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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar os réus Célia Yada e Luiz Henrique Didier, pela prática da conduta tipificada no art. 4º da Lei 7.492/1986, à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão, a ser iniciada no regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, unitariamente fixado respectivamente em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo e 01 (um) salário mínimo vigente à época, devendo as penas privativas de liberdade ser substituídas por 02 (duas) restritivas de direito consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ou privadas, pelo mesmo prazo da condenação, e prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos para cada réu, em benefício de entidade com destinação social, tudo conforme for estabelecido pelo Juízo das Execuções Penais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em face de Luiz Henrique Didier e Célia Yada pelos crimes descritos nos arts. 4º, caput, e 21, parágrafo único, ambos da Lei n. 7.492/86, na forma dos arts. 29 e 71, do Código Penal e, em face de Luiz Henrique Didier, Célia Yada e Vilma Gomes de Souza pelo crime descrito no art. 299, do Código Penal, na forma dos arts. 29 e 71, do mesmo diploma legal.
Consta da denúncia (fls. 245/249):
"(...)
Em 17 de outubro de 2007, Vilma, dando continuidade a uma atividade que já desempenhava há algum tempo, ofereceu R$25,00 (vinte e cinco reais) a cada um de cinco interessados em, munidos de carteira de identidade, cartão de CPF e comprovante de residência, compareceram a uma casa de câmbio, fornecerem seus dados pessoais e assinarem documentos que lhes seriam apresentados.
As pessoas cooptadas por Vilma, embora animadas com a possibilidade de ganhar um dinheiro extra sem muito esforço, não tinham perfeita ciência de que seus dados pessoais seriam utilizados em operações fictícias de comercialização de moeda estrangeira, nem que os documentos que assinariam corresponderiam a boletos de venda de moeda estrangeira.
Foi assim que Vilma levou, a bordo de seu veículo Astra placas MZS-2806, Lenilson (fls. 7), Francisco (fls. 9), Adinailda (fls. 11), Cristina (fls. 13 e 142) e Nathalli (fls. 15 e 141) à Didier-Levy Associados Corretora de Câmbio, situada, à época, à Avenida Paulista, 1499.
Enquanto Vilma esperava a bordo de seu veículo, os acima nominados entraram na corretora e foram atendidos por Célia, funcionária da empresa.
Célia, seguindo orientações de Luiz Henrique, único administrador da empresa conforme suas próprias declarações (fls. 234) e as de seus sócios (fls. 228 e 236), após preencher boletos de câmbio tipo 4 (transferência para o Exterior) com os dados pessoais das pessoas acima indicadas, colheu as respectivas assinaturas nos documentos.
Ocorreu que, na mesma data, policiais civis faziam vigilância no local visando confirmar notícia anônima que dava conta da utilização de laranjas em operações de câmbio. Assim, ao saírem do estabelecimento, as cinco pessoas que cederam seus dados para que boletos de câmbio ideologicamente falsos fossem forjados, juntamente com Vilma, foram encaminhadas ao 51º DP, onde foram ouvidos e liberados.
Lenilson (fls. 7), Francisco (fls. 9), Adinailda (fls. 11), Cristina (fls. 13 e 142) e Nathalli (fls. 15 e 141) confirmaram não ter vendido ou comprado moeda estrangeira, afirmando que apenas emprestaram seus dados pessoais e assinaram os documentos que lhes foram apresentados porque precisavam do dinheiro oferecido por Vilma. Esta, por seu turno, afirmou que recebia R$ 5,00 (cinco reais) por pessoa encaminhada à casa de câmbio e outros R$ 30,00 (trinta reais) para despesas de transporte.
Enquanto isso, na Didier-Levy, Célia, dando continuidade à execução das orientações de Luiz Henrique, visando ocultar os efetivos compradores de moeda estrangeira, encaminhava os boletos para registro no Sisbacen. O registro efetivamente ocorreu como se pode verificar pelas informações do Bacen (fls. 89/90, 140 e no CD de fls. 201).
Temos assim que, Luiz Henrique e Célia informaram falsamente ao Bacen as seguintes operações de venda de moeda estrangeira (fls. 140):
Pode-se observar que, por algum motivo desconhecido, o nome de Lenilson não foi inserido no Sisbacen.
Ademais, Vilma também aparece como tendo realizado duas operações em datas anteriores (27.08.2007 e 05.10.2007), nos valores, respectivamente, de R$ 4.500,00 e R$ 4.950,00.
Às fls. 139, as mesmas pessoas constam como tendo adquirido moeda estrangeira em outra casa de câmbio, a saber, Action S/A DTVM, fato a ser apurado em autos apartados.
Pelo acima exposto, Luiz Henrique e Célia, pré-ajustados e com unidade de desígnios, sendo Luiz Henrique o mentor e organizador das atividades criminosas, nos termos do art. 62, I, do Código Penal:
a) Entre agosto e outubro de 2007, ao gerirem fraudulentamente a Didier-Levy Associados Corretora de Câmbio, falsificando ideologicamente boletos de câmbio e prestando informações falsas ao Banco Central, incorreram no art. 4º caput da Lei n. 7492/86 c.c. art. 29 do Código Penal.
b) Ao prestarem ao Banco Central, através do Sisbacen, por pelo menos quatro vezes, informações falsas para a realização de operações de câmbio, incorreram no art. 21 § único da Lei 7.492/86 c.c. arts. 29 e 71 do Código Penal.
Ademais, Luiz Henrique, Célia e Vilma, pré-ajustados e com unidade de desígnios:
Ao inserirem em documentos públicos, por pelo menos quatro vezes, declarações falsas com o fito de alterar a verdade sobre fatos juridicamente relevantes, quais sejam, as reais identidades de compradores de moeda estrangeira, incorreram no art. 299 do Código Penal, c.c. arts. 29 e 71 do mesmo diploma legal.
(...)"
A denúncia foi recebida em 14/03/2012 (fls. 250/251).
Na decisão de fl. 410/412 foi determinado o desmembramento do feito em relação à acusada Vilma Gomes de Sousa, a qual foi citada por edital, mas não compareceu, nem constituiu advogado.
Em sentença publicada em 11/11/2013 (fl. 826) o pedido foi julgado improcedente para absolver Luiz Henrique Didier e Célia Yada, nos termos do art. 386, inciso II, do Código de Processo Penal (fls. 824/826).
O Ministério Público Federal interpôs o recurso de apelação pugnando pela condenação dos acusados pela prática dos delitos acima mencionados (fls. 839/843).
Com contrarrazões (fls. 847/863 e 864/879), os autos subiram a esta Corte.
A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso interposto pela acusação, reformando-se integralmente a r. sentença absolutória (fls. 885/892).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Resumidamente, a acusação sustenta a suficiência do acervo probatório coligido para amparar a condenação penal dos réus pela prática dos delitos tipificados nos arts. 4º e 21, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986 e art. 299 do Código Penal.
I. Materialidade
O material probatório coligido nos autos se revela hábil à demonstração da materialidade delitiva.
Com efeito, o documento de fls. 137/140 evidencia o registro no Sistema de Informações do Banco Central do Brasil (SISBACEN) de operações consistentes na aquisição de moeda estrangeira, intermediadas pela pessoa jurídica Didier-Levy Associados Corretora de Câmbio, instituição financeira equiparada na forma do art. 1º, I, da Lei n. 7.492/1986, em nome de Francisco das Chagas Vieira do Nascimento, Cristina Nunes dos Santos, Adinailda Barboza Queiroz e Nathalli Baggi da Silva, datadas de 16 e 17/10/2007.
Contudo, a prova oral produzida em sede investigativa e na instrução processual revela que os contratantes mencionados não adquiram nenhum numerário, tendo simplesmente cedido seus nomes para a formalização de operações de câmbio simuladas, motivados por promessa de vantagem pecuniária.
A propósito, confira-se o teor das declarações prestadas à autoridade policial por Francisco das Chagas Vieira do Nascimento e Adinailda Barboza Queiroz:
Por sua vez, também em sede policial, Cristina Nunes dos Santos, declarou o seguinte:
Tais declarações foram posteriormente confirmadas em Juízo, ouvida a depoente na qualidade de testemunha:
Já Nathalli Baggi da Silva, em sede policial, assim se manifestou:
Em Juízo, a aludida depoente manteve o sustentado na investigação criminal:
Os fatos narrados ocorreram em unidade da pessoa jurídica aludida situada à Avenida Paulista, n. 1499, Loja 35, São Paulo-SP (fls. 02/03 e 163 verso) no dia 17 de outubro de 2007, mesmo dia em que lançadas as operações de câmbio simuladas no sistema SISBACEN.
Em reforço, cumpre transcrever as declarações prestadas à autoridade policial por Lenilson Soares, o qual, embora não figure como adquirente de moeda estrangeira no banco de dados do Banco Central, foi igualmente aliciado na mesma oportunidade com os citados depoentes para ceder o nome em troca de vantagem em dinheiro:
Por sua vez, colhe-se das declarações prestadas em sede investigativa por Vilma Gomes de Souza:
É importante destacar que as versões dos fatos apresentadas pelos diferentes declarantes caracterizam-se pela uniformidade, sendo que o único ponto controvertido - sobre o prévio recebimento pelos nominalmente contratantes de valores em reais e sua entrega na casa de câmbio, verificado no depoimento judicial de Cristina Nunes dos Santos (fls. 527 e 529) - perde a importância na medida em que resultou unânime a afirmativa segundo a qual não houve, em contrapartida, o recebimento de moeda estrangeira.
Ademais, a consistência da prova está explicitada no número considerável de versões coincidentes e na sua ulterior confirmação em Juízo por parte dos envolvidos no esquema.
Assim, os elementos extraídos do acervo probatório desvelam a prática de condutas consistentes na utilização de instituição financeira equiparada para a formalização de contratos de câmbio simulados, bem como a prestação de informações falsas ao Banco Central sobre a natureza e os verdadeiros beneficiários das operações realizadas.
II. Autoria
A autoria também restou amplamente evidenciada.
No tocante à Célia Yada, a prova oral aponta que aludida ré exercia a função de única responsável pelo atendimento na casa de câmbio em que verificada a irregularidade em exame, como se constata da resposta afirmativa dada pela testemunha Suely Gandolfo à pergunta formulada pelo Ministério Público Federal visando saber se era somente a acusada quem trabalhava na referida unidade da instituição financeira (fls. 553 e 554).
Por sua vez, a testemunha Deives Gomes Ribeiro menciona que a ré se encontrava no atendimento da casa de câmbio no momento da diligência policial, isto é, pouco depois de efetivadas as operações de câmbio simuladas:
Por sua vez, o policial Ernane Ruiz Moreira, ouvido igualmente em Juízo na qualidade de testemunha, afirma que era Célia quem se encontrava como representante da casa de câmbio no momento da abordagem:
Anote-se que a própria ré admite no interrogatório prestado em Juízo que estava atendendo na unidade na data dos fatos, tendo sido abordada na diligência policial (fls. 588/589 e 592).
Assim, não resta dúvida de que a ré prestou atendimento aos contratantes referidos, coletando seus dados pessoais e assinatura, bem como efetuando a formalização da transação, sem, contudo, receber e/ou entregar-lhes qualquer importância.
No que diz respeito ao réu Luiz Henrique Didier, a autoria é extraída da sua posição de principal administrador da instituição financeira equiparada, detendo irrestrito domínio das atividades da entidade, bem assim pelo comportamento conivente adotado após a revelação das práticas ilícitas gravíssimas nas quais restou envolvida a pessoa jurídica operada sob o seu comando.
Inicialmente, embora a sociedade tenha sido integrada, à época, além do réu, por Deives Gomes Ribeiro e Denise Martins Didier, a posição de primazia do primeiro na direção da entidade é inconteste, como se deduz do histórico contido no documento de "Compliance" apresentado pela defesa:
Note-se que no organograma da instituição, o réu está situado no vértice da estrutura administrativa, desempenhando as atribuições concernentes à gerência máxima da entidade, como destacado no termo de "Compliance" à fl. 301.
Ademais, o sócio Deives Gomes Ribeiro assinalou em sede investigativa o papel prevalente de Luiz Henrique Didier na administração da sociedade:
Em linhas gerais, tais declarações pouco discrepam da afirmação feita em Juízo relativamente à função desempenhada pelo réu:
Por seu turno, a outra sócia, Denise Martins Didier, esclareceu à autoridade policial:
Conquanto mencionada declarante não tenha prestado depoimento em Juízo, os testemunhos colhidos na instrução penal dão respaldo à afirmação de acordo com a qual o réu exercia a gerência da entidade. A propósito, confira-se a seguinte declaração da testemunha Sérgio Pugliesi:
Já a testemunha Suely Gandolpho Sanches afirmou sobre a função do réu Luiz Henrique Didier:
Por sua vez, o próprio acusado admite no interrogatório prestado em Juízo a posição de proeminência ocupada na estrutura da sociedade:
Disso resulta que ao réu detinha visão privilegiada sobre o conjunto das operações relevantes efetuadas pela pessoa jurídica.
No caso em apreço, restou inequivocamente demonstrada a formalização de contratos de compra e venda de moeda estrangeira pela pessoa jurídica Didier-Levy Associados Corretora de Câmbio sem correspondência fática, eis que efetivamente não implicaram a constituição e a transferência de direitos e obrigações relativamente às pessoas nominalmente indicadas como adquirentes do numerário.
Outrossim, não se pode ignorar a repercussão provocada na contabilidade financeira da instituição pelo registro de transações desprovidas de base factual. Note-se que, no mercado de câmbio, para efeitos contábeis, a saída de moeda estrangeira do caixa da instituição deve corresponder ao ingresso do equivalente em numerário nacional, abstraídos os encargos incidentes. A consideração de operações fictícias necessariamente dá ensejo a uma contradição insuperável entre a contabilidade oficial e a efetiva disponibilidade de caixa em moedas doméstica e estrangeira aprovisionadas, circunstância que dificilmente escapa da supervisão da instância gerencial-administrativa da entidade, tendo em vista os aperfeiçoados e exigentes padrões de controle inerentes à atividade financeira privada.
Anote-se que aludido descompasso supõe a adoção de contabilidade situada à margem da oficial, de modo a suprimir das instâncias fiscalizadoras o controle das atividades reais desempenhadas pela instituição financeira.
É importante destacar que comprovadamente foi registrado perante o Banco Central, nos dias 16 e 17 de outubro de 2007, o trânsito da quantia de US$ 19.900,00 (dezenove mil e novecentos dólares americanos), no concernente às operações firmadas em nome de Francisco das Chagas Vieira do Nascimento, Cristina Nunes dos Santos, Adinalda Barboza Queiroz e Nathalli Baggi da Silva (fl. 140). Como as operações correspondentes se revelaram fictícias, comparativamente à contabilidade oficial, restaria no caixa da entidade um excedente em numerário estrangeiro e um déficit correspondente em moeda nacional, pois concretamente não foram transferidos dólares aos nominalmente contratantes nem recebidos reais.
À vista da significância dos valores envolvidos, aludido desencontro contábil não poderia passar despercebido pelo réu Luiz Henrique Didier, porquanto figurava à época como principal responsável pela gestão financeira da instituição.
Ademais, ao invés de adotar medidas para apurar as graves irregularidades patenteadas na contabilidade escamoteada e nas relevantes acusações objeto deste feito, o réu optou pela passividade, agindo, no mínimo, com dolo eventual, como se extrai do seguinte trecho do interrogatório feito em juízo:
A postura adotada pelo réu reproduz o típico comportamento conivente descrito pelas teorias da cegueira deliberada ("Willful Blindness Doctrine"), da instrução de avestruz (Ostrich Instructions) e do ato de ignorância consciente ("Conscious Avoidance Doctrine"), porquanto importou no estabelecimento consciente e voluntário de obstáculo para esquivar-se da ciência de ilícitos ocorridos no interior da pessoa jurídica que administra.
A propósito da teoria da cegueira deliberada, confira-se o seguinte trecho do voto exarado pela ministra Rosa Weber no julgamento da Ação Penal n. 470, a qual tramitou perante o Supremo Tribunal Federal:
Note-se que o comportamento do réu satisfaz os requisitos assinalados no voto em exame para a configuração da cegueira deliberada. Com efeito, é elevada a probabilidade de ciência do acusado sobre a ilicitude das operações de câmbio objeto dos autos, tendo em vista a função gerencial exercida, bem como as fortes evidências de fraude coletadas à época na investigação policial. Também se constata a atuação indiferente do réu em relação a tal conhecimento, bem como a opção deliberada em omitir-se sobre a apuração das irregularidades verificadas, comportando-se como se não houvesse qualquer ilicitude.
A teoria da cegueira deliberada tem merecido a atenção dos Tribunais no que concerne à configuração do elemento anímico presente na conduta do agente em diversas figuras delitivas, como se percebe nas seguintes decisões:
No âmbito desta Corte, a teoria da cegueira deliberada encontra-se reconhecida no seguinte julgado:
Desse modo, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade penal do réu Luiz Henrique Didier pelo ilícito descrito na denúncia.
III. Tipicidade
A conduta atribuída aos réus está ajustada ao tipo penal descrito no art. 4º da Lei n. 7.492/1986:
Destaque-se que o bem jurídico protegido pela norma é o funcionamento do mercado financeiro, figurando o Estado como sujeito passivo, porquanto maior interessado na higidez das operações praticadas em aludido âmbito.
Trata-se de crime próprio, para cuja prática exige-se a qualidade de controlador ou administrador de instituição financeira, conforme o disposto no art. 25 do diploma legal em exame, admitindo-se, porém, a participação relativamente a terceiros estranhos à administração da entidade, eis que a condição especial do agente constitui elementar do crime, de acordo com o art. 30 do Código Penal. A esse respeito, confira-se a seguinte decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça:
No mesmo sentido tem se posicionado esta Corte:
Por sua vez, no tocante à descrição da conduta delitiva, note-se que esta Corte tem considerado ato de administração ou gestão a atividade de operação de câmbio executada por casa de câmbio:
A administração ou gestão qualifica-se como fraudulenta quando é empregado artifício visando induzir ou manter em erro terceiro ou o Poder Público sobre as verdadeira natureza das atividades desenvolvidas pela instituição financeira, como salientou o Supremo Tribunal Federal em julgado assim ementado:
Quanto à habitualidade, a jurisprudência majoritária tem entendido cuidar-se de crime acidentalmente habitual, bastando a um ato isolado para a sua consumação, como se extrai do seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
No mesmo sentido, já decidiu esta Corte:
No caso em apreço, foram identificadas 04 (quatro) movimentações cambiais simuladas, realizadas nos dias 16 e 17 de outubro de 2007 (fls. 140).
Desse modo, a pratica de atos de gestão fraudulenta está consubstanciada na formalização de operações de câmbio desprovidas de base factual, com o manifesto intuito de ludibriar o Banco Central do Brasil sobre a verdadeira natureza das transações e seus efetivos beneficiários.
Por fim, no tocante às imputações realizadas na denúncia relativamente aos crimes tipificados nos arts. 21, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986 e art. 299 do Código Penal (falsidade ideológia), porque cometidos como meio necessário para a prática do crime de gestão fraudulenta, restam por esta absorvidos, incidindo na espécie o princípio da consunção. A propósito, confira-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
IV. Dosimetria
A. Célia Yada
Atento às circunstâncias judiciais elencadas no art. 59 do Código Penal, cumpre observar que a culpabilidade da ré não extrapola a normalidade para o delito em pauta. Não constam antecedentes criminais. A conduta social e a personalidade da ré não indicam a presença de elemento relevante a desmerecê-las. Os motivos, as circunstâncias e as consequências que envolveram a pratica do ilícito são as ordinárias, não justificando a intensificação da reprimeda. Por fim, à vista da peculiariedade do delito, não há que se falar em comportamento da vítima.
Desse modo, fixo a pena base em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
Por sua vez, não constam circunstâncias agravantes.
À vista da fixação da pena no mínimo legal, resta prejudicado o exame de circunstâncias atenuantes, consoante o entendimento consolidado na Súmula n. 231 do STJ:
Por fim, na terceira fase da dosimetria não se verificam causas de aumento ou de diminuição da pena.
Assim, a pena definitiva deve ser fixada em 03 (três) anos de reclusão, a ser iniciada no regime aberto, e 13 (treze) dias-multa, unitariamente fixado em 1/30 (um trigésimo do salário mínimo).
B. Luiz Henrique Didier
Considerando as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, note-se que a conduta praticada pelo réu indica culpabilidade ordinária para o delito e exame. Não constam antecedentes. A conduta social e a personalidade do réu, por sua vez, não sinalizam elementos que recomendem a intensificação da reprimenda. Os motivos, as circunstâncias e as consequência que envolveram a pratica do ilícito são as ordinárias, não ostentando relevância para a fixação da pena acima do mínimo legal. Ao final, considerando a característica da pratica delitiva, não há que se falar em comportamento da vítima.
Desse modo, fixo a pena base em 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria não constam circunstâncias agravantes, e, porque fixada a pena base no mínimo legal, resta prejudicado o exame das circunstâncias atenuantes, à vista da Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, ultimando a dosimetria, não há causas de aumento ou de diminuição da pena a serem consideradas
Assim, a pena definitiva deve ser fixada em 03 (três) anos de reclusão, a ser iniciada no regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, estabelecido o dia-multa em valor correspondente a 01 (um) salário mínimo vigente à época do fato, tendo em vista a situação financeira do réu aferível pela condição de sócio administrador de instituição financeira, nos termos do art. 60 do Código Penal .
V. Conversão da pena privativa de liberdade em restritivas de direito
Considero presentes os requisitos dos incisos I, II e III do artigo 44 do Código Penal e com fundamento no § 2º do artigo 44, c.c. o artigo 43, inciso IV, e artigo 45, § 1º, todos do Código Penal, substituo, para ambos os réus, a pena privativa de liberdade aplicada por duas penas restritivas de direitos, referente a cada um deles, correspondendo-as à prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ou privadas, pelo mesmo prazo da condenação, e prestação pecuniária no importe de 05 (cinco) salários mínimos a ser arcada individualmente por cada réu, em benefício de entidade com destinação social, tudo conforme for estabelecido pelo Juízo das Execuções Penais.
VI. Dispositivo
Diante do exposto, dou provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar os réus Célia Yada e Luiz Henrique Didier, pela prática da conduta tipificada no art. 4º da Lei 7.492/1986, à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão, a ser iniciada no regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, unitariamente fixado respectivamente em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo e 01 (um) salário mínimo vigente à época, devendo as penas privativas de liberdade ser substituídas por 02 (duas) restritivas de direito consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas ou privadas, pelo mesmo prazo da condenação, e prestação pecuniária no valor de 05 (cinco) salários mínimos para cada réu, em benefício de entidade com destinação social, tudo conforme for estabelecido pelo Juízo das Execuções Penais.
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