D.E. Publicado em 15/01/2016 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, indeferir o pedido formulado pela AES Tietê S.A. de extinção do processo por perda superveniente de objeto, rejeitar a preliminar arguida pelo Município de Cardoso/SP em contrarrazões, e dar provimento à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação do Ministério Público Federal para anular a r. sentença, devendo os autos retornarem à Vara de Origem para que seja realizada prova pericial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061 |
Nº de Série do Certificado: | 602B748827A71828 |
Data e Hora: | 17/12/2015 19:23:07 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal em face da sentença que julgou improcedente a ação civil pública de responsabilidade civil por danos ambientais.
Segundo narrado pelo Parquet na inicial, Antônio Ferreira Henrique foi responsável pela implantação do projeto de loteamento em área de preservação permanente, denominado "Estância Beira Rio", situado no município de Cardoso/SP, em razão dos lotes serem implantados a uma distância de 72m (setenta e dois metros) da cota máxima normal de operação. Por sua vez, Sueli Bernadeti Florentino Romera é proprietária de um rancho do referido loteamento, causando dano direto em área de preservação permanente, impedindo a regeneração natural da vegetação local, por manter edificações nas margens do reservatório de acumulação de água para geração de energia elétrica da Usina Hidrelétrica de Água Vermelha. Afirma, ainda, que o município de Cardoso/SP foi inerte ao não impedir e depois demolir as construções. Assim, requereu a concessão de tutela inibitória inaudita altera parte para o fim de ordenar a ré Sueli Bernadeti Florentino Romera que se abstenha de promover ou permitir que se promova qualquer atividade antrópica na área de preservação permanente de que detém a posse, localizada às margens do Rio Grande, no município de Cardoso/SP, devendo retirar do local animais, plantas exógenas, cercas e muros divisórios; e abster-se de utilizar a área de preservação permanente para qualquer fim; ordenar à concessionária AES Tietê S/A que promova medidas administrativas e executórias que se fizerem necessárias e adequadas para desocupar a faixa de segurança do reservatório e remanescentes, inteiramente inserida em área de preservação permanente, na hipótese de não serem desocupadas espontaneamente pelos primeiros réus; ordenar à empresa AES Tietê S/A a execução, no prazo de 60 (sessenta) dias, de demarcação física das áreas abrangidas pela desapropriação (faixa de segurança do reservatório). E, após cognição exauriente, pleiteou, inclusive, a condenação de Sueli Bernadeti Florentino Romera à obrigação de fazer consistente na completa recuperação da área de preservação permanente efetivamente prejudicada (florestamento), mediante a retirada das edificações e impermeabilizações existentes no local e adoção de práticas de adequação ambiental, utilizando-se técnicas de plantio e de manutenção da área e produtos não lesivos ao meio ambiente, através de supervisão do órgão ambiental, que deverá aprovar a forma de recuperação; à obrigação de coibir toda e qualquer atividade que possa causar lesão à área de preservação permanente objeto da ação civil pública ou nela promover ou permitir que se promovam atividades danosas, ainda que parcialmente; a condenação de Antônio Ferreira Henrique, do Município de Cardoso/SP e da empresa AES Tietê S/A, solidariamente, à obrigação de fazer consistente na completa recuperação da área de preservação permanente efetivamente prejudicada, mediante o auxílio na remoção das edificações existentes no local e da adoção de práticas de adequação ambiental, utilizando-se técnicas de plantio e de manutenção da área e produtos não lesivos ao meio ambiente; a condenação de Sueli Bernadeti Florentino Romera, Antônio Ferreira Henrique e da empresa AES Tietê S/A ao pagamento de indenização quantificada em perícia ou por arbitramento, correspondente aos danos ambientais que, no curso do processo, mostrarem-se técnica e absolutamente irrecuperáveis nas áreas de preservação permanente irregularmente utilizadas pelos réus; o reconhecimento e declaração de rescisão do contrato de concessão entre a concessionária de energia e a infratora por quebra de cláusula contratual (preservação do meio ambiente); e a intimação do IBAMA para fiscalizar e acompanhar a completa recuperação da área de preservação permanente (fls. 02/18).
Foi deferida parcialmente a tutela inibitória requerida pelo Parquet, determinando-se que não se construa ou prossiga na construção eventualmente iniciada na área de preservação permanente, permitindo apenas o uso do imóvel que não agrave ou aumente as modificações ambientais já introduzidas, inclusive quanto a animais e plantas, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), devendo o IBAMA fiscalizar periodicamente o local para acompanhar o cumprimento da medida (fls. 112/119). Desta decisão, o Ministério Público Federal interpôs agravo de instrumento visando o deferimento na totalidade do pedido de tutela inibitória formulada na inicial (processo nº 0022266-78.2008.4.03.0000), o qual foi negado seguimento em face da prolação de sentença neste feito (fls. 113/119).
Todos os requeridos foram devidamente citados e apresentaram as respectivas contestações (fls. 156/168, 171/211 e 844/849), com exceção da ré Sueli Bernadeti Florentino Romera, razão pela qual foi declarada sua revelia (fl. 865), tendo esta requerido nomeação à autoria sob o argumento de que não é mais proprietária do imóvel (fls. 868/869), o qual foi indeferido (fl. 886).
A União manifestou-se pela ausência de interesse em integrar a presente relação processual (fls. 126/127).
O Ministério Público Federal, a AES Tietê S.A. e os réus Antônio Ferreira Henrique e Sueli Bernadeti Florentino Romera postularam pela produção de provas pericial e testemunhal (fls. 916/917, 900, 887 e 894).
O MM Juízo da 1ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP, indeferindo os requerimentos de produção de provas, julgou improcedente os pedidos iniciais, não condenando em custas ou honorários (fls. 944/949v).
Em razões recursais, o Ministério Público Federal pugna pela nulidade da sentença, com o retorno dos autos ao Juízo a quo para realização de prova pericial ou, caso não seja decretada a nulidade, pela reforma da sentença, com a procedência dos pedidos formulados na inicial (fls. 953/974).
A apelação foi recebida em ambos os efeitos (fl. 975).
Foram apresentadas contrarrazões pela AES Tietê S.A. e pelo Município de Cardoso, o qual alega incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito (fls. 987/995 e 999/1.004).
A Procuradoria Regional da República da 3ª Região opinou, em parecer, pelo provimento do recurso do Ministério Público Federal (fls. 1.007/1.018).
A AES Tietê S.A. protocolou petição postulando pela extinção do feito sem resolução do mérito por falta de interesse de agir superveniente em razão da inexistência de Área de Preservação Permanente em face do advento da Lei n° 12.651/12, cujo artigo 62 alterou a faixa desse espaço territorial (fls. 1.031/1.040).
Instado a se pronunciar, o Parquet manifestou-se pelo indeferimento do pedido com o regular prosseguimento do feito (fls. 1.053/1.058v).
É o relatório.
Dispensada a revisão nos termos regimentais.
VOTO
Ab initio, é de rigor conhecer ex officio da remessa oficial, vez que o artigo 19 da Lei nº 4.717/65 (Lei de Ação Popular), o qual determina que: "a sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição", aplica-se analogicamente às ações civis públicas, vez que tanto estas quanto as ações populares visam tutelar o patrimônio público lato sensu, estando ambas regidas pelo microssistema processual da tutela coletiva, conforme entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça:
O Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, é o legitimado por excelência para promover a ação civil pública visando proteger o meio ambiente, nos termos dos artigos 127, caput, e 129, III, da Constituição Federal, artigo 5°, I, da Lei n° 7.347/85 e artigos 1° e 5°, I e III, "d", da LC n° 75/93.
O caso em tela refere-se a danos ambientais causados pela construção e manutenção de rancho em área de preservação permanente situada às margens do reservatório UHE de Água Vermelha/SP, formado em razão de represamento das águas do Rio Grande, rio federal e bem da União, razão pela qual esse ente federativo possui interesse direto na causa, atraindo a competência da Justiça Federal para processar e julgá-la.
Eis o entendimento consolidado do C. Superior Tribunal de Justiça:
Não restando dúvidas, destarte, sobre a competência ratione personae, de natureza absoluta, da Justiça Federal para processar e julgar a presente demanda (art. 109, I, CF), é o Ministério Público Federal legitimado para atuar no presente feito (art. 37, LC n° 75/93).
Dessa forma, rejeito a preliminar arguida pelo Município de Cardoso/SP em suas contrarrazões.
Antes de adentrar na análise dos recursos, cabe destacar que a AES Tietê alega que, com o advento Novo Código Florestal, a área de preservação permanente deixou de existir, nos termos do artigo 62, verbis: "Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.", vez que tais marcos do reservatório UHE Água Vermelha seriam coincidentes.
Contudo, não é o caso de extinguir o feito, sem resolução do mérito, por superveniência perda de objeto, vez que tal pedido carece de fundamento, já que seria necessária perícia técnica para constatar que a cota máxima de operação e a cota máxima maximorum de fato são iguais, sendo insuficiente o documento de fl. 1.041 elaborado pela CETESB, em razão deste não ser o órgão responsável pelo licenciamento do reservatório da UHE Água Vermelha, mas sim o IBAMA (fl. 1.042).
Além disso, a decisão proferida pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão, integrante do Ministério Público Federal, juntada às fls. 1.043/1.046, que homologou arquivamento de inquérito civil público, baseou-se em notícia de cumprimento integral de medidas fixadas em termo de ajustamento de conduta para regularização ambiental, e não pela aplicabilidade imediata do artigo 62 da Lei n° 12.651/12.
Outrossim, em face dos princípios tempus regit actum e da não regressão ou vedação ao retrocesso ecológico, a Lei n° 4.771/65, antigo Código Florestal, embora revogada, pode ser aplicada aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei n° 12.651/12, ainda que aquela norma seja mais gravosa ao poluidor.
Nesse sentido:
No caso em tela, os danos ambientais foram constatados pelo IBAMA em 18.11.2004, conforme Auto de Infração e Termo de Embargo/Interdição (fls. 21/22), inexistindo óbice, portanto, à aplicação da legislação então em vigor (Lei n° 4.771/65).
Em casos análogos, as Turmas desta C. Segunda Seção vêm adotando tal posição:
Passo à análise do recurso ministerial.
A manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado consiste em direito fundamental de terceira geração, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, conforme determina o artigo 225 da Constituição Federal:
Neste contexto, com a finalidade de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, bem como proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, foram estabelecidas, com fundamento no artigo 225, §1°, III, da Carta Magna, as áreas de preservação permanente entre os espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público, instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, VI, Lei nº 6.938/81), definidas tanto pelo antigo quanto pelo novo Código Florestal.
Visando proteger tais espaços territoriais, através de fixação de parâmetros, definições e limites para as reservas ecológicas e áreas de preservação permanente entorno de reservatórios artificiais, foram editadas as Resoluções n° 4, de 18.09.1985, n° 302, de 20.03.2002, e n° 303, de 20.03.2002, ambas pelo CONAMA, o qual possui a competência para editar tais atos normativos, conforme prevê o artigo 8°, VII, da Lei n° 6.938/81 e artigo 4° do Decreto n° 89.336/84.
No sentido de legalidade de tais Resoluções editadas pelo CONAMA, colaciono julgados do C. Superior Tribunal de Justiça:
Destarte, a fundamentação exposta no julgado recorrido é equivocada, vez que o Magistrado sentenciante, julgando antecipadamente a lide, proferiu sentença de improcedência, sob o argumento de que área ocupada não estava inserida em área de preservação permanente, pois não estaria o imóvel inserido em área rural, cujo conceito seria o previsto no artigo 4°, I, da Lei n° 4.504/64 (Estatuto da Terra), e não no artigo 2°, V, "a" e "b", da Resolução CONAMA n° 302/2002, em razão deste órgão ter ultrapassado seu poder regulamentar, além da superioridade daquela fonte normativa. Assim, considerou a faixa de 30 (trinta) metros contados da cota máxima normal de operação como sendo área de preservação permanente, razão pela qual não haveria que se falar em danos causados neste espaço territorial, já que a ocupação efetivada pela ré inicia-se a 72 (setenta e dois) metros do referido marco, conforme demonstrado pelo documento juntado pela AES Tietê S.A. (fl. 924), o qual não foi dada oportunidade a parte autora para se manifestar.
Cabe destacar, ainda, que a Lei n° 4.504/64 define "imóvel rural" (art. 4°, I) para fins de execução da reforma agrária e promoção da política agrícola, ao passo que a Resolução CONAMA n° 302/2002 (art. 2°, V) determina "área urbana consolidada" para fins de delimitação da faixa de área de preservação permanente.
Portando, inexistindo provas no sentido de que o lote em questão está inserido em área urbana, mas havendo, por outro lado, indícios de que esteja situado em área rural, cuja faixa de área de preservação permanente é de 100 (cem) metros, nos termos do artigo 3°, "b", II, da Resolução CONAMA n° 04/1985, artigo 3°, I, da Resolução CONAMA n° 302/2002 e artigo 3°, III, "b", da Resolução CONAMA n° 303/2002, deveria o Magistrado a quo ter deferido a realização de prova pericial, postulada tanto pelo Ministério Público Federal quanto pela AES Tietê S.A., ao invés de julgar antecipadamente a lide, mormente por se tratar de matéria fática controvertida.
Outrossim, o IBAMA, no Termo de Embargo/Interdição, limitou-se a constatar a utilização, sem autorização do órgão competente, de área de preservação permanente do reservatório da UHE de Água Vermelha (fl. 22).
Verifica-se, portanto, a ocorrência de cerceamento do direito de ação e defesa, vez que a causa demanda a realização de exame pericial para ser dirimida, seja por versar sobre matéria fática controvertida, seja pelo fato de tanto a parte autora quanto a ré terem postulado tal prova, em especial para constatar a existência, extensão e consequências da degradação ambiental, a possibilidade de restauração integral da área degradada, se as edificações e demais formas que impedem a regeneração da vegetação nativa estão situadas em área de preservação permanente, se o espaço territorial em tela foi objeto de eventual inundação, se o loteamento localiza-se em área urbana ou rural, aferir valores necessários para demolição dos imóveis, retirada dos entulhos, recuperação do solo e das águas, reposição da mata nativa e demais recomposições ambientais, bem como valores reativos à indenização.
Infere-se, por consequência, que a causa não versa exclusivamente sobre matéria de direito, reclamando produção de provas para ser dirimida, não estando, portanto, em condições de ser julgada desde logo por esta C. Corte, nos termos do artigo 515, §3º, do Código de Processo Penal.
Tal medida coaduna com as garantias da ampla defesa e contraditório, possibilitando que as partes discutam acerca da técnica de recuperação da área de preservação permanente prejudicada, forma de remoção de edificações, eventual valor indenizatório correspondente aos danos ambientais, entre outras questões.
Nesse sentido é o entendimento desta C. Corte Regional, verbis:
Aliás, esta C. Terceira Turma já teve inúmeras oportunidades, em casos semelhantes, de decidir nesse mesmo sentido, pois aqueles também se referiam a ranchos construídos às margens do reservatório da UHE de Água Vermelha, situados igualmente no município de Cardoso/SP, diferenciando-se do presente caso apenas pela titularidade de posse e localização do imóvel, conforme seguintes julgados cujas ementas ora transcrevo:
Diante do exposto, indefiro o pedido formulado pela AES Tietê S.A. de extinção do processo por perda superveniente de objeto, rejeito a preliminar arguida pelo Município de Cardoso/SP em contrarrazões, e dou provimento à remessa oficial, tida por interposta, e à apelação do Ministério Público Federal para anular a r. sentença, devendo os autos retornarem à Vara de Origem para que seja realizada prova pericial.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061 |
Nº de Série do Certificado: | 602B748827A71828 |
Data e Hora: | 17/12/2015 19:23:10 |