio de finalidade (artigo 18, § 3º, da Lei nº 9.636/1998), em benefício econômico de particular, pois deixou de implantar "equipamentos de lazer e recreação" na forma pactuada com a União por meio da cessão realizada em 1996;


l) o EIA/RIMA é obrigatório para qualquer intervenção em zona costeira (artigo 225, § 1º, I, da CF; artigo 6º da Lei nº 7.661/1988; artigo 2º da Resolução CONAMA nº 237/1997), cuja realização se mantém não efetuada pelas rés, pois houve nova alteração na plataforma e sua ampliação por meio da adição de pedras em sua extremidade, para melhoria da fixação da tubulação - projeto cuja "necessidade", em verdade, derivou do descumprimento das obrigações originalmente pactuadas (remoção da plataforma);


m) não foi observada a alternativa locacional (artigos 5º e 6º, Resolução CONAMA nº 01/1986) para ser evitada a ocupação desnecessária dos espaços naturais protegidos, tampouco o projeto inicial da obra, que previa o posicionamento da tubulação abaixo do nível da praia, a revelar falha no seu planejamento;


n) há laudo técnico nos autos com a informação de que a remoção da plataforma seria necessária não somente para a recuperação local, como de igual modo para restauração das praias vizinhas, porque sua construção e manutenção causaram e ainda causam alterações negativas na circulação das águas e areias da bacia de Santos e de São Vicente, com prejuízo para outras praias da região, à luz de estudos de aspectos geomorfológicos, da circulação marinha da região e da disposição de sedimentos;


o) a plataforma não é a única causa dos danos às praias da região e a ação não visa resolver integralmente tal problemática, apenas corrigir uma das importantes interferências artificiais no meio ambiente local e atingir, assim, parte da solução, com caráter pedagógico para os demais degradadores (transcrição de matérias jornalísticas, fls. 1352/1355);


p) há nulidade da sentença, pois consignada em sua fundamentação a necessidade de ter sido produzida prova para respaldar a remoção da plataforma, de modo que deveria ter sido determinada de ofício sua realização e submetida ao contraditório para busca da verdade real;


q) não foi realizado o devido estudo ambiental para consecução do atual projeto, porquanto aproveitado o licenciamento obtido para o projeto anterior (Museu Pelé), situação debatida nos autos da ação civil pública nº 2008.61.04.002724-7, o qual acabou por também desrespeitar o termo de ajustamento de conduta (fls. 378/379) pelo qual foi reconhecida: "a provisoriedade da área e a importância de mantê-la o mais próximo possível de suas características originais" e fixado que: a área "somente tenha os equipamentos públicos estritamente indispensáveis para a fruição da área pela população, excluindo aqueles que possam ser implantados em outros pontos do Município".


r) o Juízo da 4ª Vara Federal em Santos, ao apreciar a supracitada ação civil pública (autos nº 2008.61.04.002724-7), acabou por permitir que na plataforma fosse implantada estrutura de esgotos do Museu do Surfe, uma escultura de 80 toneladas, heliponto e monumento portal gigante, construções onerosas que poderiam ter sido erigidas em outros locais da cidade porque dificultam a futura remoção da plataforma;


s) imperioso restringir o tipo de intervenção no local, com vedação àquelas que extrapolem a finalidade e provisoriedade da plataforma, "resguardando ao menos a possibilidade de que as futuras gerações possam corrigir o erro da geração passada e que se repete em parte na atual", de modo que o Judiciário não consagre em definitivo a plataforma do emissário de Santos;


t) o apelante, em audiência realizada na data de 08/05/2006, havia concordado com a suspensão da medida liminar a fim de que o espaço, em caráter excepcional, pudesse ser utilizado tão somente para realização da festa "Inverno Santos de 2006", de eventos esportivos de pequeno porte e de utilidade pública, desde que não fossem afrontadas as disposições das Leis nº 9.636/98 e nº 7.661/88, e havia condicionado sua anuência à adoção de medidas conjuntas (Município e SABESP) para o atendimento ao interesse coletivo e as posturas ambientais, "inclusive porque a instalação de um parque público rende, sobretudo, homenagem à vontade popular que, maciçamente anseia há muito tempo por uma destinação proveitosa e compatível com as características do local, minimizando as causas de insegurança geradas pelo abandono que acomete o imóvel" (pesquisa de opinião pública às fls. 515/553);


u) constitui mera suposição a afirmação contida na sentença recorrida de que não ocorrerão outros desvios por parte do município no local, apenas em razão da implantação do projeto;


v) a citação válida, nos termos do artigo 219 do Código de Processo Civil, tornou litigiosa a coisa;


x) a perda de objeto pressupõe a existência de fato superveniente à propositura da ação que, com segurança, elimine completamente qualquer interesse no pronunciamento jurisdicional, inocorrentes na espécie, dado que subsiste necessidade de condenação da SABESP às obrigações mencionadas e a arcar com os custos do uso irregular do espaço;


z) houve, em verdade, reconhecimento judicial do pedido, de modo que deveria o feito ter sido extinto com apreciação de mérito (artigo 269, II, do CPC) para ser formada coisa julgada material e conferida segurança jurídica ao bem tutelado;


a.1) prequestionou os artigos 20 e 225 da CF, o artigo 269 do CPC e as disposições contidas nas Leis nº 7.661/88 e nº 9.636/98;


b.2) pugnou pela reforma da sentença para o escopo de serem julgados integralmente os pedidos formulados e condenados os réus nos termos do exórdio.


Apelação da União às fls. 1400/1414, por meio da qual requereu a declaração nulidade do provimento recorrido e, sucessivamente, fosse julgada integralmente procedente a demanda (artigo 515, § 4º, do CPC) ou declarado ter havido o reconhecimento jurídico do pedido (artigo 269, II, do CPC). Argumentou que:


a) a plataforma e área contígua ficaram abandonadas por vários anos, o que propiciou alta incidência de crimes no local;


b) houve frontal resistência dos réus, em suas defesas, aos pleitos apresentados em sede do exórdio e, por outro lado, aquiescência, na medida em que ambos assumiram compromissos, em âmbitos administrativo e judicial, para urbanização e recuperação da área degradada;


c) a sentença reconheceu a impossibilidade de invalidação da opção administrativa em razão de não ter sido realizada prova pericial e atestou a nocividade da permanência da plataforma;


d) é notória a existência de inovações tecnológicas na construção de emissários, as quais não permitem sejam deixados indevidos aterros sobre a praia e o mar, a exemplo do que se verifica na Praia Grande e Guarujá;


e) a SABESP não justificou o assentamento da tubulação realizado em desacordo ao projeto original e a consequente manutenção da plataforma;


f) o projeto elaborado na década de 70 já previa a passagem dos dutos de esgoto abaixo do nível da praia, razão pela qual se mostra desnecessária a produção de prova pericial, porque à época já havia tecnologia para tal mister;


g) caberia ao juiz determinar a produção de prova pericial de ofício, nos termos do artigo 130 do CPC, notadamente quando presentes razões de ordem pública, sob pena de cerceamento de defesa, descabido surpreender os autores com o entendimento exarado na sentença, realidade que revela a nulidade do provimento recorrido e torna obrigatória a devolução dos autos ao 1º grau para ser realizada a prova técnica; sucessivamente, deveria ser o pedido julgado procedente pelo tribunal (artigo 515, § 4º, do CPC) e determinado o retorno da área ao estado anterior à construção da plataforma;


h) é patente a desnecessidade de produção de prova técnica para demonstrar fato notório ou comprovar fatos já provados nos autos, inclusive por documento subscrito pela parte ré;


i) somente com o ajuizamento da demanda foram envidados esforços pelos réus para a apresentação de projeto de urbanização da área em coadunação ao interesse público, de modo que a manutenção do espaço deve ser objeto de provimento acobertado pela coisa julgada, inclusive para que sejam obstados novos desvios de finalidade pelas rés;


j) a SABESP deve ser compelida a proceder ao devido licenciamento para toda e qualquer futura intervenção nas áreas sub judice e à remoção do aterro, além de condenada ao pagamento de indenização pelos danos decorrentes de "tamanha intervenção humana em ecossistema tão frágil";


k) os melhoramentos no espaço devem ser feitos de modo provisório para facilitar seu eventual levantamento, considerada inclusive a possibilidade de ser determinada a remoção da plataforma;


l) o pedido de recomposição da área ao estado anterior à construção da plataforma (remoção do aterro sobre a praia e o mar) deve ser provido mesmo sem a realização de prova técnica.


Os apelos foram recebidos no duplo efeito (fl. 1418).


Em suas contrarrazões (fls. 1422/1434 e 1435/1447), a SABESP requereu a manutenção in totum da sentença e assim se manifestou:


a) em relação ao apelo da União:


a.1) pugnou pelo não conhecimento do agravo retido da União (artigo 523, § 1º, do CPC);


a.2) os argumentos postos para fins de ser reconhecida a nulidade do decisum recorrido revelam arrogância processual do ente federal, porquanto desconsiderados os regramentos atinentes à produção de provas no processo;


a.3) as partes foram devidamente intimadas à especificação de provas e não foi requerida, em nenhum momento, a realização de perícia, de modo que a arguição não comporta acolhimento, inclusive em razão da dicção dos artigos 243 e 245 do CPC, tampouco se revelou obrigatória sua efetivação ex officio se o Juízo já tinha seu convencimento formado;


a.4) não há "fatos notórios" nos autos, mas "fatos incontroversos", a respeito dos quais não se perquire de dilação probatória, inclusive quanto à inviabilidade de remoção da plataforma (EIA/RIMA elaborado pela Fundespa), a qual não foi contrariada pela União;


a.5) não há viabilidade de remoção da plataforma, motivo pelo qual foi autorizada e já implementada a construção de parque público no local;


a.6) o feito não pode ser apreciado pelo tribunal nos termos do artigo 515, § 4º, do CPC, sob pena de violação à ampla defesa e supressão de instância;


a.7) a SABESP não tem qualquer responsabilidade por eventual dano ambiental, posto que o espaço foi cedido pela União ao Município de Santos e este não observou seu dever de preservação do meio ambiente, legalmente preceituado (artigo 11 da Lei nº 9.636/1998);


a.8) a União faltou com a verdade em suas razões recursais e deve ser condenada às penas por litigância de má-fé;


a.9) o encaminhamento de projeto para a construção do parque público não decorreu de acordo entre as partes. Derivou de determinação do Juízo proferida na audiência de 18/09/2006, a qual não foi objeto de recurso, donde por decorrência lógica se impõe a extinção do feito sem apreciação de mérito;


a.10) cabe à municipalidade a responsabilidade pela segurança, iluminação, implantação de jardins e manutenção de modo geral do espaço, para utilização livre pela população (artigo 182 da CF/88), porquanto é a beneficiária do contrato de cessão firmado com a União para o escopo da construção do parque público;


a.11) descabe a imposição de obrigação de fazer condicional (artigo 460 do CPC); a necessidade de licenciamento deve ser aferida no caso concreto pelas autoridades competentes no âmbito administrativo, não pelo Poder Judiciário (artigo 225, § 1º, IV, da CF/88);


a.12) deixou a recorrente de noticiar que a urbanização da plataforma pelo Município de Santos já é uma realidade, razão pela qual os pedidos formulados nos tópicos III - 1.2.a e IV - 1.2.a (fls. 9/10) perderam seu objeto no curso da demanda;


a.13) os autores não lograram comprovar a existência de dano ambiental (artigo 333, I, do CPC). Em verdade, há nos autos prova da impossibilidade de remoção da plataforma em razão dos possíveis impactos negativos decorrentes dessa ação, a afetar o equilíbrio dinâmico já atingido;


a.14) é descabida a pretensão ao pagamento de indenização, a qual deve ser "liminarmente excluída".


b) em relação ao apelo do Ministério Público Federal:


b.1) aduziu o não conhecimento do pleito atinente ao julgamento do agravo retido da União, pois o Parquet Federal não detém legitimidade para o reiterar, e pugnou pelo desprovimento do agravo retido interposto pelo MPF;


b.2) o agravo retido interposto pelo MPF não preenche os requisitos do artigo 523 do CPC, está fundado em pressupostos diversos daqueles existentes nos autos e está em parte superado, pois a liminar concedida foi revogada quando da prolação da sentença. Devem, ainda, ser desentranhados os documentos que o acompanharam;



b.3) os documentos colacionados com as razões de apelação devem ser desentranhados, posto não preenchidos os requisitos dos artigos 396 e 397 do CPC;


b.4) o recorrente confessou, nos autos, a inviabilidade da remoção da plataforma do emissário submarino de Santos e sua integração à paisagem urbana da cidade;


b.5) o espaço é de domínio da União (artigo 20, VII, CF/88), razão pela qual lhe cabia, por intermédio de seus órgãos fiscalizadores, a exigência das licenças ambientais (artigo 225, § 1º, IV, CF/88), em especial porque não cabe ao Judiciário definir o objeto de licenciamento;


b.6) a manutenção e a segurança do local, por força da cessão da plataforma pela União, passou a ser de responsabilidade do Município de Santos, consoante dispõe o § 4º do artigo 11 da Lei nº 9.636/98, de modo que não cabe à SABESP arcar com tais custos, porque sua função está atrelada exclusivamente à prestação de saneamento básico;


b.7) não há que se falar em obrigação de fazer quando vem estribada em mera situação condicional ("quando ocorrer a desativação do emissário", "quando ocorrer motivo que evidencie a perda da função da plataforma"). A ausência de pedido certo torna impossível definir a prestação jurisdicional, situação que ofende o disposto no artigo 460 do CPC;


b.8) o projeto para a implantação do parque público decorreu de decisão do Juízo a quo, proferida na audiência realizada em 18/09/2006, contra a qual os autores não se insurgiram oportunamente, de modo que a extinção do feito, sem resolução de mérito, em relação aos pleitos contidos nos tópicos III - 1.2.a e IV - 1.2.a, está assentada na carência da ação decretada em função da perda de objeto;


b.9) a impossibilidade de remoção da plataforma restou sobejamente demonstrada nos autos;


b.10) os autores não produziram qualquer prova para demonstrar a viabilidade de remoção da plataforma.


Contrarrazões do Município de Santos às fls. 1450/1460, nos seguintes termos:


a) a insurgência da União é confusa e contraditória, em especial quando consideradas suas reiteradas afirmações quanto à desnecessidade de dilação probatória e, ainda, de seu requerimento de julgamento antecipado da lide, donde não se afigura lógica a arguição de nulidade por cerceamento de defesa;


b) a pretensão à permanente conservação e aprimoramento das benfeitorias no aterro é incompatível com o pedido de sua remoção;


c) pretendem os autores uma decisão condicional e provisória quanto às intervenções feitas na área sub judice, o que viola o artigo 460 do CPC;


d) há outras obras na orla de Santos, e.g., extensos canteiros, praças, fontes, biblioteca, cinema, gibiteca, aquário, que são tidos por paradigma de "intervenção adequada ao uso comum do povo", da qual não dista o parque público instalado na plataforma;


e) o projeto do parque público observou todos os trâmites legais, inclusive o devido licenciamento ambiental;


f) o caso é de improcedência total da ação e não de sua extinção sem resolução do mérito.


Remetidos os autos a esta corte, foram distribuídos à Desembargadora Federal Salette Nascimento e, posteriormente, a mim por sucessão.


Nesta instância, o Ministério Público Federal apresentou parecer no sentido da nulidade da sentença e retorno dos autos à origem para a realização de perícia técnica. Alternativamente, opinou fosse julgada procedente a ação (fls. 1469/1482).


É o relatório.



André Nabarrete
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 09/06/2016 16:29:53



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002373-30.2005.4.03.6104/SP
2005.61.04.002373-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
APELANTE : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : LUIZ ANTONIO PALACIO FILHO e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO e outro(a)
APELADO(A) : Cia de Saneamento Basico do Estado de Sao Paulo SABESP
ADVOGADO : SP061183 EUNICE DE MELO SILVA e outro(a)
APELADO(A) : Prefeitura Municipal de Santos SP
ADVOGADO : SP139966 FLAVIA MARINHO COSTA DE OLIVEIRA e outro(a)

VOTO

I - DOS FATOS SUB JUDICE


Para melhor apreciar o caso dos autos, impende registrar o quanto segue acerca da realidade do local sub judice e do trâmite processual verificado na 1ª instância.


O Ministério Público Federal e a União, com o ajuizamento da presente ação, objetivam, em suma, a urbanização provisória da plataforma construída para emissão de esgotos ao mar e área contígua que se prestou a canteiro de obras mediante destinação compatível do terreno acrescido de marinha ao interesse público, em especial por meio de seu ajardinamento em harmonia ao restante da orla santista. Sucessivamente, buscam a própria recomposição do espaço ao statu quo ante, se e quando aferida tecnicamente tal possibilidade. Para tanto, os autores formularam os seguintes pedidos em seu exórdio:


1) condenação da SABESP às obrigações de fazer consistentes em:


a.1) quanto à área que não cobre o emissário e que abrigou o canteiro de obras - área "B" -, sua recomposição ao estado natural anterior à construção do emissário, com as cautelas técnicas pertinentes para serem evitados outros impactos ambientais, além da manutenção das árvores ali existentes;


a.2) quanto à área que cobre o emissário, área "A" (plataforma):


a.2.a) enquanto permanecer a plataforma, manter o local em condições adequadas para a utilização livre e franca por toda a população, com custeio da segurança, limpeza, iluminação, realização e implantação de ajardinamento semelhante aos jardins da orla de Santos, ressaltando-se que a urbanização não deve abrigar construções de porte que, além de impactos, dificultem a recomposição da área ao estado natural;


a.2.b) licenciar eventuais alterações que pretender realizar na tubulação do emissário de esgotos, submetido o ato à avaliação dos órgãos competentes da União, inclusive sempre com a análise detalhada por EIA/RIMA sobre a viabilidade de remoção da plataforma, segundo parâmetros de segurança ambiental. Tal licenciamento deve ser realizado tanto na situação de ampliação como no caso de desativação do emissário ou, ainda, quando ocorrer qualquer outro motivo que evidencie a perda da função da plataforma, inclusive em caso de inovações tecnológicas no sistema de tratamento e lançamento de esgotos;


a.2.c) recompor a área ao estado anterior à construção da plataforma, assim que se configurar a viabilidade referida no item anterior;


b) condenação do MUNICÍPIO DE SANTOS:


b.1) à obrigação de não fazer, consistente na abstenção de dar às áreas "A" e "B" destinação incompatível com as características naturais do local, que é praia e mar, e a observar as previsões legais pertinentes, bem como seja a municipalidade impedida de promover ou consentir quaisquer eventos que envolvam construções sazonais ou permanentes, além de condenada a fiscalizar o local para evitar que terceiros promovam tais atividades no local, alertado desde logo o chefe do executivo municipal que o desrespeito à decisão ora requerida poderá configurar ato de improbidade administrativa;


b.2) na hipótese de remoção da plataforma, à obrigação de fazer, consistente em promover a retirada da edificação construída na praia junto à área "B", a qual não cobre o emissário e abrigou o canteiro de obras, com a restauração das condições naturais ou, subsidiariamente, que seja compelido a dar à edificação utilização para finalidade cuja localização seja indispensável para assegurar o adequado uso do restante da praia pela população, a exemplo de um "posto salva-vidas";


c) condenação de ambos os requeridos ao pagamento das custas e despesas processuais, inclusive decorrentes de eventual prova pericial;


d) a fixação de multa diária mínima de R$20.000,00 para o caso de eventual descumprimento de determinação judicial atinente a quaisquer dos pedidos;


e) a cominação de pena pecuniária no bojo da sentença, para o caso de descumprimento de qualquer parte de seu dispositivo pelos réus (artigo 287 do CPC e artigo 11 da Lei nº 7.347/1985).


A área sub judice é conhecida como "Plataforma do Emissário Submarino de Esgotos de Santos" e está situada na praia do José Menino, cidade de Santos/SP, sob as coordenadas UTM: x 362.601.000 e y 7.348.482.000, em faixa que configura terreno de marinha, próximo à divisa com o Município de São Vicente, bem de propriedade da União. Inicia-se ao lado da Ilha de Urubuqueçaba, ocupa trecho de praia e do ambiente marinho em área total de 42.766m2 e se estende cerca de 3.900m mar adentro.


As obras para implantação do emissário submarino em Santos tiveram início em 1974 e seu escopo era a adequada disposição final dos esgotos coletados e tratados provenientes das cidades de Santos e São Vicente, para melhorar as condições sanitárias e de balneabilidade das praias da região, além de incrementar a preservação do meio ambiente e a sadia qualidade de vida. À época, cerca de 20% da rede de esgoto ainda funcionava sob o sistema de coleta e 50% do esgoto coletado não chegava à sua destinação final sem extravasar ao longo dos coletores-tronco, emissários de recalque e do próprio condutor central do sistema, o emissário Rebouças, de modo que o esgoto seguia para a rede pluvial, acabava despejado nos canais e rumava para as praias (processo administrativo nº 58670/2005-01, fl. 202 e seguintes).


Para a consecução das obras, a Companhia de Saneamento da Baixada Santista - SBS, sucedida pela SABESP, ora corré, obteve junto à União autorização provisória para utilização do local por meio da alteração de suas características originais. A estrutura montada consistiu na instalação de um canteiro de obras e plataforma fixa de 42.766m2, erigida por enrocamento de pedras (blocos de granito) preenchido com areia compacta, cujo objetivo era dar sustentação e estanqueidade ao trecho inicial do emissário (estabilidade com adequada vedação). O canteiro e a plataforma foram construídos entre a praia e o ambiente marinho, com extensão de 4.900 metros perpendicular à orla da praia do José Menino (3.900 metros mar adentro em direção à ilha de Urubuqueçaba, como dito). O projeto previu, também, a obrigação de restauração das condições originais do local ao seu término, ou seja, retirada da plataforma e desfazimento do canteiro de obras, pois a tubulação do emissário de esgotos ficaria posicionada abaixo do nível da areia da praia e da água do mar e, portanto, enterrada e submersa, sem danos à circulação das águas e das areias.


A obrigação não foi adimplida. Consta dos estudos técnicos colacionados aos autos que, à época do planejamento do projeto e início das obras, não haveria outra metodologia conhecida para implantação do emissário senão a concretizada, inclusive porque o plano inicial, que previa a montagem e puxamento das tubulações de modo inteiramente submerso, não pôde ser daquela forma executado (fls. 442, 452). As tubulações de aço, revestidas por concreto, ao final ficaram parcialmente submersas, dispostas na areia a uma profundidade de 90cm, correspondente à metade de seu diâmetro, exposta a outra metade. Não foi possível assentar o trecho terrestre do emissário e, assim, tornou-se necessário apoiá-lo sobre a soleira (laje de fundo) do interceptor de esgotos, de modo que "no trecho a jusante do interceptor, o emissário ficou acima do nível de areia e não enterrado como originalmente previsto". Em consequência, a manutenção "definitiva" da plataforma foi necessária para proteção da tubulação, ou seja, a área da plataforma concebida como estrutura temporária, apenas para suporte aos serviços de instalação das tubulações, teve de ser "perenizada" para garantir o enterro das tubulações na faixa de areia (fls. 181, 203v).


À vista da situação de "irreversibilidade" atrelada à construção da plataforma, o Município de Santos, em 1977, ou seja, antes mesmo da inauguração do emissário (21/07/1978) e do início de seu efetivo funcionamento (20/02/1979), solicitou à SABESP estudos quanto à viabilidade de permanência da estrutura e sua destinação à implantação de projeto urbanístico, assegurada a estabilidade e equilíbrio dinâmico da região. Em 1980, então, a companhia referida reforçou a estrutura da plataforma com o enrocamento de suas laterais e nivelamento de sua crista.


A partir desse momento, vários projetos para utilização da plataforma foram apresentados, inclusive a ocupação do espaço para estacionamento de ônibus de hóspedes da região, a construção de parques de diversão por empresários santistas (a plataforma chegou a ser ocupada por instalações de lazer do Playcenter e do Circo Tihany), entre outros, e passou também por período de indefinições em razão das ações judiciais intentadas com o escopo de questionar a forma de uso do espaço.


Em 1992, foram iniciadas obras para melhoria das condições da plataforma, com ajardinamento e plantio de mudas de árvores nativas da Mata Atlântica, além de instaladas estruturas para skate, bicicross e de acesso ao mar para surfistas. Entre 1993 e 1995 a área já estava totalmente urbanizada, acrescida à plataforma playgrounds, bancos, palco com arquibancada e barracas de alimentação, cuja estrutura transformou a área em sede de eventos importantes da cidade (e.g., "Santos Verão Para Todos", "Cidade Junina", "Cidade do Samba", "Festas de Inverno" nos anos de 2005, 2006 e 2007).


Em 25/04/1996, foi celebrado entre a União, coautora, e o Município de Santos, "contrato de cessão, sob a forma de utilização gratuita", registrado às fls. 141/143 do Livro de Notas nº 12 da Secretaria do Patrimônio da União - Delegacia em São Paulo (fls. 145/147), o qual fora autorizado por meio da Portaria nº 497/1995 do Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, editada com fundamento no artigo 1º do Decreto-lei nº 178/1967. Pactuado, ainda, em 04/12/1997, "termo de retificação e ratificação do contrato de cessão, sob a forma de utilização gratuita" (fls. 143/144).


Afere-se dos mencionados instrumentos ter sido cedida à municipalidade a área sub judice, plataforma consistente em "terreno de acrescidos de marinha", para o fim de ali ser implantado projeto de urbanização e ajardinamento com instalação de equipamentos de lazer comunitário, cujas obras seriam incorporadas ao local, passariam a compor o patrimônio da União e deveriam estar concluídas no prazo de dois anos a contar da assinatura do contrato. Autorizados, também, por meio do termo de ratificação e retificação, a locação ou o arrendamento do espaço a terceiros, observada a legislação vigente, para a implantação do aludido projeto, com repasse de 50% de tal receita à União e destinado o saldo aos cofres municipais a título de administração e indenização por eventuais obras que viesse a realizar. O instrumento previu, ainda, que os projetos e instalações estariam sujeitos à prévia aprovação do IBAMA, sem a qual não poderiam ser realizadas quaisquer modificações na área.


Diversos projetos foram avaliados pelo município para a ocupação da plataforma por meio de procedimentos licitatórios. A vencedora do certame foi a In-Mont Participações (Consórcio Pier Santos) e o objeto seria a construção de um centro integrado de lazer, o qual contaria com 12 salas de cinema, restaurante temático, 73 espaços para pontos comerciais, pista de dança, anfiteatros e o "Museu Pelé".


Às fls. 173/195, o município colacionou cópia do processo administrativo relativo à urbanização e implantação da estrutura do "Museu Pelé" na plataforma e adjacências, a saber, relatório de impacto ambiental e ofícios atinentes ao licenciamento ambiental. O referido projeto foi objeto da ação civil pública nº 2003.61.04.001402-4 e acabou por não ser concretizado pela municipalidade, pois desistiu de sua implementação. Apesar disso, algumas informações desses documentos devem ser registradas, pois guardam pertinência com o objeto da presente demanda:


a) o EIA/RIMA, estudo e relatório de impacto ambiental, foi elaborado por equipe multidisciplinar da Fundação de Estudos e Pesquisas Aquáticas - FUNDESPA por determinação do Juízo perante o qual tramitou a citada ação civil pública, para fins se der aferida a viabilidade de reurbanização da plataforma do emissário submarino e foi submetido à análise do IBAMA (fls. 175/185);


b) consta informação técnica no sentido de terem sido sobrepostas rochas ao redor da plataforma, as quais estão consolidadas pela ação das marés e têm a função de proteção das tubulações do emissário;


c) foram feitas análises de alternativas para recuperação das condições originais do local, a qual foi devidamente ponderada, ressaltado que a reurbanização consolidaria a permanência da plataforma na paisagem da cidade e da praia. Ademais, inegável a vocação dessa área para atividades culturais e de lazer;


d) do ponto de vista ambiental, a remoção da plataforma será mais danosa do que sua manutenção em razão dos seguintes fatores: risco de abalar a estrutura da Rua Newton Prado e da própria estação de esgotos; necessidade de localizar áreas para despejo do material retirado (entulho); a obra causará emissão de poeira, poluição sonora, prejuízo ao tráfego e à coleta do esgoto de Santos e São Vicente, em razão da necessidade de ser desativado o emissário para consecução de sua retirada;


e) a obra teve um impacto positivo sobre as praias. Passou a levar os sedimentos (provenientes da plataforma continental e do Canal do Porto) para dentro da baía e alimentou constantemente essas praias, ou seja, o ambiente costeiro proporcionado pela plataforma trouxe benefícios ao meio natural e artificial;


f) a implantação da plataforma não agravou a erosão das praias do interior da baía de São Vicente;


g) as pedras da plataforma, apesar de "colocadas artificialmente", permitiram a formação de um ambiente favorável ao desenvolvimento de organismos característicos de costões rochosos (moluscos e crustáceos), com papel importante no ambiente costeiro, inclusive alimento para peixes e aves, além de servir como instrumento de educação ambiental;


h) a reurbanização da plataforma é fruto da somatória de ideias e propostas apresentadas ao longo dos últimos anos e não é projeto de interesse exclusivo da gestão municipal;


i) entre as propostas de utilização da área, a que melhor atenderia ao adequado uso socioambiental do espaço, bem como às cláusulas do contrato de cessão celebrado entre a União e o Município de Santos, com otimização dos recursos públicos, seria a "instalação de equipamento âncora, de apelo turístico regional, associado a outras instalações e equipamentos voltados ao lazer e à realização de eventos culturais".


De se registrar, ainda, em que pese à desistência quanto ao projeto intitulado "Museu Pelé", constatar-se dos elementos dos autos que a municipalidade, à época, atuou de acordo com os procedimentos atinentes às exigências ambientais para intervenção na área, inclusive quanto à obtenção de autorização da autoridade ambiental para dito empreendimento. Foi instaurado o processo administrativo nº 02027.007294/02-06 junto ao IBAMA, no bojo do qual foi expedida a licença prévia nº 169/2004 em 27/04/2004 (fl. 186) e processada a solicitação de expedição de licença de instalação (fls. 187/191). O procedimento do licenciamento foi interrompido em razão de não ter sido considerada satisfatória a documentação apresentada pela municipalidade (fls. 192/193), razão pela qual requereu a renovação da licença prévia (fls. 194/195), até mesmo em vista da desistência quanto ao projeto do museu e estruturas adjacentes.


À fl. 356 e seguintes, a SABESP colacionou projeto para construção e pré-operação da estação de pré-condicionamento de esgotos Santos-São Vicente, integrante do Programa de Recuperação Ambiental da Região Metropolitana da Baixada Santista, o qual contemplava o aumento da plataforma para a implementação de melhoria no sistema de coleta, transporte, tratamento e disposição final de esgotos sanitários, a fim de ser cumprida a meta de elevação dos índices de atendimento com coleta dos esgotos para cerca de 95% da população urbana, 100% deles tratados.


A SABESP trouxe aos autos, ainda, o projeto técnico original do emissário submarino, "sistema integrado de disposição oceânica de esgotos" da área sub judice (fls. 393/503), elaborado pela empresa Serete S/A Engenharia nos anos de 1970/1971, o qual inicialmente atenderia à coleta somente da cidade de Santos. Posteriormente, em estudo complementar realizado precipuamente pelas empresas Hidroconsult e Planenge, foi constatada a conveniência de concentrar no sistema de emissão do José Menino todos os esgotos provenientes de São Vicente, bem como prevista a possibilidade de ser prolongado, acaso necessário, com indicação dos métodos adequados e condizentes com a tecnologia da época (fls. 429/430). Referido estudo também tratou dos tipos de tubulação então existentes e entendeu como mais adequada a escolha de tubos de aço, inclusive à vista dos produtos ofertados no mercado, e procedeu à determinação do diâmetro econômico para o emissário. Quanto ao emissário submarino propriamente dito, previu que a tubulação deveria ser enterrada em vala com profundidade média de 5 m, construída com tubos de aço com chapa de espessura de 19,0 mm e revestimento externo com camada de concreto de 23 cm de espessura, além de definir que os tubos deveriam aflorar do fundo do mar a uma altura de 0,50 m e que "o difusor deverá ser enterrado e apenas os tubos difusores verticais aflorarão na superfície do fundo do mar com uma altura livre de 0,50 m" (fls. 442/443, 452). Esclarecido, ainda, que a referência aritmética considerada no projeto do sistema de disposição de esgotos foi a do datum do Instituto Geográfico e Geológico de São Paulo, bem como terem sido utilizados os níveis registrados no marégrafo da Companhia de Docas de Santos e a base de dados maregráficos do porto de Santos fornecidos pelo Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (fl. 444).


Do mencionado documento consta também que: "o processo escolhido para instalação dos tubos (Pulling) permite que se tenha uma tubulação com acoplamentos por solda em toda a sua extensão, salvo junto à caixa de junção nº 2, na praia, onde o acoplamento deverá ser efetuado por meio de junta especial deformável" (fl. 448). Houve, ainda, apontamento de estudo para a hipótese de vir a ser necessária reformulação do projeto inicial: "os estudos oceanográficos efetuados para análise das condições ideais de disposição oceânica dos esgotos da Baía de Santos, levaram à conclusão da necessidade de 30 tubos difusores verticais de 0,30 m de diâmetro equiespaçados de 5,00 m. Foram previstos adicionalmente mais 10 tubos de reserva, não apenas para maior flexibilidade operacional do sistema, como também para o caso de uma possível alteração das condições iniciais do projeto, que viriam exigir uma reformulação no esquema operacional proposto neste relatório" (g.n.).


O município trouxe aos autos o relatório final de pesquisa de opinião pública, realizada no período de 11 de julho a 06 de agosto de 2006, quanto à implementação de projeto de urbanização na plataforma do emissário (fls. 515/553), com percentual de aprovação da instalação de parque público estimado em 95%, com margem de erro estatístico de 2,7 pontos percentuais para mais ou para menos.


As audiências realizadas perante o Juízo de 1º grau possibilitaram uma parcial conciliação entre os litigantes. Da realizada em 08/05/2006 derivou concordância dos autores quanto à realização da festa "Inverno Santos 2006". Já na audiência de 18/09/2006 foi determinada pelo Juízo a quo a instalação do projeto do parque público na área "A", plataforma do emissário, bem como obras de extensão ao projeto para integração do canteiro de obras, área "B", à paisagem da praia, mediante observância das posturas ambientais. Vale transcrever a fundamentação da decisão (fls. 560/564):


"São providências que, atualmente, constituem a melhor medida sócio-ambiental, com efeito compensatório aos danos causados à paisagem notável de praia e mar, mitigadoras dos impactos ocasionados pela permanência desregrada da plataforma. Ressalto que, tratando-se de bens imóveis pertencentes à União Federal, não manifestou a ora autora, neste ato, qualquer contrariedade ou ressalva ao projeto, desde que venha a ser obtido o indispensável licenciamento ambiental. Ademais, exceto quanto à obrigação de custeio, tais providências satisfazem, em parte, aos pedidos liminares e finais relativos às áreas "A" e "B", dirigidos contra a Sabesp, tal como declinados, respectivamente, nos itens 1, 1.1, 1.2 "a". Levando em conta, outrossim, a pretensão para que o Município de Santos não dê destinação incompatível com as características de praia e mar, verifico que a ideia também de integrar a área "B" à praia mostra-se apta a corresponder os pedidos deduzidos nos itens 2, 2.1, o que esgotaria, assim, o pleiteado no item 2.2. De outra parte, já há requerimento de cessão da área "A" formulado pelo DD. Prefeito Municipal (fls. 555,556) aos órgãos públicos competentes da União, sinalizando-se com o provável consentimento, conforme ocorrido em outras duas oportunidades passadas e, agora, mais balizado, porque, em princípio, sob o aspecto jurídico, mostram-se atendidas as normas legais disciplinadas na Lei nº 9.636/98, notadamente, art. 4º § 1º (...); art. 11 § 4º (...). O empreendimento também mostra-se possível e viável à luz da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2003.61.04.008242-0 (...). A instalação de um parque público rende, sobretudo, homenagem à vontade popular, que, maciçamente, anseia há muito tempo por uma destinação proveitosa e compatível com as características do local, minimizando as causas de insegurança geradas pelo abandono que acomete o imóvel. A pesquisa de opinião pública encartada às fls. 515/553 traz conclusão segura nesse sentido. Sendo assim, para que se viabilize a instalação de um Parque Público na área em litígio, deverão ser adotadas todas as medidas necessárias ao atendimento das posturas ambientais, que deverão ser apreciadas pelos órgãos licenciadores, além das medidas indispensáveis à cessão do imóvel pela União Federal ao Município de Santos. Os resultados obtidos deverão ser apresentados na próxima audiência (...) quanto a Sabesp, caso não o faça antes, deverá trazer a posição de sua diretoria em relação à participação da empresa na execução do projeto. Na hipótese de a deliberação ser no sentido de não tomar parte nas obras, as justificativas também deverão ser apresentadas ao Juízo, para melhor subsidiar a análise do pedido de liminar formulado na letra "a", do item 1.2, que diz respeito ao custeio. Estando comprovado nos autos (fls. 356/364) o "Projeto de Construção e Pré-Operação da Estação de Pré-Condicionamento de Esgotos de Santos e São Vicente" a ser ultimado pela Sabesp, DEFIRO A LIMINAR para o fim de que eventuais alterações que venha a promover na tubulação do emissário de esgotos sejam submetidas a licenciamento, em especial, na hipótese de ampliação do emissário (...)".


Consta dos autos, ainda, que em meados de 2001, anteriormente à realização do EIA/RIMA pela FUNDESPA, a SABESP, em inspeção preventiva da plataforma do emissário, identificou condições inadequadas em sua parte subaquática - decorrentes da imprevisibilidade das correntes marítimas, condições meteorológicas, ação das ondas e marés -, consistentes no "descalçamento de cerca de 30 metros de sua extensão no trecho de transição da saída sobre o molhe de pedras, nas proximidades da primeira junta, até o seu apoio no solo marinho", além de "perdas localizadas do revestimento de concreto de juntas de concretagem próximas ao molhe", a significar que a tubulação estava "sem apoio" e em situação de sobrecarga, à beira de um rompimento desastroso próximo à orla. A situação demandou atuação imediata da SABESP para o fim de serem tomadas as medidas emergenciais reparadoras.


A SABESP também trouxe aos autos "relatório final de projeto", elaborado pela Serete S/A Engenharia, fls. 603/699, relativo à 1ª etapa de implementação do Plano Diretor de Esgotos de Santos e São Vicente (emissário), datado de janeiro de 1972, de cujo teor se destaca (fls. 629, 633v):


"Deve-se considerar, ainda, que as condições de fundo do mar, na baía de Santos, são relativamente precárias no que diz respeito à capacidade de suporte. (...) Com o objetivo de reduzir as probabilidades de prejuízos materiais aos proprietários e diminuir o incômodo aos moradores, foi prevista a colocação dos tubos de lançamento sobre a caixa do Interceptor, do que decorreu um menor volume da obra e uma aceleração da implantação geral, já que na mesma vala serão realizados os dois trabalhos. Decorreu, todavia, daí um novo problema, qual seja o de disponibilidade de altura para o recobrimento de tubulação de acordo com as mínimas aconselháveis".


Colacionado laudo técnico do Instituto Geológico da Secretaria de Estado do Meio Ambiente às fls. 712/747 e 937/968, elaborado em julho de 2004. O documento faz o estudo das alterações das condições da área ao longo dos anos, inicialmente destacados os danos derivados de causas naturais, como os processos de elevação do nível do mar, ressaca e de erosão nas praias do Gonzaguinha e dos Milionários, em São Vicente. Analisa, também, a degradação decorrente de intervenções antrópicas, mencionados a urbanização e o avanço de sua estrutura sobre a praia, desmatamento das planícies costeiras e morros, aterro ligando as ilhas de São Vicente e Porchat, atividade portuária, construção de canais de saneamento, construção do espigão (plataforma) do emissário submarino de Santos/São Vicente, extração de areia, entre outros, os quais contribuíram para a aceleração do processo de erosão da região. Conclui que "o balanço sedimentar da praia de São Vicente é negativo. Portanto, com o nível do mar continuando a subir como está, jamais haverá a recuperação dessa praia, se persistirem ali as alterações antrópicas que tanto modificaram a linha de costa de São Vicente e Santos. Uma possível solução para o problema seria a implantação de um projeto de alimentação artificial da praia, nos moldes do realizado na Praia de Copacabana/RJ". O laudo do Instituto Geológico também destacou conteúdo do EIA/RIMA elaborado pela FUNDESPA (fls. 743/747).


Na audiência realizada em 12/12/2006 (fls. 750/752), a SABESP anuiu com sua participação na construção do parque público, projeto de urbanização da plataforma do emissário. Noticiou, ainda, sobre a dificuldade de reunir a documentação solicitada pelo Juízo, relativa ao início das obras do emissário na década de 1970, em razão do tempo decorrido, motivo pelo qual tentou suprir o fornecimento de tais informações por meio dos laudos anteriormente mencionados. Em complemento, com o objetivo de dar efetivo cumprimento à determinação judicial, colacionou dados prestados por engenheiro que acompanhou as obras do emissário na década de 70, o Sr. Pérsio Faulim de Menezes, o qual esclareceu os motivos que impediram o afundamento total da tubulação do emissário, de cujo documento pode ser destacado, verbis:


"No período de 1975 a 1978 fui o Residente da Obra de Execução do Emissário Submarino de Santos e São Vicente, responsável pela fiscalização do contrato. Acompanhei toda a execução da obra implantada numa plataforma construída por um enrocamento de pedras preenchida com areia, onde foi construído o canteiro de montagem da tubulação. Durante o período da obra, aproximadamente 5 anos, a plataforma sofreu o impacto da ação do mar com suas fortes ressacas que desestabilizavam o enrocamento frontal, movimentando os grandes blocos de pedras que evitavam os danos ao canteiro onde era confeccionada os grandes lances de tubulação. Tendo em vista o processo para realização da obra, o sistema 'pulling', que puxava a tubulação inteira para o fundo do mar através do navio Odin e o processo de enterramento da tubulação com a "Trench Machine", um equipamento que transitava em cima do emissário, emulsionando área e areia e permitindo o rebaixamento e cobertura do mesmo, os grandes blocos de pedra, movimentados pelas ressacas, que se instalaram na região frontal da plataforma não permitiram o aprofundamento total da tubulação nessa região, pois poderiam danificar a tubulação. Consequentemente, esse problema atingiu a posição da tubulação em cima da plataforma" (g.n.; fl.765).


À fl. 756, ofício nº 395/2006-SEMAM, consistente no requerimento de renovação da licença prévia nº 169/2004, datado de 06/12/2006, à vista das alterações quanto ao projeto de reurbanização da plataforma do emissário, cujo pleito foi deferido pela autoridade ambiental em 21/05/2007 (fl. 841/842), o qual foi intitulado "As Ondas - Santos 21".


Manifestação do Ministério Público sobre as informações do citado engenheiro à fl. 769, no sentido de que não eram capazes de legitimar a permanência da plataforma na praia e no mar.


Para consecução do projeto de urbanização da plataforma, foi realizada audiência pública pelo município, em 28/02/2007, com o escopo de serem atendidos os requisitos necessários ao licenciamento ambiental (fls. 779, 783, 789/799). O custo aproximado para a execução foi estimado em R$5.449.483,91, não incluídos os projetos de paisagismo e iluminação (ofício nº 014/2007-SEPLAN, fls. 801/815).


A municipalidade de Santos requereu autorização judicial para a realização de evento na plataforma de emissário, a "Festa Inverno 2007" (fls. 819/821, 834/835, 839/840), deferida pelo Juízo de 1º grau (fls. 844/853, 1086/1097) e também permitida pela União (fls. 989/992). A situação acabou por gerar alongada controvérsia nos autos, com sucessivas manifestações das partes, em especial porque o MPF se insurgiu quanto ao seu deferimento, ao argumento de que o município teve tempo hábil para procurar outro espaço para a realização da festa, considerado já ter sido excepcional a autorização para similar acontecimento no ano de 2006, vedada a ocupação em razão da ineficiência administrativa por evento que teria inclusive maior porte em relação ao do ano anterior (fls. 858/864). A festa gerou "tumulto generalizado" e insegurança na área, em especial por conta do grande público atraído pelos shows, trouxe dano ao bem comum, poluição sonora, entre outros prejuízos, com necessidade de utilização de força policial (fls. 1111/1118), situação constatada pessoalmente pela própria Juíza Titular da 4ª Vara Federal de Santos (termo de constatação de fl. 1098). Assim, foi reconsiderada em parte a autorização judicial, à vista do caráter filantrópico do evento, para manter sua realização, proibidas, todavia, quaisquer apresentações musicais (fls. 1099/1100, 1134/1155).


Às fls. 828/829, a SABESP apresentou a forma de sua participação na construção do parque público, a saber, por meio de parceria com o município e fornecimento de diversos tipos de materiais, valor estimado em R$1.640.124,52.


O Município de Santos obteve a renovação do contrato de cessão junto à União, cujo prazo foi fixado em dez anos, prorrogáveis por iguais e sucessivos períodos, nos termos da Portaria nº 264, de 15 de agosto de 2007, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (fls. 1205/1206). Obtida, também, a licença de instalação nº 475/2007 junto ao IBAMA em 19/11/2007 (fls. 1216/1217).


Foi oportunizada às partes a formulação de novos requerimentos, as quais se limitaram à apresentação de memoriais. Levado o feito à conclusão, foi prolatada a sentença, nos termos que serão a seguir analisados, inclusive à luz do histórico neste item detalhadamente consignado.



II - DO REEXAME NECESSÁRIO


O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:


"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo". (Redação dada pela Lei nº 6.014/73).

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. 1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009). 2. Agravo Regimental não provido."
(STJ, AGREsp 1219033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 25/04/2011).

In casu, verifica-se ter sido extinto o feito sem apreciação de mérito quanto a todos os pedidos formulados contra o município e em relação à maior parte dos pleitos apresentados contra a SABESP, além de julgada improcedente a pretensão à recomposição da área da plataforma.


Assim, far-se-á o reexame necessário da sentença.



III - DOS AGRAVOS RETIDOS


III.1. Do agravo retido interposto pelo Ministério Público Federal às fls. 268/271


O recurso foi interposto pelo MPF contra a decisão de fls. 248/256. Pugnou por sua reforma, ao argumento de que há responsabilidade da corré SABESP pela reparação do dano ambiental, porquanto atuou diretamente para sua ocorrência, na medida em que erigiu a plataforma e criou o aterro irregular, situação inclusive reconhecida em sua defesa. Sua atuação teria sido, assim, ilegítima, pois ausente autorização para manter em definitivo a plataforma, mais ainda quando não se viu realizado o necessário estudo ambiental. Ressaltou que o prazo da cessão estava expirado (artigo 225 da CF/88, artigos 11, § 4º, e 18, § 3º, da Lei nº 9.636/1998) e, portanto, não mais permitida qualquer tipo de ocupação ou utilização do espaço, o qual devia ser mantido em condições satisfatórias para uso da população. A realidade já estaria suficientemente provada nos autos, despicienda inclusive qualquer prova técnica (artigo 6º da Lei nº 7.661/1988 e artigo 2º e Anexo 1da Resolução nº 237/1997). A companhia de saneamento, além de manter a indevida ocupação da área, estaria promovendo novas intervenções no local, de modo a tornar imperioso o acolhimento integral do pleito liminar postulado.


O agravo retido não deve ser conhecido. Os pressupostos para admissibilidade dos recursos são de natureza subjetiva, relativos às pessoas legitimadas a recorrer, e objetiva, concernentes à recorribilidade da decisão, tempestividade da interposição, singularidade, adequação, preparo, motivação e forma. Os requisitos se classificam, também, em extrínsecos (preparo, regularidade formal e tempestividade) e intrínsecos (interesse recursal, cabimento, legitimidade, inexistência de fato impeditivo/extintivo). Independentemente da arguição das partes, tais pressupostos devem ser analisados, porquanto a regularidade do processo configura interesse público.


No caso, o agravo retido foi interposto contra a decisão que indeferiu em parte a liminar requerida pelo autor, daí a insurgência para que fosse integralmente deferido o pleito. A concessão de provimento liminar pressupõe a presença do fumus boni juris e do periculum in mora, considerados em especial o risco de grave e irreparável dano e a urgência. A parte, em razão da negativa de sua pretensão, deve interpor o agravo na forma de instrumento e não na forma retida, como fez o Parquet. É nesse sentido o entendimento assente na Superior Corte e neste Tribunal Regional, consoante se exemplifica pelas ementas a seguir colacionadas:


"PROCESSO CIVIL. CONVERSÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RETIDO. RECURSO TIRADO CONTRA DECISÃO EM SEDE DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PROCESSAMENTO. NECESSIDADE. 1. Em se tratando de decisões liminares ou antecipatórias da tutela, o agravo contra elas interposto deve ser, obrigatoriamente, de instrumento. Dada a urgência dessas medidas e os sensíveis efeitos produzidos na esfera de direitos e interesses das partes, não haveria interesse em se aguardar o julgamento da apelação. 2. Recurso ordinário provido." (destaques aditados)
(STJ, ROMS 31445, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 03/02/2012).
"MANDADO DE SEGURANÇA. EXTINÇÃO POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL - MIGRAÇÃO DO SIMPLES PARA O SIMPLES NACIONAL - DEFERIMENTO ADMINISTRATIVO NO PRAZO LEGAL - AUSÊNCIA DE ATO COATOR - SUCUMBÊNCIA - PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE - CUSTAS PROCESSUAIS. 1. Agravo retido prejudicado, porquanto a decisão de concessão da liminar, objeto de inconformismo da recorrente, foi substituída por sentença, não mais subsistindo interesse recursal. 2. A migração do SIMPLES para o SIMPLES NACIONAL consubstanciou-se independentemente de eventual ordem judicial extraída desta ação mandamental, cujo manejo mostrou-se desnecessário, impondo a extinção do feito por absoluta falta de interesse processual e a condenação da impetrante no ônus sucumbencial. 3. Segundo o princípio da causalidade, aquele que tiver dado causa ao ajuizamento da ação responderá pelas despesas processuais e pelos honorários de advogado. 4. Sem embargo de serem incabíveis honorários advocatícios em ação mandamental, nos termos da Lei do Mandado de Segurança, são imputáveis a quem deu causa à ação as despesas correspondentes a título de custas processuais."
(TRF3, AMS 00239362420074036100, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, Sexta Turma, v.u., DJe 11/06/2015).

Por fim, não se impõe o desentranhamento dos documentos que acompanharam o recurso, pois consistem em cópia de matéria obtida na internet e fotografias, cujo retrato do local foi ratificado durante o trâmite processual por meio de outros documentos.



III.2. Do agravo retido interposto pela União às fls. 307/315


A União recorreu do provimento liminar de fls. 248/256 com o escopo de ver deferida a liminar postulada in totum. Entretanto, em seu apelo, deixou de reiterar o agravo retido apresentado, motivo pelo qual o recurso não é passível de ser conhecido, nos termos do artigo 523, § 1º, do CPC/1973, vigente quando de sua apresentação.


A título de registro, não cabe ao Ministério Público Federal reiterar agravo que não interpôs. Tal incumbência é da parte que o apresentou, no caso, a própria União, de modo que a não reiteração do recurso pelo ente federal impõe seu não conhecimento.


O recurso também não deve ser conhecido por outro fundamento, qual seja, ausência de pressuposto para sua admissibilidade, na mesma forma assinalada no item anterior, porquanto desafiou decisão que indeferiu parcialmente a liminar postulada, ou seja, deveria ter sido interposto na forma de instrumento, e não retida, donde deriva a ausência de interesse recursal.


Por tais fundamentos, não conheço do agravo retido da União.



IV. DAS PRELIMINARES PROCESSUAIS



IV.1. Da legitimidade ativa ad causam da União


Aduziu o Município de Santos que a União não teria legitimidade ativa ad causam e deveria, em verdade, compor o polo passivo da lide, porquanto as obras e intervenções lá erigidas contam não só com sua anuência, como de igual forma com sua participação, revelada por sua omissão quanto à tutela de seu patrimônio, na medida em que é a proprietária da área (artigo 11 da Lei nº 9.636/1998).


Os pleitos formulados na exordial remetem à condenação dos réus a determinadas obrigações de fazer e não fazer quanto à região da plataforma do emissário de Santos, bem de propriedade da União. Ainda que o ente federal tenha autorizado a ocupação provisória da área pela SABESP, a natureza e especificidade dos pleitos estão atreladas à causa de pedir que não pode ser imputada à União, em especial quando se afere plausibilidade de que teria sido a princípio lesada, não só por ser a titular do domínio, como porque os termos iniciais de construção do emissário teriam sido descumpridos pela corré. Além disso, houve a celebração de contrato de cessão entre a União e o Município de Santos para o fim de ser ali desenvolvido e instalado projeto de urbanização e ajardinamento, o que não teria sido honrado pelo corréu e, por isso, configuraria justamente um dos pedidos constantes do exórdio.


Os fatos narrados revelam interesse da União passível de oposição aos réus e a habilitam, portanto, a integrar a lide ao lado do Ministério Público, donde não há que se falar em sua ilegitimidade ativa ad causam.



IV.2. Da legitimidade passiva ad causam do Município de Santos


Sustentou a municipalidade não ter legitimidade para figurar no polo passivo da demanda (fl. 152).


Os argumentos não podem ser acolhidos. O alegado dano ambiental teria ocorrido na praia José Menino, a qual está dentro dos limites do município. Além disso, teria havido atuação concorrente da municipalidade que contribuiu para a existência do prejuízo ambiental, na medida em que celebrou contrato de cessão com a União, proprietária do bem (artigo 20 da CF/88). Plausível, também, ter colaborado para incrementar o aduzido dano ambiental mediante realização de eventos de grande porte no espaço, que não seriam pertinentes com sua utilização e limitariam o acesso da população à praia e ao mar. Ademais, a municipalidade tem o dever de primar pela preservação do meio ambiente, a ela atribuído pela própria Carta Magna, nos termos de seu artigo 23, VI, ainda que o patrimônio seja de propriedade da União.


Nesse passo, a preliminar há de ser rejeitada, pois se afigura legítima a presença da municipalidade no polo passivo da lide.



IV.3. Da legitimidade passiva ad causam da SABESP


A SABESP aduziu, em sua defesa, não ser parte legítima para responder pelo dano ambiental (artigo 1º, caput, Lei Estadual nº 119/1973, artigo 295, II c/c artigo 267, VI, do CPC). Arguiu que a utilização da área é de responsabilidade do município, cuja autorização para uso emanou de contrato de cessão celebrado entre ele e a União e, assim, retirou toda e qualquer responsabilidade por eventuais danos decorrentes da manutenção da plataforma submarina e do canteiro de obras.


A cessão do terreno acrescido de marinha ao Município de Santos não retira a legitimidade ad causam da SABESP, porque responsável pela construção da plataforma, por meio de prévia autorização do poder público. Desse pacto administrativo emanou permissão para que a ré utilizasse a área, além da imposição da obrigação de restauração do meio ambiente ao estado original. Assim, atuou diretamente nas obras de construção do emissário de esgotos e, de igual forma, em sua manutenção e em posteriores intervenções. Tal situação se revela à evidência suficiente para que figure no polo passivo da lide, de forma que não há que se falar em sua ilegitimidade.


Lembre-se haver corresponsabilidade dos agentes que causam degradação ambiental, os quais podem ser, inclusive, individualmente demandados em razão da solidariedade, sem prejuízo de ação regressiva eventualmente cabível.



IV.4. Da impossibilidade jurídica do pedido e da falta de interesse processual


Sustentou a SABESP que a plataforma submarina e o canteiro de obras foram agregados ao patrimônio federal e, posteriormente, cedidos ao Município de Santos, situação que revelaria ter o contrato de cessão afastado integralmente a "provisoriedade" de todas as instalações, razão pela qual deveria ser o feito extinto sem apreciação de mérito (artigo 267, VI, do CPC/1973). Não haveria sustentação jurídica para o ajuizamento da lide, uma vez que a União teria deles disposto do modo como lhe interessava e, também, porque não foi dada a "devida destinação", mesmo após o termo de cessão ao município.


O interesse processual é requisito que se faz presente. Da causa de pedir se extrai a possibilidade da ocorrência de dano ambiental derivado de ação e omissão imputáveis aos réus. Cabe postular acerca de sua condenação às obrigações de fazer e não fazer para preservação do patrimônio ambiental. Não há que se falar em situação consolidada que por si seja causa excludente absoluta do dever de preservação do meio ambiente imposto ao poder público e a toda a sociedade ou à pretensão à responsabilização por eventuais danos, inclusive à luz da teoria do risco integral, aplicável à espécie.


O pedido é juridicamente possível, encontra ampla legislação e regulamentação que tutela os interesses sub judice, motivo pelo qual, da mesma forma, não está ausente tal pressuposto. Ademais, afigura-se a priori ter havido descumprimento de deveres pactuados com a União e a possibilidade de a conduta dos réus ter causado o dano ambiental, como visto, situação hábil a justificar o ajuizamento do feito.



IV.5. Da Conexão


O Município de Santos sustentou haver conexão entre este feito e a ação civil pública nº 2003.61.04.001402-4, a qual foi intentada com o escopo de impedir a construção do "Museu Pelé" na plataforma do emissário da cidade. Assim, a fim de se evitar decisões conflitantes, deveriam os feitos ser conjuntamente apreciados.


A arguição está ultrapassada em razão da ocorrência de fato superveniente, qual seja, o julgamento definitivo da mencionada lide pela 3ª Turma desta Corte Regional, relatora Desembargadora Federal Cecília Marcondes, cujo acórdão transitou em julgado em 17/10/2012, com baixa à vara de origem na mesma data e arquivamento dos autos em 04/07/2013, consoante informações extraídas do sistema informatizado.



IV.6. Da Nulidade da Sentença


Ab initio, para a aferição epigrafada, registre-se que aos fundamentos a seguir declinados deve ser somada a narrativa fática e o trâmite processual anteriormente consignados.

A sentença prolatada pelo Juízo da 4ª Vara Federal em Santos (fls. 1290/1326) assim dispôs:


a) em relação à SABESP:


a.1) extinguiu o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC, c.c. artigo 462 do CPC, quanto aos pedidos de condenação à obrigação de fazer atinente à recomposição da área "B" ao estado natural anterior à construção do emissário (item 1.1. da inicial), bem como a manter a área "A" nas condições e com as ressalvas deduzidas no item 1.2 "a" da exordial;


a.2) extinguiu o feito sem apreciação de mérito quanto ao pedido de licenciamento formulado no item 1.2. "b", nos termos do artigo 267, VI, do CPC, e revogou a liminar concedida;


a.3) julgou improcedente o feito em relação à recomposição da área "A";


b) em relação ao Município de Santos:


b.1) extinguiu o processo sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, inciso VI, c.c. o artigo 462, ambos do Código de Processo Civil, relativamente a todos os pedidos.


Pode-se destacar dos fundamentos exarados pelo Juízo de 1º grau: os autores não expuseram, na inicial, as situações concretas que demandariam necessidade de licenciamento, tampouco demonstraram o potencial poluidor das intervenções; o pedido formulado foi genérico e seu deferimento implicaria a prolação de sentença de caráter normativo; a alternativa de remoção da plataforma está atrelada a evento futuro e incerto; a recomposição ambiental estaria ligada à possibilidade de desativação do emissário, de perda da função da plataforma ou advento de inovações tecnológicas quanto ao sistema de tratamento e lançamento do esgoto; a prorrogação da cessão para utilização da plataforma pela proprietária da área demonstra que a própria União não está segura quanto à viabilidade de sua remoção; os fatos supervenientes à propositura da demanda alteraram a realidade inicial, com destaque para a concretização da urbanização da plataforma do emissário.


Tanto o MPF quanto a União, em suas razões recursais, aduziram a nulidade do decisum, porquanto teria violado o direito à ampla defesa e ao contraditório, a tornar imperioso o retorno dos autos à origem para realização de perícia. A própria magistrada sentenciante teria reconhecido a necessidade da realização de prova técnica para o deslinde da controvérsia posta e, no entanto, porque não realizada, entendeu não ter havido a comprovação dos fatos alegados, em especial não demonstrada a inequívoca nocividade da permanência da plataforma. Disso decorreria, no entender dos apelantes, a obrigação de ter sido designada de ofício a perícia, nos termos dos artigos 130 e 131 do CPC/1973.


O tema foi também aventado no parecer ministerial de fls. 1469/1482, em cujo bojo foi suscitada a nulidade da sentença por violação ao citado artigo 130 do CPC/1973, em razão da omissão judicial quanto ao poder-dever de determinar ex officio a realização das provas imprescindíveis à formação de seu convencimento para, assim, colocar fim à lide com apreciação de mérito.


De igual forma, a SABESP se manifestou sobre a quaestio em suas contrarrazões, nas quais aduziu não haver qualquer nulidade, descabido, portanto, determinar que seja "sanada", a tornar inaplicável o artigo 515, § 4º, do CPC, sob pena de supressão de instância e violação à ampla defesa.


Antes de realizar a pertinente análise, necessário registrar uma ponderação quanto às razões recursais apresentadas pelas partes. Diversos argumentos não se coadunam integralmente ao provimento recorrido e fazem uma releitura equivocada do pleito efetivamente apresentado na petição inicial, ou seja, mostram-se contraditórios entre si e com a própria pretensão formulada. Portanto, e até mesmo para que o julgamento da presente lide se revele efetivo, imperioso considerar, no exame das razões, o conjunto suscitado pelos apelantes atrelado a viés argumentativo que guarde compatibilidade com a sentença e com o pedido, este considerado nos exatos termos constantes da peça inaugural, inclusive à luz do interesse processual.


A título ilustrativo, registre-se que o "pedido" formulado pela União em seu apelo para condenação da SABESP a indenizar pelos danos decorrentes de "tamanha intervenção humana em ecossistema tão frágil" é totalmente descabido, pois extrapola os limites do pleito posto em sede da exordial.


Tampouco se vislumbra situação hábil ao reconhecimento da litigância de má-fé, como suscitado pela SABESP em suas contrarrazões, porquanto a incongruência argumentativa não revela acintosa violação aos deveres de lealdade processual nem encontra enquadramento em quaisquer das hipóteses do artigo 17 do CPC/1973, motivo pelo qual descabe a pretendida condenação.


Anote-se, ainda, não ser caso de desentranhamento dos documentos que acompanharam o apelo, porque retratam fatos novos, supervenientes ao ajuizamento, e têm pertinência com o andamento da construção do parque público (artigos 386 e 387 do CPC/1973).


A quaestio cerne deste tópico reside em aferir se foi ou não devidamente conduzida a instrução probatória, ou seja, se era de fato necessária a realização da prova pericial. Os argumentos apresentados pelo MPF e pela União, concernentes à necessidade de ser produzida tal prova - tema reapreciável inclusive por força do reexame necessário - merece acolhida, daí a tornar imperioso declarar a nulidade da sentença.


Extrai-se dos elementos dos autos, consoante o histórico anteriormente narrado, que a área sub judice foi alvo de diversos projetos de urbanização. Alguns deles estavam deliberadamente voltados ao interesse privado, como a construção de shopping center, com salas de cinema e espaço para exploração comercial. Outros, todavia, foram concebidos para atender ao interesse público e restaurar a arborização local, a exemplo dos empreendimentos que visavam à implantação de museu, parque e áreas verdes.


É importante ressaltar que o espaço sofreu diversos abalos em sua estrutura, decorrentes de instabilidades oriundas tanto de eventos humanos quanto naturais, como já consignado. A título de exemplo, consta dos autos que não foi possível enterrar completamente a tubulação em razão do impacto das marés e constantes ressacas, as quais desestabilizaram o enrocamento frontal por movimentar os blocos de pedra que serviam de proteção aos canos, situação que demandou atuação emergencial da SABESP no sentido de reforçar as estruturas expostas - cuja intervenção não foi precedida de estudo ambiental, consoante os elementos dos autos.


É de interesse público primário definir a destinação da plataforma e área contígua, seja para fins de sua remoção ou para possibilitar seu uso em máxima consonância com a legislação ambiental. Neste momento, o espaço está aparentemente estabilizado, mesmo considerados os projetos ali executados, a saber, a instalação do parque com espaço para skate, museu e píer do surfe, monumento e portal. Tal utilização, no entanto, não se revela em coadunação aos primados da preservação do meio ambiente, tampouco está pautada pela precaução. Como visto, são constantes as interferências que o local sofre, abarcadas as ocorrências naturais. Essa situação coloca em risco não só as instalações ali erigidas, como o próprio público que frequenta o local, revelada, assim, ameaça à segurança e incolumidade pública.


É de se anotar que o procedimento de licenciamento ambiental foi iniciado para fins de construção do Museu Pelé e interrompido por questões documentais, consoante anteriormente registrado (situação debatida nos autos da ação civil pública nº 2008.61.04.002724-7). Destarte, não se encontra nos autos tenha sido o novo projeto, atinente à utilização para o parque e arborização, devidamente licenciado pelas autoridades ambientais.


Ainda que o tivesse sido, a perícia se revela fundamental para o fim de se aferir sobre a possibilidade de integral restauração do ecossistema local, com restabelecimento da orla marítima. A tecnologia à época de concepção do emissário, em 1974, já apontava a possibilidade de a tubulação ficar integralmente submersa, retirada a plataforma ao final das obras. Tanto é possível que obra similar foi realizada em Praia Grande e Guarujá, locais em que a praia não se verifica abruptamente interrompida por obra que se viu perpetuada por erro em sua execução.


Não se podem considerar como demonstração suficiente da realidade do local os estudos colacionados aos autos e que embasaram a sentença recorrida. O laudo da FUNDESPA foi realizado em setembro de 2003 e o estudo do Instituto Geológico data de julho de 2004. É possível que, desde então, tenha havido desenvolvimento de tecnologia que seja hábil à plena recomposição da área, inclusive com remoção da plataforma, para ser integralmente restaurado o meio ambiente ao statu quo ante.


O juiz é o destinatário da prova e a ele compete decidir sobre sua necessidade e pertinência, de modo a formar sua convicção para julgar fundamentadamente a lide, sopesado todo o conjunto probatório, inclusive sem estar adstrito a eventual laudo técnico (artigos 131 e 436 do CPC/1973; artigo 93, IX, da CF/88). Para deferimento ou não da realização da prova pericial ou sua determinação ex officio deve ser considerado o pedido apresentado na exordial, além do conjunto das provas já produzidas, aferido se de fato é imprescindível à elucidação dos fatos. Em suma, cabe ao magistrado determinar a conveniência e a necessidade da produção probatória, mormente quando, por outros meios, já esteja persuadido acerca da verdade dos fatos, entendimento absolutamente sedimentado em nossa jurisprudência pátria (STJ, AGAREsp 515088).


In casu, o próprio Juízo a quo apontou, nos fundamentos da sentença, que a realização da prova pericial poderia ter contribuído para esclarecer quanto à atual situação do emissário, inclusive para aferir sobre a viabilidade de remoção ou não da plataforma, o que revela ausência de convicção quanto ao teor do julgamento proferido. Em que pese consideradas pela magistrada sentenciante outras circunstâncias para se entender pela extinção do feito sem apreciação de mérito quanto a alguns pedidos e pela improcedência de um deles, precipuamente a superveniência de fatos que alteraram substancialmente a realidade fática sub judice, a não realização de perícia por perito nomeado pelo Juízo macula a sentença, pois tal prova tem o condão efetivo de mudar o rumo da instrução probatória até então realizada, como reconhecido em sede do próprio provimento recorrido.


Apesar de as partes não terem requerido a produção da prova técnica, é esta imprescindível à perfeita compreensão da situação do local sub judice, a fim de que se profira julgamento que de fato resolva a lide com justiça, acolhida a máxima proteção ambiental. Ademais, como suscitado pelas partes, não se pode olvidar do "poder-dever" do magistrado quanto à determinação ex officio de provas (artigo 130, CPC/1973).


Assim sendo, consoante bem observado pelo Parquet Federal em seu parecer nesta instância (fl. 1470), será possível aferir sobre a possibilidade da plena recuperação do local e acerca da omissão do poder público quanto à integral recuperação do meio ambiente após o término das obras, em especial em relação ao "conjunto praia-mar, fluxo de águas e areia", para o escopo de restauração do tômbolo ao estado natural antes existente.


Não se pode ignorar o fato de que o local, em especial por sua beleza natural, foi muito disputado pela inciativa privada para a execução de empreendimentos e atração de turismo, a demandar inclusive o aporte de recursos públicos para obras na região. Tal risco ainda remanesce e não se pode conceber que prepondere sobre o primado da máxima preservação ambiental. Assim, vislumbrada a possibilidade de restauração do local mediante retirada da plataforma, deve a opção ser priorizada em detrimento das demais que visem à sua manutenção na área.


Por derradeiro, vale um registro quanto aos dispositivos processuais aplicáveis à espécie. Mesmo ponderada a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, aplicam-se os regramentos do Código de 1973 quanto às provas em sua vigência requeridas ou determinadas, na forma do artigo 1.047 das disposições transitórias do CPC/2015, verbis:


Art. 1.047.  As disposições de direito probatório adotadas neste Código aplicam-se apenas às provas requeridas ou determinadas de ofício a partir da data de início de sua vigência.

Considerada neste momento processual determinada a realização da prova pericial, demanda-se a incidência da disposição contida no artigo 375 do CPC/2015, a qual mais ainda legitima sua realização:


Art. 375.  O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.

In casu, não se pode conceber que a manutenção das instalações realizadas para fins de emissão de esgotos na Praia do José Menino seja caso de aferição derivada da experiência comum, tampouco de regras de experiência técnica de ordinário cognoscíveis, porquanto revelam extrema complexidade, a demandar estudo de especialista. Portanto, não é possível concluir incontinenti sobre a efetiva impossibilidade de restauração do local ao seu estado anterior às intervenções.


O que se pode dizer, a partir da experiência comum ou de ordinária observação, em verdade, é que a ciência e tecnologia estão em constante evolução, daí a ser possível a existência de novas técnicas passíveis de utilização no local sub judice para recuperação do ambiente. Deveria a magistrada, portanto, na ocasião da prolação da sentença, ter considerado a possibilidade de haver inovação técnica hábil a propiciar a remoção da plataforma, tal qual propugnado na peça inaugural, e determinado a realização da prova pericial, até mesmo porque declarou expressamente sobre sua imprescindibilidade, no bojo do provimento impugnado, para o deslinde da controvérsia.


Acresça-se, ademais, que a perícia se demonstra útil e necessária na medida em que há dados técnicos nos autos que indicam a possibilidade de remoção da plataforma. A título exemplificativo, registre-se que o projeto inicial previa que a tubulação teria condições de ficar inteiramente "enterrada" ao longo da faixa da praia, donde desnecessária a manutenção da plataforma para sua proteção.


Anote-se que eventuais dificuldades ocorridas durante a execução da obra podem ser hoje superadas, à vista das novas tecnologias, como já mencionado, a propiciar o retorno da área ao panorama ambiental original, com o desfazimento da plataforma e restauração do espaço utilizado para aterro. Para tanto, torna-se imperioso considerar no estudo técnico, também, se há efetiva "consolidação das rochas" colocadas pela SABESP no entorno da plataforma, em sobreposição à estrutura original, para firmar de modo emergencial a sustentação da tubulação.


Impende consignar, ainda, algumas ponderações sobre o estudo da FUNDESPA, na parte em que analisa os prováveis efeitos da retirada da plataforma. O parecer informa que o sistema precisaria ficar parado "por no mínimo 12 horas", "o que provocaria um caos nas cidades de Santos e São Vicente". Ora, para tal execução, há de se proceder à realização do pertinente estudo, abarcada primordialmente alternativa técnica (locacional) para o destino provisório do esgoto enquanto realizadas as obras, de modo que não se detecta perigo de dano irreversível durante a consecução da remoção da plataforma, caso aferida sua possibilidade.


Quanto aos inconvenientes de trânsito, qualquer obra do poder público os provoca, pois se faz necessário o isolamento da área para a margem de segurança pública, situação que é provisória e causará tão somente momentâneo incômodo, em especial se cotejado ao beneficio que advirá da restauração da orla marítima.


Por certo, é inegável a "vocação natural" do espaço para o lazer, como apontado no laudo elaborado pela FUNDESPA (fl. 184). No entanto, à luz do primado da máxima preservação ambiental, inclusive constitucionalmente contemplada, não pode ser priorizado o lazer em detrimento da conservação do meio ambiente, mais um motivo pelo qual se entrevê imprescindível a realização de perícia para fins de avaliar a possibilidade de reverter o dano ambiental causado ao local, frise-se, mediante remoção da plataforma e integral restauração do antigo canteiro de obras (áreas "A" e "B", na forma narrada no exórdio).


Verificou-se aventado nos autos, também, que a "urbanização da plataforma" consolidaria o espaço, sem possibilidade de sua remoção. Tal não é a conclusão que se dessume do conjunto dos elementos probatórios, inclusive dos estudos técnicos colacionados, na forma anteriormente esposada, razão pela qual não se firma o argumento. Deve ser, assim, avaliada a possibilidade de restauração das características originais da área e eliminada a supressão do mar e praia, compreendida também a remoção das estruturas ali erigidas (portal e monumento).


Considerados os fundamentos ora expostos, não se perquire acerca de discricionariedade do poder público quanto à manutenção do espaço tal como se encontra atualmente. O dever dos entes públicos ora demandados está devidamente delineado em nosso ordenamento pátrio, direcionado à preservação do meio ambiente em sua integralidade, de modo que devem ser adotadas todas as providências que rumem nesse sentido - o que não se verificou realizado até agora. Tal conduta prima, inclusive, pela melhor destinação da área e seu adequado uso pela população.


De se anotar, ainda, quanto à assertiva de que a retirada da plataforma causaria "dispêndio" desnecessário de recursos públicos para a restauração do local - que a princípio estaria em "perfeito funcionamento" (fl. 182) -, não ser válida como argumento para embasar sua manutenção. É dever da administração pública zelar pelo bem comum e pelo interesse público, in casu, pela integral proteção ambiental, na forma já declinada, o que significa aporte dos recursos orçamentários a tanto necessários. Se a plataforma se viu mantida até hoje, inclusive por força de obras emergenciais de reforço de estrutura, o mesmo recurso público poderá ser investido em sua remoção, restaurado integralmente o ambiente marinho, o que implicará, até mesmo, ser poupado o erário, pois, removida a estrutura, nenhuma manutenção se fará mais necessária e será "devolvida" a formação litorânea, bem de uso comum do povo.


Não realizada a prova pericial, essencial à formação do convencimento para o escopo de julgamento do feito, presente vício de nulidade da sentença proferida, motivo pelo qual se a declara e se determina o retorno dos autos à origem para realização da instrução probatória, em especial de perícia técnica por expert a ser nomeado pelo Juízo a quo, a fim de ser aferida a possibilidade de remoção da plataforma do emissário de Santos, bem como as consequências daí decorrentes, com o fito de ser atingida a máxima proteção ambiental.


Reconhecida dita nulidade, fica prejudicada a análise dos demais argumentos suscitados em sede dos recursos apresentados, o que não importa qualquer omissão na apreciação ora exarada.



V - DO DISPOSITIVO


Ante o exposto, não conheço dos agravos retidos, rejeito parte das preliminares processuais, acolho a de nulidade da sentença recorrida e dou parcial provimento às apelações do MPF e da União, inclusive por força do reexame necessário, para determinar a realização de prova pericial que afira a atual possibilidade de remoção da plataforma construída (emissário de Santos) e conservação da área contígua, bem como as consequências daí decorrentes, com o fito de ser atingida a máxima proteção ambiental.


É o voto.




André Nabarrete
Desembargador Federal Relator


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