Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001123-17.2008.4.03.6181/SP
2008.61.81.001123-2/SP
RELATORA : Juiza Convocada DENISE AVELAR
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : LUIZ HENRIQUE DIDIER
ADVOGADO : SP080843 SONIA COCHRANE RAO e outro(a)
APELADO(A) : CELIA YADA
ADVOGADO : SP169064 PAULA SION DE SOUZA NAVES e outro(a)
EXCLUIDO(A) : VILMA GOMES DE SOUZA (desmembramento)
No. ORIG. : 00011231720084036181 6P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. OPERAÇÃO DE CÂMBIO SIMULADA. GESTÃO FRAUDULENTA. CRIME PRÓPRIO. ADMINISTRADOR OU CONTROLADOR DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. PARTICIPAÇÃO DE TERCEIROS. ADMISSIBILIDADE. CRIME ACIDENTALMENTE HABITUAL. ATO ISOLADO APTO À CONFIGURAÇÃO DELITIVA.
I - A materialidade do crime decorre da inconsistência de operações de câmbio informadas ao Banco Central do Brasil pela instituição financeira, evidenciada na afirmação dos nominalmente contratantes segundo a qual não teriam efetivamente adquirido moeda estrangeira, tendo apenas comparecido na unidade da entidade munidos de documentação pessoal em troca de vantagem pecuniária prometida por agente aliciador, circunstância a denotar o emprego de pessoa interposta para mascarar a verdadeira natureza e os factuais beneficiários das transações registradas.
II - A autoria é extraída do acervo probatório coligido nos autos, pelo qual se verifica ter sido a ré quem prestou atendimento aos nominalmente contratantes, sem, contudo, receber moeda nacional ou entregar-lhes numerário estrangeiro. Por sua vez, relativamente ao outro réu, a autoria se manifesta pela posição de gerência máxima ocupada na instituição, não podendo ignorar a repercussão no caixa da entidade causada pelo registro de operações que não correspondem efetivamente a ingressos e saídas de valores informados ao ente fiscalizador, à vista dos aperfeiçoados e exigentes padrões de controle inerentes à atividade financeira privada. Ademais, apesar da gravidade das irregularidades constatadas, o réu não adotou qualquer providência para esclarecer os fatos e apurar eventuais responsabilidades internas, reproduzindo o típico comportamento conivente descrito pelas teorias da cegueira deliberada ("Willful Blindness Doctrine"), da instrução de avestruz (Ostrich Instructions) e do ato de ignorância consciente ("Conscious Avoidance Doctrine").
III - O delito de gestão fraudulenta de instituição financeira é crime próprio, para cuja prática exige-se a qualidade de controlador ou administrador de instituição financeira, conforme o disposto no art. 25 do diploma legal em exame, admitindo-se, porém, a participação relativamente a terceiros estranhos à administração da entidade, eis que a condição especial do agente constitui elementar do crime, de acordo com o art. 30 do Código Penal.
IV - O ato de administração ou gestão compreende a atividade de operação de câmbio executada por casa de câmbio, consoante precedente desta Corte, atraindo a incidência do tipo descrito no art. 4ª da Lei 7.492/1986.
V - A administração ou gestão qualifica-se como fraudulenta quando é empregado artifício visando induzir ou manter em erro terceiro ou o Poder Público sobre as verdadeira natureza das atividades desenvolvidas pela instituição financeira.
VI - A jurisprudência majoritária tem entendido cuidar-se de crime acidentalmente habitual, bastando um ato isolado para a sua consumação, tendo sido identificadas nos autos 04 (quatro) movimentações cambiais simuladas, realizadas nos dias 16 e 17 de outubro de 2007.
VII - Apelação da acusação provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar os réus Célia Yada e Luiz Henrique Didier, pela prática da conduta tipificada no art. 4º da Lei 7.492/1986, à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão, a ser iniciada no regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, unitariamente fixado respectivamente em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo e 01 (um) salário mínimo vigente à época, devendo as penas privativas de liberdade ser substituídas por 02 (duas) restritivas de direito consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ou privadas, pelo mesmo prazo da condenação, e prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos para cada réu, em benefício de entidade com destinação social, tudo conforme for estabelecido pelo Juízo das Execuções Penais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 01 de dezembro de 2015.
DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001123-17.2008.4.03.6181/SP
2008.61.81.001123-2/SP
RELATORA : Juiza Convocada DENISE AVELAR
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : LUIZ HENRIQUE DIDIER
ADVOGADO : SP080843 SONIA COCHRANE RAO e outro(a)
APELADO(A) : CELIA YADA
ADVOGADO : SP169064 PAULA SION DE SOUZA NAVES e outro(a)
EXCLUIDO(A) : VILMA GOMES DE SOUZA (desmembramento)
No. ORIG. : 00011231720084036181 6P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em face de Luiz Henrique Didier e Célia Yada pelos crimes descritos nos arts. 4º, caput, e 21, parágrafo único, ambos da Lei n. 7.492/86, na forma dos arts. 29 e 71, do Código Penal e, em face de Luiz Henrique Didier, Célia Yada e Vilma Gomes de Souza pelo crime descrito no art. 299, do Código Penal, na forma dos arts. 29 e 71, do mesmo diploma legal.

Consta da denúncia (fls. 245/249):

"(...)

Em 17 de outubro de 2007, Vilma, dando continuidade a uma atividade que já desempenhava há algum tempo, ofereceu R$25,00 (vinte e cinco reais) a cada um de cinco interessados em, munidos de carteira de identidade, cartão de CPF e comprovante de residência, compareceram a uma casa de câmbio, fornecerem seus dados pessoais e assinarem documentos que lhes seriam apresentados.

As pessoas cooptadas por Vilma, embora animadas com a possibilidade de ganhar um dinheiro extra sem muito esforço, não tinham perfeita ciência de que seus dados pessoais seriam utilizados em operações fictícias de comercialização de moeda estrangeira, nem que os documentos que assinariam corresponderiam a boletos de venda de moeda estrangeira.

Foi assim que Vilma levou, a bordo de seu veículo Astra placas MZS-2806, Lenilson (fls. 7), Francisco (fls. 9), Adinailda (fls. 11), Cristina (fls. 13 e 142) e Nathalli (fls. 15 e 141) à Didier-Levy Associados Corretora de Câmbio, situada, à época, à Avenida Paulista, 1499.

Enquanto Vilma esperava a bordo de seu veículo, os acima nominados entraram na corretora e foram atendidos por Célia, funcionária da empresa.

Célia, seguindo orientações de Luiz Henrique, único administrador da empresa conforme suas próprias declarações (fls. 234) e as de seus sócios (fls. 228 e 236), após preencher boletos de câmbio tipo 4 (transferência para o Exterior) com os dados pessoais das pessoas acima indicadas, colheu as respectivas assinaturas nos documentos.

Ocorreu que, na mesma data, policiais civis faziam vigilância no local visando confirmar notícia anônima que dava conta da utilização de laranjas em operações de câmbio. Assim, ao saírem do estabelecimento, as cinco pessoas que cederam seus dados para que boletos de câmbio ideologicamente falsos fossem forjados, juntamente com Vilma, foram encaminhadas ao 51º DP, onde foram ouvidos e liberados.

Lenilson (fls. 7), Francisco (fls. 9), Adinailda (fls. 11), Cristina (fls. 13 e 142) e Nathalli (fls. 15 e 141) confirmaram não ter vendido ou comprado moeda estrangeira, afirmando que apenas emprestaram seus dados pessoais e assinaram os documentos que lhes foram apresentados porque precisavam do dinheiro oferecido por Vilma. Esta, por seu turno, afirmou que recebia R$ 5,00 (cinco reais) por pessoa encaminhada à casa de câmbio e outros R$ 30,00 (trinta reais) para despesas de transporte.

Enquanto isso, na Didier-Levy, Célia, dando continuidade à execução das orientações de Luiz Henrique, visando ocultar os efetivos compradores de moeda estrangeira, encaminhava os boletos para registro no Sisbacen. O registro efetivamente ocorreu como se pode verificar pelas informações do Bacen (fls. 89/90, 140 e no CD de fls. 201).

Temos assim que, Luiz Henrique e Célia informaram falsamente ao Bacen as seguintes operações de venda de moeda estrangeira (fls. 140):


Cliente  Valor (US$) 
Francisco das Chagas Vieira do Nascimento   5.100,00 
Cristina Nunes dos Santos  4.900,00 
Adinailda Barboza Queiroz  4.900,00 
Nathalli Baggi da Silva  5.000,00  

Pode-se observar que, por algum motivo desconhecido, o nome de Lenilson não foi inserido no Sisbacen.

Ademais, Vilma também aparece como tendo realizado duas operações em datas anteriores (27.08.2007 e 05.10.2007), nos valores, respectivamente, de R$ 4.500,00 e R$ 4.950,00.

Às fls. 139, as mesmas pessoas constam como tendo adquirido moeda estrangeira em outra casa de câmbio, a saber, Action S/A DTVM, fato a ser apurado em autos apartados.

Pelo acima exposto, Luiz Henrique e Célia, pré-ajustados e com unidade de desígnios, sendo Luiz Henrique o mentor e organizador das atividades criminosas, nos termos do art. 62, I, do Código Penal:

a) Entre agosto e outubro de 2007, ao gerirem fraudulentamente a Didier-Levy Associados Corretora de Câmbio, falsificando ideologicamente boletos de câmbio e prestando informações falsas ao Banco Central, incorreram no art. 4º caput da Lei n. 7492/86 c.c. art. 29 do Código Penal.

b) Ao prestarem ao Banco Central, através do Sisbacen, por pelo menos quatro vezes, informações falsas para a realização de operações de câmbio, incorreram no art. 21 § único da Lei 7.492/86 c.c. arts. 29 e 71 do Código Penal.

Ademais, Luiz Henrique, Célia e Vilma, pré-ajustados e com unidade de desígnios:

Ao inserirem em documentos públicos, por pelo menos quatro vezes, declarações falsas com o fito de alterar a verdade sobre fatos juridicamente relevantes, quais sejam, as reais identidades de compradores de moeda estrangeira, incorreram no art. 299 do Código Penal, c.c. arts. 29 e 71 do mesmo diploma legal.

(...)"

A denúncia foi recebida em 14/03/2012 (fls. 250/251).

Na decisão de fl. 410/412 foi determinado o desmembramento do feito em relação à acusada Vilma Gomes de Sousa, a qual foi citada por edital, mas não compareceu, nem constituiu advogado.

Em sentença publicada em 11/11/2013 (fl. 826) o pedido foi julgado improcedente para absolver Luiz Henrique Didier e Célia Yada, nos termos do art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal (fls. 824/826).

O Ministério Público Federal interpôs o recurso de apelação pugnando pela condenação dos acusados pela prática dos delitos acima mencionados (fls. 839/843).

Com contrarrazões (fls. 847/863 e 864/879), os autos subiram a esta Corte.

A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso interposto pela acusação, reformando-se integralmente a r. sentença absolutória (fls. 885/892).

É o relatório.

À revisão.


DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


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Data e Hora: 23/11/2015 17:19:00



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001123-17.2008.4.03.6181/SP
2008.61.81.001123-2/SP
RELATORA : Juiza Convocada DENISE AVELAR
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : LUIZ HENRIQUE DIDIER
ADVOGADO : SP080843 SONIA COCHRANE RAO e outro(a)
APELADO(A) : CELIA YADA
ADVOGADO : SP169064 PAULA SION DE SOUZA NAVES e outro(a)
EXCLUIDO(A) : VILMA GOMES DE SOUZA (desmembramento)
No. ORIG. : 00011231720084036181 6P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Resumidamente, a acusação sustenta a suficiência do acervo probatório coligido para amparar a condenação penal dos réus pela prática dos delitos tipificados nos arts. 4º e 21, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986 e art. 299 do Código Penal.


I. Materialidade


O material probatório coligido nos autos se revela hábil à demonstração da materialidade delitiva.

Com efeito, o documento de fls. 137/140 evidencia o registro no Sistema de Informações do Banco Central do Brasil (SISBACEN) de operações consistentes na aquisição de moeda estrangeira, intermediadas pela pessoa jurídica Didier-Levy Associados Corretora de Câmbio, instituição financeira equiparada na forma do art. 1º, I, da Lei n. 7.492/1986, em nome de Francisco das Chagas Vieira do Nascimento, Cristina Nunes dos Santos, Adinailda Barboza Queiroz e Nathalli Baggi da Silva, datadas de 16 e 17/10/2007.

Contudo, a prova oral produzida em sede investigativa e na instrução processual revela que os contratantes mencionados não adquiram nenhum numerário, tendo simplesmente cedido seus nomes para a formalização de operações de câmbio simuladas, motivados por promessa de vantagem pecuniária.

A propósito, confira-se o teor das declarações prestadas à autoridade policial por Francisco das Chagas Vieira do Nascimento e Adinailda Barboza Queiroz:


"Informa que nesta data passava pela rua da casa de VILMA, quando viu uma fila de pessoas. Perguntou o que era aquela fila, quando foi informado pela própria VILMA, de que se estivesse interessado em ganhar R$ 25,00 (vinte e cinco reais), deveria acompanha-la até a Avenida Paulista, levando consigo seu RG, CPF e comprovante de endereço. Aceitou a proposta e foi com VILMA, junto com mais quatro pessoas, no carro da mesma, até o local. Entrou no local, junto com as outras quatro pessoas, quando forneceu seus dados para uma moça, e logo depois assinou seu nome em um papel. Indagado se em algum momento fora informado sobre o que se tratava aquele documento que assinou ou sobre o que fariam com seus dados, alega que de nada fora informado, apenas que VILMA lhe disse que depois receberia R$ 25,00 (vinte e cinco reais). Após assinar os papéis, quando saíam do local em que VILMA os levara, foram abordados por policiais desta Distrital. Afirma não ter qualquer conhecimento ou ter recebido qualquer informação sobre qual seria o destino dado ao documento que assinou." (fls. 09/10).

"Informa que uns conhecidos lhe perguntaram se queria fazer 'um bico', alegando que ganharia a importância de R$ 25, 00 (vinte e cinco reais), sendo que para tanto, deveria levar seu RG, CPF e comprovante de endereço, esperar pela pessoa de WILMA no bairro onde reside, quando seria levada até uma casa de câmbio, onde deveria fornecer seus dados e assinar um documento. Assim o fez nesta data, quando foi levada por WILMA, com mais quatro pessoas até a casa de câmbio que fica na Avenida Paulista, quando todos subiram e WILMA ficou esperando do lado de fora. Após ter entrado na casa de câmbio, WILMA ligou em seu telefone celular perguntando se já havia entrado. Após ter fornecido seus dados e assinado um documento, estava sendo levada para casa, por WILMA, no carro dela, junto com as quatro pessoas que a acompanharam, quando foram abordados por policiais civis desta Distrital. Informa que não chegou a receber o valor que lhe fora prometido. Indagada se tem dólares para vender para ter ido até a casa de câmbio, informou negativamente, alegando que apenas emprestaria seus dados. Esclarece por fim que não foi informada sobre o que seria feito com seus documentos, tampouco sobre o que seria o documento que assinou." (fls. 11/12).

Por sua vez, também em sede policial, Cristina Nunes dos Santos, declarou o seguinte:

"Informa que na data de hoje, quando foi levar seu filho à creche, a mãe de uma outra criança, da qual não sabe informar nome ou endereço, lhe perguntou se queria ganhar R$ 25,00 (vinte e cinco reais) dizendo que se houvesse interesse, deveria esperar na Estrada das Lágrimas, próximo a Rua Santa Edvirges, levando seu RG, CPF e comprovante de endereço, que um carro pegaria várias pessoas que lá estariam, as levando até a Avenida Paulista, onde onde deveria seria conduzida até uma casa de câmbio, apresentar seus documentos e dizer que era indicada da WILMA. Foi até o local, junto com mais quatro pessoas, em um veículo conduzido pela própria WILMA, sendo que chegando no local, forneceu seus dados e assinou um papel. Informa que ficou sabendo por WILMA e pelas outras pessoas, as quais disseram que no local onde deveria assinar o documento para receber o dinheiro, se tratava de uma casa de câmbio onde compravam dólares. Esclarece que não foi informada para qual fim seriam utilizados seus dados, vez que não possui dólares para vender, sendo que apenas emprestaria seus dados pessoais. Por fim, esclarece ter conhecimento de que várias pessoas do seu bairro já foram ao local, assinaram um documento e receberam R$ 25,00 (vinte e cinco reais) e que nesta data, após assinar o documento, quando saía da casa de câmbio, todos foram abordados por policiais desta Distrital, informando, ainda, que não recebeu o valor que lhe fora prometido." (fls. 13/14).

Tais declarações foram posteriormente confirmadas em Juízo, ouvida a depoente na qualidade de testemunha:


"Lá na creche do meu filho tinha umas mães, que sempre falava: 'Olha, é ...tão chamando pra ir trocar dólar pra comprar dólares, e você ganha trinta reais'. E na época eu estava desempregada, então é assim que a gente encontra na saída ou na entrada. E aí, eu perguntei que dia era, eu estava desempregada, aí falou assim sempre ao sábado. Aí eu falei assim 'Tá bom', aí combinava o lugar, que era lá na rua e falou assim às oito horas esteje lá que a perua vai passar e vai pegar e leva todo mundo. E aí tá, nesse dia eu nunca tinha ido, neste dia eu fui, e aí quando chegou aqui na Paulista aí entrou todo mundo, desceu do carro, aí começava a ir uma pessoa por uma pessoa. Aí, quando todo mundo estava saindo aí apareceu os homens do carro e falou assim que estava todo mundo preso." (fls. 527 e 529).

Já Nathalli Baggi da Silva, em sede policial, assim se manifestou:


"Informa que por intermédio de uma conhecida de nome FERNANDA, no dia 09 de outubro próximo passado, um dia antes de completar dezoito anos, tomou conhecimento de que uma pessoa, da qual nada sabe informar, estaria convidando pessoas para acompanha-la até Avenida Paulista, próximo ao n, 1471, onde deveriam levar seu RG e CPF e comprovante de residência, quando assinariam um papel e ganhariam a importância de R$ 25,00 (vinte e cinco reais). FERNANDA, ainda lhe informou que sabia apenas que no local indicado, compravam dólares e precisavam dos seus dados, não informando para qual finalidade seus dados seriam utilizados. Nesta data se dirigiu até as proximidades de sua residência, onde encontrou a pessoa de WILMA, a qual lhe levou, de carro, juntamente com mais quatro pessoas, para a casa de câmbio, onde forneceu seus dados pessoais e documentos, assinou um único papel e estava sendo levada, pela WILMA, na companhia das outras quatro pessoas, as quais também forneceram seus dados e documentos e assinaram um documento, quando na saída daquela casa de câmbio, foram abordados por policiais desta Distrital. Alega que conheceu WILMA apenas na data de hoje e nunca havia visto ou mantido qualquer contato com a mesma anteriormente. Alega que soube por intermédio de FERNANDA que muitas pessoas estavam indo até a casa de câmbio, assinando um documento e recebendo R$25, 00 (vinte e cinco reais). ..." (fls. 15/16).

Em Juízo, a aludida depoente manteve o sustentado na investigação criminal:


"Eu fui convidada por uma amiga de escola, que falou que nesse endereço, que foi da onde eu saí que tinha uma moça que levava a gente, só precisava levar o RG, CPF e comprovante de endereço que eles pagavam trinta reais, que era só chegar nesse lugar e assinar. Eu nesse dia fui de manhã, quando a gente tava saindo, nem chegamos a ir no carro, foi quando a polícia pegou a gente e levou pra Delegacia. Chegando lá, demo depoimento e fomos liberados, mas depois de um tempo eu fui chamada para ir no prédio da Polícia Federal, se não me engano na Lapa, e depois mais nada." (fls. 528 e 529).

Os fatos narrados ocorreram em unidade da pessoa jurídica aludida situada à Avenida Paulista, n. 1499, Loja 35, São Paulo-SP (fls. 02/03 e 163 verso) no dia 17 de outubro de 2007, mesmo dia em que lançadas as operações de câmbio simuladas no sistema SISBACEN.

Em reforço, cumpre transcrever as declarações prestadas à autoridade policial por Lenilson Soares, o qual, embora não figure como adquirente de moeda estrangeira no banco de dados do Banco Central, foi igualmente aliciado na mesma oportunidade com os citados depoentes para ceder o nome em troca de vantagem em dinheiro:


"Informa que na favela onde mora correm muitos boatos que se precisasse de algum dinheiro, deveria procurar por uns veículos, que ficam parados no bairro, sendo que se houvesse interesse, deveria levar seu RG, CPF e comprovante de residência. Como está desempregado e precisando de dinheiro, nesta data foi até o local indicado, onde já estavam mais algumas pessoas. Foi levado por VILMA, de carro, na companhia de mais quatro pessoas, até a Avenida Paulista, onde entrou em um comércio, forneceu seus documentos para uma moça, assinou um documento, sendo que VILMA ficou esperando do lado de fora. Após ter assinado o documento, quando saíam do local foram abordados por policiais desta Distrital. Indagado se tem conhecimento de para qual finalidade seus documentos seriam utilizados, respondeu negativamente. Informa não ter recebido a quantia que lhe fora prometida, tampouco saber sobre qual ramo atua o local para onde foi levado por VILMA, junto com as outras quatro pessoas. Alega ter sido essa a primeira vez que emprestou seus dados na esperança de receber algum dinheiro." (fl. 07/08).

Por sua vez, colhe-se das declarações prestadas em sede investigativa por Vilma Gomes de Souza:


"Informa que recebe ligações telefônicas da pessoa de pré-nome ADIR, o qual lhe solicita pessoas para serem levadas até uma casa de câmbio, que fica na Avenida Paulista, número 1499, casa de câmbio DUVIVIER, local onde referidas pessoas deverão fornecer RG, CPF e comprovante de residência e manterem contato com a pessoa de CELIA. Informa que como já faz esse trabalho de angariar pessoas há um mês, os interessados a procuram em sua residência. Quando procurada pelos interessados, esses já sabem o que irão fazer, pois existe comunicação entre as pessoas que já levou para a casa de câmbio DUVIVIER e os novos interessados. Quando os interessados chegam em sua residência, os leva até o local, em seu veículo particular, um Astra de placas MZS-2806/SP. Quando chega no local, os interessados entram na casa de câmbio e a declarante os aguarda do lado de fora. Após os interessados fazerem os procedimentos necessários, os leva de volta até o local onde os pegou. Indagada de como é efetuado o pagamento do valor de R$ 25,00 (vinte e cinco reais) aos interessados, informa que ou um motoqueiro lhe entrega os valores em sua residência, ou efetua depósito na conta corrente da pessoa de vulgo 'PRETA'. Informa que o pagamento não é efetuado no ato da assinatura do documentos pelos interessados. Indagada sobre quem é 'PRETA', informa que o pré-nome da mesma é DULCE, não sabendo sua qualificação completa, sabendo apenas que o sogro de 'PRETA' mora em frente a sua casa. Indagada de como começou a prestar os serviços para ADIR, informa que viu um movimento de pessoas em frente a sua casa, antes mesmo de conhecer ADIR e, ao tomar conhecimento, se ofereceu para trabalhar para ADIR. Indagada se obtém algum lucro em levar pessoas para a casa de câmbio, informa que a cada interessado que apresenta, recebe a importância de R$ 5,00 (cinco reais) . Indagada sobre o tipo de serviço prestado pela casa de câmbio DUVIVIER, alega desconhecer. Indagada se sabe o que uma casa de câmbio faz, informa que sabe apenas que 'trocam dinheiro' . Indagada se as pessoas que leva até a casa de câmbio possuem moedas estrangeiras para troca, informa negativamente. Indagada se já emprestou seus dados para a casa de câmbio DUVIVIER, alega que nunca o fez. Indagada sobre nunca ter assinado qualquer documento na DUVIVIER, apenas levando interessados até o local, informa que nunca quis assinar qualquer papel. Indagada se a casa de câmbio DUVIVIER faz alguma transação ilícita, informa que nada sabe informar a respeito. Indagada se é a única pessoa que angaria interessados e os leva até a mencionada casa de câmbio, informa que existem outras pessoas, com outros veículos que também o fazem, não sabendo informar nome ou placa dos veículos que fazem o mesmo trabalho que faz. Esclarece que além da importância que recebe por cada interessado, a cada viagem que faz para leva-los ao local, recebe o valor de R$ 30,00 (trinta reais) de ADIR, para pagar a gasolina que utiliza. Indagada de quanto em quanto tempo mantém contato com ADIR, informa que a casa dois dias ADIR passa em sua casa e lhe entrega o valor que tem direito pelos serviços que presta ao mesmo." (fls. 17/18).

É importante destacar que as versões dos fatos apresentadas pelos diferentes declarantes caracterizam-se pela uniformidade, sendo que o único ponto controvertido - sobre o prévio recebimento pelos nominalmente contratantes de valores em reais e sua entrega na casa de câmbio, verificado no depoimento judicial de Cristina Nunes dos Santos (fls. 527 e 529) - perde a importância na medida em que resultou unânime a afirmativa segundo a qual não houve, em contrapartida, o recebimento de moeda estrangeira.

Ademais, a consistência da prova está explicitada no número considerável de versões coincidentes e na sua ulterior confirmação em Juízo por parte dos envolvidos no esquema.

Assim, os elementos extraídos do acervo probatório desvelam a prática de condutas consistentes na utilização de instituição financeira equiparada para a formalização de contratos de câmbio simulados, bem como a prestação de informações falsas ao Banco Central sobre a natureza e os verdadeiros beneficiários das operações realizadas.


II. Autoria


A autoria também restou amplamente evidenciada.

No tocante à Célia Yada, a prova oral aponta que aludida ré exercia a função de única responsável pelo atendimento na casa de câmbio em que verificada a irregularidade em exame, como se constata da resposta afirmativa dada pela testemunha Suely Gandolfo à pergunta formulada pelo Ministério Público Federal visando saber se era somente a acusada quem trabalhava na referida unidade da instituição financeira (fls. 553 e 554).

Por sua vez, a testemunha Deives Gomes Ribeiro menciona que a ré se encontrava no atendimento da casa de câmbio no momento da diligência policial, isto é, pouco depois de efetivadas as operações de câmbio simuladas:


"... E começamos a atuar e logo em seguida nós fizemos o que aconteceu, quer dizer, uma das lojas da Avenida Paulista, alguns policiais foram até lá, falaram com a pessoa que estava trabalhando lá, a Célia, dizendo que algumas pessoas tinham comprado dólares lá e que aquilo poderia estar sendo feito de forma ilegal. ..." (fls. 551 e 554).

Por sua vez, o policial Ernane Ruiz Moreira, ouvido igualmente em Juízo na qualidade de testemunha, afirma que era Célia quem se encontrava como representante da casa de câmbio no momento da abordagem:

"Olha de acordo com o relatório, e pelo que eu me lembro foi a pessoa de Célia. Foi ela a pessoa que nos atendeu" (fls. 526 e 529).

Anote-se que a própria ré admite no interrogatório prestado em Juízo que estava atendendo na unidade na data dos fatos, tendo sido abordada na diligência policial (fls. 588/589 e 592).

Assim, não resta dúvida de que a ré prestou atendimento aos contratantes referidos, coletando seus dados pessoais e assinatura, bem como efetuando a formalização da transação, sem, contudo, receber e/ou entregar-lhes qualquer importância.

No que diz respeito ao réu Luiz Henrique Didier, a autoria é extraída da sua posição de principal administrador da instituição financeira equiparada, detendo irrestrito domínio das atividades da entidade, bem assim pelo comportamento conivente adotado após a revelação das práticas ilícitas gravíssimas nas quais restou envolvida a pessoa jurídica operada sob o seu comando.

Inicialmente, embora a sociedade tenha sido integrada, à época, além do réu, por Deives Gomes Ribeiro e Denise Martins Didier, a posição de primazia do primeiro na direção da entidade é inconteste, como se deduz do histórico contido no documento de "Compliance" apresentado pela defesa:


"A origem da Didier Levy Associados data do começo do século passado (1917), quando o Sr. João Didier foi eleito o novo dono da cadeira nº 8 da Bolsa de Fundos Públicos de São Paulo. Décadas mais tarde, Luiz Henrique Didier, recebeu sua herança profissional com acentuada lisura e ética, passando a gerir a organização na década de 70 e reiniciando sua atividade na área de Câmbio em 1989.
Paralelamente, na década de 30, fundou-se a Percy D. Levy & Irmãos que se tornaria o Escritório Levy Ltda., posteriormente Escritório Levy Corretora, também operando em Bolsa e Câmbio. Da década de 60 até o começo dos anos 90 disputaria o primeiro lugar entre as maiores do país em seu segmento. Durante esse período, Eduardo A, Levy Jr. participou como sócio da empresa, tendo exercido também a Presidência da Bolsa de Valores de São Paulo.
Em Junho de 1998, Luiz Henrique Didier, decidiu abrir o capital da Didier Corretora para novos sócios." (fl. 297).

Note-se que no organograma da instituição, o réu está situado no vértice da estrutura administrativa, desempenhando as atribuições concernentes à gerência máxima da entidade, como destacado no termo de "Compliance" à fl. 301.

Ademais, o sócio Deives Gomes Ribeiro assinalou em sede investigativa o papel prevalente de Luiz Henrique Didier na administração da sociedade:


"QUE era sócio da empresa DIDIER LEVY Corretora de Câmbio, juntamente com LUIZ HENRIQUE DIDIER, DENISE MARTINS DIDIER e EDUARDO ALFREDO LEVY JR., QUE da empresa DIDIER LEVY ASSOCIADOS Holding Financeira não sabe dizer quem eram os sócios, podendo afirmar apenas que, em 2007, quem a administrava era LUIZ HENRIQUE, exclusivamente; QUE perguntado a respeito da DIDIER LEVY Corretora de Câmbio, afirmou que era responsável pela parte operacional: 'a parte de intermediação de operações de importação exportação', a parte administrativa não lhe dizia respeito; QUE a compra e venda de moeda estrangeira era responsabilidade do declarante, LUIZ HENRIQUE e sua esposa, DENISE;..." (fl. 228).

Em linhas gerais, tais declarações pouco discrepam da afirmação feita em Juízo relativamente à função desempenhada pelo réu:


"Ele cuidava da parte estratégica da corretora, mais focado estrategicamente nos negócios e estava ligado com o pessoal mais assim também, supervisionava o pessoal financeiro, gerente financeiro, a parte financeira da corretora" (fls. 551/554).

Por seu turno, a outra sócia, Denise Martins Didier, esclareceu à autoridade policial:


"QUE a declarante é esposa de LUIZ HENRIQUE DIDIER, o controlador da DIDIER LEVY ASSOCIADOS HOLDING FINANCEIRA S.A. no ano de 2007; QUE ninguém mais era responsável pela administração desta empresa além dele; QUE não fazia parte dos quadros sociais da empresa na época dos fatos investigados e nunca trabalhou na gestão da mesma, portanto não sabendo responder aos quesitos apresentados." (fl. 236).

Conquanto mencionada declarante não tenha prestado depoimento em Juízo, os testemunhos colhidos na instrução penal dão respaldo à afirmação de acordo com a qual o réu exercia a gerência da entidade. A propósito, confira-se a seguinte declaração da testemunha Sérgio Pugliesi:


"Olha, eu não conheço exatamente o caso. Ele tem alguns sócios, inclusive eu prestei serviços ao longo desse tempo lá também algumas vezes em fases isoladas. O papel que ele fazia lá era de sócio, acho que sócio gerente qualquer coisa assim. Mas, os outros sócios não sei se também eram sócios gerentes, mas não sei entrar nesses detalhes para o senhor porque eu não conheço nem esse caso especificamente." (fls. 550 e 554).

Já a testemunha Suely Gandolpho Sanches afirmou sobre a função do réu Luiz Henrique Didier:


"Ele é sócio majoritário. Ele é o diretor." (fl. 553 e 554).

Por sua vez, o próprio acusado admite no interrogatório prestado em Juízo a posição de proeminência ocupada na estrutura da sociedade:


"Eu era o controlador e o principal executivo e quem preparava o plano estratégico da empresa" (fls. 590/592).

Disso resulta que ao réu detinha visão privilegiada sobre o conjunto das operações relevantes efetuadas pela pessoa jurídica.

No caso em apreço, restou inequivocamente demonstrada a formalização de contratos de compra e venda de moeda estrangeira pela pessoa jurídica Didier-Levy Associados Corretora de Câmbio sem correspondência fática, eis que efetivamente não implicaram a constituição e a transferência de direitos e obrigações relativamente às pessoas nominalmente indicadas como adquirentes do numerário.

Outrossim, não se pode ignorar a repercussão provocada na contabilidade financeira da instituição pelo registro de transações desprovidas de base factual. Note-se que, no mercado de câmbio, para efeitos contábeis, a saída de moeda estrangeira do caixa da instituição deve corresponder ao ingresso do equivalente em numerário nacional, abstraídos os encargos incidentes. A consideração de operações fictícias necessariamente dá ensejo a uma contradição insuperável entre a contabilidade oficial e a efetiva disponibilidade de caixa em moedas doméstica e estrangeira aprovisionadas, circunstância que dificilmente escapa da supervisão da instância gerencial-administrativa da entidade, tendo em vista os aperfeiçoados e exigentes padrões de controle inerentes à atividade financeira privada.

Anote-se que aludido descompasso supõe a adoção de contabilidade situada à margem da oficial, de modo a suprimir das instâncias fiscalizadoras o controle das atividades reais desempenhadas pela instituição financeira.

É importante destacar que comprovadamente foi registrado perante o Banco Central, nos dias 16 e 17 de outubro de 2007, o trânsito da quantia de US$ 19.900,00 (dezenove mil e novecentos dólares americanos), no concernente às operações firmadas em nome de Francisco das Chagas Vieira do Nascimento, Cristina Nunes dos Santos, Adinalda Barboza Queiroz e Nathalli Baggi da Silva (fl. 140). Como as operações correspondentes se revelaram fictícias, comparativamente à contabilidade oficial, restaria no caixa da entidade um excedente em numerário estrangeiro e um déficit correspondente em moeda nacional, pois concretamente não foram transferidos dólares aos nominalmente contratantes nem recebidos reais.

À vista da significância dos valores envolvidos, aludido desencontro contábil não poderia passar despercebido pelo réu Luiz Henrique Didier, porquanto figurava à época como principal responsável pela gestão financeira da instituição.

Ademais, ao invés de adotar medidas para apurar as graves irregularidades patenteadas na contabilidade escamoteada e nas relevantes acusações objeto deste feito, o réu optou pela passividade, agindo, no mínimo, com dolo eventual, como se extrai do seguinte trecho do interrogatório feito em juízo:


"Juiz: Depois do ocorrido, a Corretora... o senhor tem essa informação, chegou a ir atrás desses contratos específicos de câmbio que foram apontados aqui para fazer algum levantamento, para verificar quais eram os problemas que foram identificados?
Acusado: Até onde eu entendo, não houve nada a ser identificado. A gente não teve nenhum tipo de problema de operação errada, inadequada, sem documentação. Então, não aconteceu nada.
Juiz: Então a resposta é não?
Acusado: Com certeza não." (fls. 590/592).

A postura adotada pelo réu reproduz o típico comportamento conivente descrito pelas teorias da cegueira deliberada ("Willful Blindness Doctrine"), da instrução de avestruz (Ostrich Instructions) e do ato de ignorância consciente ("Conscious Avoidance Doctrine"), porquanto importou no estabelecimento consciente e voluntário de obstáculo para esquivar-se da ciência de ilícitos ocorridos no interior da pessoa jurídica que administra.

A propósito da teoria da cegueira deliberada, confira-se o seguinte trecho do voto exarado pela ministra Rosa Weber no julgamento da Ação Penal n. 470, a qual tramitou perante o Supremo Tribunal Federal:


"O Direito Comparado favorece o reconhecimento do dolo eventual, merecendo ser citada a doutrina da cegueira deliberada construída pelo Direito anglo-saxão (willful blindness doctrine).
Para configuração da cegueira deliberada em crimes de lavagem de dinheiro, as Cortes norte-americanas têm exigido, em regra, (i) a ciência do agente quanto à elevada probabilidade de que os bens, direitos ou valores envolvidos provenham de crime, (ii) o atuar de forma indiferente do agente a esse conhecimento, e (iii) a escolha deliberada do agente em permanecer ignorante a respeito de todos os fatos, quando possível a alternativa.
Nesse sentido, há vários precedentes, como US vs. Campbell, de 1992, da Corte de Apelação Federal do Quarto Circuito, US vs. Rivera Rodriguez, de 2003, da Corte de Apelação Federal do Terceiro Circuito, US vs. Cunan, de 1998, da Corte de Apelação Federal do Primeiro Circuito.
Embora se trate de construção da common law, o Supremo Tribunal Espanhol, corte da tradição da civil law, acolheu a doutrina em questão na Sentencia 22/2005, em caso de lavagem de dinheiro, equiparando a cegueira deliberada ao dolo eventual, também presente no Direito brasileiro," (O grifo não consta no original - fl. 52888).

Note-se que o comportamento do réu satisfaz os requisitos assinalados no voto em exame para a configuração da cegueira deliberada. Com efeito, é elevada a probabilidade de ciência do acusado sobre a ilicitude das operações de câmbio objeto dos autos, tendo em vista a função gerencial exercida, bem como as fortes evidências de fraude coletadas à época na investigação policial. Também se constata a atuação indiferente do réu em relação a tal conhecimento, bem como a opção deliberada em omitir-se sobre a apuração das irregularidades verificadas, comportando-se como se não houvesse qualquer ilicitude.

A teoria da cegueira deliberada tem merecido a atenção dos Tribunais no que concerne à configuração do elemento anímico presente na conduta do agente em diversas figuras delitivas, como se percebe nas seguintes decisões:


"DIREITO PENAL. DESCAMINHO/CONTRABANDO. AUTORIA DELITIVA COMPROVADA. ÔNUS DA PROVA. DOLO EVENTUAL. CEGUEIRA DELIBERADA. REDUÇÃO DO QUANTUM DE PENA. SUBSTITUIÇÃO DA SANÇÃO CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. FASE DA EXECUÇÃO. 1. Da mesma forma que incumbe à acusação provar a existência do fato e demonstrar sua autoria e o elemento subjetivo, é ônus da defesa, a teor do art. 156 do CPP, provar a verossimilhança das teses invocadas em seu favor. A técnica genérica de inexistência de culpabilidade não tem o condão de repelir a sentença condenatória. 2. De acordo com a teoria da cegueira deliberada, o agente finge não enxergar a possibilidade de ilicitude dos bens e da colaboração que lhe é solicitada, com o intuito de auferir vantagens. O dolo configurado, nesse caso, é o dolo eventual: o agente, sabendo ou suspeitando fortemente que está envolvido em negócios escusos ou ilícitos, e, portanto, toma medidas para se certificar que não vai adquirir o pleno conhecimento ou a exata natureza das transações realizadas para um intuito criminoso, não se importando com o resultado. 3. A valoração negativa da personalidade e da conduta social deve ser fundamentada, via de regra, por meio de laudo pericial que ateste a despreocupação do acusado em relação à gravidade dos delitos praticados. 4. Sendo a pena em concreto cominada ao réu de um ano de reclusão, é cabível a substituição da pena corporal por uma restritiva de direitos, e a mais indicada no caso é a prestação de serviços à comunidade, que também possui aspecto pedagógico. 5. O pedido de concessão da gratuidade de justiça deve ser formulado perante o juízo da execução, porquanto a execução é a fase mais adequada para a aferição das reais condições econômicas do agente." (o grifo não consta no original).
(TRF4, ACR 5002751-80.2011.404.7002, Sétima Turma, Relatora p/ Acórdão Cláudia Cristina Cristofani, juntado aos autos em 01/10/2015).
"PENAL. PROCESSO PENAL. QUADRILHA ARMADA. CONTRABANDO. MÁQUINAS ELETRÔNICAS PROGRAMADAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PROVA EMPRESTADA. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. ERRO DE TIPO NÃO DEMONSTRADO. LAUDO PERICIAL. CONDENAÇÃO. I. Inépcia da denúncia. Tese preclusa com a prolação de sentença condenatória. Narrativa que permitiu compreensão da acusação para cada um dos réus e não refletiu em prejuízo ao exercício de suas defesas. II. Nulidade das interceptações telefônicas e do uso da prova emprestada. Inocorrência. No curso do processo as defesas não requereram cópia das decisões de interceptação proferidas nos autos da ação penal "matriz" da denominada "operação alvará", cujo material posteriormente serviu como prova emprestada, não podendo argüir nulidade a que deu causa com sua inércia. Ademais, a descoberta fortuita para fins de validade do empréstimo da prova não exige conexão entre a investigação onde produzida a prova e aquela deflagrada a partir da prova emprestada. III. Materialidade comprovada por laudos periciais oficiais a partir de múltiplas apreensões de MEP's, inclusive na residência de um dos réus. IV. A prisão de alguns dos réus num bingo clandestino somada às interceptações telefônicas e à prova testemunhal confirmam a autoria. Desnecessário que todos os réus se conhecessem mutuamente ou mesmo compreendam a grandeza do esquema criminoso em toda sua abrangência para a caracterização do crime de quadrilha, desde que provada atuação e colaboração ao esquema ilícito montado, no caso, com ciência de hierarquia e conhecimento de dados, como contabilidade, conforme demonstrado através das interceptações telefônicas e do material recolhidos nas buscas e apreensões. V - Tese de erro de tipo rechaçada. Agentes envolvidos com o funcionamento de verdadeiros bingos clandestinos e que detém, segundo as provas recolhidas, acesso à contabilidade dos negócios escusos desenvolvidos. Teses de erro de tipo e de proibição que não se sustentam diante das condições de funcionamento do esquema criminoso. Situação que se amoldaria no mínimo à chamada teoria da cegueira deliberada, com alegada alienação diante de situações suspeitas. VI - Caracterização do crime de quadrilha armada. A majorante do parágrafo único do art. 288 do CP incide por força do líder e alguns dos integrantes da quadrilha serem identificado como policiais militares e, portanto, portarem arma de fogo de uso restrito. O porte funcional não afasta a incidência da causa de aumento, cuja razão de ser é a maior periculosidade revelada pela arma de fogo. É dispensável que a arma seja efetivamente encontrada e periciada desde que atestado seu uso na prática criminosa, o que no caso resultou da condição de militares do líder da quadrilha e de alguns de seus seguranças e do teor das interceptações telefônicas dando contornos de conhecimento dessa circunstância. VII - Episódios de contrabando caracterizando verdadeira continuidade delitiva. Incidência do art. 71 e não do art. 69 do CP. Dosimetria razoável e proporcional. Penas mantidas. VIII - Recursos defensivos e ministerial não providos. Sentença condenatória mantida em sua íntegra." (o grifo não consta no original).
TRF2, ACR 9660, Processo: 200951170013742-RJ, Primeira Turma Especializada, Relator Marcello Ferreira de Souza Granado, d. 17/07/2014, Pub. 26/09/2014).
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA, (ARTIGO 180, PARÁGRAFO 1º, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. PENA MÍNIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ORIGEM LÍCITA DO FERRO. NÃO COMPROVADA. DOLO EVENTUAL. CONSTITUCIONALIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO DEMONSTRADO. TIPO PENAL SEM FIM ESPECIAL. DISCUSSÃO ACERCA DA APLICAÇÃO DO IN DUBIO PRO REU. PREJUDICADA. PENA DE MULTA. OPINIÃO DO JULGADOR SOBRE A GRAVIDADE ABSTRADA. REDUÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
(...)
13. Ao ignorar a origem de um produto, o sujeito ativo da receptação qualificada põe-se numa espécie de estado de cegueira deliberada, assumindo, por consequência, a luz da previsão legal, o risco de incorrer na prática da conduta censurada pelo referido dispositivo. E tal cautela deve ser exigida, especialmente, das pessoas que atuam no exercício da atividade comercial de compra e venda de sucata, mormente quando se tratar de trilhos, em razão do conhecido comércio ilegal desse material retirado ilicitamente das ferrovias federais. Tais comerciantes não devem ser míopes na certificação da licitude dos referidos bens porque, caso contrário, assumem o risco de estar praticando o crime previsto no art. 180, parágrafo 1º, do CP, ao adquirir ferro produto de crime desobedecendo o comando normativo consubstanciado no dever de buscar informação.
14. Na espécie, à luz dos apontamentos declinados, não há como reconhecer a exclusão do dolo eventual da conduta do apelante, eis que as circunstâncias do caso concreto demonstram que o agente devia saber que os ditos trilhos Tipo TR-37 foram furtados da rede ferroviária federal, conforme se atestou o Laudo nº 946/2010, levando-se em consideração, ainda, sua vasta experiência no ramo, bem como a desproporção entre o preço pago (R$ 3.800,00) e o valor de mercado (estimado em mais R$ 50.000,00). Incorreu, destarte, na prática da conduta censurada pelo art. 180, parágrafo 1º, do CP. ...." (o grifo não consta no original).
(PROCESSO: 00111923120104058300, ACR11636/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL EMILIANO ZAPATA LEITÃO (CONVOCADO), Quarta Turma, JULGAMENTO: 21/07/2015, PUBLICAÇÃO: DJE 06/08/2015 - Página 197)

No âmbito desta Corte, a teoria da cegueira deliberada encontra-se reconhecida no seguinte julgado:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. OCULTAÇÃO DA ORIGEM E PROPRIEDADE DE BENS. LEI Nº 9.613/98. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. LEI Nº 7.492/86, ART. 21. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PRELIMINARES REJEITADAS. INTERROGATÓRIOS. CARTA ANÔNIMA. DISTRIBUIÇÃO. TESTEMUNHAS. CRIMES ANTECEDENTES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DUAS IMPUTAÇÕES DE LAVAGEM. CONCURSO MATERIAL. DOSIMETRIA DAS PENAS. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO.
(...)
18. Primeira imputação de lavagem. Do contexto da operação envolvendo a KALI (empresa de fachada) e a COMPUGRAPHICS (outra empresa de fachada) pode-se inferir que a terceira ré tinha consciência de que estava a colaborar com algo ilegal, agindo, por isso, com dolo eventual, pois, apesar de potencialmente não desejar o resultado, assumiu o risco de alcançá-lo. No mínimo, trata-se de um caso de cegueira deliberada, em que o agente, embora saiba possível a prática de ilícitos no meio em que atue, procura criar mecanismos que o impeçam de tomar conhecimento dos fatos. ..."
(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR 0040367-47.2000.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 04/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/08/2015).

Desse modo, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade penal do réu Luiz Henrique Didier pelo ilícito descrito na denúncia.


III. Tipicidade


A conduta atribuída aos réus está ajustada ao tipo penal descrito no art. 4º da Lei n. 7.492/1986:


"Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa."

Destaque-se que o bem jurídico protegido pela norma é o funcionamento do mercado financeiro, figurando o Estado como sujeito passivo, porquanto maior interessado na higidez das operações praticadas em aludido âmbito.

Trata-se de crime próprio, para cuja prática exige-se a qualidade de controlador ou administrador de instituição financeira, conforme o disposto no art. 25 do diploma legal em exame, admitindo-se, porém, a participação relativamente a terceiros estranhos à administração da entidade, eis que a condição especial do agente constitui elementar do crime, de acordo com o art. 30 do Código Penal. A esse respeito, confira-se a seguinte decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça:


"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. ART. 4º, CAPUT, LEI 7.492/86. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA JULGAMENTO DA APELAÇÃO. DESNECESSIDADE DE NOVA INTIMAÇÃO POR OCASIÃO DE ADIAMENTO DO JULGAMENTO, SEM RETIRADA DE PAUTA. AUSÊNCIA DE PODERES DE GESTÃO PARA CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE GESTÃO FRAUDULENTA. POSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE TERCEIRO NO DELITO. ART. 29 DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC n.
284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).
II - Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não-conhecimento da impetração.
Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício.
III - O simples adiamento do julgamento do recurso, sem retirada de pauta, dispensa, em princípio, a publicação de nova intimação das partes (precedentes). Na hipótese, tendo sido adiado o julgamento da apelação por duas oportunidades, mostra-se despicienda nova intimação da defesa, em consonância com o decidido no bojo dos EDcl no REsp 1.340.444/RS. (Corte Especial, DJe de 2/12/2014).
IV - O delito de gestão fraudulenta, capitulado no art. 4º da Lei 7.492/86, muito embora seja crime próprio, não impede que um terceiro, estranho à administração da instituição financeira, venha a ter participação no delito, desde que ancorado no art. 29 do Código Penal (precedentes).
V - A estreita via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria da pena se não for necessário um exame aprofundado do conjunto probatório, e se se tratar de flagrante ilegalidade, o que inocorreu na hipótese, em que reconhecida a culpabilidade exacerbada do paciente, bem como seus maus antecedentes.
Habeas corpus não conhecido." (o grifo não consta no original).
(HC 292.979/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 12/05/2015).

No mesmo sentido tem se posicionado esta Corte:


"PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E QUADRILHA. COMPETÊNCIA. DENÚNCIA. REQUISITOS. PERÍCIA E DILIGÊNCIAS. INDEFERIMENTO. TESTEMUNHA. IMPEDIMENTOS. SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO. GESTÃO FRAUDULENTA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CONCURSO APARENTE DE NORMAS. EXIGÊNCIA LEGAL DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO. TIPICIDADE. DOCUMENTAÇÃO COM INFORMES INVERÍDICOS DE INVESTIMENTOS. CLASSIFICAÇÃO DELITIVA. SUJEITO ATIVO. CONCURSO DE PESSOAS. QUADRILHA. REQUISITOS. PENA. DOSIMETRIA. REGIME INICIAL. ORDEM DE PRISÃO.
I - O AEROS - Fundo de Pensão Multipatrocinado, entidade fechada de previdência privada, enquadra-se como instituição financeira por equiparação e a competência para o processo e julgamento dos delitos imputados pertence à Justiça Federal da Seção Judiciária de São Paulo, local da sede da entidade onde se reputa praticado o delito de maior gravidade punitiva correspondente à gestão fraudulenta. Inteligência dos artigos 1º, § único, inciso I e 26, "caput" da Lei 7.492/86 e 78, inciso II, letra "a" do CPP.
II - Denúncia na qual os fatos imputados estão devidamente descritos em sua materialidade e nexo subjetivo, inclusive com exposição individualizada de condutas, também não havendo que se cogitar de inépcia por suposto conflito aparente de normas ou falta de justa causa, matérias de mérito que não guardam relação com os requisitos formais da denúncia.
III - Indeferimento de pedidos de perícias e diligências que se fundamenta nos artigos 184 e 499 do CPP que autorizam e impõem o juízo de necessidade da prova. A Lei Maior vigente no país, como obra de racionalidade organizativa do Poder, não confere poderes despóticos à defesa mas exata e precisamente o seu exercício ao modo amplo e não exorbitante. Argüição de cerceamento de defesa rejeitada.
IV - A oitiva, como testemunha, do interventor da entidade admitida no feito como assistente da acusação não acarreta a nulidade da instrução. Sujeito de prova que não se equipara às pessoas impedidas ou proibidas de depor nem à figura do ofendido. Inteligência dos artigos 206, 207, 208 e 268 do CPP.
V - Sentença que se apresenta devidamente fundamentada, tendo apreciado as teses defensórias e não havendo irregularidade na aplicação de pena sem motivação destacada em relação a cada acusado se consideradas circunstâncias englobadas pelo dolo de todos nem exigência de graduação com destaque uma a uma das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal.
VI - Hipótese de operações de aplicação de recursos do fundo de pensão pelo Banco GNPP S/A, instituição bancária dirigida pelo presidente e vice-presidente do primeiro. Incidência de norma estatutária proibitiva de transações nas descritas condições. Ações de dissimulação da condição dos agentes como administradores da instituição bancária. Gestão fraudulenta configurada.
VII - Recursos desviados em favor de empresas do grupo empresarial de vinculação da instituição bancária. Justificativas de contratos de mútuo com o fundo de pensão. Documentação de caráter artificioso. Apropriação indébita configurada.
VIII - A gestão fraudulenta não é meio necessário ou fase normal na preparação ou execução nem constitui conduta anterior ou posterior do agente cometida com a mesma finalidade prática da apropriação indébita e assim inversamente. Tanto a gestão fraudulenta pode-se caracterizar com o auferimento de vantagens diversas da apropriação de valores da instituição financeira quanto esta pode ser praticada independentemente da realização de atos de gestão fraudulenta. Hipótese de concurso aparente de normas que não se reconhece.
IX - Aplicação dos recursos do fundo de pensão pela instituição bancária sem prévia autorização da CVM. Atividades exercidas com descumprimento de exigência legal. Delito do artigo 7, IV da Lei 7.492/86 configurado.
X - Fatos consistentes na produção de documentos pela instituição bancária contendo informes inverídicos das operações com recursos do fundo de pensão. Materialidades que não se amoldam aos tipos penais dos artigos 6 e 10 mas à descrição típica do artigo 9 da Lei 7.492/86.
XI - O disposto no artigo 25, caput e § 1º da Lei 7.492/86 é de conteúdo e alcance restritos à descrição dos elementos típicos que se confundem com a qualidade do sujeito ativo. A norma legal não veda o concurso de agentes na modalidade da participação e mesmo elementos de natureza gramatical vêm em reforço a esta exegese, em seu § 2º prescrevendo o artigo de lei sobre os benefícios da confissão espontânea com expressa menção à figura do partícipe. Possibilidade do concurso de pessoas na modalidade da participação.
XII - Circunstâncias de prolongamento das condutas delituosas que se explicam menos por um suposto caráter de estabilidade e permanência do grupo de agentes delitivos do que pela economia estrutural do delito de gestão fraudulenta. Insuficiência de provas do delito capitulado no artigo 288 do Código Penal.
XIII - Pena base que se justifica pela gravidade das circunstâncias e conseqüências dos delitos e também a maior censurabilidade das condutas. Agravante do artigo 61, II, letra "a", segunda figura do CP que não se caracteriza, a torpeza estando nos modos de execução e fato delituoso total e não nos motivos do crime. Agravante do artigo 61, II, letra "g" do CP que não se configura, as funções de administrador de instituição financeira integrando o tipo penal e incidindo o "caput" do dispositivo, na segunda parte, que excepciona as circunstâncias que constituem ou qualificam o crime. Agravante do artigo 61, II, letra "b" do CP que se aplica tendo em vista o nexo etiológico dos delitos. Circunstância agravante prevista no artigo 62, I do CP que avulta na situação de acusado presente na generalidade e principais momentos da trama delituosa, havendo provas de sua condição como agente que coordenava as atividades dos demais. Aumento da continuação criminosa que se justifica no percentual aplicado pelo critério da quantidade de delitos praticados na série continuada.
XIV - Penas reduzidas que não excedem a oito anos. Circunstâncias judiciais que não se apresentam majoritariamente ou em intensidade desfavoráveis em medida que obstasse regime de menor rigor. Estabelecimento do regime semi-aberto para início de cumprimento das penas dos acusados nestas condições.
XV - Pena reduzida mas para quantidade superior a oito anos, ainda recomendando-se o regime mais rigoroso pelos critérios do artigo 33, § 3º do CP, considerada a personalidade do agente revelando capacidade delinquencial no setor da criminalidade econômico-financeira. Regime fechado mantido para o início do cumprimento da pena aplicada ao acusado nas descritas condições.
XVI - Recursos cabíveis da decisão da Corte Regional Federal que não têm efeito suspensivo. Cabimento do decreto de prisão. Precedentes do STF e STJ.
XVII - Preliminares rejeitadas. Decreto condenatório mantido nos limites consignados. Recursos parcialmente providos." (o grifo não consta no original).
(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR 1999.03.99.039158-3, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR, julgado em 22/04/2002, DJU DATA:30/04/2002).

Por sua vez, no tocante à descrição da conduta delitiva, note-se que esta Corte tem considerado ato de administração ou gestão a atividade de operação de câmbio executada por casa de câmbio:


"APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIR0 - ART. 4º DA LEI Nº 7.492/86 - GESTÃO FRAUDULENTA - AGÊNCIA DE TURISMO UTILIZADA PARA ADMINISTRAR CÂMBIO MEIDANTE A ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE DOCUMENTOS FALSOS - É POSSÍVEL A ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE MAGISTRADO EM PRELIMINAR DE APELAÇÃO SE A PARTE TOMOU CONHECIMENTO DO FATO POSTERIORMENTE À PROLAÇÃO DA SENTENÇA - SUSPEIÇÃO REJEITADA POR AUSÊNCIA DE PROVAS - A EMPRESA DE TURISMO QUE OPERA COM CÂMBIO É INSTITUIÇÃO FINANCEIRA POR EQUIPARAÇÃO - DESNECESSÁRA A HABITUALIDADE PARA A CONFIGURAÇÃO DE GESTÃO FRAUDULENTA - PRESCINDIBILIDADE DE EFETIVO PREJUÍZO A TERCEIROS - FRAUDE UTILIZADA PARA BURLAR REGRAS DO BANCO CENTRAL - CARACTERIZADA SITUAÇÃO DE RISCO À HIGIDEZ DO SISTEMA FINANCEIRO - A FALSIDADE CONSTITUI ANTE FACTUM IMPUNÍVEL - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUMÇÃO SOB PENA DE BIS IN IDEM - PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS EM SUBSTITUIÇÃO À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE - A UNIÃO FEDERAL ENQUANTO VÍTIMA É BENEFICIÁRIA DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.
1. Apelação criminal interposta por SANDOR PAES DE FIGUEIREDO contra sentença condenatória (fls. 627/638 e 641/642) em ação que visa apurar a prática de gestão fraudulenta de empresa equiparada a instituição financeira e a atribuição a terceiros de falsa identidade para realização de operações de câmbio (art. 4º e 21, c.c art. 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema Financeiro.)
2. Diz a denúncia que, em junho de 1997, o réu, na qualidade de sócio-gerente da SUNTUR TURISMO E CÂMBIO LTDA., que operava a título precário no mercado de câmbio flutuante como atividade acessória ao turismo (art. 1º, inci. I, da Lei 7.492/86), praticou atos de gestão fraudulenta consistentes em administrar operações de câmbio mediante a elaboração e utilização de documentos falsos, com o objetivo de obter moeda estrangeira no mercado institucional para abastecimento do mercado marginal. Ainda segundo a inicial acusatória, o apelante teria naquele mesmo mês, mantido os funcionários do BACEN em erro ao introduzir no Sisbacen informações ideologicamente falsas, consistentes em nomes e CPFs fictícios de compradores de moeda estrangeira.
3. O apelante foi condenado como incurso no art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86 ao cumprimento de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial semi-aberto, e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 3 (três) salários mínimos corrigidos monetariamente desde a data dos fatos. Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo da sanção substituída, bem como uma prestação pecuniária no valor de 50 (cinqüenta) salários mínimos a ser paga ao HOSPITAL SÃO PAULO. Quanto ao delito descrito no artigo 21, da Lei 7.492/86, foi absolvido por insuficiência de provas (art. 386, III, do CPP).
4. O acusado alega que teve conhecimento de suposta suspeição do juiz em momento superveniente ao da prolação da sentença. In casu, o magistrado excepto já esgotou sua prestação jurisdicional, sendo-lhe defeso anular a própria sentença, de tal sorte que é razoável a argüição em segunda instância na primeira oportunidade, qual seja, em preliminar de apelação.
5. Preliminar de nulidade da sentença por suspeição do magistrado rejeitada. O defensor do réu imputa ao magistrado haver condenado seu cliente somente para satisfazer interesse próprio, qual seja, de não ser incluído no "rol de juízes absolvedores" dentro do contexto da Operação Anaconda. Também foi feita a grave afirmação de ter o juiz se "mancumunado" com o membro do Ministério Público Federal para produção de provas contra o réu, em outro processo distribuído "ilegalmente" por dependência. Nada disso foi demonstrado. Não se pode aceitar que a honorabilidade funcional - e mesmo pessoal - de um juiz e de um membro do Ministério Público acabem tisnadas sem um mínimo de comprovação.
6. A empresa Suntur Turismo e Câmbio Ltda. estava autorizada pelo Banco Central do Brasil a operar no mercado de câmbio de taxas flutuantes, como atividade acessória, no período em que ocorreram os fatos delituosos imputados na denúncia. Portanto deve ser equiparada a instituição financeira. A tese do apelante é no sentido de que não deve haver equiparação que no seu entender exige três requisitos cumulativos: 1) a prática das ações traduzidas pelos verbos "administrar" ou "captar"; 2) que o crédito tenha permanecido com a instituição por um lapso temporal; 4) que os recursos sejam de terceiros. A noção de operação simultânea e recíproca, sem o diferimento no tempo é ínsita ao próprio vocábulo câmbio, independentemente do verbo utilizado e não obsta a equiparação. Ainda que o verbo "operar" seja comumente utilizado para tratar de câmbio, repita-se, é perfeitamente aceitável a expressão "administrar câmbio". O simples fato de o legislador inserir a expressão câmbio no inciso I do artigo primeiro da Lei 7.492/86, per si, demonstra que não quis excluir esta operação das situações equiparadas.
7. Desnecessária a habitualidade da conduta para configuração do delito de gestão fraudulenta. A norma volta-se para a segurança do sistema financeiro, de tal sorte que um só ato de gestão pode revelar-se temerário para fins de repressão penal. Verifica-se que no caso concreto houve uma situação de risco à higidez do Sistema Financeiro Nacional, porque a empresa, utilizando a atividade de turismo como "fachada", realizou operações fictícias para captar moeda estrangeira, infringindo as especificações determinadas pelo governo.
7. Conquanto seja dispensável a reiteração de atos fraudulentos para configuração do artigo 4º da Lei 7.492/86, é importante frisarmos que tal situação na verdade ocorreu no caso concreto. A defesa insiste em tentar descaracterizar a habitualidade sob o fundamento de que todos os boletos de compra e venda apontados na denúncia possuem a mesma data de operação (06.06.97). Entretanto, não se pode perder de vista que nesta ação penal se constatou a falsidade ideológica dos dados neles insertos, o que lhes retira a credibilidade. Ademais, ainda que se admita que as falsificações tenham sido efetuadas no mesmo dia, é certo que cada boleto representa uma única fraude. Ou seja, tratam-se de cinco atos fraudulentos com o mesmo modus operandi. Um único ato não é o mesmo que vários atos praticados no mesmo dia.
8. A conduta imputada ao réu não é a de estelionato, razão pela qual não se deve tomar por empréstimos elementos que são daquele tipo. A gestão fraudulenta não exige um terceiro prejudicado e a obtenção indevida de valores para si ou para outrem. A fraude pode perfeitamente ser utilizada para burlar regras estabelecidas pelo Banco Central do Brasil e em conseqüência desestabilizar ou simplesmente colocar em risco o Sistema Financeiro.
9. Materialidade e autoria comprovadas. O MM. Juiz não pode ser culpado pela falta de consistência, inépcia ou lapsos da tese engendrada por SANDOR. O relato da testemunha por ele arrolada é insubsistente não por falta de perguntas, como sugere a defesa, mas por ausência de verossimilhança de seu teor. Ademais, pretende-se dar ares de inocência a uma funcionária que trabalha na empresa desde a sua fundação há doze anos. A afirmação de que durante os dez anos de funcionamento da empresa o BACEN identificou apenas algumas irregularidades não encontra respaldo no conjunto probatório. De fato foi o que se apurou na primeira verificação. Entretanto, nos termos do segundo relatório de verificação, firmado por técnicos da autarquia controladora, desde o ano de 1993 se suspeitava do desvio de atuação da SUNTUR por exorbitar a autorização concedida para operar no Mercado de Taxas Flutuantes. Assim, a despeito de o apelante tratar com naturalidade o fato de as operações de câmbio se sobreporem ao turismo em algumas épocas do ano, a conduta é ilegal e culminou com a revogação da autorização.
10. Quanto ao animus fraudandi, é importante mencionar-se que os boletos de câmbios preenchidos sem assinatura dos supostos clientes tinham valor inferior a R$ 3.000,00 (três mil reais), porquanto há regulamento do BACEN no sentido de possibilitar o pagamento em espécie e afastar a exigência de que se efetue por meio de depósito em conta corrente em nome do contador ou que seja pago com cheque de sua emissão. A utilização de nomes de pessoas existentes não tem o condão de retirar a intenção de fraude, pelo contrário, demonstra justamente a astúcia de se tentar conferir aparência de realidade à operação forjada.
11. A falsidade constitui ante factum impunível. A utilização de documentos falsos não pode ser fundamento para a elevação da pena porque na sentença se admitiu o falsum como crime meio. Deve-se aplicar o princípio da consunção, o qual estabelece que o fato delituoso de maior amplitude e gravidade deve consumir aquele que funcionou no iter criminis como fase normal de sua execução. A condenação pela falsidade implicaria bis in idem, porquanto a fraude seria punida como parte de um todo (gestão fraudulenta) e como crime autônomo. Referida circunstância judicial deve ser desprezada a fim de que a pena-base seja fixada no mínimo legal.
12. Cancelada a consideração de causa judicial de aumento de pena utilizada em primeira instância (falsum), não há mais justificativa para o regime semi-aberto. Assim deve ser fixado o regime aberto para o caso de descumprimento da apelação alternativa imposta.
13. As reprimendas substitutivas devem ser mantidas porque consentâneas com a situação pessoal e patrimonial do apelante. Somente no tocante ao adimplemento da pena substitutiva de prestação pecuniária no valor de 50 (cinqüenta) salários mínimos é que, na esteira do entendimento desta Turma, há de ser paga em favor da União Federal, que é a vítima identificável e identificada no presente caso.
14. Preliminar de nulidade da sentença em virtude de suposta parcialidade do juiz rejeitada. Apelação parcialmente provida para o fim exclusivo de reduzir a pena privativa de liberdade para 3 (três) anos de reclusão. Alteração, de ofício, do regime de cumprimento para o aberto e a destinação da prestação pecuniária, fixando a União Federal como beneficiária." (o grifo não consta no original).
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 2004.03.99.014442-5, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 07/08/2007, DJU DATA:18/09/2007).

A administração ou gestão qualifica-se como fraudulenta quando é empregado artifício visando induzir ou manter em erro terceiro ou o Poder Público sobre as verdadeira natureza das atividades desenvolvidas pela instituição financeira, como salientou o Supremo Tribunal Federal em julgado assim ementado:


"DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. INÉPCIA DA DENÚNCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA. CONCLUSÕES DA CVM E DA SECRETARIA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. DENEGAÇÃO. 1. A questão controvertida nestes autos consiste na possível nulidade da decisão que recebeu a denúncia oferecida contra o paciente, por ausência de justa causa para a deflagração da ação penal, bem como em razão da inépcia da exordial (alegação de atipicidade das condutas narradas). 2. A principal tese do impetrante diz respeito às conclusões da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Secretaria de Previdência Complementar que, segundo a inicial, seriam favoráveis ao reconhecimento da licitude das operações consistentes na aquisição de títulos e valores mobiliários da INEPAR pela PREVI - Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil. 3. Observo que a questão foi bastante debatida por ocasião do julgamento dos embargos de declaração no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que saiu vencedora a tese da necessidade de se aprofundar a produção dos meios de prova no bojo da ação penal para que seja possível a avaliação da ocorrência (ou não) de crime contra o sistema financeiro nacional. 4. Em se tratando de habeas corpus, remédio constitucional que se notabiliza pela celeridade e, consequentemente, pela insuscetibilidade de exame aprofundado de provas, é imperioso o reconhecimento da necessidade do desenvolvimento do processo penal para melhor esclarecimento dos pontos controvertidos, inclusive do contexto em que se deu a alegada aprovação das operações realizadas pela PREVI, por parte dos órgãos públicos competentes (Secretaria de Previdência Complementar e Comissão de Valores Mobiliários). 5. Vários dos aspectos fáticos foram expressamente narrados na denúncia, o que faz presumir a existência de elementos mínimos de prova colhidos durante o inquérito judicial referente à ocorrência dos fatos narrados, para autorizar o órgão do Ministério Público a deduzir a pretensão punitiva através do oferecimento da denúncia. As dúvidas e eventuais perplexidades relacionadas à aprovação das operações pela CVM e pela Secretaria de Previdência Complementar poderão - e deverão - ser objeto de aprofundado exame no curso da ação penal, mas não cabe a esta Corte reconhecer a existência de constrangimento ilegal quando há duas versões perfeitamente possíveis relacionadas aos fatos narrados na exordial. 6. O tipo penal contido no art. 4 , da Lei n 7.492/86, consiste em crime de perigo, não sendo necessária a produção de resultado naturalístico em razão da gestão fraudulenta. É relevante, para a verificação da adequação típica, que haja conduta fraudulenta do gestor da instituição financeira (ou a ela equiparada), eis que a objetividade jurídica do tipo se relaciona à proteção da transparência, da lisura, da honradez, da licitude na atividade de gestão das instituições financeiras. 7. Exige-se que o administrador cuide da higidez financeira da instituição financeira que, por sua vez, se encontra inserida no Sistema Financeiro Nacional, daí a preocupação em coibir e proibir a gestão fraudulenta, pois do contrário há sério risco de funcionamento de todo o sistema financeiro. Assim, o bem jurídico protegido pela norma contida no art. 4 , da Lei n 7.492/86, é também a saúde financeira da instituição financeira. A repercussão da ruína de uma instituição financeira, de maneira negativa em relação às outras instituições, caracteriza o crime de perigo. 8. Em não se tratando de crime de dano, a figura típica da gestão fraudulenta de instituição financeira não exige a efetiva lesão ao Sistema Financeiro Nacional, sendo irrelevante se houve (ou não) repercussão concreta das operações realizadas na estabilidade do Sistema Financeiro Nacional. 9. A fraude, no âmbito da compreensão do tipo penal previsto no art. 4 , da Lei n 7.492/86, compreende a ação realizada de má-fé, com intuito de enganar, iludir, produzindo resultado não amparado pelo ordenamento jurídico através de expedientes ardilosos. A gestão fraudulenta se configura pela ação do agente de praticar atos de direção, administração ou gerência, mediante o emprego de ardis e artifícios, com o intuito de obter vantagem indevida. 10. Não há que se cogitar que a denúncia atribui ao paciente apenas a prática de um ato isolado. A denúncia descreve toda a operação que redundou na aprovação dos empréstimos supostamente dissimulados à empresa INEPAR. Houve vários atos consistentes na gestão fraudulenta. 11. A tese da atipicidade das condutas não merece acolhimento. A questão consistente na aferição acerca dos atos do paciente terem sido integrantes dos tipos penais previstos nos arts. 4°, 6° e 16, todos da Lei n° 7.492/86, ou consistirem meramente atos de exaurimento, com efeito, depende de instrução probatória, não cabendo ser avaliada em sede de habeas corpus que, como se sabe, apresenta restrição quanto ao alcance da matéria cogniscível. 12. Há clara narração de atos concretos relacionados à prática das condutas previstas nos tipos penais acima referidos. Foram atendidos os requisitos exigidos do art. 41, do Código de Processo Penal. Os fatos e suas circunstâncias foram descritos na denúncia, com expressa indicação da suposta ilicitude na conduta do paciente, proporcionando-lhe o exercício do direito de defesa, em atendimento às exigências do CPP. 13. Os fundos de pensão, como é o exemplo da PREVI, podem ser considerados instituições financeiras por equiparação, por exercerem atividades de captação e administração de recursos de terceiros, conforme previsão contida no art. 1°, parágrafo único, I, da Lei n° 7.492/86. Deve-se focar na espécie de atividade realizada pelo fundo de pensão, daí a equiparação que é apresentada na própria lei. 14. Habeas corpus denegado.
(HC 95515, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 30/09/2008, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-04 PP-00758)

Quanto à habitualidade, a jurisprudência majoritária tem entendido cuidar-se de crime acidentalmente habitual, bastando a um ato isolado para a sua consumação, como se extrai do seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:


"HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DENÚNCIA. INÉPCIA. INOCORRÊNCIA. GESTÃO FRAUDULENTA. CRIME PRÓPRIO. CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR DO CRIME. COMUNICAÇÃO. PARTÍCIPE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. EXECUÇÃO DE UM ÚNICO ATO, ATÍPICO. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. A denúncia descreveu suficientemente a participação do paciente na prática, em tese, do crime de gestão fraudulenta de instituição financeira. 2. As condições de caráter pessoal, quando elementares do crime, comunicam-se aos co-autores e partícipes do crime. Artigo 30 do Código Penal. Precedentes. Irrelevância do fato de o paciente não ser gestor da instituição financeira envolvida. 3. O fato de a conduta do paciente ser, em tese, atípica - avalização de empréstimo - é irrelevante para efeitos de participação no crime. É possível que um único ato tenha relevância para consubstanciar o crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, embora sua reiteração não configure pluralidade de delitos. Crime acidentalmente habitual. 4. Ordem denegada." (o grifo não consta no original). (HC 89364, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 23/10/2007, DJe-070 DIVULG 17-04-2008 PUBLIC 18-04-2008 EMENT VOL-02315-03 PP-00674).

No mesmo sentido, já decidiu esta Corte:


"CRIMINAL. GESTÃO FRAUDULENTA E APROPRIAÇÃO INDÉBITA FINANCEIRA. CONCURSO FORMAL. DOSIMETRIA DA PENA
I.O delito de gestão fraudulenta fica caracterizado quando o administrador de uma instituição financeira ou a esta equiparada - hipótese dos autos, em que a empresa administradora de consórcio é equiparada a instituição financeira, na forma do artigo 1°, parágrafo único, inciso I, da Lei 7.492/8 -, utiliza-se de artifício, ardil ou má-fé na gestão da instituição, com o objetivo de enganar ou prejudicar terceiro.
II.A apropriação indébita financeira caracteriza-se quando o agente apossa-se ou desvia recursos que pertencem a terceiros e, no caso do gestor de administradora de consórcio, isso ocorre quando o administrador se apropria ou desvia valores pertencentes aos consorciados em benefício próprio ou de terceiros.
III.Ambos os delitos são formais, não dependendo para a sua configuração, de efetivo prejuízo a terceiros, bastando a prática da conduta típica. E diferentemente não poderia ser, considerando que os bens jurídicos que a norma visa tutelar são a credibilidade do mercado e a proteção do investidor, no caso, o consorciado. Logo, eventual devolução dos valores apropriados não afasta a prática delituosa.
IV.Não se pode olvidar que há divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à possibilidade de concursos entre os crimes. Considerando que a gestão fraudulenta não se afigura indispensável para que a apropriação indébita ocorra e vice-versa, entendo que o posicionamento majoritário, no sentido de que a hipótese é de concurso formal, deve prevalecer.
V.Não há como se vislumbrar a possibilidade da apropriação indébita absorver a gestão fraudulenta, pelo fato desta (gestão fraudulenta) ser considerada meio para a consumação daquela (apropriação indébita). Sucede que a apropriação não pode ser reputada mais complexa que a gestão fraudulenta, pois aquela não depende, necessariamente, desta. Ademais a pena atribuída a este último delito (Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa) é mais severa que a atribuída àquele (Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa). O ordenamento jurídico pátrio considera o crime de gestão fraudulenta mais nocivo ao convício social que o de apropriação indébita - o que se justifica, até mesmo, pelo fato dele tutelar precipuamente um interesse transindividual ao passo que a apropriação tutela, especialmente, um interesse individual -, de sorte que não seria proporcional nem razoável admitir que a apropriação absorvesse o delito de gestão fraudulenta. Ficando constatado que o agente, a um só tempo, administrou uma instituição financeira ou a esta equiparada com má-fé - valendo-se de ardil com o objetivo de enganar terceiros (sócios, investidores ou agentes de fiscalização) - e apropriou-se ou desviou recursos de terceiros, configurar-se-á o concurso formal entre os delitos de gestão fraudulenta e apropriação indébita financeira, nos termos do artigo 70 do Código Penal (CP). Precedentes do C. STJ e desta E. Turma.
VI.A doutrina e a jurisprudência pátrias classificam a gestão fraudulenta como crime habitual impróprio, ou acidentalmente habitual. Na hipótese de gestão fraudulenta uma única conduta é suficiente para configurar o crime, o que, de outro lado, importa afirmar que a sucessividade de ações não implica em pluralidade de crimes.
VII.O documento de fls. 92/94, subscrito pelo próprio apelante, revela que, na sua gestão, houve saídas injustificadas de recursos da conta vinculada de consórcios para a empresa de sua propriedade, qual seja a Gaivota Veículos Ltda.. O apelante, em referido documento, confirma a existência de saídas injustificadas, em benefício de uma empresa de sua titularidade. Ou seja, confirma que desviou - deu destinação diversa da devida - recursos dos grupos de consórcio que administrava, o que configura o delito de apropriação indébita, notadamente quando se considera os demais fatos provados nos autos. O direcionamento de tais recursos a uma empresa que tem por objeto social a venda de veículos, de seu turno, revela que o apelante assim procedeu com o objetivo de dar ares de legalidade às saídas de recursos, bem assim prejudicar terceiros, os consorciados. Isso fica ainda mais evidente, quando se constata que a empresa beneficiária de tais saídas é de titularidade do réu; prática ardilosa e configuradora da gestão fraudulenta. Tal conduta, a um só tempo, configura gestão fraudulenta (artigo 4° da Lei) - a qual decorre da realização de saídas injustificadas com o objetivo de ludibriar e prejudicar terceiros - e apropriação indevida (artigo 5°) - já que os recursos dos consorciados foram destinados à empresa pertencente ao gestor, logo ao apelante.
VIII.Há, ainda, prova de que o apelante, na condição de sócio diretor da empresa administradora de consórcio, no período de 07/1999 a abril/2001, transferiu para a conta de titularidade da Acauã a quantia de R$7.962.145,00 a título de Taxa de Administração e Adesão, apesar de os valores contabilizados a tais títulos serem substancialmente menores (R$4.846.504,61). Ficou, destarte, provada a ocorrência de saque injustificado contabilmente na conta vinculado dos grupos de consórcio do valor de R$3.115.604,39; o desvio de recursos pertencentes aos consorciados para a Acauã, sem que fosse apresentada qualquer justificativa econômica ou contábil. Daí se concluir que tais fatos também configuram a apropriação indébita (artigo 5°). A par disso, mesmo que existissem provas de que a diferença de R$3.115.000,00 pertencia à Acauã, ainda assim seria necessário o adequado registro contábil e o envio das respectivas informações ao BACEN, donde se conclui que o apelante assim não procedeu como forma de iludir os agentes de fiscalização, prática configuradora da gestão fraudulenta (artigo 4º).
IX.Os documentos de fls. 66/150 do apenso I revelam que o apelante, no período de setembro a novembro de 2002 utilizou-se de recursos dos grupos de consórcios para pagar seu pró-labore, despesas pessoais e de atividades de vendas a serviço do Consórcio ABC. Trata-se, pois, de desvio de recursos, o que configura a apropriação indébita financeira, haja vista que é até mesmo intuitivo que o gestor da empresa administradora de consórcio não pode se valer dos recursos do grupo de consórcio para quitar as suas despesas pessoais e/ou da empresa administradora.
X.O balancete de fl. 07/14 e livros razão de fls. 15/38 (apenso I) revelam que o apelante, em 31.08.2002, possuía um débito para com os grupos de consórcio no valor de R$ 571.864,48, o qual veio a ser zerado e liquidado, sem que o acusado efetuasse o respectivo pagamento.
XI.Evidente a materialidade delitiva, tanto no que se refere à gestão fraudulenta quanto à apropriação indébita.
XII.A pena-base deve ser dosada de forma a atender aos fins de prevenção e justa retribuição do delito e sua exacerbação deve guardar razoável proporção com as circunstâncias judiciais. No caso concreto, os desvios de recursos perpetrados pelo apelante atingiram cifra bastante expressiva, tendo sido praticados diversos atos fraudulentos, o que prejudicou, num primeiro momento, a própria credibilidade do Sistema Financeiro Nacional e, paralelamente, um número considerável de consorciados. Assim, em que pese tratar-se de crime habitual impróprio, tais circunstâncias revelam que as conseqüências da conduta do réu são graves o suficiente para justificar o aumento da pena-base. Portanto, a pretensão recursal para que a pena-base seja fixada no mínimo legal não merece ser acolhida. Não se pode olvidar, entretanto, que esta decisão afastou o reconhecimento de um dos fatos tido por delituoso pela sentença, a liberação do gravame que recaia sobre um veículo sem a necessária quitação. Destarte, apesar de se tratar de um fato de importância menor no contexto dos autos, tal circunstância há que ser sopesada. Fixada a pena-base em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão; reformada a sentença apelada que, no particular, estabeleceu uma pena-base de 4 (quatro) anos.
XIII.Não se vislumbra a presença da atenuante prevista no artigo 65, III, letra "b", do CP, haja vista que não ficou demonstrado que o apelante procurou, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências. O fato de o apelante não ter conseguido transferir a administração dos grupos de consórcio para outras administradoras em nada lhe socorre, seja porque não há nos autos qualquer prova de que o BACEN realmente tenha cometido qualquer ato ilícito ao supostamente vetar tais operações, seja porque não há qualquer evidência de que tal transferência realmente evitaria ou diminuiria as conseqüências do delito (artigo 66 do CP).
XIV.A sentença apelada aumentou a pena-base em 1/4, considerando o concurso formal previsto no artigo 70, do CP. Ficou demonstrado que o recorrente, a um só tempo, administrou a instituição equiparada a financeira com má-fé - valendo-se de ardil com o objetivo de enganar terceiros (consorciados e agentes de fiscalização) -, apropriou-se e desviou recursos de terceiros, restando configurado o concurso formal entre os delitos de gestão fraudulenta e apropriação indébita financeira, nos termos do artigo 70 do Código Penal (CP). Considerando a redução da pena-base para 3 (três) anos e 9 (nove) meses; a ausência de atenuantes ou agravantes; e a causa de aumento de ¼, fixo a pena definitiva em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses e 7 (sete) dias.
XV.Na forma do artigo 72, do Código Penal, nos casos de concursos de crime, aplicam-se as penas de multa de forma distinta e integral. Assim, fica mantida tal como fixada pela sentença, a pena de multa relativa ao delito previsto no artigo 5º, da Lei 7.492/86, já que o montante é compatível com o delito praticado e com a pena privativa aplicada ao réu, sendo certo que ele sequer se insurgiu contra tal aspecto da sentença. No entanto, impõe-se a redução da pena de multa relativa ao crime do artigo 4° da Lei 7.492/86 pelos mesmos motivos que levaram à redução da pena restritiva de liberdade por tal delito, a qual passa a ser de 37 dias-multa." (o grifo não consta no original).
(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR 0005855-17.2003.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, julgado em 20/05/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:29/05/2014).

No caso em apreço, foram identificadas 04 (quatro) movimentações cambiais simuladas, realizadas nos dias 16 e 17 de outubro de 2007 (fls. 140).

Desse modo, a pratica de atos de gestão fraudulenta está consubstanciada na formalização de operações de câmbio desprovidas de base factual, com o manifesto intuito de ludibriar o Banco Central do Brasil sobre a verdadeira natureza das transações e seus efetivos beneficiários.

Por fim, no tocante às imputações realizadas na denúncia relativamente aos crimes tipificados nos arts. 21, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986 e art. 299 do Código Penal (falsidade ideológia), porque cometidos como meio necessário para a prática do crime de gestão fraudulenta, restam por esta absorvidos, incidindo na espécie o princípio da consunção. A propósito, confira-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:


"RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERPOSIÇÃO EM MOMENTO ANTERIOR AO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS. INTEMPESTIVIDADE. NÃO CONHECIMENTO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ABSORÇÃO PELO DELITO MAIS GRAVE, DE GESTÃO FRAUDULENTA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. EXCESSO DE PRAZO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. EXTENSA INVESTIGAÇÃO. MERA IRREGULARIDADE. PREJUÍZO INEXISTENTE. VARAS FEDERAIS ESPECIALIZADAS NOS PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DE CRIMES CONTRA OS SISTEMAS FINANCEIROS NACIONAL E DE 'LAVAGEM' DE DINHEIRO. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. OFENSA INOCORRENTE. AUSÊNCIA DE PROVAS. EXCLUSÃO DE AUTORIA. INEXISTÊNCIA DE DOLO. DOSIMETRIA. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. SOBERANIA DA INSTÂNCIA ORDINÁRIA NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS DO JULGADO. SÚMULA 7/STJ. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGALIDADE. LEGIMITIDADE DO PARQUET EM PROMOVER MEDIDAS ASSECURATÓRIAS. ARTS. 127 E 142 DO CPP. NÃO COMPARECIMENTO DE MEMBRO DO MP EM AUDIÊNCIA DE OITIVA DE TESTEMUNHAS DA DEFESA. PREJUÍZO INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE PERÍCIA TÉCNICA. CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. INDEFERIMENTO DEVIDAMENTE MOTIVADO. OFENSA AO ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. ACÓRDÃO QUE TRATOU DE TODOS OS TEMAS LEVANTADOS NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. CONCURSO FORMAL, DEMONSTRADO NOS AUTOS, ENTRE OS CRIMES DE EVASÃO DE DIVISAS E GESTÃO FRAUDULENTA. OFENSA A BENS JURÍDICOS DISTINTOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. SUJEITO ATIVO DO CRIME DE GESTÃO. RESPONSABILIDADE DO AGENTE, NOS TERMOS DO ART. 25 DA LEI Nº 7.492/86. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL E DESPROVIMENTO DOS ESPECIAIS DEFENSIVOS.
1. Não se conhece do recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração conhecidos e acolhidos. Incidência do Enunciado nº 418 da Súmula do STJ.
2. Os crimes previstos nos arts. 299 do CP e 22 da Lei nº 7.492/96 restaram absorvidos pelo delito mais grave e sofisticado, in casu, a administração fraudulenta, nela amoldando-se as irregularidades perpetradas pelos gerentes e diretores do banco estadual. Assim, não há falar em condutas autônomas e independentes dos injustos de falsidade ideológica e evasão de divisas.
3. O oferecimento de denúncia fora do prazo legal não apresenta nulidade que afete a validade do processo penal, apenas, mera irregularidade, porquanto inexiste prejuízo para o réu, e a inércia do órgão persecutório, a não ser que dela decorra prescrição, não pode implicar impunidade. Precedentes. A peça acusatória oferecida resultou das investigações realizadas acerca da remessa ao exterior efetuadas a partir de contas CC5, mantidas, principalmente, em Foz do Iguaçu/PR, e durante a segunda metade da década de 90, demandando extensa investigação.
4. A criação de Vara especializada em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, por Resolução do Tribunal Regional da Quarta Região, não viola o princípio do juiz natural, considerando ser da alçada dos Tribunais dispor sobre a competência e o funcionamento dos seus órgãos jurisdicionais e administrativos, na forma do art.
96, I, a, da Constituição da República.
5. O acolhimento das alegações quanto à ausência de provas, exclusão de autoria, dolo, participação de crime menos graves e dosimetria, além do fato de que o acórdão objurgado decidiu a lide com fulcro nos elementos probatórios colacionados ao feito, não havendo flagrante ilegalidade na aplicação da reprimenda, demandaria profundo reexame do contexto fático-probatório carreado aos autos, que, em sede de recurso especial, é vedado pelo enunciado Sumular nº 7/STJ.
6. A alegação de violação a dispositivos constitucionais não merece conhecimento, sob pena de usurparção da competência do Supremo Tribunal Federal.
7. Sobre a ausência de membro do Parquet na oitiva de testemunhas, não se caracteriza a nulidade, em razão da sua não-obrigatoriedade, exigindo comprovação de efetivo prejuízo.
8. Havendo prova da prática do crime e indícios de que os bens tenham sido adquiridos pelo pretenso culpado, com os proventos do delito, direta ou indiretamente, ou da sua origem ilícita, possível é promover as medidas cautelares que visem a garantia da execução, de natureza eminentemente cível, mas realizadas no processo criminal, sendo o titular da ação penal o Ministério Público, por expressa disposição dos arts. 127 e 142 do CPP.
9. Não há cerceamento de defesa em se tratando de indeferimento probatório, na fase do art. 499 do CPP, se devidamente motivado, cabendo ao julgador zelar pela eficiência da produção da prova.
10. A contrariedade ao art. 619 do Código de Processo Penal não subsiste, considerando que o acórdão hostilizado solucionou a quaestio juris de maneira clara e coerente, apresentando todas as razões que firmaram o seu convencimento, ao verificar que se buscava, tão-somente, rediscutir matéria já apreciada no v. acórdão, considerando que os pontos tidos como omissos não foram objeto de apelo, e as provas documentais acerca da participação do acusado na realização do delito amplamente analisadas em sentença e integradas ao acórdão.
11. Não há falar em afastamento do concurso formal entre os crimes de evasão de divisas e gestão fraudulenta, porquanto ocorreu, na espécie, ofensa a bens jurídicos distintos, satisfazendo, desse modo, os requisitos previstos no art. 70, primeira parte, do CP.
12. Inexiste ofensa ao princípio da indivisibilidade de ação penal, considerando que o acórdão recorrido se encontra em consonância com entendimento desta Corte, conforme recomendação da Súmula nº 83/STJ: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida". Não é inepta a denúncia que, em crimes societários ou de autoria coletiva, deixa de descrever, com minúcias, a conduta imputada a cada denunciado.
13. Nos crimes contra o sistema financeiro, os gerentes de instituição bancária, bem como os ocupantes de cargo de diretoria, são penalmente responsáveis, a teor do disposto no art. 25 da Lei nº 7.492/86, considerando possuírem parcela do poder de comando da instituição e administração dos capitais movimentados, de modo a permitir a evasão de divisas do país, condição expressamente consignada na decisão atacada.
14. Reprimendas corporais bem dosadas e com a devida motivação, sem ilegalidade patente, de acordo com o art. 59 do CP, aplicadas na devida proporção ao desempenho de cada réu.
15. Não conhecimento do recurso ministerial e desprovimento dos especiais defensivos." (o grifo não consta no original).
(REsp 1115275/PR, Rel. Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 13/09/2011, DJe 04/11/2011).

IV. Dosimetria


A. Célia Yada


Atento às circunstâncias judiciais elencadas no art. 59 do Código Penal, cumpre observar que a culpabilidade da ré não extrapola a normalidade para o delito em pauta. Não constam antecedentes criminais. A conduta social e a personalidade da ré não indicam a presença de elemento relevante a desmerecê-las. Os motivos, as circunstâncias e as consequências que envolveram a pratica do ilícito são as ordinárias, não justificando a intensificação da reprimeda. Por fim, à vista da peculiariedade do delito, não há que se falar em comportamento da vítima.

Desse modo, fixo a pena base em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Por sua vez, não constam circunstâncias agravantes.

À vista da fixação da pena no mínimo legal, resta prejudicado o exame de circunstâncias atenuantes, consoante o entendimento consolidado na Súmula n. 231 do STJ:


"A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal."

Por fim, na terceira fase da dosimetria não se verificam causas de aumento ou de diminuição da pena.

Assim, a pena definitiva deve ser fixada em 03 (três) anos de reclusão, a ser iniciada no regime aberto, e 13 (treze) dias-multa, unitariamente fixado em 1/30 (um trigésimo do salário mínimo).


B. Luiz Henrique Didier


Considerando as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, note-se que a conduta praticada pelo réu indica culpabilidade ordinária para o delito e exame. Não constam antecedentes. A conduta social e a personalidade do réu, por sua vez, não sinalizam elementos que recomendem a intensificação da reprimenda. Os motivos, as circunstâncias e as consequência que envolveram a pratica do ilícito são as ordinárias, não ostentando relevância para a fixação da pena acima do mínimo legal. Ao final, considerando a característica da pratica delitiva, não há que se falar em comportamento da vítima.

Desse modo, fixo a pena base em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Na segunda fase da dosimetria não constam circunstâncias agravantes, e, porque fixada a pena base no mínimo legal, resta prejudicado o exame das circunstâncias atenuantes, à vista da Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, ultimando a dosimetria, não há causas de aumento ou de diminuição da pena a serem consideradas

Assim, a pena definitiva deve ser fixada em 03 (três) anos de reclusão, a ser iniciada no regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, estabelecido o dia-multa em valor correspondente a 01 (um) salário mínimo vigente à época do fato, tendo em vista a situação financeira do réu aferível pela condição de sócio administrador de instituição financeira, nos termos do art. 60 do Código Penal .


V. Conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direito


Considero presentes os requisitos dos incisos I, II e III do artigo 44 do Código Penal e com fundamento no § 2º do artigo 44, c.c. o artigo 43, inciso IV, e artigo 45, § 1º, todos do Código Penal, substituo, para ambos os réus, a pena privativa de liberdade aplicada por duas penas restritivas de direitos, referente a cada um deles, correspondendo-as à prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ou privadas, pelo mesmo prazo da condenação, e prestação pecuniária no importe de 05 (cinco) salários mínimos a ser arcada individualmente por cada réu, em benefício de entidade com destinação social, tudo conforme for estabelecido pelo Juízo das Execuções Penais.


VI. Dispositivo


Diante do exposto, dou provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar os réus Célia Yada e Luiz Henrique Didier, pela prática da conduta tipificada no art. 4º da Lei 7.492/1986, à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão, a ser iniciada no regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, unitariamente fixado respectivamente em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo e 01 (um) salário mínimo vigente à época, devendo as penas privativas de liberdade ser substituídas por 02 (duas) restritivas de direito consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ou privadas, pelo mesmo prazo da condenação, e prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos para cada réu, em benefício de entidade com destinação social, tudo conforme for estabelecido pelo Juízo das Execuções Penais.


DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


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