Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 03/12/2015
HABEAS CORPUS Nº 0024225-40.2015.4.03.0000/SP
2015.03.00.024225-2/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
IMPETRANTE : ALEXANDRE MARTINS PERPETUO
PACIENTE : GUSTAVO FUGANHOLI
ADVOGADO : SP182878 ALEXANDRE MARTINS PERPETUO e outro(a)
IMPETRADO(A) : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE BAURU Sec Jud SP
No. ORIG. : 00010113820144036181 2 Vr BAURU/SP

EMENTA

PENAL HABEAS CORPUS. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. TRÁFICO DE DROGAS NÃO CARACTERIZADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONTRABANDO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.
I - As 11 (onze) sementes de maconha, no estado em que se encontravam, não podem ser consideradas drogas, uma vez que não possuem tetrahidrocanabinol (THC) em sua composição, melhor se amoldaria ao artigo 28, §1º, da Lei 11.343/2006, eis que, no caso, o produto importado claramente se destinava à semeadura, cultivo e colheita de planta destinada à preparação de pequena quantidade de droga para consumo próprio, entretanto as sementes foram apreendidas ainda no curso do seu trajeto, não chegando a sequer serem semeadas, portanto, a conduta praticada pelo paciente, tal como posta, na verdade, não se enquadra em quaisquer dos dispositivos mencionados da Lei 11.343/2006.
II - Não há como negar que as sementes apreendidas são de uso, importação, exportação, manipulação e comércio proibido, não podendo, portanto, serem importadas, caracterizando o crime de contrabando previsto no artigo 334-A do CP.
III - Em regra, a aplicação do princípio da insignificância para os crimes de contrabando não é possível, entretanto, no caso em tela não há como entender que 11 (onze) sementes de maconha seriam capazes de colocar minimamente em risco a saúde pública, tendo em vista a presença dos parâmetros considerados pelos Tribunais Superiores para o reconhecimento da insignificância: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica.
IV - Por qualquer ângulo que se analise o caso, falta justa causa para o exercício da ação penal, eis que não se amolda aos crimes previstos na Lei 11.343/2006, bem como não é capaz de demonstrar, diante da pequena quantidade e ausência de propósito comercial, afronta aos interesses de toda a sociedade.
V - Ordem concedida para trancar a ação penal originária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, conceder a ordem para determinar o trancamento da ação penal originária, nos termos do voto da relatora, acompanhada pelo voto do Des. Fed. José Lunardelli, vencido o Des. Fed. Nino Toldo que denegava a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de novembro de 2015.
CECILIA MELLO
Desembargadora Federal Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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HABEAS CORPUS Nº 0024225-40.2015.4.03.0000/SP
2015.03.00.024225-2/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
IMPETRANTE : ALEXANDRE MARTINS PERPETUO
PACIENTE : GUSTAVO FUGANHOLI
ADVOGADO : SP182878 ALEXANDRE MARTINS PERPETUO e outro(a)
IMPETRADO(A) : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE BAURU Sec Jud SP
No. ORIG. : 00010113820144036181 2 Vr BAURU/SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Cuida-se de habeas corpus impetrado com a finalidade de trancar ação penal em que o paciente é acusado de tráfico de drogas por haver importado, pelos correios, 11 (onze) sementes de maconha, provenientes da Holanda.


A e. Relatora concedeu a ordem, determinando o trancamento da ação penal, sob os seguintes fundamentos: (i) as sementes de maconha, no estado em que se encontravam, não poderiam ser consideradas drogas, uma vez que não possuem tetrahidrocanabinol (THC) em sua composição; (ii) ainda que fossem consideradas drogas, a importação das 11 (onze) sementes melhor se amoldaria ao art. 28, § 1º, da Lei nº 11.343/2006, eis que, no caso, "o produto importado claramente se destinava à semeadura, cultivo e colheita de planta destinada à preparação de pequena quantidade de droga para consumo próprio"; (iii) no entanto, a apreensão das sementes ocorreu antes que chegassem ao seu destino final, de modo que a conduta do paciente, tal como posta, não se enquadraria em nenhum dos dispositivos mencionados na Lei de Drogas; (iv) "embora as sementes ainda não estivessem semeadas, e da forma como posta não pudessem ser consideradas drogas ou matérias-primas destinadas à produção de drogas, não há como negar que são de uso, importação, exportação, manipulação e comércio proibido, não podendo, portanto, serem importadas, caracterizando o crime de contrabando", razão pela qual a conduta narrada na denúncia teria que ser desclassificada para o art. 334-A do Código Penal; (v) mesmo assim, a denúncia não poderia ser recebida porque faltaria justa causa, na medida em que seria aplicável ao caso o chamado princípio da insignificância, dada a pequena quantidade de sementes apreendida. Entendeu, enfim, que, embora a conduta mereça censura, não tem potencialidade lesiva à saúde pública, quer porque as sementes teriam destinação pessoal, quer porque a quantidade era pequena.


Peço vênia para, respeitosamente, discordar da e. Relatora.


Com efeito, cumpre destacar, de início, que somente é cabível o trancamento de ação penal em habeas corpus, quando estiverem comprovadas, desde logo e sem qualquer dúvida, (i) a atipicidade da conduta, (ii) a extinção da punibilidade ou (iii) a evidente ausência de justa causa. É nesse sentido a pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme se pode verificar, a título exemplificativo, pela leitura das seguintes ementas:


Penal e Processo Penal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Trancamento de Ação Penal. Análise do material probatório. Impossibilidade. Supressão de instância. 1. O trancamento de ação penal só é possível quando estiverem comprovadas, de logo, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a evidente ausência de justa causa. 2. O Superior Tribunal de Justiça não apreciou a questão da legalidade das interceptações telefônicas, o que impede a análise por esta Corte. 3. Ausência de teratologia para concessão de ordem de ofício. Isso porque, conforme consignado pelas instâncias precedentes, não procede a alegação de que a denúncia está baseada exclusivamente nas interceptações telefônicas. 4. No entanto, o habeas corpus foi impetrado contra decisão proferida em ação penal originária, razão pela qual os autos devem retornar ao Superior Tribunal de Justiça para que a impetração seja conhecida. 5. Recurso ordinário provido.
(RHC 118622/ES, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 17.03.2015, DJe-066 Divulg 08.04.2015 Public 09.04.2015)
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. ALEGAÇÕES DE NULIDADE, INÉPCIA, ATIPICIDADE DAS CONDUTAS E ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. PEDIDOS MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTES E CONTRÁRIOS À JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de a Constituição da República exigir, no art. 93, inc. IX, que a decisão judicial seja fundamentada, não que a fundamentação seja correta na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas, no julgado, as premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional. Precedentes. 2. O trancamento de ação penal em habeas corpus constitui medida excepcional, justificável somente nos casos de manifesta atipicidade da conduta, de presença de causa de extinção da punibilidade ou de ausência, demonstrada de plano, de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas. 3. Não se há cogitar de inépcia da denúncia nem de atipicidade quando se descrevem suficientemente os fatos, com a indicação de data, local, modo de execução e capitulação jurídica dos crimes, não se exigindo, pela natureza do delito e, em especial, quando se trata de crimes praticados em concurso de pessoas, a descrição minuciosa de todos os atos efetivamente praticados pelos acusados. 4. Pode o Relator, com fundamento no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, negar seguimento ao habeas corpus manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante, embora sujeita a decisão a agravo regimental. 5. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(HC 126022 AgR-segundo/MT, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 30.06.2015, DJe-162 Divulg 18.08.2015 Public 19.08.2015)

Pois bem. No caso em exame, não se pode afirmar, de plano, que a conduta seja atípica, pois a própria Relatora reconhece a controvérsia acerca da classificação da conduta do paciente. Com efeito, entendeu a Relatora que, ante a inexistência de tetrahidrocanabinol (THC) na composição das sementes de maconha, a conduta estaria tipificada no art. 334-A do Código Penal. Contudo, entendeu que, dada a baixa quantidade de sementes, aplicar-se-ia ao caso o chamado princípio da insignificância.


Discordo desse entendimento, conforme já externei em outras oportunidades perante a Décima Primeira Turma. A título exemplificativo, cito o voto-vista que apresentei no Reexame Necessário Criminal (REENEC) nº 0002789-09.2015.4.03.6181/SP. Naquela oportunidade destaquei:


Observando o Laudo de Perícia Criminal Federal elaborado pelo Setor Técnico Científico do Núcleo de Criminalística da Superintendência Regional no Estado de São Paulo do Departamento de Polícia Federal (fls. 14/17), extraio os seguintes - e importantes - trechos, que destaco:
"Não se trata de substância ou de produto químico. As características do material examinado e sua massa líquida encontram-se descritas na seções I-MATERIAL EXAMINADO e III-EXAMES.
Quanto à sua natureza, os materiais vegetais questionados foram examinados e considerados propágulos vegetais cuja descrição morfológica é compatível com a de frutos aquênios da espécie Cannabis sativa L. (conhecida popularmente como maconha).
(...)
De acordo com a publicação da Organização das Nações Unidas, os frutos aquênios da planta Cannabis sativa Linneu não apresentam a substância tetrahidrocannabinol (THC). Porém, a planta C. sativa L., que pode se originar dos frutos questionados, está relacionada na lista de plantas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas (Lista E) constante da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998, republicada no DOU em 1º de fevereiro de 1999, bem como na RDC/ANVISA nº 6 (Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária), datado de 18 de fevereiro de 2014, que atualiza a lista de substâncias Entorpecentes, Psicotrópicas, Precursoras e outras sob controle especial, sendo proibida a importação, a exportação, o comércio, a manipulação e o seu uso".
A semente de maconha é proscrita no Brasil e sua importação é evidentemente proibida. Ainda que não apresente, em sua composição, o THC, isso não a descaracteriza como elemento essencial para a produção da maconha. Afinal, da semente germinará a planta de cuja folha se originará a droga.
Nesse sentido, menciono o seguinte precedente deste Tribunal:
PENAL. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. CONDUTA PENALMENTE TÍPICA. ADEQUAÇÃO, EM TESE, AO INCISO I DO § 1º DO ARTIGO 33 DA LEI N.º 11.343/2006. MATÉRIA-PRIMA. AUSÊNCIA DO PRINCÍPIO ATIVO THC. IRRELEVÂNCIA. DENÚNCIA REJEITADA. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. 1. É penalmente típica a conduta de importar sementes de maconha, achando-se prevista no inciso I do § 1º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006. 2. O conceito de "matéria-prima", para os fins do inciso I do § 1º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, não se limita ao produto ou substância que imediata e diretamente seja utilizado para a produção da droga. A produção da droga pode compreender - e geralmente compreende - várias etapas, assim como também podem ser múltiplas as transformações necessárias a sua conformação. Desse modo, mesmo as substâncias ou produtos utilizados nas primeiras etapas da produção da droga são, para os fins legais, matérias-primas ou, conforme o caso, insumos. 3. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de que a expressão "matéria-prima", para os efeitos da lei de regência, compreende não só as substâncias destinadas exclusivamente à preparação da droga, como as que, eventualmente, se prestem a essa finalidade, como o éter e a acetona, destacando, ademais, ser irrelevante que tais substâncias não constem na lista de proscritas. 4. Se assim é em relação ao éter e à acetona, com muito mais razão as sementes de maconha - cuja serventia mais evidente é, sem dúvida, o plantio do vegetal - devem ser consideradas alcançadas pelo conceito legal de matéria-prima. 5. O fato de as sementes de maconha não conterem o princípio ativo THC (tetrahydrocannabinol) não afasta a tipicidade da conduta, pois o objeto material do crime previsto no inciso I do § 1º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006 não é a droga em si, mas a matéria-prima, o insumo ou produto químico destinado a sua preparação, ou seja, também são incriminadas as etapas anteriores da produção. 6. Do fato de o inciso II do § 1º do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006 incriminar a conduta de "semear" não resulta que a importação de sementes constitua mero ato preparatório. O tipo em questão é classificado como misto alternativo, isto é, uma conduta pode ser mais ampla ou pode ser pressuposto de outra e, mesmo assim, ambas são igualmente incriminadas, não sendo dado concluir que se tenha, em tais hipóteses, mera tentativa ou ato preparatório. 7. Ainda que a importação de sementes de maconha, feita em desacordo com determinações legais e regulamentares, não se amoldasse à previsão do inciso I do § 1º do artigo 22 da Lei n.º 11.343/2006, a denúncia não poderia ser rejeitada, uma vez que, à luz do artigo 34 da Lei n.º 10.711/2003 e do artigo 105 do Decreto n.º 5.153/2004, seria caso de contrabando. 8. Recurso ministerial provido.
(RSE nº 0009203-62.2011.4.03.6181/SP, Segunda Turma, v.u., Rel. Des. Federal Nelton dos Santos, j. 11.06.2013, e-DJF3 Judicial 1 20.06.2013)
Do minucioso voto do Desembargador Federal Nelton dos Santos, extraio o seguinte trecho, que, por sua importância, transcrevo:
"Ora, a semente serve para a produção da maconha; a germinação nada mais é do que uma modalidade de transformação, pois é por meio dela que a semente transmuda-se em planta. Afirmar, portanto, que a semente de maconha não é matéria-prima para a produção da droga significaria restringir o alcance da norma, máxime quando se sabe que, no caso presente, o próprio recorrido admitiu que as sementes seriam por ele plantadas com o propósito de produzir a droga. Note-se que, de rigor, nem se faz necessário o dolo específico para a configuração desse delito, bastando que o agente saiba que a matéria-prima serve para a produção da droga.
Entendo, assim, que o conceito de matéria-prima, para os fins do aludido dispositivo legal, não se prende ao produto ou substância que imediata e diretamente seja utilizado para a produção da droga. A produção da droga pode compreender - e geralmente compreende - várias etapas, assim como também podem ser múltiplas as transformações necessárias à conformação da substância entorpecente. Desse modo, mesmo as substâncias ou produtos utilizados nas primeiras etapas da produção da droga são, para os fins legais, matérias-primas ou, conforme o caso, insumos.
Nessa ordem de ideias, Carlos Roberto Bacila sustenta, em sede doutrinária, que o conceito de matéria-prima 'refere-se às sementes da planta que originarão as drogas, bem como as mesmas plantas no caso das drogas que são derivadas de plantas, como é o caso da maconha, da planta de coca e da papoula, que é utilizada para a produção do ópio, da morfina e da heroína. (....) Portanto, sementes, plantas e produtos fundamentais constituem matéria-prima da droga' (Comentários penais e processuais penais à lei de drogas: Lei n.º 11.343/2006. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p. 111).
Lembre-se de que são exemplos clássicos de matéria-prima, para os fins do artigo 33, § 1º, inciso I, o éter e a acetona, substâncias que podem ser usadas para outras finalidades que não a produção de drogas. Ainda na vigência da Lei n.º 6.368/1976, o Supremo Tribunal Federal proclamou que o éter e a acetona são alcançados pela expressão "matéria-prima" e que é irrelevante a circunstância de não constarem na lista de substâncias entorpecentes (STF, 1ª Turma, HC 69308/SP, rel. Min. Moreira Alves, j. 28/4/1992).
Também já decidiu o Excelso Pretório, em pelo menos duas outras ocasiões que versavam sobre éter e acetona, que "a expressão 'matéria-prima' constante do inciso I do parágrafo 1º do artigo 12 da Lei 6.368/76 compreende não só as substâncias destinadas exclusivamente à preparação da droga, como as que, eventualmente, se prestem a essa finalidade" (STF, 1ª Turma, RHC 64340/MS, rel. Min. Sydney Sanches, j. 16/9/1986; STF, 1ª Turma, RE 108726/PR, rel. Min. Oscar Corrêa, j. 26/8/1986).
Se assim é com relação ao éter e à acetona, com muito mais razão as sementes de maconha devem ser consideradas como matéria-prima, pois sua serventia é bem mais restrita, podendo-se afirmar, sem temor de erro, que a principal função da semente de maconha é a de ser plantada para a produção do correspondente vegetal.
Não merece acolhida, portanto, o entendimento, consagrado na decisão objurgada, segundo o qual "a ausência do princípio ativo THC afasta a elementar do tipo 'matéria-prima destinada à preparação de drogas'" (f. 63). No § 1º, inciso I, do artigo 33 da Lei n.º 11.343/2006, o objeto material das condutas não é a droga, mas é a matéria-prima, o insumo ou o produto químico que se destina à respectiva preparação."
Entendo exatamente como Sua Excelência.
Nesse mesmo sentido, encontram-se os seguintes precedentes da Quinta Turma deste Tribunal:
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. NÃO EVIDENCIADA A FLAGRANTE ATIPICIDADE DOS FATOS SOB INVESTIGAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM DENEGADA. 1- Verificada a existência de fato que, em tese, configura crime, e havendo indícios de sua autoria, cabe ao Representante do Ministério Público Federal, no exercício de suas atribuições constitucionais , oferecer denúncia com o fim de instaurar ação penal, para, à luz dos princípios constitucionais e legislação vigente, proceder à apuração dos fatos. 2. Nos termos da jurisprudência que vem se consolidando, a semente, em seu estado natural, é a matéria-prima para a produção de uma planta. 3. A materialidade do delito restou comprovada pelo Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins, pelo Auto de Apresentação e Apreensão, e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal. 4. Os indícios da autoria podem ser extraídos do fato de que o acusado é o destinatário da remessa interceptada nos Correios pela Polícia Federal. 5. O recebimento da denúncia com o consequente prosseguimento da persecutio criminis é de rigor, inclusive sob o pálio da regra in dubio pro societate, que vigora neste momento processual. Havendo dúvidas acerca da correta tipificação penal da conduta do denunciado, deve prosseguir a ação penal para que, ao final, conclua-se acerca da definição jurídica adequada, vide julgados colacionados. 6- Ordem denegada.
(HC 0023269-58.2014.4.03.0000/SP, Quinta Turma, v.u., Rel. Des. Federal Paulo Fontes, j. 03.11.2014, e-DJF3 Judicial 10.11.2014)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. REEXAME NECESSÁRIO CRIMINAL. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. CONDUTA PENALMENTE TÍPICA. MATÉRIA-PRIMA PARA A PRODUÇÃO DA DROGA. RECURSO PROVIDO. 1. Reexame necessário criminal contra decisão que indeferiu o requerimento ministerial e determinou, de ofício, o arquivamento do inquérito policial instaurado através da Portaria IPL nº 1882/2013-2 DPF/CAS/SP. 2. A hipótese dos autos versa sobre inquérito policial instaurado para apurar eventual crime de tráfico internacional de drogas previsto no artigo 33, § 1º, inciso I, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, tendo em vista a apreensão pela Polícia Federal, na sede dos Correios em São Paulo, de encomenda consistente em 16 sementes de Cannabis Sativa Lineu. 3. Foi proferida decisão determinando o arquivamento do inquérito policial sob o fundamento da atipicidade do fato, por considerar que as sementes de maconha não apresentam a substância tetrahidrocannabiol (THC), geradora da dependência, e ainda que a quantidade encontrada não conformaria o tipo penal do delito de tráfico internacional de drogas 4. Não se pode descaracterizar a semente da maconha como matéria-prima para a produção da droga, dado que a germinação da mesma é a etapa inicial do crescimento da planta. Precedentes. 5. A semente, em seu estado natural, é a matéria-prima para a produção da planta de maconha e, portanto, sua importação é proscrita e configura ilícito penal, haja vista que sua internalização em território nacional não é permitida. 6. A pequena quantidade de sementes, no presente caso, deve ser posteriormente analisada no contexto dos elementos que vierem à lume com o prosseguimento das investigações, podendo, a critério do órgão ministerial de primeiro grau, ensejar, inclusive, significativa redução no apenamento ou mesmo a incidência do art. 28 da Lei 11.343/2006, conforme a prova produzida. 7. Recurso provido.
(REENEC 0014055-61.2013.4.03.6181/SP, Quinta Turma, v.u., Rel. Des. Federal Paulo Fontes, j. 04.08.2014, e-DJF3 Judicial 13.08.2014)
Por fim, lembro também que há precedente do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que semente de maconha é matéria-prima destinada à preparação da maconha:
PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APREENSÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. Incorre no tráfico de entorpecentes quem importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica (art. 12, § 1º, I, da Lei 6.368/76). 2. No caso, o fato narrado na denúncia, ou seja, a apreensão, na residência do paciente, de 170 sementes de cannabis sativa, amolda-se perfeitamente ao tipo penal "ter em depósito" e "guardar" matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica (art. 12, § 1º, I, da Lei 6.368/76), não podendo se falar em atipicidade da conduta. 3. Ordem denegada.
(HC 100437/SP, Quinta Turma, v.u., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 18.12.2008, DJe 02.03.2009)

Portanto, a despeito da classificação típica atribuída à conduta discutida nos autos, a semente de maconha é proscrita no Brasil e sua importação é evidentemente proibida. Ainda que não apresente o THC em sua composição, isso não a descaracteriza como elemento essencial para a produção da maconha. Afinal, da semente germinará a planta de cuja folha se originará a droga.


Além disso, no caso, ainda que se trate de importação de pequena quantidade de semente de maconha para uso pessoal, a conduta continuaria típica (Lei 11.343/06, art. 28), embora não apenada com prisão, o que afasta a possibilidade de trancamento da ação penal.


Essa tese, entretanto, não pode ser examinada na via restrita do habeas corpus, mas perante o Juízo a quo, na instância ordinária, onde poderão ser produzidas provas a respeito dos fatos narrados, sob pena de supressão de instância.


Enfim, não é evidente a ausência de justa causa para a ação penal, até porque não concordo com as premissas lançadas no voto da e. Relatora, razão pela qual não posso concordar com a sua conclusão, não sendo possível o trancamento da ação penal.


Posto isso, DENEGO A ORDEM.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10058
Nº de Série do Certificado: 4E280B4612C2E3B1
Data e Hora: 25/11/2015 14:37:46



HABEAS CORPUS Nº 0024225-40.2015.4.03.0000/SP
2015.03.00.024225-2/SP
RELATORA : Desembargadora Federal CECILIA MELLO
IMPETRANTE : ALEXANDRE MARTINS PERPETUO
PACIENTE : GUSTAVO FUGANHOLI
ADVOGADO : SP182878 ALEXANDRE MARTINS PERPETUO e outro(a)
IMPETRADO(A) : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE BAURU Sec Jud SP
No. ORIG. : 00010113820144036181 2 Vr BAURU/SP

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO: Cuida-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de GUSTAVO FUGANHOLI, contra ato do Juízo Federal da 2ª Vara de Bauru/SP, praticado nos autos da ação penal nº 0001011-38.2014.403.6181, que, no dia 31/07/2015, recebeu a denúncia imputando-lhe a conduta descrita no artigo 33, §1º, inciso I e artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006 (fls. 34/35).

Trata-se de importação de 11 (onze) sementes de maconha, provenientes da Holanda, apreendidas na Empresa de Correio desta Capital, cujo destinatário era o paciente.

Ouvido perante a autoridade policial, o paciente confessou ter adquirido as sementes pela internet, a pedido de um amigo, as quais seriam plantadas para consumo próprio, não sabendo informar em qual país o vendedor estava hospedado.

Alega o impetrante que a conduta imputada ao paciente é atípica, visto que o laudo pericial foi taxativo ao afirmar que as sementes não possuem efeito entorpecente, não podendo ser consideradas matérias-primas ou insumo destinado à preparação da maconha.

Aduz, também, que a quantidade de sementes apreendidas conjugadas com a absoluta transparência e regularidade da importação claramente evidenciam que a intenção do paciente era o plantio para consumo pessoal e não para o tráfico de entorpecentes.

Nesse contexto, afirma que a importação de sementes em comento corresponderia, claramente, a meros atos preparatórios do crime previsto no artigo 28, §1º, da Lei 11.343/2006.

Assevera, ainda, que não é o caso de se desclassificar a conduta para o delito tipificado no artigo 334-A do Código Penal, visto que a quantidade de sementes importadas e as condições pessoais do paciente revelam que o caso pode ser resolvido pelo princípio da insignificância, diante da ausência de periculosidade social, reduzidíssimo grau de reprovabilidade e inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Requer, assim, a concessão liminar da ordem de habeas corpus, para determinar o trancamento da ação penal, e, ao final, sua concessão definitiva.

Liminar concedida conforme fls. 46/47-vº.

Informações prestadas às fls. 51/52-vº.

Em parecer o Parquet Federal opina pela denegação da ordem.

É o relatório.


VOTO

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO: Segundo consta da denúncia, no dia 02/12/2014, na sede da Empresa de Correios desta Capital, especificamente no Serviço de Remessas Postais Internacional da Alfândega de São Paulo, foi apreendida a encomenda nº RE101383644NL, postada em "Den Haag", Holanda, tendo como destinatário o paciente, residente na cidade de Lençóis Paulista/SP, contendo 11 (onze) sementes.

O conteúdo da embalagem apreendida foi submetido a exame químico toxicológico, sendo constatado pelo Laudo Pericial de nº 1386/2014 NUCRIM/SETEC/SR/DPF/SP que as sementes encontradas são da espécie Cannabis Sativa Linneu, planta popularmente conhecida por maconha.

Submetida à nova perícia, o Laudo Pericial nº 1462/2014 - INC/DITEC/DPF confirmou que as citadas sementes tinham potencialidade germinativa.

Dito isso, cumpre assinalar que de fato as 11 (onze) sementes de maconha, no estado em que se encontravam, não podem ser consideradas drogas, uma vez que não possuem tetrahidrocanabinol (THC) em sua composição.

Da mesma forma, embora as sementes sejam aptas a gerar "pés de maconha", também não podem ser consideradas matérias-primas, ao menos juridicamente. Isso porque para que as sementes tornem-se próprias para o consumo devem ser primeiramente semeadas e fertilizadas até estarem prontas para a colheita.

Conclui-se, assim, que não se extrai a maconha da semente, mas sim da planta germinada da semente (TRF 3 - RSE 0016794-07.2013.4.03.6181. Décima Primeira Turma. Relator Desembargador Federal José Lunardelli. Julgado em 04/08/2015).

Penso, assim, que, se fosse o caso, a importação das 11 sementes, melhor se amoldaria ao artigo 28, §1º, da Lei 11.343/2006, eis que, no caso, o produto importado claramente se destinava à semeadura, cultivo e colheita de planta destinada à preparação de pequena quantidade de droga para consumo próprio.

A par disso, verifica-se que mencionado artigo restringe as condutas típicas em "semear", "cultivar" ou "colher" plantas, vejamos:

"Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (...) § 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. (...)"

No entanto, no caso dos autos, as sementes foram apreendidas ainda no curso do seu trajeto, pois tinham como destino final a cidade de Lençóis Paulista/SP e foram apreendidas no setor de Serviços de Remessas Postais Internacional da Alfândega de São Paulo, não chegando sequer a serem semeadas.

Portanto, a conduta praticada pelo paciente, tal como posta, na verdade, não se enquadra em quaisquer dos dispositivos mencionados da Lei 11.343/2006.

Entretanto, embora as sementes ainda não estivessem semeadas, e da forma como posta não pudessem ser consideradas drogas ou matérias-primas destinadas à produção de drogas, não há como negar que são de uso, importação, exportação, manipulação e comércio proibido, não podendo, portanto, serem importadas, caracterizando o crime de contrabando.

Nessa esteira, é de rigor a desclassificação da conduta narrada na denúncia para o artigo 334-A do Código Penal, que tem por escopo a proibição da importação e uso das sementes de maconha a fim de proteger a saúde pública.

Dito isso, dispõe o artigo 395 do Código de Processo Penal que a denúncia será rejeitada quando: I) for manifestamente inepta; II) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III) faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Dentro desse cenário, penso que a denúncia também não pode ser recebida, eis que falta justa causa para a deflagração da ação penal, caracterizada pela irrelevância penal da conduta delitiva do acusado.

Com efeito, a lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, ou quando a lesão ao bem jurídico protegido for irrelevante.

Embora não desconheça a impossibilidade, em regra, da aplicação do princípio da insignificância para os crimes de contrabando, penso que no caso em tela não há como entender que 11 sementes de maconha seriam capazes de colocar minimamente em risco a saúde pública, tendo em vista a presença dos parâmetros considerados pelos Tribunais Superiores para o reconhecimento da insignificância: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica.

Nesse sentido, trago julgado desta Corte:


PENAL: IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA- CONTRABANDO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. I - Inicialmente, resta correta a aplicação do artigo 334 do Código Penal, na modalidade contrabando, que tem por escopo a proibição da importação e uso das sementes de maconha a fim de proteger a saúde pública. II - Embora não se desconheça a impossibilidade, em regra, da aplicação do princípio da insignificância para os crimes de contrabando, deve-se verificar as peculiaridades do caso concreto para se afastar de plano a incidência do referido princípio, sob pena de se punir condutas que, não obstante formalmente típicas, não causam lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal. III - Considerando que a conduta consistiu na importação de 11 (onze) sementes de maconha, encontram-se, a princípio, presentes os parâmetros considerados pelos Tribunais Superiores para o reconhecimento da insignificância: a) mínima ofensividade da conduta; b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica. IV - A denúncia não descreve eventual habitualidade delitiva, o que afastaria a incidência do referido princípio, não sendo essa a hipótese dos autos. V - Ordem concedida para trancar a ação penal originária. (HC - 0011489-87.2015.4.03.0000. Décima Primeira Turma. Desembargadora Federal Cecilia Mello. Julgado em 23/06/2015).

Ademais, o paciente aduz ter adquirido as sementes para uso próprio, o que não se mostra desarrazoado, seja pela pequena quantidade, seja pela forma de aquisição, restando, para mim, evidente a ausência de propósito comercial.

Nessa senda, embora a conduta do paciente mereça censura, por qualquer ângulo que se analise falta justa causa para o exercício da ação penal, eis que não se amolda aos crimes previstos na Lei 11.343/2006, bem como não é capaz de demonstrar, diante da pequena quantidade e ausência de propósito comercial, afronta aos interesses de toda a sociedade, cabendo invocar, no específico caso, o princípio da insignificância, sendo forçoso reconhecer pelo trancamento da ação penal, ante a ausência de justa para a mesma.

Por derradeiro, anoto que eventual controvérsia acerca da classificação jurídica atribuída ao fato imputado ao paciente, se resolve pela aplicação do princípio in dubio pro reo.

Ante o exposto, concedo a ordem para determinar o trancamento da ação penal originária.

É o voto.


CECILIA MELLO
Desembargadora Federal Relatora


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