D.E. Publicado em 15/02/2017 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os integrantes da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e dar parcial provimento à apelação do réu Dionizio Favarin para ajustar a pena de multa proporcionalmente à pena privativa de liberdade, em 13 dias-multa, no tocante à condenação pela prática de corrupção ativa, descrita na denúncia como fato criminoso 1; e para afastar a causa de aumento do artigo 40, I, da Lei 11.343/2006 (transnacionalidade) ao crime do artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006, descrito na denúncia como fato criminoso 2, resultando definitiva as penas, em concurso material, em 14 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, em regime fechado, e 829 dias-multa; não conhecer do pedido de recorrer em liberdade formulado pelo réu Daniel Pereira Bezerra, no mais, dar parcial provimento à apelação réu Daniel Pereira Bezerra para ajustar a pena de multa proporcionalmente à pena privativa de liberdade, em 13 dias-multa, no tocante à condenação pela prática de corrupção ativa, descrita na denúncia como fato criminoso 1; e para afastar a causa de aumento do artigo 40, I, da Lei 11.343/2006 (transnacionalidade) ao crime do artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006, descrito na denúncia como fato criminoso 2, resultando definitiva as penas, em concurso material, em 14 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, em regime fechado, e 829 dias-multa e negar provimento à apelação do Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106 |
Nº de Série do Certificado: | 68D9614EDFBF95E3 |
Data e Hora: | 09/02/2017 15:37:26 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator):
O Ministério Público Federal, em 08/11/2011, denunciou:
1) DANIEL PEREIRA BEZERRA, vulgo Negão ou Pereirão, qualificado nos autos, nascido aos 18.03.1960, como incurso nos artigos 288, 333 (por duas vezes), 334 (por duas vezes) do Código Penal e artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006;
2) DIONIZIO FAVARIN, vulgo Alemão ou Kiko, qualificado nos autos, nascido aos 19.07.1966, como incurso nos artigos 288, 333 (por duas vezes), 334 (por duas vezes) do Código Penal e artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006;
3) Claucir Antonio Reck, vulgo Catarina ou Catarino, qualificado nos autos, nascido aos 22.07.1966, nos artigos 288 e 334 do Código Penal;
4) Marcos Gavilan Favarin, vulgo Quack, qualificado nos autos, nascido aos 01.02.1980, como incurso nos artigos 288, 333 e 334 (por duas vezes) do Código Penal;
5) Robson Antonio Sitta, vulgo Careca ou Jabá, qualificado nos autos, nascido aos 16.12.1972, como incurso nos artigos 288 e 334 do Código Penal;
Consta da denúncia a descrição de cinco fatos criminosos e a descrição de quadrilha, envolvendo os denunciados (fls. 03/22):
A denúncia foi recebida em 17/11/2011 (fls. 40).
O presente processo, em figuram como réus Daniel Pereira Bezerra e Dionizio Favarin, é fruto do desmembramento do processo nº 00001436-13.2011.403.6006.
Processado o feito, sobreveio sentença da lavra da MM. Juíza Federal Substituta Ana Aguiar dos Santos Neves, publicada em 25.01.2013 (fls. 1187/1237 e 1238), que julgou parcialmente procedente a denúncia para:
a) condenar DANIEL PEREIRA BEZERRA como incurso nos artigos 288, caput; 333 (fato criminoso 1); 334, caput (duas vezes), todos do CP e artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006; c.c. artigos 69 e 70 do CP, à pena de 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão, com início no regime fechado, e 849 (oitocentos e quarenta e nove) dias-multa, no valor unitário de 2/3 (dois terços) do salário-mínimo; e absolvê-lo da imputação do artigo 333 do CP (segundo contexto fático-delitivo), com fundamento no artigo 386, II e V, do CPP;
b) condenar DIONIZIO FAVARIN como incurso nos artigos 288, caput; 333; 334, caput (duas vezes), todos do CP e artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006; c.c. artigos 69 e 70 do CP, à pena de 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão, com início no regime fechado, e 849 (oitocentos e quarenta e nove) dias-multa, no valor unitário de 2/3 (dois terços) do salário-mínimo; e absolvê-lo da imputação do artigo 333 do CP (segundo contexto fático-delitivo), com fundamento no artigo 386, II e V, do CPP;
A sentença vedou o recurso em liberdade e decretou o perdimento, em favor da União, dos bens e valores apreendidos em poder dos réus.
Apela a Defesa do réu Dionizio Favarin (fls. 1263/1264, 1370/1380 e 1397/1418), pleiteando, preliminarmente, a nulidade processual por infringência aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, do devido processo legal, da imparcialidade do juiz e do estado de inocência. Quanto à imparcialidade do juiz e estado de inocência, argumenta que a infringência deve-se ao fato de o juiz não ter permitido ao apelante prestar esclarecimentos sobre os fatos e apresentar-se para o interrogatório em liberdade, considerando-o foragido. Quanto ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório, argumenta a infringência por inobservância do prazo máximo de quinze dias para a realização da interceptação telefônica, a tornar ilícita a prova, a qual embasou a condenação. No mérito, a absolvição do réu por negativa de autoria do crime de contrabando, não havendo prova de seu envolvimento nos delitos, sendo absurdo considera-lo "chefão" do contrabando, pois "nunca aparece na cena do crime" e é tecnicamente primário; bem assim pelo crime de quadrilha, corrupção ativa e importação de produto químico destina da preparação de drogas, porque a acusação não demonstrou sua participação nestes delitos e sequer por quadrilha foi denunciado; subsidiariamente, requer a redução das penas para o mínimo legal.
Apela a Defesa do réu Daniel Pereira Bezerra (fls. 1266 e 1278/1326) pleiteando, preliminarmente:
a) a nulidade das escutas, em virtude da ausência no presente processo do incidente no qual teriam sido instauradas e desencadeadas as escutas telefônicas citadas, em desacordo com o artigo 8º da Lei 9296/96 e em prejuízo da ampla defesa, bem assim porque "não há respaldo na legislação processual penal para que cópia de mídias digitais, produzidas unilateralmente pela parte ativa da ação, sejam documentos oficiais aptos a ensejar a ação penal";
b) a nulidade do processo, por inobservância do artigo 1º da Lei 9296/96, ao argumento de que as escutas existentes nos autos n° 0000930-71.2010.403.6006 foram autorizadas pelo Juízo da Subseção Judiciária de Londrina - PR, incompetente, e não pelo Juízo de Naviraí/MS;
c) a nulidade do processo, por cerceamento de defesa, em virtude da juntada de documentos, entre os quais laudos periciais de outros feitos em que o réu não era parte, cópias de contratos, arquivo contendo escutas telefônicas e relatórios (RIP), pela Acusação sem intimação da Defesa;
d) a ausência de deferimento de ação controlada;
e) a incompetência da Justiça Federal para julgar o delito de corrupção;
No mérito, alega:
a) a necessidade de reforma da sentença quanto ao delito de quadrilha, porque o apelante não manteve qualquer diálogo com os envolvidos; as conclusões do conteúdo dos diálogos não passam de meras conjecturas e sequer há a identificação dos interlocutores, considerando-se também que o apelido "Negão" é comum e há outros investigados aos quais se imputa a mesma alcunha; afirma afastada a tipicidade do artigo 288 do CP diante da exigência elementar do tipo associação para fins permanentes e duradouros;
b) a necessidade de reforma da sentença quanto à condenação pelo pagamento de propina a policiais (artigo 333 do CP), ao argumento de que "nem a suposta carreta, tampouco os mencionados policiais militares, forma identificados", não há a identificação dos interlocutores e, assim, não há a figura do funcionário público;
c) a necessidade de reforma da sentença quanto à condenação pelo fato criminoso 2 - apreensão de 630 caixas de cigarros estrangeiros e 828 Kg de lidocaína -, como incurso no artigo 334 do CP e artigo 33, §1º, I, da Lei de Drogas, porque não há prova de que o apelante manteve qualquer contato telefônico descrito nos autos e as provas indicadas são insuficientes para demonstrar o envolvimento do apelante;
d) ausência de prova da destinação do produto lidocaína para o preparo de entorpecentes, ônus que incumbe à Acusação; o tipo penal do artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006 descreve o preparo de entorpecentes, "sendo que a utilização abstrata para 'batismo' de droga não engloba a aludida classificação penal" e a lidocaína não se trata de alucinógeno; subsidiariamente, requer classificação do tipo no §2º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, porque Daniel teria auxiliado na saída do caminhão do Paraguai.
e) a necessidade de reforma da sentença quanto à condenação pelo fato criminoso 3 - apreensão de 648 caixas de cigarros estrangeiros -, porque a prova da interceptação telefônica embasadora da condenação, telefonema travado entre o apelante e Selmir, de alcunha "Jabuti", não é suficiente para a condenação, dado que a relação entre eles é apenas de parentesco;
f) os fundamentos da sentença para a majoração da pena-base do delito de quadrilha não se mostram idôneos, pois "a gravidade apontada na r. sentença é meramente literária, não encontrando sustento na realidade vivenciada no dia a dia, ou melhor, trata-se de gravidade e repercussão meramente abstrata";
g) não há prova que de que o apelante seria chefe da quadrilha, para incidência da agravante do artigo 62, I, do CP;
h) descabida a majorante do parágrafo único do artigo 333 do CP, ao argumento de que "se não se soube sequer para quem foi oferecida a vantagem, não há como afirmar que tenha de fato o agente deixado de cumprir seu dever de ofício";
i) impugna a majoração da pena-base do artigo 334 do CP, em virtude da grande quantidade de mercadorias apreendidas, cujo valor do tributo iludido teria sido de R$ 580.716,14, ao argumento de que a importação de cigarros paraguaios é vedada, sendo o caso de contrabando, de modo que não há fraude no pagamento de tributos, tampouco o ato de iludir o pagamento de tributos.
j) seja afastada a agravante do artigo 62, I, do CP também para o delito do artigo 334 do CP e artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006;
l) a pena de multa estabelecida para o crime do artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006 supera o limite máximo do artigo 49 do CP;
m) o direito de recorrer em liberdade, porque não há qualquer elemento que indique que virá o apelante a delinquir, "até porque há muito encontra-se em prisão domiciliar";
n) a necessidade de reforma da sentença que decretou o perdimento de bens, ao argumento de que as declarações de imposto de renda do apelante dão conta da aquisição dos bens com recursos de fontes lícitas;
Apela o Ministério Público Federal (fls. 1333/1335 e 1437/1444), postulando:
a) a condenação de Daniel Pereira Bezerra e Dionizio Favarin pela prática de corrupção ativa, afirmando haver provas indiciárias suficientes para demonstrar o envolvimento deles no 2º contexto- fático delitivo, qual seja, o oferecimento de vantagem indevida a Julio Cesar Roseni, policial militar, para que este facilitasse o contrabando;
b) a condenação dos réus ao pagamento de indenização ao erário federal, no valor de R$ 1.178.024,18 (um milhão, cento e setenta e oito mil e vinte e quatro reais e dezoito centavos), relativo ao total dos tributos sonegados pelas importações das cargas apreendidas nos IPLs 64/2011, 77/2011 e 306/2011, nos termos do artigo 387, IV, do CPP.
O réu Daniel Pereira Bezerra foi intimado pessoalmente da sentença condenatória (fls. 1424).
Contrarrazões do Ministério Público Federal ao recurso do réu Daniel às fls. 1336/1353 e ao recurso do réu Dionizio às fls. 1426/1435.
Contrarrazões dos réus Dionizio e Daniel ao recurso ministerial às fls. 1430/1457 e 1461/1463, respectivamente.
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Maria Iraneide Olinda S. Facchini, opinou pelo desprovimento dos recursos defensivos e pelo provimento do recurso ministerial (fls. 1466/1506).
Convertido o julgamento em diligência para a realização de intimação do réu Dionízio Favarin sobre a sentença condenatória (fls. 1509), providência cumprida às fls. 1512/1514.
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106 |
Nº de Série do Certificado: | 68D9614EDFBF95E3 |
Data e Hora: | 14/12/2016 18:03:20 |
|
|
|
|
|
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
Considerações iniciais:
Antes da apreciação dos recursos, impende observar que o presente apuratório foi instaurado para investigação de quadrilhas, atuantes no Mato Grosso do Sul e Paraguai, responsáveis pela introdução clandestina de cigarros paraguaios em solo nacional. Partindo-se do envolvimento do PM Júlio Cesar Roseni e outros, foi determinada judicialmente a implementação de interceptações de comunicações telefônicas, visando a concreta identificação dos envolvidos na trama criminosa.
A investigação detectou a existência de agremiações criminosas diversas que atuavam na região, entre elas aquela formada pelo grupo ora denunciado, especializado no contrabando em grande escala de cigarros provenientes do país vizinho.
Cabe ainda pontuar, antes de adentrar propriamente na matéria recursal, e até para evitar repetições desnecessárias, que a interceptação telefônica, prevista constitucional e legalmente, foi determinada por ordem judicial, obedecendo aos trâmites da Lei nº 9.296/96, sendo meio de prova que não pode, pois, ser descartado do nosso ordenamento jurídico, ainda mais quando, in casu, o monitoramento telefônico conduziu à produção de outros elementos de prova ou fizeram referência a eventos ocorridos e demonstrados nos autos, não restando insulada no acervo probatório.
Nessa ordem de ideias, pontifica José Paulo Baltazar Junior:
Feitas essas colocações inaugurais, passo ao exame dos recursos da Acusação e da Defesa conjuntamente.
Anoto que o presente feito é fruto do desmembramento da ação penal 0001436-13.2011.4003.6006 (em que figuravam como réus Dionizio Favarin, Daniel Pereira Bezerra, Claucir Antonio Reck, Marcos Gavilan Favarin e Robson Antonio Sitta), a qual, por sua vez, é desmembrada da ação penal originária nº 0001224-89.2011.403.6006.
Na presente ação penal figuram como réus Dionizio Favarin e Daniel Pereira Bezerra, ao passo que na ação penal 0001436-13.2011.4003.6006 permaneceram como réus Claucir Antonio Reck, Marcos Gavilan Favarin e Robson Antonio Sitta.
Da tempestividade recursal da apelação do réu Dionizio Favarin:
O advogado constituído pelo réu Dionízio (procuração a fls. 197) foi intimado da sentença por publicação no Diário Eletrônico da Justiça. A disponibilização da sentença no Diário Eletrônico deu-se em 29.01.2013 (terça-feira). A publicação é tida por ocorrida no primeiro dia útil subsequente, ou seja, 30.01.2013 (quarta-feira), conforme certidão de fls. 1243.
O réu Dionízio foi intimado da sentença condenatória por edital, publicado em 23.06.2015, com prazo de noventa dias.
Por outro lado, o início do prazo recursal é contado da última intimação, pelo que tempestiva a apelação apresentada em 13.02.2013 (fls. 1263).
Passo à análise do recurso.
Das preliminares da apelação do réu Dionizio Favarin:
1. Da suscitada nulidade processual por infringência aos princípios da imparcialidade do juiz e estado de inocência, ao argumento de o juiz "a quo" não ter permitido ao apelante prestar esclarecimentos sobre os fatos e apresentar-se para o interrogatório em liberdade, considerando-o foragido.
A prisão cautelar do acusado Dionízio restou contrastada em habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, em 28.02.2012, à unanimidade, denegou a ordem para afirmar a necessidade da segregação cautelar.
De outro lado, destaco a informação do Juízo a quo, em 28.05.2015, fundamentadora da determinação de intimação do acusado Dionízio por edital, acerca da sentença condenatória, relatando estar ele em lugar incerto e não sabido, sem noticia do cumprimento do mandado de prisão contra ele expedido (fls. 1511).
Nesse passo, o réu Dionízio, mesmo ciente da existência de processo criminal contra si, dado que representado por advogado constituído, permanece foragido. Isto é, não se apresentou ao processo e não foi interrogado por opção em deixar de cumprir decisões judiciais.
Destarte, diante da validade afirmada por esta Corte da prisão cautelar do apelante, de sua situação de foragido e de estar ele devidamente representado por advogado constituído, não ocorre a nulidade reclamada, não se afigurando possível ao magistrado proceder ao interrogatório do increpado nas condições pretendidas.
2. Da suscitada nulidade processual por infringência aos princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório, ao argumento de duração da interceptação telefônica por prazo superior ao permitido.
A alegação é inconsistente, pois basta a leitura da decisão que autorizou a quebra de sigilo telefônico e das decisões posteriores de prorrogação da medida para se aferir que as autorizações para a referida interceptação ocorreu pelo prazo de quinze dias, em observância ao artigo 5º da Lei 9296/96 (fls. 3045/3079 dos autos nº 0000501-07.2010.403.6006).
Digno de nota que a autoridade policial representou por prorrogações da medida, cumprindo o mandamento da decisão judicial, de necessidade de tal requerimento, e a autoridade judicial, por seu turno, apreciou os requerimentos. Veja-se que as datas das decisões espelham a observância do prazo de quinze dias: 01.06.2010, 17.06.2010, 02.07.2010, 09.07.2010, 16.07.2010, 30.07.2010, 17.08.2010, 31.08.2010, 16.09.2010, 01.10.2010, 18.10.2010, 05.11.2010, 19.11.2010, 24.11.2010, 10.12.2010, 17.12.2010, 17.01.2011, 04.02.2011, 28.02.2011, 17.03.2011, 01.04.2011, 15.04.2011, 03.05.2011, 19.05.2011, 03.06.2011, 20.06.2011, 08.07.2011, 22.07.2011, 09.08.2011, 26.08.2011 e 09.09.2011 (fls. 3045/3079).
Nessa senda, não se vislumbra qualquer ilegalidade, considerando-se também que a jurisprudência pacífica é no sentido da possibilidade das prorrogações, mediante fundamentação adequada, por quantas vezes necessárias à investigação, desde que cada autorização não ultrapasse o prazo legal de quinze dias:
O pedido do réu Daniel para recorrer em liberdade não deve ser conhecido: a questão foi decidida por esta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos autos do Habeas Corpus 0010425-13.2013.403.0000, impetrado em favor do paciente, impugnando a sentença condenatória quanto à vedação da apelação em liberdade, entre outros questionamentos.
Na sessão de julgamento do dia 02.07.2013, a Primeira Turma desta Corte acordou, à unanimidade, conhecer em parte da impetração e, na parte conhecida, denegar a ordem para afirmar que o réu Daniel não tem o direito de apelar em liberdade, consoante consulta aos sistemas Gedpro e Siapro.
Assim, o recurso de apelação quanto ao ponto resta prejudicado, pelo que não conheço do tema.
Das preliminares da apelação do réu Daniel Pereira Bezerra:
1. A alegação de nulidade das escutas, em virtude da ausência no presente processo do incidente no qual teriam sido instauradas e desencadeadas e também porque "não há respaldo na legislação processual penal para que cópia de mídias digitais, produzidas unilateralmente pela parte ativa da ação, sejam documentos oficiais aptos a ensejar a ação penal": rejeito a alegação.
A arguição de ausência do incidente é rechaçada, em parte, pela mídia digital de fls. 25 dos autos onde constam os Relatórios de Inteligência Policial elaborados nos autos do pedido de quebra de sigilo telefônico nº 0000501-07.2010.403.6006, com as transcrições dos diálogos captados pelos diversos investigados, colhidos em virtude do deferimento judicial das interceptações telefônicas.
Por outro lado, como fundamentado na sentença, os autos nº 0000501-07.2010.403.6006, embora não apensados a estes, ficaram à disposição da Defesa em primeiro grau, cumprindo o Juízo o devido processo legal, pautado no contraditório e na ampla defesa. Confira-se o excerto da sentença:
Dessa forma, a Defesa sempre teve acesso aos documentos, formulando pretensões e impugnando a prova, a inferir-se, de outro vértice, ausência de prejuízo à defesa técnica. Observo que as razões de apelação foram ofertadas em primeiro grau, oportunidade que ali se encontravam os autos de monitoramento telefônico, à disposição das partes, sendo certo que, ulteriormente, após terem sido apresentados os recursos, os autos de monitoramento telefônico também subiram a essa Corte, acompanhando os autos nº 2011.60.06.001224-6, distribuídos igualmente a esse Gabinete, tendo aqui permanecido e podendo ser igualmente consultado pelas partes, se assim o desejassem, não se divisando algum prejuízo que pudesse macular o feito, inexistindo, pois, nulidade a ser decretada (art. 563 do CPP).
Por derradeiro, o material colhido em interceptação telefônica é prova sujeita ao contraditório diferido, sendo absolutamente errônea a afirmação da Defesa de ser "produzida unilateralmente pela parte ativa da ação", porquanto demanda autorização judicial, encerrando-se a judicialização da prova.
Portanto, rejeito a preliminar.
2. A alegação de nulidade do processo, por inobservância do artigo 1º da Lei 9296/96, ao argumento de que as escutas existentes nos autos n° 0000930-71.2010.403.6006 foram autorizadas pelo Juízo da Subseção Judiciária de Londrina - PR, incompetente, e não pelo Juízo de Naviraí/MS, é de ser rejeitada.
A referência pela Defesa aos autos de interceptação telefônica n° 0000930-71.2010.403.6006, oriundos da Subseção Judiciária de Londrina, para afirmar a nulidade processual por incompetência revela-se equivocada: primeiro porque a quebra de sigilo telefônico autorizada pelo Juízo paranaense ocorreu nos limites de sua jurisdição, para investigação de fatos ocorridos naquela subseção judiciária; e, segundo e principalmente, por ser material não utilizado na investigação conduzida no Juízo de primeiro grau.
Com efeito, a remessa ao Juízo a quo dos autos de interceptação telefônica n° 0000930-71.2010.403.6006, oriundos da Subseção Judiciária de Londrina, restou motivada na existência de investigados com residência na Subseção Judiciária do Mato Grosso do Sul, momento no qual o inquérito policial nº 94/2010 já estava em curso. Deliberou-se pelo apensamento dos autos de interceptação telefônica n° 0000930-71.2010.403.6006, sem movimentações ulteriores.
Portanto, rejeito a preliminar.
3. A alegação de nulidade do processo, por cerceamento de defesa, em virtude da juntada de documentos, entre os quais laudos periciais de outros feitos em que o réu não era parte, cópias de contratos, arquivos contendo escutas telefônicas e relatórios de inteligência (RIP), pela Acusação sem intimação da Defesa, merece ser rejeitada.
Os laudos anexados a este feito referem-se às apreensões das cargas de cigarro e lidocaína, e documentação relativa aos réus deste feito, fruto de desmembramento, documentos estes que permaneciam no processo-originário. A efetiva juntada ocorreu em 21.06.2012 (fls. 748), em atendimento ao pedido ministerial de fls. 627/628, na fase do artigo 500 do CPP.
Por outro lado, a Defesa teve efetivo acesso aos documentos ao fazer carga dos autos em três oportunidades, quando já em curso o prazo para alegações finais:
- em 26.09.2012 (fls. 971), oportunidade em que houve a juntada do substabelecimento sem reservas do advogado Dr. Emerson Guerra Carvalho, OAB/MS 9.727, para os advogados Dra. Isabel da Silva Rodrigues de Almeida, OAB/MS 4.680 e Dr. João Antonio Rodrigues de Almeida Filho, OAB/MS 10.910 (fls. 973).
- em 02.10.2012, quando a atual defensora constituída Dra. Isabel da Silva Rodrigues de Almeida, OAB/MS 4.680, retirou os autos em carga (fls. 978), mas não apresentou as alegações finais;
- e em 29.10.2012 (fls. 1013), após pedido de nova vista (fls. 991), que foi deferido pelo Juízo, pelo prazo de cinco dias para a apresentação de alegações finais (993). Consta, no entanto, que a carga foi feita em 29.10.2012 e a devolução dos autos ocorreu um mês depois, em 29.11.2012 (fls. 1013), com a apresentação das alegações finais somente em 04.12.2012 (fls. 1014/1047).
De todo o considerado, infere-se que os documentos são pertinentes aos autos e poderiam até terem sido juntados pelo Ministério Público Federal, ex officio, dado que dão lastro à denúncia, bem assim, houve efetivo acesso da Defesa aos documentos, a qual permaneceu, na última oportunidade em que retirou os autos do cartório, por um mês com o processo, prazo bastante elástico, aliás, para a apresentação das derradeiras alegações.
Logo, absolutamente descabida a preliminar suscitada, que resta rejeitada.
4. Rejeito a alegação de ausência de deferimento de ação controlada: a decisão de deferimento de quebra do sigilo telefônico contempla a autorização do pedido de ação controlada, consoante fls. 3045/3046 dos autos 0000501-07.2010.403.6006:
5. Rejeito a alegação de incompetência da Justiça Federal para julgar o delito de corrupção ativa.
Há entre a prática do contrabando e a corrupção ativa estreita ligação, pois, segundo a denúncia, o pagamento de propina à Polícia Rodoviária Estadual de Sidrolândia/MS visou à liberação de carregamento de cigarros contrabandeados e a não responsabilização do motorista do caminhão transportador.
Consoante a denúncia, o réu Daniel, abordado por policiais federais, portava a elevada quantia de dinheiro que seria destinada ao pagamento da propina à Polícia Rodoviária Estadual de Sidrolândia/MS.
Nesse passo, caracterizada a conexão entre os delitos, a teor do disposto nos artigos 76, II e III, do CPP, incidindo o comando da Súmula 122 do STJ (Compete à justiça federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal).
Superada a matéria preliminar, passo ao exame do mérito.
Analiso os fatos imputados:
FATO DELITUOSO 1:
Imputação da prática do crime do artigo 333 do Código Penal aos réus Daniel e Dionízio, porque, segundo a denúncia, no dia 08.02.2011, o réu Daniel teria efetuado pagamento de propina à Polícia Rodoviária Estadual de Sidrolândia/MS, para a liberação de carga de cigarros contrabandeados e não responsabilização do condutor do caminhão, e o réu Dionizio "foi o responsável por toda a negociação, desde a interceptação do caminhão até o pagamento da propina".
A sentença condenou ambos os réus, que impugnam o édito condenatório.
A materialidade delitiva e a autoria imputada aos réus Daniel e Dionizio encontram suporte no conjunto probatório.
Cumpre destacar ser despicienda para a configuração da corrupção ativa o efetivo pagamento da vantagem indevida ao funcionário público, bastando a oferta ou promessa desta, a rechaçar a tese defensiva do acusado Daniel da não comprovação da ocorrência do delito, ao argumento da falta de identificação dos policiais militares corrompidos e da carreta transportadora dos cigarros contrabandeados.
Ao contrário do alegado, há prova da oferta da vantagem indevida, da negociação entabulada pelos réus para a liberação da carga apreendida, e do direcionamento da proposta - pagamento de vultosa quantia de sessenta mil reais - a policiais.
Com efeito, a partir do monitoramento telefônico identificou-se a negociação entabulada para tanto levada a cabo pelo acusado Dionizio, indicando como pagamento o local do posto rodoviário estadual em Sidrolândia/MS, de elevada quantia de dinheiro - inicialmente cinquenta mil reais, culminando no pagamento de sessenta mil reais - para a liberação do carregamento de cigarros, conduzido pelo motorista de alcunha "Sagui". Identificou-se ainda a atuação do réu Daniel na obtenção do dinheiro para o pagamento da "propina" e na entrega do numerário aos policiais.
A fim de confirmar as tratativas identificadas no monitoramento telefônico, duas equipes de policiais federais foram destacadas para fazer barreiras, uma delas na saída da cidade de Naviraí/MS, a qual efetivamente conseguiu abordar o réu Daniel conduzindo o veículo S10, portando significativo montante em "dinheiro vivo", acondicionado no console do automóvel, para o pagamento do suborno aos policiais rodoviários estaduais em Sidrolândia/MS.
As testemunhas Juliano Marquardt Corleta, Samuel Alfredo Hirsch e Emerson Antonio Ferraro, Agentes da Polícia Federal que atuaram na investigação (mídias de fls. 241 e 486), esclarecem, em Juízo, o desenrolar da negociação sobre o pagamento de policiais rodoviários estaduais para a liberação de carga de cigarros, envolvendo os réus Dionízio e Daniel, e a abordagem policial deste último, constatando que ele portava o dinheiro destinado ao pagamento da "propina" para a liberação da carga de cigarros contrabandeados e não responsabilização do motorista de alcunha "Sagui":
Veja-se que a alegação do réu Daniel, de que estaria carregando tal quantia em dinheiro para pagamento de funcionários, relatada pela testemunha Samuel Hirsh, além de muito pouco verossímil, não foi comprovada pela Defesa, que não carreou aos autos prova documental de comprovante de pagamentos ou que o acusado possuísse funcionários em Rio Brilhante, tal como asseverou em interrogatório.
Por outro lado, as testemunhas arroladas pela Defesa poucos esclarecimentos trouxeram sobre o fato delituoso ora em debate, sendo a maior parte relatos sobre a vida pessoal e conduta social dos acusados (mídia de fls. 241, 433/434, 435, 436, 437, 438, 440).
As interceptações telefônicas do dia 08.02.2011, data do fato, delineiam o envolvimento dos réus Dionizio (vulgo Alemão ou Kiko) e Daniel (vulgo Negão ou Pereirão) no crime de corrupção ativa, destacando-se claramente a ocorrência de um "acerto" em sessenta mil reais ("eles querem bem mais", "abriram a boca num monte, o máximo que eu tentei conseguir agilizar é cinquenta", "amarrou aqui, só meia zero, não teve outro jeito não") com a menção do motorista de alcunha "Sagui" ("o menino lá o SAGUI quebrou as pernas lá"), em Sidrolândia ("na Sidro").
Confira-se, com grifos acrescidos (Relatório de Inteligência Policial nº 17 - fls. 96 e seguintes - mídia de fls. 25), denotando o enredamento dos réus no fato delituoso, inclusive o alerta recebido por Daniel para que o numerário fosse entregue em local diverso do combinado, diante da constatação de que a prática delituosa estava sendo acompanhada por policiais federais:
Cumpre consignar que durante a investigação, mais especificamente na continuidade do monitoramento telefônico, logrou-se identificar o telefone de nº (67) 9110-7984, utilizado nas conversas captadas acima transcritas, como de uso do réu Dionízio, vulgo "Alemão" ou "Kiko", consoante as declarações em Juízo das testemunhas Juliano Marquardt Corleta e Emerson Antonio Ferraro, policiais federais que atuaram no monitoramento telefônico.
Por outro lado, a descoberta do interlocutor do nº (67) 9110-7984 como o réu Dionízio é coerente com a primeira fala do réu Daniel no dia do fato criminoso, às 14:28:07, índice 3608482, Dionízio desde logo identificado nas conversas, ao dizer o corréu que "O ALEMÃO estava tentando ligar pra mim em não consegue"; tendo como resposta que "HNI - É, eu acho que é porque o menino lá o SAGUI quebrou as pernas lá". E, na sequência, o réu Dionízio, utilizando o nº (67) 9110-7984, às 14:30:06, efetua ligação telefônica para o acusado Daniel, informando que apreenderam a carga de cigarros conduzida pelo motorista de alcunha "Sagui", e que estava nas tratativas para a liberação de referida carga, conforme transcrições abaixo:
Desta forma, do confronto global das provas produzidas conclui-se pela manutenção da condenação dos réus Daniel e Dionízio pela prática de crime de corrupção ativa (art. 333, §1º do CP). Os acusados, agindo em conjunto, sabedores da apreensão de carga de cigarros e da prisão do seu condutor ("Sagui") acertaram e entregaram grande quantidade de dinheiro em espécie para policiais estaduais para que esses omitissem ato de ofício, permitindo que o detido prosseguisse o transporte da carga ilícita. Como constou da sentença (fls. 1212), fica claro no monitoramento telefônico que os agentes públicos do lado passivo da negociação eram policiais: "isso ficou demonstrado pela menção feita por Dionízio Favarin ao se referir que as pessoas que haviam abordado o veículo seriam da mesma família de Daniel P. Bezerra ("Só que é da mesma família do seu lá") - o qual é policial militar aposentado (...)".
Da dosimetria da pena:
A Defesa do réu Dionizio pleiteia a redução da pena ao mínimo legal. A Defesa do réu Daniel impugna a causa de aumento do parágrafo único do artigo 333 do CP.
Na primeira fase da dosimetria da pena, a sentença estabeleceu a pena no mínimo legal, em 2 anos de reclusão, para ambos os réus.
Na segunda fase, nada restou computado.
Na terceira fase, a sentença computou a causa de aumento do parágrafo único do artigo 333 do CP, em 1/3, resultando definitiva a pena de 2 anos e 8 meses de reclusão e 33 dias-multa, no valor unitário de 2/3 do salário-mínimo vigente à data do fato.
Quanto ao pedido de fixação da pena no mínimo, a sentença já o fez, desmerecendo análise do recurso do réu Dionizio.
No tocante à causa de aumento do parágrafo único do artigo 333 do CP (omissão de ato de ofício em razão da vantagem), as provas demonstram o efetivo pagamento da quantia de sessenta mil reais, a liberação da carga de cigarros contrabandeados e a não responsabilização do condutor do caminhão que trazia a carga de cigarros.
Portanto, de rigor a incidência da causa de aumento, que resta mantida.
Com relação à pena de multa, a sentença comporta alteração para ajustá-la, proporcionalmente, à pena privativa de liberdade, conforme entendimento desta 1ª Turma.
Assim, fixada a pena privativa de liberdade no mínimo, igualmente, a pena de multa é de ser fixada no mínimo, em 10 dias-multa.
Na segunda fase, inexistentes agravantes e atenuantes.
Na terceira fase, incide a causa de aumento do parágrafo único do artigo 333 do CP, em 1/3, resultando definitiva em 13 dias-multa, cada dia multa fixado em 2/3 do salário mínimo vigente à época, tendo em mira a condição financeira dos réus e a renda derivada das atividades ilícitas.
FATO DELITUOSO 2:
Imputação da prática dos crimes do artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006 (importação de produto químico destinado à preparação de drogas), do artigo 334 do CP e do artigo 333 do CP (oferta de vantagem indevida ao policial militar Julio Cesar Roseni para facilitação do contrabando) aos réus Daniel e Dionizio, donos da carga apreendida, no dia 17.04.2011, contendo 630 caixas de cigarros e 828 quilos de lidocaína, conduzida por Vilamir Roque de Rezende, vulgo "Feio".
A sentença condenou os réus Daniel e Dionízio como incursos nos artigos 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006 e 334 do CP, absolvendo-os da imputação do artigo 333 do CP.
As Defesas dos réus pleiteiam édito absolutório. A Acusação pretende a condenação deles também como incursos no artigo 333 do CP.
1. Do crime do artigo 333 do CP
A prova coligida revela-se insuficiente para a condenação dos réus Daniel e Dionizio por corrupção ativa, por imputada oferta de vantagem indevida ao policial militar Julio Cesar Roseni, a fim de que este facilitasse o contrabando de cigarros.
Embora possa se vislumbrar pela troca de mensagem entre o réu Daniel e o policial militar Julio Cesar Roseni, transcrita na denúncia (fls. 13), conversas sobre a ocorrência de viagem, respondendo o réu Daniel que "sim vamo ve ontem não deu" à pergunta do policial Julio "Vai hoje?", e que este diz ao réu Daniel "Ok. Fica a vontade", os diálogos não indicam com segurança a ocorrência de oferta ou promessa de vantagem indevida para omitir ato de ofício, a caracterizar o delito de corrupção ativa.
Quanto à mensagem transcrita na apelação ministerial (fls. 1440), em que o réu Daniel afirma "Pf ta no mato trombei com eles agora ta foda pra pega o din din", verifico ser da data de 15.04.2011, sendo incerto tratar-se da apreensão da carga no dia 17.04.2011, inclusive pela menção do policial Julio Roseni de que "Então os cara ai levaram sorte. Eles terminaram agora", a incutir dúvida neste Relator se a mensagem refere-se ao transporte ocorrido na data de 15.04.2011 e não ao imputado no fato criminoso n. 02, de 17.04.2011.
Nesse passo, entendo pela ausência de prova de elementar do tipo de corrupção ativa, sendo inviável a condenação criminal.
Por outro lado, quanto ao réu Dionízio, sequer existe qualquer mensagem ou diálogo indicando seu envolvimento em tratativas com o policial militar para a facilitação do contrabando.
Logo, mantenho a absolvição dos réus Daniel e Dionízio pela imputação de corrupção ativa, descrita na denúncia como fato criminoso n. 02.
2. Dos crimes do artigo 334 do CP e do artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006
O conjunto probatório é apto a comprovar a materialidade e a autoria delitiva imputada aos réus Daniel e Dionizio, da prática de contrabando e importação de substância utilizada como matéria-prima para a preparação de droga (cocaína).
A apreensão da carga de cigarros e da expressiva quantidade de 828 quilos de lidocaína, no dia 17.04.2011, é inconteste.
O Auto de Prisão em Flagrante do motorista das cargas Vilamir Roque de Rezende está acostado às fls. 27/33.
Os laudos de fls. 750/753, 755/760 e 761/766 atestam que a carga transportada por Vilamir Roque de Rezende era composta por cigarros de origem paraguaia e lidocaína, em forma de pó.
Indagado, o condutor Vilamir Roque de Rezende, vulgo "Feio", afirmou na ocasião do flagrante que possuía apenas "guia de recolhimento de imposto estadual" da carga (fls. 29/30).
A Defesa dos réus Daniel e Dionizio não trouxe aos autos documentação a amparar a licitude do transporte de quase uma tonelada de lidocaína, tampouco declinou o nome de qualquer empresa farmacêutica para a qual poderia estar transportando a substância, com o propósito de ser usada consoante sua característica farmacológica anestésica.
Em outras palavras, também não resta dúvida que o transporte de lidocaína ocorreu de maneira clandestina (oculta e acondicionada em meio à carga de cigarros) e irregular.
Conforme depoimento da testemunha Juliano Marquardt Corleta, a substância lidocaína "é um anestésico que comumente é misturado à cafeína para diluir cocaína, para aumentar o volume de cocaína" (mídia de fls. 241):
O laudo de fls. 755/760 atesta que a substância lidocaína está sujeita a controle e fiscalização pelo Departamento de Polícia Federal, em razão do uso desviado de suas legítimas aplicações, para o preparo de entorpecente:
Desta feita, a ocultação da lidocaína, seu transporte clandestino e irregular, e a ausência de qualquer justificativa para o carregamento de expressiva quantidade - 828 quilos - revelam o destino ilícito para o preparo da droga cocaína. Nesse sentido transcrevo precedente dessa Corte Regional e do E. STJ:
O envolvimento dos réus Daniel, vulgo "Pereirão" ou "Negão" - utilizando os telefones (67)-81208307 e (67)-81403640 - e Dionízio, vulgo "Alemão" ou "Kiko" - utilizando o telefone (67)-81702943 - é demonstrado pelos diálogos interceptados, indicando as tratativas sobre o transporte, a escolha de melhor dia para a viagem a fim de fugir da fiscalização ("Vai hoje?" "Sim vamo ve ontem não deu"), a escolha do condutor da carga Vilamir Roque de Rezende, vulgo "Feio" ("prepara o fei vo busca"), a mensagem no dia da apreensão da carga e prisão do condutor, em Naviraí/MS, de que "deu problema" ("deo problema con o feio en Navi uma estrada preta o esquerda ta seguino otrator") e a determinação do réu Dionízio de encaminhar advogado até a Polícia Federal ("mandar o Guerra na PF") para resolver o problema (Relatório de Interceptação Policial nº 21 - fls. 90/91 - mídia de fls. 25):
Digno de nota o fato consignado na sentença sobre a identificação do réu Dionízo, vulgo Alemão ou Kiko, nas conversas captadas, ao utilizar o telefone (67)-81702943, afirmando ser o Kiko (Relatório de Inteligência Policial nº 21 - fls. 108 - mídia de fls. 25):
A testemunha Juliano Marquardt Corleta, agente da Polícia Federal atuante na investigação e monitoramento telefônico dos réus, confirma a acusação constante na denúncia, sobre a apreensão do carregamento de cigarros e lidocaína, pertencente ao núcleo do réu Daniel. Confira-se (mídia de fls. 241):
Por derradeiro, improcede o pedido da Defesa do réu Daniel de desclassificação do delito do artigo 33, §1º, I da Lei 11.343/2006 para o do artigo 33,§2º, da mesma lei, eis que o fato delineado e demonstrado constitui a importação de substância destinada à preparação de droga, nada se relacionando ao induzimento, instigação ou auxílio de alguém para o uso indevido de droga.
Portanto, a prova coligida aos autos dá suporte robusto ao decreto condenatório dos réus Daniel e Dionízio pela prática dos crimes do artigo 334 do CP e artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006, que resta mantido.
Dosimetria da pena
1. Do crime de contrabando/descaminho
Na primeira fase, verifico que a sentença fixou para os réus Daniel e Dionízio as pena-bases acima do mínimo legal, em 1 ano e 3 meses de reclusão, dada a grande quantidade de cigarros apreendida.
A fundamentação da sentença é pertinente e adequada, pois quanto maior a quantidade de mercadorias internadas irregularmente (630 caixas de cigarro), mais gravemente o bem jurídico tutelado na norma penal é vulnerado, sendo desfavorável a circunstância judicial consequência do crime.
Assim já julgou essa Corte: "(...) 8. No que concerne às consequências do crime, reputo-as excessivamente gravosas, tendo em vista o contrabando de 1.075 (mil e setenta e cinco) caixas de cigarros de marcas diversas, avaliadas em R$ 538.000,00 (quinhentos e trinta e oito mil reais) (cfr. Auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal, fl. 294/295). O contrabando de cigarros importa em lesão não apenas à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial interna, acertado que se pondere sobre a maior reprovabilidade da conduta relacionada a grandes quantidades da mercadoria" (ACR 53010 - 5ª. T. - Rel. Desembargador Federal André Nekatschalow - e-DJF3 de 09.12.13).
Dessa forma, resta mantida a pena-base fixada em 1 ano e 3 meses de reclusão.
Na segunda fase, não incidem atenuantes, a sentença computou a agravante do artigo 62, I, do CP, ao fundamento de que os réus Daniel e Dionízio são "um dos mentores intelectuais da quadrilha", responsáveis "pela organização e remessa das cargas de mercadorias contrabandeadas/descaminhadas, negociação e pagamento de vantagem indevida a agentes públicos com o fito de liberação de seus veículos e cargas, além de instruir os demais membros da quadrilha quanto aos procedimentos para o carregamento/transporte dos produtos ilícitos".
É de se manter a agravante. Infere-se da prova colacionada a atuação dos réus Daniel e Dionízio na organização e coordenação da atividade do motorista do caminhão; na tomada de decisão acerca do melhor dia para o transporte da carga, a fim de fugir da fiscalização; na tomada de decisão para solucionar a apreensão das mercadorias - "Manda o Guerra na PF"; e no monitoramento do transporte da carga de cigarros e lidocaína, desde o início até o final destino, a demonstrar posição de comando no grupo criminoso.
Assim, incide a agravante em 1/6, a resultar nas penas de 1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão para os increpados.
Na terceira fase da dosimetria nada há a computar, resultando definitiva a pena de 1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão.
2. Do crime do artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006
Na primeira fase, a sentença fixou para os réus Daniel e Dionízio as penas-bases acima do mínimo legal, em 6 anos de reclusão e 600 dias-multa, dada a grande quantidade de lidocaína apreendida - 828 quilos.
A fundamentação da sentença é suficiente e adequada, pois a significativa quantidade de substância destinada ao preparo de droga apreendida vulnera mais gravemente o bem jurídico tutelado na norma penal (saúde pública), pelo que permanecem as penas em 6 anos de reclusão e pagamento de 600 dias-multa.
Na segunda fase, é cabível a incidência da agravante do artigo 62, I, do CP, como fundamentado acima, em 1/6, a resultar na sanção de 7 anos de reclusão e pagamento de 700 dias-multa.
Na terceira fase, não há causas de diminuição, e a sentença computou a causa de aumento do artigo 40, I, da Lei 11.343/2006 (transnacionalidade), na fração de 1/6.
Verifico dos autos que os réus foram denunciados e condenados pela conduta única de importar substância destinada ao preparo da droga.
Nesse passo, entendo incabível a incidência da causa de aumento.
Este Relator não desconhece o entendimento jurisprudencial sobre a inocorrência de bis in idem pela incidência da causa de aumento da transnacionalidade às condutas descritas no artigo 33 da Lei 11.343/2006, quando o agente entra ou sai do território nacional ou tem a intenção clara de fazê-lo, por ser o tipo penal de conteúdo misto alternativo, isto é, a prática de dois ou mais comportamentos descritos configura crime único. Contudo, no caso concreto, a única imputação na denúncia, e condenação na sentença do Juízo a quo, é pela prática de importar. Logo, inviável a consideração da transnacionalidade, ínsita à conduta pela qual os réus foram condenados, para a majoração da pena. Em outro dizer, a exordial deve imputar ao agente, além da conduta de importar, também outros comportamentos puníveis, com trazer consigo a droga ou remeter o entorpecente, o que, como destacado, não ocorreu in casu.
Nesse sentido, a contrario sensu, colaciono os precedentes deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região e do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, afasto a incidência da causa de aumento do artigo 40, I, da Lei 11.343/2006, resultando as penas em 07 anos de reclusão e 700 dias-multa.
Incabível a incidência do §4º do art. 33 da Lei Antidrogas, pois os réus, como visto, integravam organização criminosa e dedicavam-se à prática de atividades ilícitas , de forma habitual, impedindo a concessão da benesse legal, que, aliás, deve ser reservada para casos de menor expressão, para quantidade ínfimas de entorpecentes ou de substâncias ou produto químico destinada à preparação de drogas.
Incide, por derradeiro, a causa de aumento do concurso formal (artigo 70 do CP), como expresso na sentença, em 1/6, sobre a pena do delito mais grave - artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006, situação mais benéfica aos réus que a regra do concurso material, perfazendo a pena definitiva de 8 anos e 2 meses de reclusão e 816 dias-multa.
Rejeito a impugnação da pena de multa pela Defesa do réu Daniel, ao argumento de que o montante ultrapassa o previsto no artigo 49 do CP, porquanto o crime de importar substância destinada ao preparo de droga tem regramento próprio na Lei 11.343/2006.
O valor do dia-multa permanece como lançado na sentença, em 2/3 do salário-mínimo, vigente à época dos fatos, diante da situação financeira dos réus.
FATO DELITUOSO 3:
Imputação da prática do crime do artigo 334 do CP aos réus Daniel e Dionizio (entre outros réus, constantes de outros feitos), donos da carga apreendida no dia 11.05.2011, contendo 648 caixas de cigarros, no interior de tornearia mecânica em Mundo Novo/MS.
A sentença condenou os réus Daniel e Dionizio como incursos no artigo 334 do CP.
As Defesas dos réus pleiteiam édito absolutório.
A materialidade delitiva encontra-se bem delineada nos autos pela apreensão de 648 caixas de cigarros estrangeiros, consoante cópia do Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 161/163 e cópia do Laudo Merceológico de fls. 768/771, atestador da origem paraguaia dos cigarros.
A testemunha Juliano Marquardt Corleta, policial federal responsável pela prisão de seis pessoas e apreensão da carga de cigarros relativo ao fato criminoso n. 3, afirmou o envolvimento do réu Daniel no crime, relatando que esse foi prontamente alertado pelo motorista do caminhão Selmir Piovesan, vulgo "Jabuti", de que a polícia estava prestes a entrar no local (oficina situada em Mundo Novo/MS) e apreender a carga. Afirmou a testemunha que o réu Daniel, ciente da atuação policial, imediatamente efetuou ligação telefônica à filha dizendo que "deu zebra" e determinou a destruição de provas - papéis, anotações - que o vinculasse às pessoas presas em flagrante na ocasião, inclusive o motorista Selmir Piovesan, vulgo "Jabuti" (mídia de fls. 241):
A testemunha Juliano também relata o envolvimento do réu Dionizio no crime, coordenando a atividade do motorista da carga corréu Selmir, afirmando recordar-se que houve anterior conversa captada do réu Dionízio em que ele determina ao motorista corréu Selmir (vulgo 'Jabuti") para deixar a carreta com o Catarino (corréu Claucir Antonio Reck) (mídia de fls. 241):
A testemunha Emerson Antonio Ferrado, Agente da Polícia Federal responsável pelo monitoramento telefônico, confirma que foi apreendido o caminhão e a carga de cigarros, em 11.05.2011, após monitoramento dos alvos por interceptação telefônica e identificação do local em que a carga estava. A testemunha relata também que o motorista do caminhão Selmir Piovesan, alertou o réu Daniel e este "tomou algumas decisões, pediu pra filha rasgar a agenda, que tinha dado problema, ligou para uma outra senhora que ele conhecia e disse que tinha dado problema nas coisas". Afirma ainda a testemunha que Marcos - corréu Marcos Gavilan Favarin -, responsável pela recepção do caminhão, contatou o réu Daniel no dia do crime, informando que havia equipe da PF na Prefeitura, a indicar que o corréu Marcos fazia a vigilância da carga e colocava o réu Daniel a par de toda a situação (mídia de fls. 486):
Confiram-se os diálogos captados que corroboram os relatos das testemunhas acerca do envolvimento do réu Daniel, determinando à sua filha para "rasgar agenda que tinha os nomes dos 'peão', os quais foram presos com caminhão e tudo", e dizendo que escapou por pouco e que o advogado estaria cuidando "da defesa dos meninos"; bem assim a transcrição da ligação realizada pelo motorista corréu Selmir ao réu Daniel, informando a este prontamente da atuação dos policiais, a denotar o papel de destaque do réu Daniel, coordenador da atividade dos "peões", tanto que possuía anotações sobre tais pessoas para o transporte das cargas (Relatório de Investigação Policial nº 23 - fls. 128/134 - mídia de fls. 25):
O envolvimento do réu Dionizio, vulgo "Alemão" ou "Kiko", no crime é revelado também pelos diálogos captados em 09.05.2011, demonstrando que ele coordenava a atuação do motorista corréu Selmir, vulgo "Jabuti", determinando onde o motorista deveria deixar o caminhão estacionado, para onde deveria dirigir-se, a fim de colocar a carga, e determinava a terceiros a manutenção do veículo ("coloca pneu"), ou seja, o réu Dionízio atuou efetivamente na preparação do carregamento e transporte da carga ilícita (Relatório de Investigação Policial nº 22 - fls. 128/130 - mídia de fls. 25):
Portanto, diante do contexto exposto, e dos demais fatos postos na sentença, a condenação dos réus Daniel e Dionizio pela prática do crime do artigo 334 do CP é de rigor e resta mantida.
Dosimetria da pena
Na primeira fase, verifico que a sentença fixou para os réus Daniel e Dionizio as penas-bases acima do mínimo legal, em 1 ano e 3 meses de reclusão, dada a grande quantidade de cigarros apreendida.
A fundamentação da sentença é correta, pois quanto maior a quantidade de mercadorias internadas irregularmente (648 caixas de cigarro), mais gravemente o bem jurídico tutelado na norma penal é atingido, sendo desfavorável a circunstância judicial consequência do crime.
Assim já julgou essa Corte: "(...) 8. No que concerne às consequências do crime, reputo-as excessivamente gravosas, tendo em vista o contrabando de 1.075 (mil e setenta e cinco) caixas de cigarros de marcas diversas, avaliadas em R$ 538.000,00 (quinhentos e trinta e oito mil reais) (cfr. Auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal, fl. 294/295). O contrabando de cigarros importa em lesão não apenas à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial interna, acertado que se pondere sobre a maior reprovabilidade da conduta relacionada a grandes quantidades da mercadoria" (ACR 53010 - 5ª. T. - Rel. Desembargador Federal André Nekatschalow - e-DJF3 de 09.12.13).
Dessa forma, resta mantida a pena-base de 1 ano e 3 meses de reclusão.
Na segunda fase, não incidem atenuantes, e a sentença computou a agravante do artigo 62, I, do CP, ao fundamento de que os réus Daniel e Dionízio são "um dos mentores intelectuais da quadrilha", responsáveis "pela organização e remessa das cargas de mercadorias contrabandeadas/descaminhadas, negociação e pagamento de vantagem indevida a agentes públicos com o fito de liberação de seus veículos e cargas, além de instruir os demais membros da quadrilha quanto aos procedimentos para o carregamento/transporte dos produtos ilícitos".
É de se manter a agravante. Infere-se da prova colacionada a atuação dos réus Daniel e Dionizio na organização e coordenação da atividade do motorista do caminhão; na tomada de decisão acerca do melhor dia para o transporte da carga, a fim de fugir da fiscalização; na decisão para solucionar a apreensão das mercadorias; tendo o réu Daniel posição de destaque, possuindo agenda constando os nomes daqueles que estavam envolvidos com a prática delitiva ("meninos" que eram os "peões"), possuindo ainda a tarefa de monitoramento do transporte da carga de cigarros, tudo a demonstrar posição de comando.
Assim, incide a agravante em 1/6, a resultar nas penas de 01 ano, 05 meses e 15 dias de reclusão.
Na terceira fase da dosimetria nada há a computar, resultando definitiva a reprimenda supra.
Os fatos n. 04 e 05, constantes da denúncia, não são objetos do presente feito.
DA IMPUTAÇÃO DE QUADRILHA
O delito de quadrilha é autônomo em relação aos delitos eventualmente praticados pelos quadrilheiros, sendo, pois, prescindível a comprovação de que houve o cometimento de crimes por integrantes da quadrilha.
A quadrilha consuma-se com a associação permanente, estável e duradoura de ao menos quatro pessoas, para o fim de cometer crimes. Isto é, basta a associação tendente ao cometimento de infrações penais, mas independentemente disto, de modo que a prática efetiva de infração penal não constitui elementar do tipo do artigo 288 do Código Penal.
Nesse sentido, a lição do Professor Guilherme de Souza Nucci, in "Código Penal Comentado", Editora Revista dos Tribunais, 11ª edição, em comentário ao artigo 288 do Código Penal (fls. 1082 e 1085):
No mesmo sentido situa-se o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, v.g.:
Há nítida distribuição de tarefas entre os corréus, lembrando que o número de envolvidos no grupo criminoso não se limita aos acusados deste processo, eia que houve a realização de vários desmembramentos dos autos originários nº 0001224-89.2011.403.6006.
O presente feito é fruto do desmembramento da ação penal 0001436-13.2011.4003.6006 (em que figuravam como réus Dionizio Favarin, Daniel Pereira Bezerra, Claucir Antonio Reck, Marcos Gavilan Favarin e Robson Antonio Sitta), a qual, por sua vez, é desmembrada da referida ação penal originária nº 0001224-89.2011.403.6006.
Na presente ação penal figuram como réus Dionizio Favarin e Daniel Pereira Bezerra, ao passo que na ação penal 0001436-13.2011.4003.6006 permaneceram como réus Claucir Antonio Reck, Marcos Gavilan Favarin e Robson Antonio Sitta.
Haure-se da prova colacionada a atuação dos réus Daniel e Dionízio na organização e coordenação da atividade dos motoristas dos caminhões utilizados para o transporte de cigarros e lidocaína, destacando-se os corréus-motoristas Selmir Piovesan e Vilamir Roque de Rezende; no relacionamento com o policial militar Julio Cesar Roseni, responsável pela fiscalização, para impedir a apreensão da carga; na tomada de decisão do dia do transporte da carga; na tomada de decisão para solucionar a apreensão das mercadorias; na pronta atuação para a captação de dinheiro - sessenta mil reais - destinado a pagamento de propina, e no monitoramento do transporte das cargas de cigarros e lidocaína, desde o início até o final destino.
Os diálogos captados, acima transcritos, revelam o engajamento dos réus Daniel e Dionizio no grupo criminoso, demonstram ainda a estrutura da quadrilha, com funções bem delimitadas.
As testemunhas Juliano Marquardt Corleta (mídia de fls. 241) e Emerson Antonio Ferraro- APF (mídia fls. 486) detalham a divisão de tarefas no grupo criminoso, pelos corréus Daniel, Dionizio, Marcos Gavilan Favarin, Claucir Antonio Reck, Robson Antonio Sitta e Julio Cesar Roseni. Confira-se, respectivamente, respectivamente:
Por outro lado, as datas das interceptações telefônicas comprovam a duração da quadrilha, por tempo juridicamente relevante, a evidenciar estabilidade, manifestando o vínculo associativo duradouro, para a prática de contrabando e outros delitos.
Portanto, o conjunto probatório coligido aos autos dá suporte seguro à condenação dos réus Daniel e Dionizio pela prática de quadrilha, ora mantida.
Da dosimetria da pena
Na primeira fase da dosimetria, a sentença fixou a pena-base dos réus Daniel e Dionizio acima do mínimo legal, em dois anos de reclusão, "pela existência de circunstância judicial desfavorável aos réus, consistente nas consequências do crime"; "os elementos dos autos indicam tratar-se de uma quadrilha com grande dimensão e que atuou por longa data na prática de vários crimes, gerando, em consequência, enorme desvio de patrimônio público, lesão à imagem de instituições públicas e grande risco à ordem pública, bem como desprezo pela atuação dos poderes de repressão do Estado".
A fundamentação apresentada é suficiente para a fixação das penas-bases acima do mínimo legal, dada o atingimento mais veemente da paz pública pela atuação da quadrilha por longo período, transparecendo destemor com a repressão estatal, inclusive com a participação de policial militar, revelando a infiltração na estrutura estatal de repressão ao crime, produzindo risco à ordem pública de maneira intensa.
Na segunda fase da dosimetria, a sentença reconheceu a agravante do artigo 62, I, do CP, em 1/6, ao fundamento de que os réus Daniel e Dionizio são "um dos mentores intelectuais da quadrilha", responsáveis "pela organização e remessa das cargas de mercadorias contrabandeadas/descaminhadas, negociação e pagamento de vantagem indevida a agentes públicos com o fito de liberação de seus veículos e cargas, além de instruir os demais membros da quadrilha quanto aos procedimentos para o carregamento/transporte dos produtos ilícitos".
Com efeito, a prova coligida aos autos dá suporte ao entendimento esposado, pelo que resta mantida a agravante, para resultar definitiva a pena de 02 anos e 04 meses de reclusão, à míngua de atenuantes, causas de aumento e de diminuição de pena.
DA APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
O Ministério Público Federal pretende:
a) a condenação dos réus Daniel e Dionizio pela prática de corrupção ativa (fato criminoso 02);
b) a condenação dos réus ao pagamento de indenização ao erário federal, no valor de R$ 1.178.024,18 (um milhão, cento e setenta e oito mil e vinte e quatro reais e dezoito centavos), relativo ao total dos tributos sonegados pelas importações das cargas apreendidas nos IPLs 64/2011, 77/2011 e 306/2011, nos termos do artigo 387, IV, CPP.
O pedido de condenação dos réus Daniel e Dionizio pela prática de corrupção ativa, descrita na denúncia como fato criminoso 02, restou analisado em tópico acima, quando manifestei entendimento pela ausência de provas a contento para a condenação, ao qual me reporto.
Do pedido de condenação dos réus ao pagamento dos prejuízos ao erário, em virtude da prática de descaminho/contrabando de cigarros.
Assiste razão ao Ministério Público Federal quando pleiteia a condenação dos réus ao pagamento de indenização, por ser possível, em tese, tal pleito, mesmo que não formulada a pretensão na denúncia ou em alegações finais.
Observo que nosso ordenamento, antes mesmo da alteração que adveio com a Lei nº 11.719/08 - modificadora do inciso IV do artigo 387 do CPP, estabelecendo a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração - previa que a sentença penal condenatória tornava certa, além da responsabilização criminal, também a responsabilização civil, conforme dispõe o art. 91, inc. I do CP, sendo certo que a novel lei apenas veio a trazer comando no sentido de que a sentença condenatória seja minimamente líquida. Não há necessidade de que o pedido seja expresso na denúncia ou reiterado em memoriais, já que a pretensão acusatória abrange igualmente a condenação de quantia líquida, em seu grau mínimo, em função do ato ilícito praticado.
Com efeito, o legislador, com a edição da Lei nº 11.719/08, ao alterar a redação do art. 387, IV, do CPP, e estabelecer que o juiz, ao proferir a sentença, "fixará o valor mínimo da reparação dos danos causados pela infração", integrou o disposto no art. 91, inc. I, do CP, que expressamente prevê como efeito da condenação o dever de reparação do dano.
Anteriormente à referida modificação legal a indenização decorrente da condenação criminal era totalmente ilíquida. Agora, passou a veicular certo grau de liquidez.
Sobre o tema, registro o posicionamento doutrinário de Walter Nunes da Silva Junior:
Contudo, tal valor não inviabiliza, tampouco retira do réu, a prerrogativa de discussão na sede adequada, sendo certo que a cobrança do montante dependerá da instauração da respectiva ação executiva, perante o Juízo Cível, possibilitando o exercício de defesa com todos os seus consectários, incluindo a questão atinente ao valor da reparação.
Assim, é possível que na ação de execução, se esta vier a ser instaurada pela vítima, seja apurado outro valor de reparação - maior ou menor -, diverso daquele fixado pelo Juízo criminal, não se podendo olvidar, ainda, da possibilidade de se concluir pela inexistência de valor a ser indenizado.
Cumpre destacar que o parágrafo único acrescentado ao art. 63 do CPP, também pela Lei nº 11.719/2008, expressamente dispõe acerca da possibilidade de liquidação, perante o Juízo cível, com o objetivo de apurar o "dano efetivamente sofrido", demonstrando que a discussão não se encerra no processo penal.
Nesse sentido destaco o precedente da Primeira Seção deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Entretanto, da análise das peculiaridades do caso concreto, entendo dificultado o cálculo do valor mínimo da reparação cível neste feito.
É de se registrar que não somente os réus aqui condenados por descaminho/contrabando de cigarros deveriam arcar com a reparação do prejuízo, porque há outros réus - inclusive os motoristas das cargas apreendidas nos fatos criminosos 2 e 3 - que, processados em feitos distintos, em caso de condenação, incidem no mesmo contexto fático delitivo dos réus denunciados na presente ação penal.
Assim, caberia a discussão da indenização em feito em que se reunissem todos os réus implicados e condenados nos fatos criminosos, pelo que deixo de fixar a indenização nesta via.
DA PENA FINAL
Aplicado o concurso material entre os delitos dos fatos criminosos 1, 2 e 3 e pela formação de quadrilha (art. 288 do CP), a pena final fica assim estabelecida para os réus Daniel e Dionizio:
a) Pena do Fato Criminoso 1 - artigo 333 CP: 2 anos e 8 meses de reclusão e 13 dias-multa;
b) Pena do Fato Criminoso 2 - artigo 334 CP e artigo 33, §1º, I, Lei 11.343/2006, em concurso formal: 8 anos e 2 meses de reclusão e 816 dias-multa;
c) Pena do Fato Criminoso 3 - artigo 334 CP: 1 ano, 5 meses e 15 dias de reclusão;
d) Pena do crime de Quadrilha: 2 anos e 4 meses de reclusão.
Pena total em concurso material (art. 69 do CP): 14 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão e pagamento de 829 dias-multa.
O valor do dia-multa permanece como lançado na sentença, em 2/3 do salário-mínimo vigente à época do fato, pelos fundamentos lá consignados.
Mantido o regime inicial fechado, a teor do disposto no artigo 33, §2º, 'a' e §3º, do CP, pela combinação da quantidade de pena e circunstância judicial desfavorável.
Descabida a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, porque não preenchidos os requisitos dos incisos I e III do artigo 44 do CP.
DO DECRETO DE PERDIMENTO DE BENS
O decreto de perdimento dos automóveis, expresso na sentença, restou impugnado na apelação do réu Daniel neste feito, bem como nos autos da Apelação Criminal nº 0001581-69.2011.403.6006, interposta contra decisão indeferitória de pedido de restituição dos veículos.
Por outro lado, a Apelação Criminal nº 0001581-69.2011.403.6006 teve julgamento perante a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em 18.08.2015, oportunidade em que o colegiado, à unanimidade, negou provimento ao recurso, para manter o decreto de perdimento dos automóveis, consoante ementa ora colacionada.
Digno de nota que o acórdão, segundo consulta ao extrato eletrônico de movimentação processual da ACR 0001581-69.2011.403.6006, transitou em julgado em 29.09.2015.
Destarte, prejudicado o pedido de restituição dos veículos neste feito.
Da conclusão:
Por estas razões:
a) rejeito a matéria preliminar;
b) dou parcial provimento à apelação do réu Dionizio Favarin para ajustar a pena de multa proporcionalmente à pena privativa de liberdade, em 13 dias-multa, no tocante à condenação pela prática de corrupção ativa, descrita na denúncia como fato criminoso 1; e para afastar a causa de aumento do artigo 40, I, da Lei 11.343/2006 (transnacionalidade) ao crime do artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006, descrito na denúncia como fato criminoso 2, resultando definitiva as penas, em concurso material, em 14 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, em regime fechado, e 829 dias-multa.
c) não conheço do pedido de recorrer em liberdade formulado pelo réu Daniel Pereira Bezerra, no mais, dou parcial provimento à apelação réu Daniel para ajustar a pena de multa proporcionalmente à pena privativa de liberdade, em 13 dias-multa, no tocante à condenação pela prática de corrupção ativa, descrita na denúncia como fato criminoso 1; e para afastar a causa de aumento do artigo 40, I, da Lei 11.343/2006 (transnacionalidade) ao crime do artigo 33, §1º, I, da Lei 11.343/2006, descrito na denúncia como fato criminoso 2, resultando definitiva as penas, em concurso material, em 14 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, em regime fechado, e 829 dias-multa.
d) nego provimento à apelação do Ministério Público Federal.
Nos termos do entendimento do STF (HC 126.292; ADCs 43 e 44), expeçam-se os respectivos mandados de prisão em desvafor dos réus, com prazo de validade até 24/01/2025, afastando eventual prisão domiciliar que esteja sendo cumprida pelo corréu Daniel, eis que esta foi, pelo que indicam os autos, concedida antes da sentença condenatória ser proferida (fls. 579).
Oficie-se ao Juízo de Execução Criminal.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106 |
Nº de Série do Certificado: | 68D9614EDFBF95E3 |
Data e Hora: | 09/02/2017 15:37:30 |