Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/12/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008158-92.2004.4.03.6108/SP
2004.61.08.008158-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : ANGELO ADEMILSON ZEFERINO e outros(as)
: MARCIO HENRIQUE KODAMA
: IVANA PEREIRA STRZZERI KODAMA
ADVOGADO : SP047951 ELZA FACCHINI e outro(a)
APELANTE : Fazenda do Estado de Sao Paulo
ADVOGADO : SP120139 ROSANA MARTINS KIRSCHKE e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional de Colonizacao e Reforma Agraria INCRA
ADVOGADO : SP000361 PAULO SÉRGIO MIGUEZ URBANO
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SP121553 PEDRO ANTONIO DE OLIVEIRA MACHADO
No. ORIG. : 00081589220044036108 2 Vr BAURU/SP

EMENTA

AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERVENÇÃO ANTRÓPICA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E ÁREA DE RESERVA LEGAL. RESERVATÓRIO DE USINA HIDRELÉTRICA. DANO AMBIENTAL "IN RE IPSA". RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃO "PROPTER REM". POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE REPARAR E INDENIZAR. ÁREA DE PROPRIEDADE DO INCRA. NULIDADE DE ACORDO CELEBRADO POR ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE SEM A DEMOLIÇÃO DE IMÓVEL E RETIRADA DE ENTULHO. AUSÊNCIA DE AQUIESCÊNCIA DA AUTARQUIA FEDERAL.
1.Com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas as áreas de preservação permanente - APP`s entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65) quanto pelo novo Código Florestal (art. 3°, II, Lei n° 12.651/12).
2. A fim de estabelecer parâmetros, definições e limites para as áreas de preservação permanente de reservatórios artificiais, o artigo 3º da Resolução CONAMA n° 302, de 20.03.2002 define as respectivas dimensões.
3. Em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.
4. A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de indenizar.
5. Basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se assim o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.
6. A obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal.
7. Eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma APP, vez que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis, tal como cursos d`águas, ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida, coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), razão pela qual é necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
8. A perícia constatou que: "A construção é de rancho construído em alvenaria de tijolos com telhas de barro, área construída de 144,0m², Fotos 03 e 04, com área na frente para a represa, sendo que o Requerido está a ocupar uma área cercada de, aproximadamente, 1.700,0m² inseridos em área de preservação permanente no entorno do reservatório da Usina Hidroelétrica de Promissão. (...) No caso de entorno de reservatório artificial de Usina Hidroelétrica UHE, a Área de Preservação Permanente é a área com largura mínima de 100 (cem) metros, em projeção horizontal, medida a partir do nível máximo normal de operação do reservatório, cf. Art. 3°, inciso I, da Resolução CONAMA N° 302, de 20 de março de 2002, sendo, ainda, considerada como Reservas Ecológicas as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo do corpo d`água, em faixa marginal além do leito maior sazonal, medida horizontalmente, com largura mínima de 100 (cem) metros para as represas hidroelétricas, conforme Art. 3°, letra b), inciso II, da Resolução CONAMA n° 4, de 18 de setembro de 1985.".
9. Resta demonstrado pelos documentos que instruíram a inicial que os réus foram possuidores do imóvel em tela, sendo solidariamente responsáveis pela recomposição da vegetação e indenização pela degradação ambiental.
10. Incumbindo ao réu o ônus da prova relativo a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II, CPC), descabe qualquer alegação de que a construção na APP em tela estaria autorizada legalmente, com fulcro no artigo 61-A do novo Código Florestal, haja vista que a parte ré não trouxe nenhum indício de que desenvolve atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo natural em área rural consolidada até 22.07.2008, o que poderia configurar uma exceção legal.
11. Tratando-se a questão de proteção ao meio ambiente, incidem os princípios in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de potencial ou efetiva degradação ambiental.
12. Considerando que as construções implicaram na supressão de vegetação nativa e suas manutenções impediram ou, ao menos, dificultaram a regeneração natural, não havendo autorização do Poder Público, a mera manutenção de edificação em área de preservação permanente configura ilícito civil, passível de responsabilização por dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor a manutenção da condenação em obrigação de não-fazer consistente em não realizar mais nenhuma obra ou desmatamento na área de reserva legal e preservação permanente.
13. As obrigações de fazer ou não-fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
14. Imperiosa a condenação dos réus ao pagamento de indenização pelos danos causados pela intervenção antrópica na área de preservação permanente no valor indicado na prova pericial.
15. O Estado poderá ser solidariamente responsável por danos ambientais, na hipótese de omissão na fiscalização ambiental ou atuação deficiente, sendo considerado poluidor indireto, mormente em razão do dever concorrente de todos os entes políticos de exercer o poder de polícia ambiental visando coibir tais males.
16. O Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental celebrado pelo DEPRN está eivado de ilegalidade, razão pela qual deve ser anulado, pela impossibilidade de regeneração do espaço territorial especialmente protegido nos termos estabelecidos, vez que a cessação total de atividade antrópica, com a demolição de construção, remoção de entulhos e reflorestamento, era imprescindível para tanto.
17. Necessidade de aquiescência do INCRA, pois o imóvel era de propriedade da União, com destinação específica para projeto de reforma agrária, sendo irregular a situação dos posseiros por não deterem nenhum título de domínio, o que evidencia a ilegitimidade do órgão ambiental estadual para celebrar tal acordo.
18. Manutenção da condenação do Estado de São Paulo, através do DEPRN, na obrigação de não-fazer, sob pena de responsabilidade, consistente em não celebrar qualquer acordo ou expedir qualquer licença ou autorização para edificações na área de reserva legal e preservação permanente, notadamente quando a titularidade for do INCRA, sem a prévia oitiva deste, bem como declarar a nulidade do Termo de Compromisso celebrado entre o DEPRN e o corréu, no ponto em que permitia a manutenção e o uso da edificação levada a efeito na área de reserva legal e preservação permanente descrita nos autos.
19. Tendo todos os réus dado causa à presente ação coletiva, sendo que o laudo pericial foi determinante para estabelecer a ilegalidade da manutenção do imóvel em área de preservação permanente, é de rigor manter a condenação de ambos ao pagamento de honorários periciais.
20. Embora o Ministério Público não possa se beneficiar dos honorários advocatícios quando for vencedor na ação coletiva, o caso em tela diferencia-se em razão do INCRA, autarquia federal, ter sido incluído no polo ativo da ação juntamente com o Parquet, tendo atuado no feito, inclusive indicando assistente técnico, apresentando quesitos e, até, interpondo recurso e apresentando contrarrazões, sendo de rigor condenar os réus ao pagamento de honorários advocatícios.
21. Apelações dos réus improvidas e recurso adesivo do INCRA provido para condenar os réus ao pagamento de honorários advocatícios.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e dar provimento ao recurso adesivo do INCRA para condenar o Estado de São Paulo, Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 03 de dezembro de 2015.
ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 07/12/2015 15:11:34



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008158-92.2004.4.03.6108/SP
2004.61.08.008158-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : ANGELO ADEMILSON ZEFERINO e outros(as)
: MARCIO HENRIQUE KODAMA
: IVANA PEREIRA STRZZERI KODAMA
ADVOGADO : SP047951 ELZA FACCHINI e outro(a)
APELANTE : Fazenda do Estado de Sao Paulo
ADVOGADO : SP120139 ROSANA MARTINS KIRSCHKE e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional de Colonizacao e Reforma Agraria INCRA
ADVOGADO : SP000361 PAULO SÉRGIO MIGUEZ URBANO
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SP121553 PEDRO ANTONIO DE OLIVEIRA MACHADO
No. ORIG. : 00081589220044036108 2 Vr BAURU/SP

RELATÓRIO


Trata-se de apelações interpostas pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo e por Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama, e de recurso adesivo interposto pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA em face da sentença prolatada no bojo de ação civil pública ambiental proposta pelo Ministério Público Federal.


Segundo narrado pelo Ministério Público Federal na inicial, em 09 de dezembro de 2003, foi instaurada a representação em decorrência de informação da existência de ranchos situados nos fundos do lote n° 69, Agrovila 44, Bairro Queixadinha, Assentamento Reunidas, no município de Promissão/SP, em área de preservação permanente e reserva legal, causando degradação ambiental pela destruição da vegetação nativa e impedimento de qualquer forma de regeneração natural. Em procedimento administrativo foi apurado que o INCRA celebrou contrato de assentamento com Cleuza Pereira Mota, antiga proprietária do lote em tela, a qual, por acordo informal, efetuou a divisão do lote em vários ranchos, restando a Ângelo Ademilson Zeferino o denominado Rancho dos Ipês. Consta, ainda, que o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DEPRN, órgão da Administração Direta do Estado de São Paulo, celebrou, indevidamente, acordos com os ocupantes irregulares de áreas degradadas, inseridas nos espaços territoriais especialmente protegidos, inclusive Ângelo Ademilson Zeferino, que não detinham o título de domínio do lote/área, por meio do Termo de Compromisso n° 057/00, celebrado aos 14.06.2000, com o escopo de regularizá-las através de plantação de algumas mudas de essências nativas, permitindo a manutenção e uso do imóvel edificado em área de preservação permanente e reserva legal. Porém, em razão do titular das terras ainda ser o INCRA, não possuía o DEPRN legitimidade para celebrar tais acordos com os posseiros em área de preservação permanente e reserva legal sem aquiescência desta autarquia federal (fls. 02/22).


Liminar parcialmente deferida para fins de impor ao corréu Ângelo Ademilson Zeferino a obrigação de não-fazer, consistente em não realizar mais nenhuma obra ou desmatamento na área de reserva legal e preservação permanente; ao corréu Estado de São Paulo, através do DEPRN, a obrigação de não-fazer, sob pena de responsabilidade, consistente em não proceder a qualquer acordo ou expedir qualquer licença ou autorização para edificações na área de reserva legal e preservação permanente, notadamente quando a titularidade for do INCRA, sem a prévia oitiva deste; e cominar, no caso de descumprimento das obrigações, multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) (fls. 99/110).


Foi determinado ainda que, em face da conexão decorrente da identidade da situação de todos os ocupantes dos ranchos construídos na área de preservação, de maneira que os conflitos de interesses possuem a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, fossem reunidos os processos n° 2004.61.08.008157-0, 2004.61.08.008141-7, 2004.61.08.008198-3, 2004.61.08.008158-2 e 2004.61.08.008199-5 ao processo n° 2004.61.08.007986-1, em trâmite na 2ª Vara Federal de Bauru/SP, tendo em vista que foi distribuído anteriormente aos outros feitos. Ademais, o INCRA foi incluído no polo ativo da ação.


Aos 14 de maio de 2010, após regular trâmite processual, com a produção de prova pericial (fls. 401/419), foi proferida sentença pelo MM Juízo da 2ª Vara Federal de Bauru/SP que deferiu o ingresso de Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama no polo passivo, em virtude do INCRA ter ingressado com ação de reintegração de posse contra ele (autos n° 0006625-59.2008.4.03.6108), com a manutenção de Ângelo Ademilson Zeferino no polo passivo, vez que ele firmou com o DEPRN o acordo com o escopo de regularizar a área degradada, demonstrando que ele também detinha a posse do imóvel e provocou a degradação ambiental; extinguiu o processo sem resolução do mérito em relação aos pedidos de demolição do rancho, remoção de entulhos e reflorestamento, com fulcro no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil; e julgou procedente os demais pedidos para: (1) condenar Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama ao ressarcimento, quanto aos danos ambientais, não incluído custos com a demolição da edificação e remoção de entulhos, de R$ 6.245,00 (seis mil e duzentos e quarenta e cinco reais), em espécie, a ser revertido em favor de obras de proteção ao meio ambiente especificamente voltadas para a proteção da vegetação de reserva legal e preservação permanente do local, além do pagamento de R$ 545,69 (quinhentos e quarenta e cinco reais e sessenta e nove centavos) relativo à perícia realizada pelo Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DEPRN; (2) condenar os réus definitivamente nas obrigações determinadas no pedido de antecipação da tutela, consistentes em: (2a) aos corréus Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama, a obrigação de não-fazer, consistente em não realizar mais nenhuma obra ou desmatamento na área de reserva legal e preservação permanente identificada no Boletim de Ocorrência da Polícia Ambiental n° 067/221/00, Fundos do Lote 69, Agrovila 44, Fazenda Reunidas, município de Promissão/SP (fls. 26/27); (2b) ao corréu Estado de São Paulo, através do DEPRN, Equipe técnica de Lins, a obrigação de não-fazer, sob pena de responsabilidade, consistente em não proceder a qualquer acordo ou expedir qualquer licença ou autorização para edificações na área de reserva legal e preservação permanente, cuja titularidade seja do INCRA, sem a prévia oitiva deste; (2c) a cominação de multa diária aos réus, no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais), para o caso de violação das obrigações que lhes forem assinaladas (itens "a", "b" e "c" supra), nos termos do artigo 273, §3°, c/c artigo 461, §4°, ambos do Código de Processo Civil; (3) declarar a nulidade do Termo de Compromisso n° 057/00, celebrado entre o DEPRN e o corréu Ângelo Ademilson Zeferino, no ponto em que permitia a manutenção e o uso da edificação levada a efeito na área de reserva legal e preservação permanente descrita nos autos; e (4) condenar os réus ao pagamento de R$ 900,00 (novecentos reais), em rateio, a título de honorários periciais. Por fim, não houve condenação em honorários advocatícios (fls. 456/493).


Em razões recursais, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo pugna pelo afastamento das obrigações lhe impostas, inclusive o pagamento de honorários periciais, sob os seguintes argumentos: o acordo firmado junto ao DEPRN não permite a manutenção e uso de edificações em área de reserva legal e preservação permanente, não tendo a finalidade de convalidar edificação não autorizada; e não deu causa ao ajuizamento dessa ação, vez que, quando autorizou o ocupante do rancho a realizar a recuperação da área, as edificações já se encontravam efetivadas e o dano ambiental já havia ocorrido (fls. 505/511).


A seu turno, os réus Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama pleiteiam a reforma do julgado em razão da inexistência de violação à legislação ambiental, vez que os ranchos estavam instalados muito antes do enchimento do reservatório da usina hidrelétrica e do assentamento de reforma agrária; ausência de área de reserva legal em face do reservatório da usina hidrelétrica, havendo apenas área de preservação permanente; autorização pelos órgãos ambientais competentes para a ocupação, inclusive através de Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental; e ausência de degradação ambiental, já que a área foi reflorestada (fls. 515/517).


O INCRA, em recurso adesivo, requer a condenação dos réus ao pagamento de honorários advocatícios (fls. 533/535).


Foram apresentadas contrarrazões pelo INCRA e pelo Ministério Público Federal (fls. 529/532 e 538/544v).


A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opina, em parecer, pelo improvimento dos recursos (fls. 552/564v).


É o relatório.


À revisão.



ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Nº de Série do Certificado: 602B748827A71828
Data e Hora: 29/10/2015 15:13:14



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008158-92.2004.4.03.6108/SP
2004.61.08.008158-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
APELANTE : ANGELO ADEMILSON ZEFERINO e outros(as)
: MARCIO HENRIQUE KODAMA
: IVANA PEREIRA STRZZERI KODAMA
ADVOGADO : SP047951 ELZA FACCHINI e outro(a)
APELANTE : Fazenda do Estado de Sao Paulo
ADVOGADO : SP120139 ROSANA MARTINS KIRSCHKE e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional de Colonizacao e Reforma Agraria INCRA
ADVOGADO : SP000361 PAULO SÉRGIO MIGUEZ URBANO
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : SP121553 PEDRO ANTONIO DE OLIVEIRA MACHADO
No. ORIG. : 00081589220044036108 2 Vr BAURU/SP

VOTO

A ação civil pública é um dos instrumentos processuais adequados para tutelar direitos e interesses supraindividuais, os quais abrangem os difusos, coletivos e individuais homogêneos pertinentes ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, à ordem econômica e urbanística, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ao patrimônio público e social, e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.


A manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal:


"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

Neste contexto, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas as áreas de preservação permanente - APP`s entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65) quanto pelo novo Código Florestal (art. 3°, II, Lei n° 12.651/12):


"Lei n° 4.771/65:
(...)
§ 2o Para os efeitos deste Código, entende-se por: (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
(...)
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2o e 3o desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)
(...)
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
(...)
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
(...)"
"Lei n° 12.651/12:
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
(...)
II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
(...)
Art. 4o Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
(...)
III - as áreas no entorno dos reservatórios d'água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d'água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012). (...)"

Com o fito de fixar parâmetros, definições e limites para as áreas de preservação permanente de reservatórios artificiais, a Resolução CONAMA n° 302, de 20.03.2002, estabelece que:


"Art. 2º Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:
I - Reservatório artificial: acumulação não natural de água destinada a quaisquer de seus múltiplos usos;
II - Área de Preservação Permanente: a área marginal ao redor do reservatório artificial e suas ilhas, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas;
Art 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área com largura mínima, em projeção horizontal, no entorno dos reservatórios artificiais, medida a partir do nível máximo normal de:
I - trinta metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros para áreas rurais;
II - quinze metros, no mínimo, para os reservatórios artificiais de geração de energia elétrica com até dez hectares, sem prejuízo da compensação ambiental.
III - quinze metros, no mínimo, para reservatórios artificiais não utilizados em abastecimento público ou geração de energia elétrica, com até vinte hectares de superfície e localizados em área rural."

Por sua vez, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável de recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa, conforme definição do artigo 3°, III, do Novo Código Florestal (Lei n° 12.651/12), há as Áreas de Reserva Legal, localizadas no interior de uma propriedade ou posse rural, que já eram previstas pelo antigo Código Florestal (Lei n° 4.771/65), verbis:


"Lei n° 4.771/65
Art. 1° (...) III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas;(Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)"
"Lei n° 12.651/12
Art. 3o Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa;"

A Resolução CONAMA n° 4, de 18.09.1985, define que:


"Art. 3º - São Reservas Ecológicas: (...)
b) - as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (...)
II - ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais, desde o seu nível mais alto medido horizontalmente, em faixa marginal cuja largura mínima será:
- de 30 (trinta) metros para os que estejam situados em áreas urbanas;
- de 100 (cem) metros para os que estejam em áreas rurais, exceto os corpos d'água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinqüenta) metros;
- de 100 (cem) metros para as represas hidrelétricas."

Saliente-se que, em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que a norma seja mais gravosa ao poluidor.


Nesse sentido:


ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FORMAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. SÚMULA 83/STJ. PREJUDICADA A ANÁLISE DA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI 12.651/12. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO IMEDIATA. IRRETROATIVIDADE. PROTEÇÃO AOS ECOSSISTEMAS FRÁGEIS. INCUMBÊNCIA DO ESTADO. INDEFERIMENTO.
1. A jurisprudência desta Corte está firmada no sentido de que os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse, independente do fato de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental. Casos em que não há falar em culpa ou nexo causal como determinantes do dever de recuperar a área de preservação permanente.
2. Prejudicada a análise da divergência jurisprudencial apresentada, porquanto a negatória de seguimento do recurso pela alínea "a" do permissivo constitucional baseou-se em jurisprudência recente e consolidada desta Corte, aplicável ao caso dos autos.
3. Indefiro o pedido de aplicação imediata da Lei 12.651/12, notadamente o disposto no art. 15 do citado regramento.
Recentemente, esta Turma, por relatoria do Ministro Herman Benjamin, firmou o entendimento de que "o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)." Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 327.687/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 26/08/2013)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI 12.651/2012). REQUERIMENTO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO. INVIABILIDADE. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO APONTADA. AUTO DE INFRAÇÃO. IRRETROATIVIDADE DA LEI NOVA. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. ART. 6º, CAPUT, DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO.
(...)
3. Precedente do STJ que faz valer, no campo ambiental-urbanístico, a norma mais rigorosa vigente à época dos fatos, e não a contemporânea ao julgamento da causa, menos protetora da Natureza: O "direito material aplicável à espécie é o então vigente à época dos fatos. In casu, Lei n. 6.766/79, art. 4º, III, que determinava, em sua redação original, a 'faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado' do arroio" (REsp 980.709/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 2.12.2008).
(...)
(PET no REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 19/12/2012)
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - CONSTUÇÃO - RESERVATÓRIO DE ÁGUA VERMELHA - RECUO DE 30 METROS - OBSERVÂNCIA - RESOLUÇÃO/CONAMA 302/2002 - ZONA URBANA - ILEGALIDADE DA AUTUAÇÃO. 1. Afastada a alegação de prescrição da pretensão punitiva do IBAMA, dada a natureza permanente do ilícito narrado, o qual se protrai no tempo (art. 1º, Lei nº 9.873/1999). 2. Incidência, in casu, da regulamentação do Código Florestal da época (Lei nº 4.771/65, art. 2º, "b"), qual seja, a Resolução/CONAMA nº 302/2002, em atendimento ao princípio "tempus regit actum", postulado geral de direito com sede no Decreto-Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). 3. O conceito de área de preservação permanente extraído da Resolução/CONAMA nº 302/2002, em vigor à época da lavratura dos atos administrativos questionados, vem prescrito pelos artigos 2º e 3º. Nesse sentido, o limite espacial da área de preservação, em torno dos reservatórios artificiais, poderá ser 30 ou 100 metros, a depender de estar localizada em zona urbana (e expansão urbana) ou rural. 4. O loteamento "Condomínio Parque Paraíso" está situado no perímetro urbano, por contar com os seguintes equipamentos de infraestrutura: coleta de lixo, malha viária, vias com iluminação pública, caixa de coleta de água, rede de energia elétrica e de água encanada e tratada, linhas de telefonia, entre outros. Prova pré-constituída nos autos. 5. Incontroverso o fato de haver o impetrante obedecido o limite de 30 metros do reservatório da represa de Água Vermelha. 6. Sem condenação em honorários advocatícios, a teor do disposto no art. 25 da Lei nº 10.016/2009.(AMS 00020488720084036124, DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/09/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

No caso em tela, os danos ambientais foram constatados pelo expert em 12.04.2008 (fl. 402) e em 20.01.2000 e 19.01.2004 por agentes da Polícia Ambiental e do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (fls. 26/28 e 31/42), aplicando-se dessa forma a legislação então em vigor (Lei n° 4.771/65).


A fim de conferir uma maior proteção ao meio ambiente, a Lei nº 6.938/81, denominada Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, prevê que a responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, ou seja, independe da caracterização da culpa, além de ser fundada na teoria do risco integral, razão pela qual é incabível a aplicação de excludentes de responsabilidade para afastar a obrigação de reparar ou indenizar, verbis:


"Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
(...)
§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."

Nesse sentido é firme a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça, o qual já se manifestou inclusive sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil:


AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DE COLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ - 1) PROCESSOS DIVERSOS DECORRENTES DO MESMO FATO, POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO COMO RECURSO REPETITIVO DE TEMAS DESTACADOS PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL, À CONVENIÊNCIA DE FORNECIMENTO DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL UNIFORME SOBRE CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FATO, QUANTO A MATÉRIAS REPETITIVAS; 2) TEMAS: a) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE NO JULGAMENTO ANTECIPADO, ANTE OS ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES; b) LEGITIMIDADE DE PARTE DA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DE CARGA PERIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR; c) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO; d) DANOS MORAL E MATERIAL CARACTERIZADOS; e) JUROS MORATÓRIOS: INCIDÊNCIA A PARTIR DA DATA DO EVENTO DANOSO - SÚMULA 54/STJ; f) SUCUMBÊNCIA. 3) IMPROVIMENTO DO RECURSO, COM OBSERVAÇÃO.
1.- É admissível, no sistema dos Recursos Repetitivos (CPC, art. 543-C e Resolução STJ 08/08) definir, para vítimas do mesmo fato, em condições idênticas, teses jurídicas uniformes para as mesmas consequências jurídicas.
2.- Teses firmadas: a) Não cerceamento de defesa ao julgamento antecipado da lide.- Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido a avaria do Navio "N-T Norma", a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo IBAMA (da data do fato até 14.11.2001); b) Legitimidade ativa ad causam.- É parte legítima para ação de indenização supra referida o pescador profissional artesanal, com início de atividade profissional registrada no Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura, e do Abastecimento anteriormente ao fato, ainda que a emissão da carteira de pescador profissional tenha ocorrido posteriormente, não havendo a ré alegado e provado falsidade dos dados constantes do registro e provado haver recebido atenção do poder público devido a consequências profissionais do acidente; c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva.- A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. d) Configuração de dano moral.- Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equivalente a um salário-mínimo. e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso.- Nos termos da Súmula 54/STJ, os juros moratórios incidem a partir da data do fato, no tocante aos valores devidos a título de dano material e moral; f) Ônus da sucumbência.- Prevalecendo os termos da Súmula 326/STJ, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não afasta a sucumbência mínima, de modo que não se redistribuem os ônus da sucumbência.
3.- Recurso Especial improvido, com observação de que julgamento das teses ora firmadas visa a equalizar especificamente o julgamento das ações de indenização efetivamente movidas diante do acidente ocorrido com o Navio N-T Norma, no Porto de Paranaguá, no dia 18.10.2001, mas, naquilo que encerram teses gerais, aplicáveis a consequências de danos ambientais causados em outros acidentes semelhantes, serão, como natural, evidentemente considerados nos julgamentos a se realizarem.
(REsp 1114398/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2012, DJe 16/02/2012)(grifos nossos)
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELA EMISSÃO DE FLÚOR NA ATMOSFERA. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. POSSIBILIDADE DE OCORRER DANOS INDIVIDUAIS E À COLETIVIDADE. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DANO MORAL IN RE IPSA.
1. Inexiste violação do art. 535 do Código de Processo Civil se todas as questões jurídicas relevantes para a solução da controvérsia são apreciadas, de forma fundamentada, sobrevindo, porém, conclusão em sentido contrário ao almejado pela parte.
2. É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art. 14, § 1º, da Lei n.
6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advindo de uma ação ou omissão do responsável.
3. A premissa firmada pela Corte de origem, de existência de relação de causa e efeito entre a emissão do flúor na atmosfera e o resultado danoso na produção rural dos recorridos, é inafastável sem o reexame da matéria fática, procedimento vedado em recurso especial. Aplicação da Súmula 7/STJ.
4. É jurisprudência pacífica desta Corte o entendimento de que um mesmo dano ambiental pode atingir tanto a esfera moral individual como a esfera coletiva, acarretando a responsabilização do poluidor em ambas, até porque a reparação ambiental deve ser feita da forma mais completa possível.
5. Na hipótese, a leitura da exordial afasta qualquer dúvida no sentido de que os autores - em sua causa de pedir e pedido - pleiteiam, dentre outras, a indenização por danos extrapatrimonias no contexto de suas esferas individuais, decorrentes do dano ambiental ocasionado pela recorrente, não havendo falar em violação ao princípio da adstrição, não tendo a sentença deixado de apreciar parcela do pedido (citra petita) nem ultrapassado daquilo que fora pedido (ultra petita).
6. A admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea "c" do permissivo constitucional, exige a indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ).
7. Recurso especial a que se nega provimento.
(REsp 1175907/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 25/09/2014)

Assim, basta a demonstração do dano ambiental e o nexo causal entre o resultado lesivo e a situação de risco criada pelo agente no exercício de atividade, no seu interesse e sob seu controle, dispensando-se o elemento subjetivo, para resultar na responsabilidade por dano ambiental.


Outrossim, a obrigação de reparar os danos ambientais é considerada propter rem, sendo irrelevante que o autor da degradação ambiental inicial não seja o atual o proprietário, possuidor ou ocupante, pois aquela adere ao título de domínio ou posse, sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, sendo inviável qualquer alegação de direito adquirido à degradação, nos termos do artigo 7° do novo Código Florestal:


"Art. 7o A vegetação situada em Área de Preservação Permanente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado.
§ 1o Tendo ocorrido supressão de vegetação situada em Área de Preservação Permanente, o proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título é obrigado a promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos nesta Lei.
§ 2o A obrigação prevista no § 1o tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural."

Destaca-se que a novel legislação apenas veio positivar a jurisprudência já consolidada do C. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a obrigação de reparação por dano ambiental possui natureza real, transmissível ao sucessor, a qualquer título, na hipótese de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, razão pela qual incabível qualquer alegação visando eximir-se do dever de reparação do dano em razão de ter ocorrido antes da novatio legis:


AMBIENTAL. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. FUNÇÃO ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MÍNIMO ECOLÓGICO. DEVER DE REFLORESTAMENTO. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. ART. 18, § 1º, DO CÓDIGO FLORESTAL de 1965. REGRA DE TRANSIÇÃO.
1. Inexiste direito ilimitado ou absoluto de utilização das potencialidades econômicas de imóvel, pois antes até "da promulgação da Constituição vigente, o legislador já cuidava de impor algumas restrições ao uso da propriedade com o escopo de preservar o meio ambiente" (EREsp 628.588/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 9.2.2009), tarefa essa que, no regime constitucional de 1988, fundamenta-se na função ecológica do domínio e posse.
2. Pressupostos internos do direito de propriedade no Brasil, as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal visam a assegurar o mínimo ecológico do imóvel, sob o manto da inafastável garantia constitucional dos "processos ecológicos essenciais" e da "diversidade biológica". Componentes genéticos e inafastáveis, por se fundirem com o texto da Constituição, exteriorizam-se na forma de limitação administrativa, técnica jurídica de intervenção estatal, em favor do interesse público, nas atividades humanas, na propriedade e na ordem econômica, com o intuito de discipliná-las, organizá-las, circunscrevê-las, adequá-las, condicioná-las, controlá-las e fiscalizá-las. Sem configurar desapossamento ou desapropriação indireta, a limitação administrativa opera por meio da imposição de obrigações de não fazer (non facere), de fazer (facere) e de suportar (pati), e caracteriza-se, normalmente, pela generalidade da previsão primária, interesse público, imperatividade, unilateralidade e gratuidade. Precedentes do STJ.
3. "A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem" (REsp 1.090.968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010), sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, descabendo falar em direito adquirido à degradação. O "novo proprietário assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento. Precedentes" (REsp 926.750/MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 4.10.2007; em igual sentido, entre outros, REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 7.10.2002; REsp 843.036/PR, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 9.11.2006; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2010; AgRg no REsp 1.206.484/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.3.2011; AgRg nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 18.2.2011). Logo, a obrigação de reflorestamento com espécies nativas pode "ser imediatamente exigível do proprietário atual, independentemente de qualquer indagação a respeito de boa-fé do adquirente ou de outro nexo causal que não o que se estabelece pela titularidade do domínio" (REsp 1.179.316/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 29.6.2010).
4. "O § 1º do art. 18 do Código Florestal quando dispôs que, 'se tais áreas estiverem sendo utilizadas com culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário', apenas criou uma regra de transição para proprietários ou possuidores que, à época da criação da limitação administrativa, ainda possuíam culturas nessas áreas" (REsp 1237071/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 11.5.2011).
5. Recurso Especial não provido.
(REsp 1240122/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 11/09/2012)

Por outro lado, eventual preexistência de degradação ambiental não possui o condão de desconfigurar uma APP, vez que sua importância ecológica em proteger ecossistemas sensíveis ainda se perpetua, sendo a lei imperiosa no sentido de que constitui área protegida aquela coberta ou não por vegetação nativa (art. 1°, §2°, II, Lei n° 4.771/65 e art. 3, II, Lei n° 12.651/12), sendo necessária a recuperação ambiental, em respeito ao fim social da propriedade e a prevalência do direito supraindividual ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Há incidência ex legi nas APP`s estatuídas pelo artigo 4° do novo Código Florestal, pois já existem independentemente da intermediação de um ato do Poder Público, diversamente daquelas prevista no artigo 6° desse Codex, em que há necessidade de serem declaradas como tais por ato do Poder Executivo para existirem.


No caso em tela, a perícia constatou que:


"A construção é de rancho construído em alvenaria de tijolos com telhas de barro, área construída de 144,0m², Fotos 03 e 04, com área na frente para a represa, sendo que o Requerido está a ocupar uma área cercada de, aproximadamente, 1.700,0m² inseridos em área de preservação permanente no entorno do reservatório da Usina Hidroelétrica de Promissão.
Ao redor da construção do rancho a área está, parcialmente, degradada, eis que ao redor das árvores e da construção do rancho, o solo está sem cobertura de camada de serrapilheira, que consiste de restos de vegetação, como folhas, ramos, caules e cascas de frutos em diferentes estágios de decomposição, bem como de animais, que forma uma camada ou cobertura sobre o solo de uma floresta. Esta camada é a principal fonte de nutrientes para ciclagem em ecossistemas florestais tropicais, sendo, o local responsável pela germinação de sementes formadora do sub-bosque.
Observa-se que com a utilização da área cercada com varreção de folhas, roçadas, retirada da galhada, tráfego de pessoas, veículos, etc. o solo fica descoberto, Foto 02, deixando a área sem chances de regeneração natural.
Trata-se de atividades antrópicas que, à semelhança da construção do rancho, estão a impedir e dificultar a regeneração da floresta de mata ciliar e demais formas de vegetação natural, que ali, naturalmente, deveriam existir.
Os danos causados ao meio ambiente são de dificultar e impedir a regeneração de mata ciliar e demais formas de vegetação na Área de Preservação Permanente considerada.
(...)
No caso de entorno de reservatório artificial de Usina Hidroelétrica UHE, a Área de Preservação Permanente é a área com largura mínima de 100 (cem) metros, em projeção horizontal, medida a partir do nível máximo normal de operação do reservatório, cf. Art. 3°, inciso I, da Resolução CONAMA N° 302, de 20 de março de 2002, sendo, ainda, considerada como Reservas Ecológicas as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo do corpo d`água, em faixa marginal além do leito maior sazonal, medida horizontalmente, com largura mínima de 100 (cem) metros para as represas hidroelétricas, conforme Art. 3°, letra b), inciso II, da Resolução CONAMA n° 4, de 18 de setembro de 1985.
A gleba em questão na Área de Preservação Permanente ocupada pelo Requerido se estende por faixa de aproximadamente 30m de largura, margem do reservatório, encerrando uma área de APP de aproximadamente 1.700,00m², ou 0,17 ha."
(fls. 401/419)

Resta demonstrado pelos documentos que instruíram a inicial que os réus foram possuidores do imóvel em tela, sendo solidariamente responsáveis pela recomposição da vegetação e indenização pela degradação ambiental, uma vez que o INCRA propôs a ação de reintegração de posse em face de Márcio Henrique Kodama (fl. 285) e o DEPRN celebrou acordo de regularização da área degradada com Ângelo Ademilson Zeferino (fl. 70). Ademais, versando a ação sobre direitos reais imobiliários, tendo como objeto, ainda, o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre bem imóvel, a ré Ivana Pereira Strzerri Kodama deve configurar no polo passivo, respondendo juntamente com Márcio Henrique Kodama, por ser sua esposa, nos termos do artigo 10, do Código de Processo Civil.


Incumbindo ao réu o ônus da prova relativo a fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II, CPC), descabe qualquer alegação de que a construção na APP em tela estaria autorizada legalmente, com fulcro no artigo 61-A do novo Código Florestal, haja vista que a parte ré não trouxe nenhum indício de que desenvolve atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo natural em área rural consolidada até 22.07.2008, o que poderia configurar uma exceção legal. No mais, não se trata de fatos notórios, confessados pela parte contrária, incontroversos ou sobre os quais recai presunção legal de existência ou veracidade, situações que independeriam de prova, nos termos do artigo 334 do Código de Processo Civil.


Tratando-se a questão de proteção ao meio ambiente, incidem os princípios in dubio pro natura e da precaução, de modo que ao poluidor recai o ônus probatório de inocorrência de potencial ou efetiva degradação ambiental:


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANOS AMBIENTAIS. ADIANTAMENTO DE DESPESAS PERICIAIS. ART. 18 DA LEI 7.347/1985. ENCARGO DEVIDO À FAZENDA PÚBLICA. DISPOSITIVOS DO CPC. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.
(...)
3. Em ação ambiental, impõe-se a inversão do ônus da prova, cabendo ao empreendedor, no caso concreto o próprio Estado, responder pelo potencial perigo que causa ao meio ambiente, em respeito ao princípio da precaução. Precedentes.
4. Recurso especial não provido.
(REsp 1237893/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA. REDUÇÃO DA PRODUÇÃO PESQUEIRA. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO CABIMENTO. DISSÍDIO NOTÓRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO INCONTESTE. NEXO CAUSAL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CABIMENTO. PRECEDENTES.
(...)
3. A Lei nº 6.938/81 adotou a sistemática da responsabilidade objetiva, que foi integralmente recepcionada pela ordem jurídica atual, de sorte que é irrelevante, na espécie, a discussão da conduta do agente (culpa ou dolo) para atribuição do dever de reparação do dano causado, que, no caso, é inconteste.
4. O princípio da precaução, aplicável à hipótese, pressupõe a inversão do ônus probatório, transferindo para a concessionária o encargo de provar que sua conduta não ensejou riscos para o meio ambiente e, por consequência, aos pescadores da região.
5. Agravo regimental provido para, conhecendo do agravo, dar provimento ao recurso especial a fim de determinar o retorno dos autos à origem para que, promovendo-se a inversão do ônus da prova, proceda-se a novo julgamento.
(AgRg no AREsp 206.748/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 27/02/2013)
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO COM MERCÚRIO. ART. 333 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÔNUS DINÂMICO DA PROVA. CAMPO DE APLICAÇÃO DOS ARTS. 6º, VIII, E 117 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. POSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ONUS PROBANDI NO DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA.
1. Em Ação Civil Pública proposta com o fito de reparar alegado dano ambiental causado por grave contaminação com mercúrio, o Juízo de 1º grau, em acréscimo à imputação objetiva estatuída no art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, determinou a inversão do ônus da prova quanto a outros elementos da responsabilidade civil, decisão mantida pelo Tribunal a quo.
2. O regime geral, ou comum, de distribuição da carga probatória assenta-se no art. 333, caput, do Código de Processo Civil. Trata-se de modelo abstrato, apriorístico e estático, mas não absoluto, que, por isso mesmo, sofre abrandamento pelo próprio legislador, sob o influxo do ônus dinâmico da prova, com o duplo objetivo de corrigir eventuais iniquidades práticas (a probatio diabólica, p. ex., a inviabilizar legítimas pretensões, mormente dos sujeitos vulneráveis) e instituir um ambiente ético-processual virtuoso, em cumprimento ao espírito e letra da Constituição de 1988 e das máximas do Estado Social de Direito.
3. No processo civil, a técnica do ônus dinâmico da prova concretiza e aglutina os cânones da solidariedade, da facilitação do acesso à Justiça, da efetividade da prestação jurisdicional e do combate às desigualdades, bem como expressa um renovado due process, tudo a exigir uma genuína e sincera cooperação entre os sujeitos na demanda.
4. O legislador, diretamente na lei (= ope legis), ou por meio de poderes que atribui, específica ou genericamente, ao juiz (= ope judicis), modifica a incidência do onus probandi, transferindo-o para a parte em melhores condições de suportá-lo ou cumpri-lo eficaz e eficientemente, tanto mais em relações jurídicas nas quais ora claudiquem direitos indisponíveis ou intergeracionais, ora as vítimas transitem no universo movediço em que convergem incertezas tecnológicas, informações cobertas por sigilo industrial, conhecimento especializado, redes de causalidade complexa, bem como danos futuros, de manifestação diferida, protraída ou prolongada.
5. No Direito Ambiental brasileiro, a inversão do ônus da prova é de ordem substantiva e ope legis, direta ou indireta (esta última se manifesta, p. ex., na derivação inevitável do princípio da precaução), como também de cunho estritamente processual e ope judicis (assim no caso de hipossuficiência da vítima, verossimilhança da alegação ou outras hipóteses inseridas nos poderes genéricos do juiz, emanação natural do seu ofício de condutor e administrador do processo).
6. Como corolário do princípio in dubio pro natura, "Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução" (REsp 972.902/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.9.2009), técnica que sujeita aquele que supostamente gerou o dano ambiental a comprovar "que não o causou ou que a substância lançada ao meio ambiente não lhe é potencialmente lesiva" (REsp 1.060.753/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 14.12.2009).
7. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, contém comando normativo estritamente processual, o que a põe sob o campo de aplicação do art. 117 do mesmo estatuto, fazendo-a valer, universalmente, em todos os domínios da Ação Civil Pública, e não só nas relações de consumo (REsp 1049822/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 18.5.2009).
8. Destinatário da inversão do ônus da prova por hipossuficiência - juízo perfeitamente compatível com a natureza coletiva ou difusa das vítimas - não é apenas a parte em juízo (ou substituto processual), mas, com maior razão, o sujeito-titular do bem jurídico primário a ser protegido.
9. Ademais, e este o ponto mais relevante aqui, importa salientar que, em Recurso Especial, no caso de inversão do ônus da prova, eventual alteração do juízo de valor das instâncias ordinárias esbarra, como regra, na Súmula 7 do STJ. "Aferir a hipossuficiência do recorrente ou a verossimilhança das alegações lastreada no conjunto probatório dos autos ou, mesmo, examinar a necessidade de prova pericial são providências de todo incompatíveis com o recurso especial, que se presta, exclusivamente, para tutelar o direito federal e conferir-lhe uniformidade" (REsp 888.385/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 27.11.2006. No mesmo sentido, REsp 927.727/MG, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJe de 4.6.2008).
10. Recurso Especial não provido.
(REsp 883.656/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 28/02/2012)

Assim, além de absolutamente irrelevante, não restou demonstrado que o rancho já existia antes mesmo da criação do reservatório ou da instalação do assentamento, de maneira que não há sequer indícios a fim de desconstituir a presunção de legitimidade que goza os documentos que instruíram a inicial, especialmente os de fls. 26/28 e 31/35, que revelam que, após o procedimento de desapropriação, a propriedade da área em questão passou a ser da União, com destinação voltada para projeto de reforma agrária, nos termos do Decreto n° 92.876/86, o que por si só já justificaria a remoção dos posseiros e a demolição de construção eventualmente existente.


Observa-se que, após a realização de prova pericial neste feito, o INCRA propôs ação de reintegração de posse em face dos ocupantes irregulares (processo n° 2008.61.08.006625-2), tendo obtido liminar em seu favor determinando a imissão na posse das áreas, razão pela qual efetivou a demolição dos ranchos, a remoção dos entulhos, bem como iniciou a elaboração de projeto de reflorestamento e tomou providências para ajuizar ações judiciais com o escopo de obter o ressarcimento dos respectivos custos (fls. 427/443). Dessa forma, o MM Magistrado a quo, ante a alteração substancial dos fatos, extinguiu sem resolução do mérito o feito, por ausência de interesse processual superveniente, quanto aos pedidos de demolição do rancho e remoção dos entulhos, subsistindo, todavia, os demais pleitos da parte autora.


Repise-se que o imóvel está situado em espaço territorial especialmente protegido pelo Poder Público, que está gravado por obrigação propter rem, de maneira que a alegação de pré-existência de construções a posse não exime seu titular da obrigação de reparar e indenizar os danos ambientais, em face da inexistência de direito adquirido de poluir.


Deve ser rechaçada igualmente qualquer alegação no sentido de que a ocupação na área de preservação permanente seria regular em razão de eventual autorização de órgão ambiental estadual, vez que tal ato de consentimento, como será demonstrado adiante, é nulo por ilegalidade, dele não se originando direitos, e, ainda que não fosse, não dispensaria o proprietário ou possuidor do imóvel do cumprimento das normas ambientais.


Destarte, considerando que, no caso em tela, as construções implicaram na supressão de vegetação nativa e suas manutenções impediram ou, ao menos, dificultaram a regeneração natural, não havendo autorização do Poder Público, o qual poderia concedê-la apenas em caso de utilidade pública, interesse social ou de baixa impacto ambiental (art. 4°, caput, Lei n° 4.717/65 e art. 8°, caput, Lei n° 12.651/12), a mera manutenção de edificação em área de preservação permanente configura ilícito civil, passível de responsabilização por dano ecológico in re ipsa, sendo medida de rigor a manutenção da condenação de Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama na obrigação de não-fazer consistente em não realizar mais nenhuma obra ou desmatamento na área de reserva legal e preservação permanente.


Nesse sentido:


ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CASAS DE VERANEIO ("RANCHOS"). LEIS 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965), 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) E 6.938/81 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). DESMEMBRAMENTO E LOTEAMENTO IRREGULAR. VEGETAÇÃO CILIAR OU RIPÁRIA. CORREDORES ECOLÓGICOS. RIO IVINHEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE DA AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA, NO DIREITO BRASILEIRO, DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL TÁCITA. PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE OFÍCIO DE LICENÇA E DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ.
1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública ambiental movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul contra proprietários de 54 casas de veraneio ("ranchos"), bar e restaurante construídos em Área de Preservação Permanente - APP, um conjunto de aproximadamente 60 lotes e com extensão de quase um quilômetro e meio de ocupação da margem esquerda do Rio Ivinhema, curso de água com mais de 200 metros de largura. Pediu-se a desocupação da APP, a demolição das construções, o reflorestamento da região afetada e o pagamento de indenização, além da emissão de ordem cominatória de proibição de novas intervenções. A sentença de procedência parcial foi reformada pelo Tribunal de Justiça, com decretação de improcedência do pedido.
ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CILIAR 2. Primigênio e mais categórico instrumento de expressão e densificação da "efetividade" do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", a Área de Preservação Permanente ciliar (= APP ripária, ripícola ou ribeirinha), pelo seu prestígio ético e indubitável mérito ecológico, corporifica verdadeira trincheira inicial e última - a bandeira mais reluzente, por assim dizer - do comando maior de "preservar e restaurar as funções ecológicas essenciais", prescrito no art. 225, caput e § 1º, I, da Constituição Federal.
3. Aferrada às margens de rios, córregos, riachos, nascentes, charcos, lagos, lagoas e estuários, intenta a APP ciliar assegurar, a um só tempo, a integridade físico-química da água, a estabilização do leito hídrico e do solo da bacia, a mitigação dos efeitos nocivos das enchentes, a barragem e filtragem de detritos, sedimentos e poluentes, a absorção de nutrientes pelo sistema radicular, o esplendor da paisagem e a própria sobrevivência da flora ribeirinha e fauna. Essas funções multifacetárias e insubstituíveis elevam-na ao status de peça fundamental na formação de corredores ecológicos, elos de conexão da biodiversidade, genuínas veias bióticas do meio ambiente. Objetivamente falando, a vegetação ripária exerce tarefas de proteção assemelhadas às da pele em relação ao corpo humano: faltando uma ou outra, a vida até pode continuar por algum tempo, mas, no cerne, muito além de trivial mutilação do sentimento de plenitude e do belo do organismo, o que sobra não passa de um ser majestoso em estado de agonia terminal.
4. Compreensível que, com base nessa ratio ético-ambiental, o legislador caucione a APP ripária de maneira quase absoluta, colocando-a no ápice do complexo e numeroso panteão dos espaços protegidos, ao prevê-la na forma de superfície intocável, elemento cardeal e estruturante no esquema maior do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por tudo isso, a APP ciliar qualifica- se como território non aedificandi. Não poderia ser diferente, hostil que se acha à exploração econômica direta, desmatamento ou ocupação humana (com as ressalvas previstas em lei, de caráter totalmente excepcional e em numerus clausus, v.g., utilidade pública, interesse social, intervenção de baixo impacto).
5. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ.
LICENCIAMENTO AMBIENTAL 6. Se é certo que em licença, autorização ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Administrador, quando implementa a legislação ambiental, incumbe agregar condicionantes, coartações e formas de mitigação do uso e exploração dos recursos naturais - o que amiúde acontece, efeito de peculiaridades concretas da biota, projeto, atividade ou empreendimento -, não é menos certo que o mesmo ordenamento jurídico não lhe faculta, em sentido inverso, ignorar, abrandar ou fantasiar prescrições legais referentes aos usos restringentes que, por exceção, sejam admitidos nos espaços protegidos, acima de tudo em APP.
7. Em respeito ao princípio da legalidade, é proibido ao órgão ambiental criar direitos de exploração onde a lei previu deveres de preservação. Pela mesma razão, mostra-se descabido, qualquer que seja o pretexto ou circunstância, falar em licença ou autorização ambiental tácita, mormente por quem nunca a solicitou ou fê-lo somente após haver iniciado, às vezes até concluído, a atividade ou o empreendimento em questão. Se, diante de pleito do particular, o Administrador permanece silente, é intolerável que a partir da omissão estatal e do nada jurídico se entreveja salvo-conduto para usar e até abusar dos recursos naturais, sem prejuízo, claro, de medidas administrativas e judiciais destinadas a obrigá-lo a se manifestar e decidir.
8. Embora o licenciamento ambiental possa, conforme a natureza do empreendimento, obra ou atividade, ser realizado, conjunta ou isoladamente, pela União, Distrito Federal e Municípios, não compete a nenhum deles - de modo direto ou indireto, muito menos com subterfúgios ou sob pretexto de medidas mitigatórias ou compensatórias vazias ou inúteis - dispensar exigências legais, regulamentares ou de pura sabedoria ecológica, sob pena de, ao assim proceder, fulminar de nulidade absoluta e insanável o ato administrativo praticado, bem como de fazer incidir, pessoalmente, sobre os servidores envolvidos, as sanções da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente (arts. 66, 67 e 69-A) e da Lei da Improbidade Administrativa, às quais se agrega sua responsabilização civil em regime de solidariedade com os autores diretos de eventual dano causado.
HIPÓTESE DOS AUTOS 9. O Recurso Especial em questão debate, entre outros pontos, os efeitos da suspensão de ofício da Licença de Operação 12/2008, emitida pelo órgão ambiental do Estado de Mato Grosso do Sul e incorporada às razões de decidir do acórdão recorrido. Nos Embargos de Declaração, o Parquet suscita, de maneira expressa, a suspensão de ofício da licença concedida, bem como diversas outras omissões. Em resposta, o respectivo acórdão limita-se a apontar pretensão supostamente infringente, sem examinar as impugnações, todas pertinentes para o deslinde da controvérsia. Por essa razão, vislumbro ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes do STJ em situações análogas.
10. Recurso Especial parcialmente provido para anular o acórdão dos Embargos de Declaração.
(REsp 1245149/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 13/06/2013)

Outrossim, as obrigações de fazer ou não-fazer destinadas à recomposição in natura do bem lesado e a indenização pecuniária são perfeitamente cumuláveis, ao menos em tese, por terem pressupostos diversos, priorizando os princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano ambiental, nos termos dos artigos 225, §3°, da Constituição Federal e 4° da Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).


Os deveres de indenizar e recuperar possuem natureza de ressarcimento cível, os quais almejam de forma simultânea e complementar a restauração do status quo ante do bem ambiental lesado, finalidade maior a ser alcançada pelo Poder Público e pela sociedade.


A possibilidade de cumulação visa, em última análise, evitar o enriquecimento sem causa, já que a submissão do poluidor tão somente à reparação do ecossistema degradado fomentaria a prática de ilícitos contra o meio ambiente.


Inexistindo, portanto, bis in idem, os réus não se eximem da obrigação de indenizar, ainda que demonstrem o propósito de recuperar a área ambientalmente degradada, não obstada pelo fato da área encontrar-se reflorestada.


De acordo com esse entendimento, é a pacífica a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. ARTS. 458, II, E 535, II, DO CPC. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. ARTS. 130 E 131 DO CPC. NÃO VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL. LIVRE CONVENCIMENTO DO MAGISTRADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ART. 14, § 1º, DA LEI N. 6.398/1981. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. MULTA DE QUE TRATA O ART. 538 DO CPC MANTIDA.
1. Não prospera a alegação de violação dos arts. 458, II, e 535, II, do CPC, uma vez que os arestos recorridos estão devidamente fundamentados. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que o julgador não está adstrito a responder a todos os argumentos das partes, desde que fundamente sua decisão.
2. Não houve violação dos arts. 130 e 131 do CPC. Isso porque, tais artigos consagram o princípio da persuasão racional (livre convencimento), segundo o qual o magistrado fica habilitado a julgar a demanda, conforme seu convencimento, à luz do cenário fático-probatório dos autos, da jurisprudência aplicável ao caso concreto, da legislação adequada e das circunstâncias particulares da demanda.
3. A responsabilidade pelos atos que desrespeitam as normas ambientais é objetiva, ou seja, independe da existência de culpa (art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81), mormente quando comprovado o nexo causal entre a conduta e o dano, como no caso presente. Precedentes: AgRg no AREsp 165.201/MT, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 22/06/2012; REsp 570.194/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 12/11/2007.
4. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar. Precedentes: REsp 1.227.139/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 13/04/2012; REsp 1.115.555/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 23/02/2011.
5. A exigência da comprovação do cumprimento de "Condicionantes" impostas pelo IBAMA deverá ser realizada na fase do cumprimento de sentença, por demandar considerável lapso temporal.
6. Não se aplica a Súmula 98 do STJ quando há renovação de embargos declaratórios que apenas repetem os temas elencados nos embargos anteriores. Multa do art. 538 que deve ser mantida.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido.
(REsp 1307938/GO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 16/09/2014)
PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ORDEM URBANÍSTICA. LOTEAMENTO RURAL CLANDESTINO. ILEGALIDADES E IRREGULARIDADES DEMONSTRADAS. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL. DANO AO MEIO AMBIENTE CONFIGURADO. DANO MORAL COLETIVO.
1. Recurso especial em que se discute a ocorrência de dano moral coletivo em razão de dano ambiental decorrente de parcelamento irregular do solo urbanístico, que, além de invadir Área de Preservação Ambiental Permanente, submeteu os moradores da região a condições precárias de sobrevivência.
2. Hipótese em que o Tribunal de origem determinou as medidas específicas para reparar e prevenir os danos ambientais, mediante a regularização do loteamento, mas negou provimento ao pedido de ressarcimento de dano moral coletivo.
3. A reparação ambiental deve ser plena. A condenação a recuperar a área danificada não afasta o dever de indenizar, alcançando o dano moral coletivo e o dano residual. Nesse sentido: REsp 1.180.078/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 28/02/2012.
4. "O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. (...) O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos" (REsp 1.057.274/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/12/2009, DJe 26/02/2010.).
5. No caso, o dano moral coletivo surge diretamente da ofensa ao direito ao meio ambiente equilibrado. Em determinadas hipóteses, reconhece-se que o dano moral decorre da simples violação do bem jurídico tutelado, sendo configurado pela ofensa aos valores da pessoa humana. Prescinde-se, no caso, da dor ou padecimento (que são consequência ou resultado da violação). Nesse sentido: REsp 1.245.550/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 16/04/2015.
Recurso especial provido.
(REsp 1410698/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 30/06/2015)
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR.POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL.
1. Cuidam os autos de ação civil pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa (Cerrado). O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual.
2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.
3. Ao responsabilizar-se civilmente o infrator ambiental, não se deve confundir prioridade da recuperação in natura do bem degradado com impossibilidade de cumulação simultânea dos deveres de repristinação natural (obrigação de fazer), compensação ambiental e indenização em dinheiro (obrigação de dar), e abstenção de uso e de nova lesão (obrigação de não fazer).
4. De acordo com a tradição do Direito brasileiro, imputar responsabilidade civil ao agente causador de degradação ambiental difere de fazê-lo administrativa ou penalmente. Logo, eventual absolvição no processo criminal ou perante a Administração Pública não influi, como regra, na responsabilização civil, tirantes as exceções em numerus clausus do sistema legal, como a inequívoca negativa do fato ilícito (não ocorrência de degradação ambiental, p.ex.) ou da autoria (direta ou indireta), nos termos do art. 935 do Código Civil.
5. Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação do réu, simultânea e agregadamente, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Aí se encontra típica obrigação cumulativa ou conjuntiva. Assim, na interpretação dos arts. 4º, VII, e 14, § 1º, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), e do art. 3º da Lei 7.347/85, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Essa posição jurisprudencial leva em conta que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si mesmos considerados).
6. Se o bem ambiental lesado for imediata e completamente restaurado ao status quo ante (reductio ad pristinum statum, isto é, restabelecimento à condição original), não há falar, ordinariamente, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica, no futuro (= prestação jurisdicional prospectiva), de restauração in natura nem sempre se mostra suficiente para reverter ou recompor integralmente, no terreno da responsabilidade civil, as várias dimensões do dano ambiental causado; por isso não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.
7. A recusa de aplicação ou aplicação parcial dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa. Daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo do negócio", acarretando o enfraquecimento do caráter dissuasório da proteção legal, verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do infrator premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.
8. A responsabilidade civil ambiental deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo.
9. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restaurada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível.
10. Essa degradação transitória, remanescente ou reflexa do meio ambiente inclui: a) o prejuízo ecológico que medeia, temporalmente, o instante da ação ou omissão danosa e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, o hiato passadiço de deterioração, total ou parcial, na fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino ou intermediário), algo frequente na hipótese, p. ex., em que o comando judicial, restritivamente, se satisfaz com a exclusiva regeneração natural e a perder de vista da flora ilegalmente suprimida, b) a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (= dano residual ou permanente), e c) o dano moral coletivo. Também deve ser reembolsado ao patrimônio público e à coletividade o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica ilícita que auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados irregularmente da área degradada ou benefício com seu uso espúrio para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).
11. No âmbito específico da responsabilidade civil do agente por desmatamento ilegal, irrelevante se a vegetação nativa lesada integra, ou não, Área de Preservação Permanente, Reserva Legal ou Unidade de Conservação, porquanto, com o dever de reparar o dano causado, o que se salvaguarda não é a localização ou topografia do bem ambiental, mas a flora brasileira em si mesma, decorrência dos excepcionais e insubstituíveis serviços ecológicos que presta à vida planetária, em todos os seus matizes.
12. De acordo com o Código Florestal brasileiro (tanto o de 1965, como o atual, a Lei 12.651, de 25.5.2012) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), a flora nativa, no caso de supressão, encontra-se uniformemente protegida pela exigência de prévia e válida autorização do órgão ambiental competente, qualquer que seja o seu bioma, localização, tipologia ou estado de conservação (primária ou secundária).
13. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros).
14. Recurso especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.
(REsp 1198727/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 09/05/2013)

Dessa forma, imperiosa a manutenção da condenação dos réus Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama ao pagamento de indenização pelos danos causados pela intervenção antrópica na área de preservação permanente no valor de R$ 6.245,00 (seis mil e duzentos e quarenta e cinco reais), conforme apurado na perícia, a ser revertido em favor de obras de proteção ao meio ambiente, especificamente voltadas a proteção da vegetação de reserva legal e preservação permanente do local, nos termos da r. sentença.


Quanto às obrigações impostas ao Estado de São Paulo, cabe destacar que a Lei de Política Nacional define poluidor como sendo a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade de degradação ambiental (art. 3°, IV, Lei n° 6.938/81).


Nesse sentido, o Estado poderá ser solidariamente responsável por danos ambientais, na hipótese de omissão na fiscalização ambiental ou atuação deficiente, sendo considerado poluidor indireto, mormente em razão do dever concorrente de todos os entes políticos de exercer o poder de polícia ambiental visando coibir tais males:


AMBIENTAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE PROTEÇÃO INTEGRAL (LEI 9.985/00). OCUPAÇÃO E CONSTRUÇÃO ILEGAL POR PARTICULAR NO PARQUE ESTADUAL DE JACUPIRANGA. TURBAÇÃO E ESBULHO DE BEM PÚBLICO. DEVER-PODER DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO. OMISSÃO. ART. 70, § 1º, DA LEI 9.605/1998. DESFORÇO IMEDIATO. ART. 1.210, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGOS 2º, I E V, 3º, IV, 6º E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). CONCEITO DE POLUIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DE NATUREZA SOLIDÁRIA, OBJETIVA, ILIMITADA E DE EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO.
1. Já não se duvida, sobretudo à luz da Constituição Federal de 1988, que ao Estado a ordem jurídica abona, mais na fórmula de dever do que de direito ou faculdade, a função de implementar a letra e o espírito das determinações legais, inclusive contra si próprio ou interesses imediatos ou pessoais do Administrador. Seria mesmo um despropósito que o ordenamento constrangesse os particulares a cumprir a lei e atribuísse ao servidor a possibilidade, conforme a conveniência ou oportunidade do momento, de por ela zelar ou abandoná-la à própria sorte, de nela se inspirar ou, frontal ou indiretamente, contradizê-la, de buscar realizar as suas finalidades públicas ou ignorá-las em prol de interesses outros.
2. Na sua missão de proteger o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, como patrono que é da preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais, incumbe ao Estado "definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção" (Constituição Federal, art. 225, § 1º, III).
3. A criação de Unidades de Conservação não é um fim em si mesmo, vinculada que se encontra a claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza. Por isso, em nada resolve, freia ou mitiga a crise da biodiversidade - diretamente associada à insustentável e veloz destruição de habitat natural -, se não vier acompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físico-ecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica, transparente e democrática. A ser diferente, nada além de um "sistema de áreas protegidas de papel ou de fachada" existirá, espaços de ninguém, onde a omissão das autoridades é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita.
4. Qualquer que seja a qualificação jurídica do degradador, público ou privado, no Direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva, solidária e ilimitada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in integrum, da prioridade da reparação in natura, e do favor debilis, este último a legitimar uma série de técnicas de facilitação do acesso à Justiça, entre as quais se inclui a inversão do ônus da prova em favor da vítima ambiental. Precedentes do STJ.
5. Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art.
3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional.
6. O dever-poder de controle e fiscalização ambiental (= dever-poder de implementação), além de inerente ao exercício do poder de polícia do Estado, provém diretamente do marco constitucional de garantia dos processos ecológicos essenciais (em especial os arts. 225, 23, VI e VII, e 170, VI) e da legislação, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981, arts. 2º, I e V, e 6º) e da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente).
7. Nos termos do art. 70, § 1º, da Lei 9.605/1998, são titulares do dever-poder de implementação "os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização", além de outros a que se confira tal atribuição.
8. Quando a autoridade ambiental "tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade" (art. 70, § 3°, da Lei 9.605/1998, grifo acrescentado).
9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem - e no caso do Estado, devem - ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
11. O conceito de poluidor, no Direito Ambiental brasileiro, é amplíssimo, confundindo-se, por expressa disposição legal, com o de degradador da qualidade ambiental, isto é, toda e qualquer "pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental" (art. 3º, IV, da Lei 6.938/1981, grifo adicionado).
12. Para o fim de apuração do nexo de causalidade no dano urbanístico-ambiental e de eventual solidariedade passiva, equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem não se importa que façam, quem cala quando lhe cabe denunciar, quem financia para que façam e quem se beneficia quando outros fazem.
13. A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa.
14. No caso de omissão de dever de controle e fiscalização, a responsabilidade ambiental solidária da Administração é de execução subsidiária (ou com ordem de preferência).
15. A responsabilidade solidária e de execução subsidiária significa que o Estado integra o título executivo sob a condição de, como devedor-reserva, só ser convocado a quitar a dívida se o degradador original, direto ou material (= devedor principal) não o fizer, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade, inclusive técnica, de cumprimento da prestação judicialmente imposta, assegurado, sempre, o direito de regresso (art. 934 do Código Civil), com a desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).
16. Ao acautelar a plena solvabilidade financeira e técnica do crédito ambiental, não se insere entre as aspirações da responsabilidade solidária e de execução subsidiária do Estado - sob pena de onerar duplamente a sociedade, romper a equação do princípio poluidor-pagador e inviabilizar a internalização das externalidades ambientais negativas - substituir, mitigar, postergar ou dificultar o dever, a cargo do degradador material ou principal, de recuperação integral do meio ambiente afetado e de indenização pelos prejuízos causados.
17. Como consequência da solidariedade e por se tratar de litisconsórcio facultativo, cabe ao autor da Ação optar por incluir ou não o ente público na petição inicial.
18. Recurso Especial provido.
(REsp 1071741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010)

O Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental celebrado entre DEPRN e Ângelo Ademilson Zeferino (fl. 69) está eivado de ilegalidade, razão pela qual deve ser anulado, pela impossibilidade de regeneração do espaço territorial especialmente protegido nos termos estabelecidos (plantação de 19 mudas de essências nativas), vez que a cessação total de atividade antrópica, com a demolição de construção, remoção de entulhos e reflorestamento, era imprescindível para tanto, nos termos da prova pericial: "os Danos Causados ao Meio Ambiente poderão ser recuperados através de demolição do rancho e retirada dos entulhos, para, após, reflorestar a área com plantio de 24 (vinte e quatro) mudas de essências nativas da região (...)" (fl. 407).


O próprio órgão ambiental estadual não nega que autorizou a manutenção de situações ilegais:


"Com o advento da Lei 9.605/98 (crimes ambientais) a P. Amb, no início de 1999, autuou todos estes ranchos, e o DEPRN, na época, não propôs a demolição de tais ranchos, elaborou, através do então supervisor desta Equipe técnica, TERMO DE COMPROMISSO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL, prevendo o plantio de mudas para que o dano ambiental fosse mitigado, procedimentos estes de conhecimento do M.P Estadual.
Existem também algumas intervenções nas quais o DEPRN, sem atentar para a prova dominial, possibilitou a intervenção através de, por exemplo, AUTORIZAÇÃO para construção de bebedouros, autorizações estas usadas indevidamente para extração de argila, burlando assim, a legislação federal que trata do assunto."
(fls. 50/53)

Outrossim, haveria a necessidade de aquiescência do INCRA, pois o imóvel era de propriedade da União, com destinação específica para projeto de reforma agrária, sendo irregular a situação dos posseiros por não deterem nenhum título de domínio, o que evidencia a ilegitimidade do órgão ambiental estadual para celebrar tal acordo.


Conclui-se que o DEPRN consentiu com a permanência e uso dos ranchos construídos em área de preservação permanente, atuando deficientemente, sendo, no mínimo, conivente com a manutenção da situação ilegal.


Assim, sendo o DEPRN integrante da Administração Pública Direta do Estado de São Paulo, de acordo com o Decreto Estadual n° 30.555/89, deve-se imputar ao ente político respectivo a responsabilidade, já que não é dotado de personalidade jurídica.


No direito ambiental, a prevenção prescinde à reparação dos danos ambientais, uma vez que muitos dos ecossistemas afetados pela interferência humana não são passíveis de serem perfeitamente restaurados por serem em geral dotados de grande complexidade, de maneira que a degradação ambiental, por vezes, causa prejuízos irreversíveis ao meio ambiente. Assim, revela-se necessário provimento judicial visando a cessação de todo e qualquer dano ambiental, seja direto ou indireto.


Portanto, é de rigor manter a condenação do Estado de São Paulo, através do DEPRN, na obrigação de não-fazer, sob pena de responsabilidade, consistente em não celebrar qualquer acordo ou expedir qualquer licença ou autorização para edificações na área de reserva legal e preservação permanente, notadamente quando a titularidade for do INCRA, sem a prévia oitiva deste, bem como declarar a nulidade do Termo de Compromisso n° 057/00, celebrado entre o DEPRN e o corréu Ângelo Ademilson Zeferino, no ponto em que permitia a manutenção e o uso da edificação levada a efeito na área de reserva legal e preservação permanente descrita nos autos.


Por fim, considerando que tanto os réus Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama quanto o Estado-membro deram causa à presente ação coletiva, sendo o laudo pericial determinante para estabelecer a ilegalidade da manutenção do imóvel em área de preservação permanente, é de rigor manter a condenação de ambos ao pagamento de honorários periciais.


No mais, o artigo 18 da Lei n° 7.347/85 determina que a associação autora não será condenada em honorários advocatícios, custas e despesas processuais, salvo comprovada má-fé. Assim, considerando que esta ação coletiva foi julgada procedente, aplica-se subsidiariamente a regra geral do artigo 20 do Código de Processo Civil, nos termos do artigo 19 da Lei n° 7.347/85, já que aquela regra específica aplica-se apenas no caso de improcedência.


Embora o Ministério Público não possa se beneficiar dos honorários advocatícios quando for vencedor na ação coletiva, o caso em tela diferencia-se em razão do INCRA, autarquia federal, ter sido incluído no polo ativo da ação juntamente com o Parquet, tendo atuado no feito, inclusive indicando assistente técnico, apresentando quesitos e, até, interpondo recurso e apresentando contrarrazões.


Dessa forma, os réus Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama devem ser condenados ao pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 750,00 (setecentos e cinquenta reais) a serem igualmente rateados e o Estado de São Paulo no valor de R$ 750,00 (setecentos e quinhentos reais), a serem destinados ao INCRA.


Diante do exposto, nego provimento às apelações e dou provimento ao recurso adesivo do INCRA para condenar o Estado de São Paulo, Ângelo Ademilson Zeferino, Márcio Henrique Kodama e Ivana Pereira Strzerri Kodama ao pagamento de honorários advocatícios.


É o voto.


ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal


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