D.E. Publicado em 18/12/2015 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e dar provimento ao recurso adesivo do INCRA para condenar o Estado de São Paulo, Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo e por Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama, e de recurso adesivo interposto pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA em face da sentença prolatada no bojo de ação civil pública ambiental proposta pelo Ministério Público Federal.
Segundo narrado pelo Ministério Público Federal na inicial, em 09 de dezembro de 2003, foi instaurada a representação em decorrência de informação da existência de ranchos situados nos fundos do lote n° 69, Agrovila 44, Bairro Queixadinha, Assentamento Reunidas, no município de Promissão/SP, em área de preservação permanente e reserva legal, causando degradação ambiental pela destruição da vegetação nativa e impedimento de qualquer forma de regeneração natural. Em procedimento administrativo foi apurado que o INCRA celebrou contrato de assentamento com Cleuza Pereira Mota, antiga proprietária do lote em tela, a qual, por acordo informal, efetuou a divisão do lote em vários ranchos, restando a Ângelo Ademilson Zeferino o denominado Rancho dos Ipês. Consta, ainda, que o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DEPRN, órgão da Administração Direta do Estado de São Paulo, celebrou, indevidamente, acordos com os ocupantes irregulares de áreas degradadas, inseridas nos espaços territoriais especialmente protegidos, inclusive Ângelo Ademilson Zeferino, que não detinham o título de domínio do lote/área, por meio do Termo de Compromisso n° 057/00, celebrado aos 14.06.2000, com o escopo de regularizá-las através de plantação de algumas mudas de essências nativas, permitindo a manutenção e uso do imóvel edificado em área de preservação permanente e reserva legal. Porém, em razão do titular das terras ainda ser o INCRA, não possuía o DEPRN legitimidade para celebrar tais acordos com os posseiros em área de preservação permanente e reserva legal sem aquiescência desta autarquia federal (fls. 02/22).
Liminar parcialmente deferida para fins de impor ao corréu Ângelo Ademilson Zeferino a obrigação de não-fazer, consistente em não realizar mais nenhuma obra ou desmatamento na área de reserva legal e preservação permanente; ao corréu Estado de São Paulo, através do DEPRN, a obrigação de não-fazer, sob pena de responsabilidade, consistente em não proceder a qualquer acordo ou expedir qualquer licença ou autorização para edificações na área de reserva legal e preservação permanente, notadamente quando a titularidade for do INCRA, sem a prévia oitiva deste; e cominar, no caso de descumprimento das obrigações, multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) (fls. 99/110).
Foi determinado ainda que, em face da conexão decorrente da identidade da situação de todos os ocupantes dos ranchos construídos na área de preservação, de maneira que os conflitos de interesses possuem a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, fossem reunidos os processos n° 2004.61.08.008157-0, 2004.61.08.008141-7, 2004.61.08.008198-3, 2004.61.08.008158-2 e 2004.61.08.008199-5 ao processo n° 2004.61.08.007986-1, em trâmite na 2ª Vara Federal de Bauru/SP, tendo em vista que foi distribuído anteriormente aos outros feitos. Ademais, o INCRA foi incluído no polo ativo da ação.
Aos 14 de maio de 2010, após regular trâmite processual, com a produção de prova pericial (fls. 401/419), foi proferida sentença pelo MM Juízo da 2ª Vara Federal de Bauru/SP que deferiu o ingresso de Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama no polo passivo, em virtude do INCRA ter ingressado com ação de reintegração de posse contra ele (autos n° 0006625-59.2008.4.03.6108), com a manutenção de Ângelo Ademilson Zeferino no polo passivo, vez que ele firmou com o DEPRN o acordo com o escopo de regularizar a área degradada, demonstrando que ele também detinha a posse do imóvel e provocou a degradação ambiental; extinguiu o processo sem resolução do mérito em relação aos pedidos de demolição do rancho, remoção de entulhos e reflorestamento, com fulcro no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil; e julgou procedente os demais pedidos para: (1) condenar Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama ao ressarcimento, quanto aos danos ambientais, não incluído custos com a demolição da edificação e remoção de entulhos, de R$ 6.245,00 (seis mil e duzentos e quarenta e cinco reais), em espécie, a ser revertido em favor de obras de proteção ao meio ambiente especificamente voltadas para a proteção da vegetação de reserva legal e preservação permanente do local, além do pagamento de R$ 545,69 (quinhentos e quarenta e cinco reais e sessenta e nove centavos) relativo à perícia realizada pelo Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DEPRN; (2) condenar os réus definitivamente nas obrigações determinadas no pedido de antecipação da tutela, consistentes em: (2a) aos corréus Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama, a obrigação de não-fazer, consistente em não realizar mais nenhuma obra ou desmatamento na área de reserva legal e preservação permanente identificada no Boletim de Ocorrência da Polícia Ambiental n° 067/221/00, Fundos do Lote 69, Agrovila 44, Fazenda Reunidas, município de Promissão/SP (fls. 26/27); (2b) ao corréu Estado de São Paulo, através do DEPRN, Equipe técnica de Lins, a obrigação de não-fazer, sob pena de responsabilidade, consistente em não proceder a qualquer acordo ou expedir qualquer licença ou autorização para edificações na área de reserva legal e preservação permanente, cuja titularidade seja do INCRA, sem a prévia oitiva deste; (2c) a cominação de multa diária aos réus, no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais), para o caso de violação das obrigações que lhes forem assinaladas (itens "a", "b" e "c" supra), nos termos do artigo 273, §3°, c/c artigo 461, §4°, ambos do Código de Processo Civil; (3) declarar a nulidade do Termo de Compromisso n° 057/00, celebrado entre o DEPRN e o corréu Ângelo Ademilson Zeferino, no ponto em que permitia a manutenção e o uso da edificação levada a efeito na área de reserva legal e preservação permanente descrita nos autos; e (4) condenar os réus ao pagamento de R$ 900,00 (novecentos reais), em rateio, a título de honorários periciais. Por fim, não houve condenação em honorários advocatícios (fls. 456/493).
Em razões recursais, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo pugna pelo afastamento das obrigações lhe impostas, inclusive o pagamento de honorários periciais, sob os seguintes argumentos: o acordo firmado junto ao DEPRN não permite a manutenção e uso de edificações em área de reserva legal e preservação permanente, não tendo a finalidade de convalidar edificação não autorizada; e não deu causa ao ajuizamento dessa ação, vez que, quando autorizou o ocupante do rancho a realizar a recuperação da área, as edificações já se encontravam efetivadas e o dano ambiental já havia ocorrido (fls. 505/511).
A seu turno, os réus Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama pleiteiam a reforma do julgado em razão da inexistência de violação à legislação ambiental, vez que os ranchos estavam instalados muito antes do enchimento do reservatório da usina hidrelétrica e do assentamento de reforma agrária; ausência de área de reserva legal em face do reservatório da usina hidrelétrica, havendo apenas área de preservação permanente; autorização pelos órgãos ambientais competentes para a ocupação, inclusive através de Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental; e ausência de degradação ambiental, já que a área foi reflorestada (fls. 515/517).
O INCRA, em recurso adesivo, requer a condenação dos réus ao pagamento de honorários advocatícios (fls. 533/535).
Foram apresentadas contrarrazões pelo INCRA e pelo Ministério Público Federal (fls. 529/532 e 538/544v).
A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opina, em parecer, pelo improvimento dos recursos (fls. 552/564v).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
A ação civil pública é um dos instrumentos processuais adequados para tutelar direitos e interesses supraindividuais, os quais abrangem os difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
A manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal:
Neste contexto, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas as áreas de preservação permanente - APP`s entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65) quanto pelo novo Código Florestal (art. 3°, II, Lei n° 12.651/12):
Com o fito de fixar parâmetros, definições e limites para as áreas de preservação permanente de reservatórios artificiais, a Resolução CONAMA n° 302, de 20.03.2002, estabelece que:
Por sua vez, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável de recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa, conforme definição do artigo 3°, III, do Novo Código Florestal (Lei n° 12.651/12), há as Áreas de Reserva Legal, localizadas no interior de uma propriedade ou posse rural, que já eram previstas pelo antigo Código Florestal (Lei n° 4.771/65), verbis:
A Resolução CONAMA n° 4, de 18.09.1985, define que:
Saliente-se que, em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.
Nesse sentido:
No caso em tela, os danos ambientais foram constatados pelo expert em 12.04.2008 (fl. 402) e em 20.01.2000 e 19.01.2004 por agentes da Polícia Ambiental e do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (fls. 26/28 e 31/42), aplicando-se dessa forma a legislação então em vigor (Lei n° 4.771/65).
A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar, verbis:
Nesse sentido é firme a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o qual já se manifestou inclusive sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil:
Assim, basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.
Outrossim, a obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, possuidor ou ocupante, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal:
Destaca-se que a novel legislação apenas veio positivar a jurisprudência já consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a obrigação de reparação por dano ambiental possui natureza real, transmissível ao sucessor, a qualquer título, na hipótese de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, razão pela qual incabível qualquer alegação visando eximir-se do dever de reparação do dano em razão de ter ocorrido antes da novatio legis:
Por outro lado, eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma APP, vez que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida aquela coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), sendo necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Há incidência ex legi nas APP`s estatuídas pelo artigo 4° do novo Código Florestal, pois já existem independentemente da intermediação de um ato do Poder Público, diversamente daquelas prevista no artigo 6° desse Codex, em que há necessidade de serem declaradas como tais por ato do Poder Executivo para existirem.
No caso em tela, a perícia constatou que:
Resta demonstrado pelos documentos que instruíram a inicial que os réus foram possuidores do imóvel em tela, sendo solidariamente responsáveis pela recomposição da vegetação e indenização pela degradação ambiental, uma vez que o INCRA propôs a ação de reintegração de posse em face de Márcio Henrique Kodama (fl. 285) e o DEPRN celebrou acordo de regularização da área degradada com Ângelo Ademilson Zeferino (fl. 70). Ademais, versando a ação sobre direitos reais imobiliários, tendo como objeto, ainda, o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre bem imóvel, a ré Ivana Pereira Strzerri Kodama deve configurar no polo passivo, respondendo juntamente com Márcio Henrique Kodama, por ser sua esposa, nos termos do artigo 10, do Código de Processo Civil.
Incumbindo ao réu o ônus da prova relativo a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II, CPC), descabe qualquer alegação de que a construção na APP em tela estaria autorizada legalmente, com fulcro no artigo 61-A do novo Código Florestal, haja vista que a parte ré não trouxe nenhum indício de que desenvolve atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo natural em área rural consolidada até 22.07.2008, o que poderia configurar uma exceção legal. No mais, não se trata de fatos notórios, confessados pela parte contrária, incontroversos ou sobre os quais recai presunção legal de existência ou veracidade, situações que independeriam de prova, nos termos do artigo 334 do Código de Processo Civil.
Tratando-se a questão de proteção ao meio ambiente, incidem os princípios in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de potencial ou efetiva degradação ambiental:
Assim, além de absolutamente irrelevante, não restou demonstrado que o rancho já existia antes mesmo da criação do reservatório ou da instalação do assentamento, de maneira que não há sequer indícios a fim de desconstituir a presunção de legitimidade que goza os documentos que instruíram a inicial, especialmente os de fls. 26/28 e 31/35, que revelam que, após o procedimento de desapropriação, a propriedade da área em questão passou a ser da União, com destinação voltada para projeto de reforma agrária, nos termos do Decreto n° 92.876/86, o que por si só já justificaria a remoção dos posseiros e a demolição de construção eventualmente existente.
Observa-se que, após a realização de prova pericial neste feito, o INCRA propôs ação de reintegração de posse em face dos ocupantes irregulares (processo n° 2008.61.08.006625-2), tendo obtido liminar em seu favor determinando a imissão na posse das áreas, razão pela qual efetivou a demolição dos ranchos, a remoção dos entulhos, bem como iniciou a elaboração de projeto de reflorestamento e tomou providências para ajuizar ações judiciais com o escopo de obter o ressarcimento dos respectivos custos (fls. 427/443). Dessa forma, o MM Magistrado a quo, ante a alteração substancial dos fatos, extinguiu sem resolução do mérito o feito, por ausência de interesse processual superveniente, quanto aos pedidos de demolição do rancho e remoção dos entulhos, subsistindo, todavia, os demais pleitos da parte autora.
Repise-se que o imóvel está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação propter rem, de maneira que a alegação de pré-existência de construções a posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir.
Deve ser rechaçada igualmente qualquer alegação no sentido de que a ocupação na área de preservação permanente seria regular em razão de eventual autorização de órgão ambiental estadual, vez que tal ato de consentimento, como será demonstrado adiante, é nulo por ilegalidade, dele não se originando direitos, e, ainda que não fosse, não dispensaria o proprietário ou possuidor do imóvel do cumprimento das normas ambientais.
Destarte, considerando que, no caso em tela, as construções implicaram na supressão de vegetação nativa e suas manutenções impediram ou, ao menos, dificultaram a regeneração natural, não havendo autorização do Poder Público, o qual poderia concedê-la apenas em caso de utilidade pública, interesse social ou de baixa impacto ambiental (art. 4°, caput, Lei n° 4.717/65 e art. 8°, caput, Lei n° 12.651/12), a mera manutenção de edificação em área de preservação permanente configura ilícito civil, passível de responsabilização por dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor a manutenção da condenação de Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama na obrigação de não-fazer consistente em não realizar mais nenhuma obra ou desmatamento na área de reserva legal e preservação permanente.
Nesse sentido:
Outrossim, as obrigações de fazer ou não-fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
Os deveres de indenizar e recuperar possuem natureza de ressarcimento cível, os quais almejam de forma simultânea e complementar a restauração do status quo ante do bem ambiental lesado, finalidade maior a ser alcançada pelo Poder Público e pela sociedade.
A possibilidade de cumulação visa, em última análise, evitar o enriquecimento sem causa, já que a submissão do poluidor tão somente à reparação do ecossistema degradado fomentaria a prática de ilícitos contra o meio ambiente.
Inexistindo, portanto, bis in idem, os réus não se eximem da obrigação de indenizar, ainda que demonstrem o propósito de recuperar a área ambientalmente degradada, não obstada pelo fato da área encontrar-se reflorestada.
De acordo com esse entendimento, é a pacífica a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:
Dessa forma, imperiosa a manutenção da condenação dos réus Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama ao pagamento de indenização pelos danos causados pela intervenção antrópica na área de preservação permanente no valor de R$ 6.245,00 (seis mil e duzentos e quarenta e cinco reais), conforme apurado na perícia, a ser revertido em favor de obras de proteção ao meio ambiente, especificamente voltadas a proteção da vegetação de reserva legal e preservação permanente do local, nos termos da r. sentença.
Quanto às obrigações impostas ao Estado de São Paulo, cabe destacar que a Lei de Política Nacional define poluidor como sendo a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade de degradação ambiental (art. 3°, IV, Lei n° 6.938/81).
Nesse sentido, o Estado poderá ser solidariamente responsável por danos ambientais, na hipótese de omissão na fiscalização ambiental ou atuação deficiente, sendo considerado poluidor indireto, mormente em razão do dever concorrente de todos os entes políticos de exercer o poder de polícia ambiental visando coibir tais males:
O Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental celebrado entre DEPRN e Ângelo Ademilson Zeferino (fl. 69) está eivado de ilegalidade, razão pela qual deve ser anulado, pela impossibilidade de regeneração do espaço territorial especialmente protegido nos termos estabelecidos (plantação de 19 mudas de essências nativas), vez que a cessação total de atividade antrópica, com a demolição de construção, remoção de entulhos e reflorestamento, era imprescindível para tanto, nos termos da prova pericial: "os Danos Causados ao Meio Ambiente poderão ser recuperados através de demolição do rancho e retirada dos entulhos, para, após, reflorestar a área com plantio de 24 (vinte e quatro) mudas de essências nativas da região (...)" (fl. 407).
O próprio órgão ambiental estadual não nega que autorizou a manutenção de situações ilegais:
Outrossim, haveria a necessidade de aquiescência do INCRA, pois o imóvel era de propriedade da União, com destinação específica para projeto de reforma agrária, sendo irregular a situação dos posseiros por não deterem nenhum título de domínio, o que evidencia a ilegitimidade do órgão ambiental estadual para celebrar tal acordo.
Conclui-se que o DEPRN consentiu com a permanência e uso dos ranchos construídos em área de preservação permanente, atuando deficientemente, sendo, no mínimo, conivente com a manutenção da situação ilegal.
Assim, sendo o DEPRN integrante da Administração Pública Direta do Estado de São Paulo, de acordo com o Decreto Estadual n° 30.555/89, deve-se imputar ao ente político respectivo a responsabilidade, já que não é dotado de personalidade jurídica.
No direito ambiental, a prevenção prescinde à reparação dos danos ambientais, uma vez que muitos dos ecossistemas afetados pela interferência humana não são passíveis de serem perfeitamente restaurados por serem em geral dotados de grande complexidade, de maneira que a degradação ambiental, por vezes, causa prejuízos irreversíveis ao meio ambiente. Assim, revela-se necessário provimento judicial visando a cessação de todo e qualquer dano ambiental, seja direto ou indireto.
Portanto, é de rigor manter a condenação do Estado de São Paulo, através do DEPRN, na obrigação de não-fazer, sob pena de responsabilidade, consistente em não celebrar qualquer acordo ou expedir qualquer licença ou autorização para edificações na área de reserva legal e preservação permanente, notadamente quando a titularidade for do INCRA, sem a prévia oitiva deste, bem como declarar a nulidade do Termo de Compromisso n° 057/00, celebrado entre o DEPRN e o corréu Ângelo Ademilson Zeferino, no ponto em que permitia a manutenção e o uso da edificação levada a efeito na área de reserva legal e preservação permanente descrita nos autos.
Por fim, considerando que tanto os réus Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama quanto o Estado-membro deram causa à presente ação coletiva, sendo o laudo pericial determinante para estabelecer a ilegalidade da manutenção do imóvel em área de preservação permanente, é de rigor manter a condenação de ambos ao pagamento de honorários periciais.
No mais, o artigo 18 da Lei n° 7.347/85 determina que a associação autora não será condenada em honorários advocatícios, custas e despesas processuais, salvo comprovada má-fé. Assim, considerando que esta ação coletiva foi julgada procedente, aplica-se subsidiariamente a regra geral do artigo 20 do Código de Processo Civil, nos termos do artigo 19 da Lei n° 7.347/85, já que aquela regra específica aplica-se apenas no caso de improcedência.
Embora o Ministério Público não possa se beneficiar dos honorários advocatícios quando for vencedor na ação coletiva, o caso em tela diferencia-se em razão do INCRA, autarquia federal, ter sido incluído no polo ativo da ação juntamente com o Parquet, tendo atuado no feito, inclusive indicando assistente técnico, apresentando quesitos e, até, interpondo recurso e apresentando contrarrazões.
Dessa forma, os réus Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama devem ser condenados ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais) a serem igualmente rateados e o Estado de São Paulo no valor de R$ 750,00 (setecentos e quinhentos reais), a serem destinados ao INCRA.
Diante do exposto, nego provimento às apelações e dou provimento ao recurso adesivo do INCRA para condenar o Estado de São Paulo, Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama ao pagamento de honorários advocatícios.
É o voto.
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