Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/04/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014517-57.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.014517-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
: EVANDRO MOURA BARBOSA
: REGINEIA SILVA DOS SANTOS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00145175720094036181 10P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA. RÉU FORAGIDO NO SURINAME. DEFERIMENTO. APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C/C 40, I, E ART. 35, AMBOS DA LEI N.º 11.343/06. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. RÉUS CONFESSOS. DESPROVIMENTO DO APELO DEFENSIVO. CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ART. 35, DA LEI 11.343/2006. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. VÍNCULO ESTÁVEL E PERMANENTE. INSUFICÊNCIA DE PROVAS. REFORMA DA PENA. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO MINISTERIAL.
1. Diante da informação confirmada pela Superintendência da Polícia Federal no Estado do Pará, de que o acusado EVANDRO MOURA BARBOSA foragiu-se clandestinamente para o Suriname, resta patenteado que ele infringiu as condições inerentes da liberdade provisória anteriormente concedida, qual seja, de não se ausentar do país, sem prévia autorização do Juízo. Prisão preventiva decretada. Expeça-se mandado de prisão.
2. A materialidade delitiva dos crimes imputados aos acusados não foi objeto de recurso e restou bem demonstrada pelos Autos de Prisão em Flagrante, Boletins de Ocorrência de Autoria Conhecida, Autos de Exibição/Apreensão/Entrega, Laudo Preliminar de Constatação, Laudos Periciais, bem como pelos depoimentos testemunhais e pelos interrogatórios dos acusados, tanto perante autoridade policial quanto em Juízo. A transnacionalidade do delito também resta inequivocamente comprovada com a juntada dos e-tickets em nome dos sentenciados, bem como em razão dos passaportes apreendidos.
3. Autoria delitiva e dolo do crime de tráfico internacional de drogas devidamente comprovados, nos autos, além de amplamente confessados por ambos os corréus.
4. Mantida a absolvição dos réus, no que tange ao crime previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006, pois as provas coligidas nos autos não permitem concluir seguramente que eles estavam associados para o tráfico de drogas, em nível de organização e estabilidade acima de uma simples coautoria. Havendo dúvidas acerca da configuração de uma societas sceleris, não é possível asseverar que os acusados eram mais do que agentes em concurso para a prática do tráfico de drogas.
5. Reforma das penas aplicadas na r. sentença, para majorar as penas-base, em razão da quantidade e natureza das drogas apreendidas, nos termos do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006, e aplicar a causa de diminuição do §4º, do art. 33 da Lei 11.343/2006, em grau mínimo, tornando-as definitivas em 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime semiaberto, e ao pagamento de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, sem substituição de penas. No mais, mantenho a r. sentença em seus exatos termos.
6. Recurso da defesa desprovido.
7. Apelo Ministerial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, determinar a prisão preventiva de EVANDRO MOURA BARBOSA e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DEFENSIVA E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO APELO MINISTERIAL, para aumentar a pena-base de ambos os corréus e aplicar a causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06 no patamar mínimo de 1/6 (um sexto), resultando a pena definitiva, para cada um dos sentenciados, em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, regime inicial semiaberto, além de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do delito dos artigos 33, caput, c.c. 40, I, ambos da Lei 11.343/06, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de março de 2016.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014517-57.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.014517-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
: EVANDRO MOURA BARBOSA
: REGINEIA SILVA DOS SANTOS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00145175720094036181 10P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelos réus EVANDRO MOURA BARBOSA e REGINÉIA SILVA DOS SANTOS, contra a sentença de fls. 203/208, que julgou parcialmente procedente a ação penal para:


a) condenar ambos os corréus pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. art. 40, inc. I, ambos da Lei nº 11.343/2006, à pena de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, sem possibilidade de substituição da privação de liberdade por restritivas de direitos, e

b) absolvê-los da imputação da prática do delito previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/2006, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.


Em sede de razões recursais (fls. 261/267), o Parquet postulou: a) a condenação os réus nas penas do art. 35 da Lei nº 11.343/2006; b) a majoração das penas-base fixadas na r. sentença aos acusados, em relação às imputações dos art. 33, c.c. art. 40, I, todos da Lei nº 11.343/2006, bem como c) o afastamento da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei 11.343/2006.


Por sua vez, os corréus, em suas razões (fls. 240/245), requereram a absolvição do delito previsto no artigo 33, c.c. art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, em virtude da ausência de provas da autoria delitiva, além de não ter restado comprovada a transnacionalidade.


Contrarrazões da acusação às fls. 258/260 e da Defensoria Pública da União às fls. 328/330-v.


Subiram os autos a este E. Tribunal, tendo a Exma. Procuradora Regional da República, Isabel Cristina Groba Vieira, em primeiro parecer, se manifestado pela intimação pessoal dos sentenciados, não localizados (fls. 273/275). Em segundo parecer, manifesta-se pelo desprovimento do apelo defensivo e provimento do recurso ministerial (fls. 335/343-v).


Instado a se manifestar novamente, em razão de novas informações e diligências nestes autos (fls. 360/366 e 397/401), requer o Ministério Público Federal, às fls. 405/406, a pronta decretação da prisão preventiva de EVANDRO MOURA BARBOSA, com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal, por este se encontrar em outro país (Suriname), onde ingressara clandestinamente - o que caracterizaria descumprimento das condições da liberdade provisória, bem como grave risco à eficácia da lei penal.


Manifestação da Defensoria Pública da União (fls. 410/413), pela manutenção da liberdade provisória de EVANDRO.


É o relatório.


Ao Revisor, nos termos regimentais.



MARCELLE CARVALHO
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014517-57.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.014517-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : Justica Publica
: EVANDRO MOURA BARBOSA
: REGINEIA SILVA DOS SANTOS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00145175720094036181 10P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Do caso dos autos.


Narra a denúncia (fls. 75/78) o que segue:


"Em 04 de dezembro de 2009, no período noturno, na Marginal Tietê, altura do viaduto Imigrante Nordestino, em São Paulo (SP), os denunciados EVANDRO e REGINÉIA transportavam, guardavam e traziam consigo, com o fim de exportar, 162 (cento e sessenta e duas) cápsulas e um invólucro um pouco maior que as cápsulas, com peso bruto total (incluídas as cápsulas e o invólucro) de 1.984 g (um mil, novecentos e oitenta e quatro gramas) contendo cocaína (peso líquido de 1.605,2g), substância entorpecente que determina dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar. As cápsulas tinham sido ingeridas por EVANDRO (que ingeriu 71 cápsulas) e REGINÉIA (que ingeriu 91 cápsulas) e o invólucro tinha sido introduzido por REGINÉIA em sua vagina, pretendendo os acusados, dessa forma, ocultar a prática de crime de tráfico de entorpecentes.
Segundo apurado, policiais civis, em razão de delação anônima na qual se relatava que um casal embarcaria para a Turquia transportando no interior de seus corpos droga, realizaram diligências na Marginal Tietê tentando localizar o veículo que conduziria o casal até o Aeroporto Internacional de Guarulhos (houve na delação referência a elementos identificadores desse veículo).
Os policiais, então, localizaram o veículo e encontraram em seu interior os denunciados (tratava-se de um taxi que estava conduzindo os acusados até o aeroporto). Não foi encontrada droga nas malas e pertences pessoais dos acusados, mas houve a suspeita de que os denunciados tinham ingerido a droga. Os denunciados foram, então, levados a um hospital, local em que confessaram que transportavam droga. Submetidos a exames, foi constatado que EVANDRO ingerira 71 (setenta e uma) cápsulas de cocaína e que REGINÉIA ingerira 91 (noventa e uma) cápsulas de cocaína. Além disso, foi constatado que REGINÉIA possuía no interior de sua vagina um invólucro contendo cocaína.
O peso líquido da cocaína transportada pelo casal era de aproximadamente 1.605,2g (um mil, seiscentos e cinco gramas e dois decigramas).
Além da substância entorpecente que traziam consigo, foram apreendidos, em poder de EVANDRO e REGINÉIA, a quantia de US$ 1.200,00 (um mil e duzentos dólares americanos), seus passaportes, bilhetes aéreos emitidos em favor dos denunciados com destino à Turquia e mala de viagem contendo roupas.
EVANDRO e REGINÉIA ingeriram as cápsulas de cocaína e introduziram na vagina de REGINÉIA invólucro contendo cocaína com o objetivo de realizar o tráfico internacional de substância entorpecente e os elementos presentes nos autos comprovam de forma suficiente a autoria e a materialidade delitivas.
Com efeito, os denunciados, além de estarem com a droga dentro de seus corpos, confessaram que realizariam o transporte da droga de forma consciente. Os bens apreendidos em poder dos acusados, por sua vez, deixam evidente que o destino da cocaína era o Exterior.
Não há dúvida também que os acusados, casados entre si, estavam associados para a prática do crime de tráfico internacional de entorpecentes.
É que os acusados vieram a São Paulo (SP) juntos para praticar o crime, estavam embarcando juntos, para o mesmo destino, valendo-se do mesmo transporte (mesmo táxi até o aeroporto e mesmo avião até o exterior) e, segundo seu próprio relato, seriam remunerados em conjunto (o valor recebido destinava-se ao casal, e não individualmente a qualquer um deles).
Constata-se, portanto, que os denunciados EVANDRO MOURA BARBOSA e REGINÉIA SILVA SANTOS transportaram, guardaram e trouxeram consigo, com a intenção de levar até o Exterior, substância entorpecente que determina dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, e, além disso, estavam associados para a prática do crime previsto no art. 33, da Lei 11.343/06, estando, pois, incursos nas penas dos arts. 33, "caput", e 35, "caput", da Lei n. 11.343/06, c.c. art. 40, I, do mesmo diploma legal (...)"
Preliminarmente. Da decretação da prisão preventiva de EVANDRO MOURA BARBOSA.

Cumpre, primeiramente, analisar o requerimento ministerial de decretação da prisão preventiva de EVANDRO MOURA BARBOSA, por se tratar de questão preliminar processual para, então, em seguida, haver a ponderação sobre os méritos dos recursos de defesa e da acusação, nesta ordem.

Por ocasião da prolação de sentença condenatória, foi concedida liberdade provisória aos réus, por serem primários, ostentarem bons antecedentes, terem confessado a autoria do delito, possuírem residência fixa e estabelecimento comercial na cidade de Belém/PA, não se vislumbrando, na hipótese, qualquer fundamento para a manutenção da custódia cautelar. Sendo assim, ausentes os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, foi concedido o direito de apelar em liberdade, com a expedição de alvarás de soltura clausulados.


Entretanto, diante da informação confirmada pela Superintendência da Polícia Federal no Estado do Pará (fls. 397/401) de que o acusado EVANDRO MOURA BARBOSA foragiu-se clandestinamente para o Suriname, resta patenteado que ele infringiu as condições inerentes da liberdade provisória anteriormente concedida, qual seja, de não se ausentar do país, sem prévia autorização do Juízo.


Assim, tem-se que EVANDRO MOURA BARBOSA descumpriu de maneira injustificada as condições legalmente previstas na sentença para a concessão de liberdade provisória. Noutro giro, tal ato, por si mesmo, representa grave ameaça à aplicação da lei penal, em caso de trânsito em julgado da condenação criminal.


Tal fato, somado aos fundamentos de que se encontrava preso desde o flagrante e permaneceu nestas condições até a sentença, e atualmente encontra-se foragido, demonstra a insuficiência das medidas cautelares alternativas, representando a concreta necessidade da sua prisão cautelar, especialmente para assegurar a aplicação da lei penal, motivo pelo qual decreto a prisão preventiva de EVANDRO MOURA BARBOSA, nos termos do artigo 312, Parágrafo Único do Código de Processo Penal.


Expeça-se mandado de prisão em nome de EVANDRO MOURA BARBOSA.


Passo, então, ao mérito recursal.


DO RECURSO DA DEFESA, EM FAVOR DE EVANDRO E REGINÉIA.

Da materialidade. A materialidade delitiva não foi objeto de recurso e restou bem demonstrada pelos Autos de Prisão em Flagrante (fls. 02/12), Boletins de Ocorrência de Autoria Conhecida (fls. 16/19), Autos de Exibição/Apreensão/Entrega (fls. 20/23), Laudo Preliminar de Constatação (fl. 25), Laudo de Exame Químico Toxicológico (fls. 127/129), bem como pelos depoimentos testemunhais e interrogatórios dos acusados, tanto perante autoridade policial como em Juízo (fls. 04/05, 07/08, 09/10 e 11/12, mais mídia de fl. 137). A transnacionalidade do delito também resta inequivocamente demonstrada com a juntada dos e-tickets em nome dos sentenciados, a permitir o embarque para Istambul - Turquia (fls. 40/43) na ocasião do flagrante, bem como em razão dos passaportes apreendidos, então em poder dos corréus (fls. 183/184), já a caminho do Aeroporto Internacional Franco Montoro - GRU.
Da autoria e dolo.

A despeito da peça recursal apenas reiterar todos os fatos - tais como coerentemente descritos tanto pelos réus como pelas testemunhas - exaustivamente comprovados e, mais, confessados - desde o início, por ambos os corréus - insiste a Defesa na absolvição por falta de provas da autoria delitiva. Ora! Não há como prosperar tal irresignação, devendo o recurso em questão ser desprovido.

Tanto EVANDRO quanto REGINÉIA foram pegos em flagrante delito, em um taxi, rumo ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, para o embarque no voo TK16, da Turkish Airlines, com destino ao Aeroporto Ataturk - Istambul - Turquia. Embora não tenham sido encontrados entorpecentes na bagagem, ambos os corréus confessaram às autoridades policiais portar cápsulas de cocaína, anteriormente ingeridas em um hotel, na Rua Augusta - região central da cidade de São Paulo.

Foram então os sentenciados conduzidos a um hospital, onde, após procedimento médico, ficou constatado que ambos os acusados haviam engolido cocaína. REGINÉIA ainda reteve parte da droga em sua vagina. Ao todo, a massa líquida de cocaína a ser traficada para a Turquia consistia em pouco mais de 1,6 kg.

Em idêntico sentido - de forma uníssona e absolutamente coerente - é a confissão dos sentenciados, tanto em sede policial quanto judicial, bem como os depoimentos das testemunhas, tanto em Inquérito quanto nos autos da ação penal.

O dolo também resta definitivamente caracterizado, pois tanto EVANDRO quanto REGINÉIA admitiram ter plena consciência de que transportavam cocaína - inserida voluntariamente em seus corpos - a ser traficada para o exterior.

Com efeito, vale por ora transcrever alguns trechos dos interrogatórios judiciais dos corréus, que enfatizam, de forma clara e inequívoca, todo o anteriormente apurado, de forma a restarem plenamente comprovados o dolo e a autoria delitiva de ambos os corréus, em concurso de agentes, na prática do delito previsto no artigo 33, caput, c.c. art. 40, I, ambos da Lei 11.343/06. Senão, vejamos.

Interrogado em Juízo, EVANDRO (v. mídia acostada à fl. 137) confirmou que "transportava cocaína" (a partir de 50"). Aos 2'44", disse que: "iria levar a droga para a Turquia - Istambul, em troca de US$ 5.000,00 (cinco mil dólares americanos)". A partir dos 4'00", responde que "ingeriu cápsulas no dia da viagem, em um hotel, na Rua Augusta, dadas por uma mulher de origem africana."

REGINÉIA, por sua vez, também interrogada (v. vídeo contido na mesma mídia de fl. 137), confessou que "os fatos narrados na denúncia são verdadeiros" (28"); "que ingeriu - voluntariamente - as cápsulas contendo cocaína" (35"); "que recebeu as cápsulas de uma mulher negra, no hotel, na Augusta" (49"); "depois iriam - ela e o marido - viajar para Istambul" (1'05"); "que veio para São Paulo achando que fosse fazer apenas compras para seu pet shop, mas que depois foi convencida pelo marido (EVANDRO) a traficar a droga para o exterior" (2'10"); confirmou, ainda, que "foram abordados - em flagrante - no táxi, na Marginal Tietê, já a caminho do aeroporto" (2'40") e que "confessou que portava drogas, desde o início da abordagem policial, e que por isso foram levados ao hospital, para retirada das mesmas." (3'50").

As testemunhas ouvidas, tanto em sede policial quanto judicial, apenas confirmaram, de forma coesa e plenamente coerente, todo o quadro fático-probatório, não havendo qualquer divergência entre a versão destes e dos acusados.

Nesta senda, por último, quanto ao inconformismo da defesa de a transnacionalidade não haver sido definitivamente comprovada pela acusação, mais uma vez saliento que tal circunstância encontra-se plenamente comprovada - e até mesmo confessada - por ambos os corréus. Afinal, tanto EVANDRO quanto REGINÉIA - desde o início da apuração dos fatos, ainda em sede de Auto de Prisão em Flagrante - sempre que interrogados confirmaram que estavam a caminho do aeroporto internacional de Guarulhos e que iriam embarcar para a Turquia. Demais disso, os e-tickets da Turkish Airlines (fls. 40/43) e os passaportes dos corréus (fls. 183/184), tudo em poder de EVANDRO e REGINÉIA, confirmam a manifesta intenção de ambos de traficar cocaína para o exterior, mantendo a condenação dos sentenciados pelo cometimento do crime previsto no artigo 33, caput c.c. art. 40, I, ambos da Lei 11.343/06.

DESPROVEJO o recurso defensivo.


DO APELO MINISTERIAL.

I. Do crime previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006. Além da prática do crime de tráfico internacional de drogas, os acusados foram denunciados também pela prática do crime de associação para o tráfico.

No entanto, após devido processamento do feito, o M.M. Juiz a quo, absolveu os réus, com base nos fundamentos abaixo transcritos:

"...No que diz respeito ao crime de associação para o tráfico, entendo que não restou comprovado. O mero fato de os réus serem marido e mulher é insuficiente para a caracterização do delito.
(...)
Pois bem, não há qualquer elemento que mostre o vínculo entre os agentes para o cometimento de delitos. Corrobora a assertiva o fato de serem primários."

Entendo escorreita tal absolvição dos acusados, pois as provas coligidas nos autos não permitem concluir seguramente que eles estavam associados para o tráfico de drogas, em nível de organização e estabilidade acima de uma simples coautoria.

Outrossim, o mero concurso de agentes para a prática do tráfico de drogas não implica crime de associação.

Nesse sentido, vejamos a redação do artigo 35 da Lei n.º 11.343/06, in verbis:

Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

A respeito do vínculo necessário para a configuração do delito, leciona RENATO BRASILEIRO o que segue:

"Associar-se quer dizer reunir-se, aliar-se ou congregar-se de maneira estável ou permanente para a consecução de um fim comum. A característica da associação é a estabilidade do vínculo que une os agentes, mesmo que nenhum dos crimes por eles planjeados venha a se concretizar. Por isso, por mais que o art. 35 da Lei de Drogas faça uso da expressão "reiteradamente ou não", a tipificação desse crime depende da estabilidade ou da permanência (societas sceleris), características que o diferenciam de um concurso eventual de agentes (CP, art. 29).
Na vigência da antiga Lei de Drogas (Lei nº 6.368/76), essa característica da estabilidade e da permanência do crime de associação para fins de tráfico era mais evidente. Isso porque a referida Lei contemplava uma causa de aumento de pena para a hipótese de o crime ser praticado em concurso de agentes (art. 18, inciso III, da revogada Lei nº 6.368/76). Ora, se o concurso eventual de agentes era rotulado pela antiga lei como simples causa de aumento de pena, era evidente que a tipificação do crime de associação para fins de tráfico, então previsto no art. 16, demandava a presença de estabilidade e permanência do vínculo associativo.
É bem verdade que a nova Lei de Drogas não contemplou a referida causa de aumento de pena. Daí, todavia, não se pode concluir que, em virtude do uso da expressão "reiteradamente ou não", o crime de associação para fins de tráfico passe a abranger tanto o concurso eventual quanto o concurso estável e permanente de dois ou mais indivíduos. Se se trata de crime contra a paz pública, há de se entender que apenas a associação estável e permanente é capaz de expor a risco o bem jurídico tutelado. Logo, uma associação instável e efêmera, características inerentes ao concurso eventual de agentes, não tipifica, de per si, o crime do art. 35 da Lei nº 11.343/06. Nesse contexto, como já se pronunciou o STJ, a caracterização do crime de associação para o tráfico depende do dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei 11.343/2006." (Legislação criminal especial comentada, 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2015, p. 774) (destacamos).
In casu, não é possível afirmar de forma peremptória que o arranjo entre os réus configurava uma societas sceleris, voltada para a prática de tráfico internacional de drogas.

O conjunto probatório não permite concluir que os corréus, além de já se conhecerem, mantinham uma relação estável e duradoura especificamente para a realização do tráfico de drogas.

Ressalto também que não há nos autos elementos de prova demonstrando um envolvimento criminoso prévio entre os acusados, como ligações e gravações telefônicas, depósitos bancários, ou mesmo o reconhecimento em interrogatório de que havia uma associação entre os corréus. Afinal, tudo ocorrera de forma aparentemente circunstancial, tanto é que REGINÉIA afirma que somente soube que viajaria para a Turquia quando já estava em São Paulo.

Ressalte-se, aliás, que o fato de terceiras pessoas direcionarem a atividade criminosa é também comum aos casos dos transportadores eventuais de droga ("mulas do tráfico"), que não possuem nenhum poder de direção e estão sujeitos às orientações dos aliciadores, estes sim verdadeiros integrantes da organização criminosa. Logo, o fato de os corréus estarem organizados para a consecução de um fim comum, qual seja, o transporte da droga, não necessariamente permite inferir que tal organização decorria de uma relação estável e perene, que tinha como finalidade o transporte de drogas.

A insuficiência de provas no caso dos autos resta evidente quando o comparamos com precedentes desta Corte Regional nos quais foi reconhecido o vínculo associativo típico de uma societas sceleris. Senão vejamos:

"APELAÇÕES CRIMINAIS - TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS - ARTS. 33 E 35 C.C ART. 40, I, TODOS DA LEI N.º 11.343/06 - MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO - COMPROVAÇÃO - TRANSNACIONALIDADE COMPROVADA - EXISTÊNCIA DE VÍNCULO ASSOCIATIVO ESTÁVEL E PERMANENTE ENTRE OS RÉUS - CONDENAÇÕES MANTIDAS - DOSIMETRIA DAS PENAS DO RÉU C.P. - REDUÇÃO EX OFFICIO DA PENA DE MULTA FIXADA PARA O CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS - PROPORCIONALIDADE À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE APLICADA - DOSIMETRIA DAS PENAS DO RÉU F.A.J. - ELEVAÇÃO DA PENA-BASE FIXADA PARA O CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS - MAUS ANTECEDENTES CARACTERIZADOS - DOSIMETRIA DAS PENAS DO RÉU C.M.R. - MANUTENÇÃO - REGIME INICIAL FECHADO MANTIDO PARA TODOS OS RÉUS - SUBSTITUIÇÃO DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS E DIREITO AO RECURSO EM LIBERDADE - IMPOSSIBILIDADE - DEFERIMENTO DO PEDIDO DE ALIENAÇÃO ANTECIPADA DO VEÍCULO GM/CORSA - PROVIMENTO DA APELAÇÃO MINISTERIAL - IMPROVIMENTO DAS APELAÇÕES DEFENSIVAS.
(...) 21. Como bem decidido pelo MM. Magistrado sentenciante, o vínculo associativo estável e permanente existente entre F.A.J., C.M.R. e C.P. restou demonstrado pelos sucessivos contatos telefônicos realizados entre os mesmos, por no mínimo 01 (um) mês antes de suas prisões em flagrante, de acordo com os laudos colacionados aos autos.
22. A estrutura da associação criminosa em tela é mencionada por F.A.J. tanto na fase policial quanto em juízo, sendo que neste último interrogatório, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, o réu afirmou que o negócio funcionava como uma "empresa", sendo que cada um desempenhava um papel específico: alguém comprava, alguém vendia, alguém transportava e outro distribuía, se houvesse necessidade. 23. Evidencia-se verdadeira divisão de tarefas dentro da associação, com a existência de uma societas sceleris, não se tratando apenas de associação eventual ou coautoria. 24. Manutenção da condenação dos réus como incursos no art. 35, caput, c.c o art. 40, inc. I, ambos da Lei n.º 11.343/06. (...)"
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0004010-90.2008.4.03.6110, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, julgado em 18/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/08/2015) (grifamos).
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ART. 33, "CAPUT", E ART. 35, C.C. ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA.
(...) 3. Os elementos coligidos denotam o caráter transnacional com que foram praticados os crimes dos arts. 33, "caput", e 35, da Lei 11.343/06. As três apreensões de entorpecentes e as várias gravações telefônicas revelaram um esquema de remessa e distribuição de drogas trazidas do Paraguai.
4. Está demonstrado o "societas sceleris" dos réus, organizando-se em vários grupos criminosos estáveis e independentes entre si, mas que transacionavam substâncias ilícitas uns com os outros. (...)
(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR 0013110-84.2008.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, julgado em 22/03/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/04/2011 PÁGINA: 361) (grifos nossos).

Destarte, havendo dúvidas acerca da configuração de uma societas sceleris, não é possível asseverar que os acusados eram mais do que agentes em concurso para a prática do tráfico de drogas e, portanto, mantenho a absolvição nos exatos termos da r. sentença. Desprovido o recurso ministerial, quanto a este tópico.

Passo a verificar, pois, a dosimetria da pena.

Na primeira fase de fixação da pena, além das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, deve ser considerado preponderantemente, nos termos do art. 42 da Lei n.º 11.343/2006, o grau de reprovabilidade da conduta, aferido pela nocividade e quantidade de tóxico que se buscou transportar, o que indicará se a pena-base deverá ser fixada no mínimo legal, ou acima desse patamar.

Em que pesem as razões da defesa, e ainda que os apelantes sejam primários e tenham bons antecedentes, a expressiva quantidade de droga transportada e sua potencialidade lesiva justificam a fixação da pena-base, in casu, em montante superior ao piso legal, conforme o disposto no artigo 42 da Lei n.º 11.343/2006.

Ressalto, ademais, para meros fins de argumentação, que não procede eventual alegação da defesa no sentido de que somente conhecendo o grau de pureza da droga apreendida seria possível aferir a lesividade da conduta.

Isso porque é comum que a droga exportada do Brasil tenha alto teor de pureza, oriunda diretamente de países vizinhos produtores, e seja misturada com outras substâncias apenas quando chega aos locais onde será distribuída e posteriormente vendida ao usuário.

Mesmo hipoteticamente considerando que os 1.664g de cocaína (massa líquida - fl. 25) apreendidos não possuíssem alto grau de pureza, sem dúvida a droga poderia ser distribuída para um grande número de pessoas, causando graves prejuízos à saúde pública, já que o consumo é feito em quantidades mínimas e bastam alguns gramas para causar danos irreversíveis ao ser humano.

E, na esteira da jurisprudência atual, a falta de especificação quanto ao teor de pureza da droga não impede a individualização da pena conforme preconiza o artigo 42 da Lei n.º 11.343/06. Senão vejamos:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO DA COMPLEMENTAÇÃO DE PERÍCIA REQUERIDA PELA DEFESA. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA PUREZA DA COCAÍNA APREENDIDA PARA FINS DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA.

1. Ao magistrado é facultado o indeferimento, de forma fundamentada, do requerimento de produção de provas que julgar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, devendo a sua imprescindibilidade ser devidamente justificada pela parte. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF.

2. No caso dos autos, foi declinada justificativa plausível para a negativa de complementação do laudo pericial pleiteada pela Defensoria Pública, consistente na desnecessidade de aferição do grau de pureza da droga para a caracterização do crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006.

3. Ainda que a substância tenha sido misturada com outros ingredientes, muitos deles não proibidos por lei, o seu potencial lesivo e a sua natureza entorpecente são preservados, o que é suficiente para a comprovação da materialidade do crime em questão.

Precedente do STF.

4. A inexistência de especificação do teor da cocaína apreendida com a recorrente não impede o magistrado de aplicar uma pena justa, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/2006, já que o simples fato de poder estar misturada com outros ingredientes não afasta a sua natureza mais nociva, se comparada com outras drogas, tampouco enseja a relativização da quantidade de entorpecente apreendido, uma vez que para fins de mensuração não se considera apenas o volume de substância pura encontrada, mas sim a totalidade de material arrecadado, exatamente como na espécie.

5. Recurso improvido."(RHC 53.368/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 03/12/2014).


"PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. COMPLEMENTAÇÃO DE LAUDO PERICIAL. DESNECESSIDADE. ORDEM DENEGADA.

1. Constatado por laudo de exame químico-toxicológico tratar-se de substância entorpecente que causa dependência química ou psíquica, configura-se a materialidade do tipo do delito de tráfico de drogas, o qual não requisita, ademais disso, que o entorpecente tenha um ou outro grau de pureza.

2. O art. 42 da Lei n. 11.343/06 refere-se à natureza e à quantidade de entorpecente para fins de determinação da pena-base, não havendo previsão quanto ao seu grau de pureza.

3. Ordem denegada."

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, HC 0019314-19.2014.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, julgado em 22/09/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/09/2014)


Destarte, neste tópico reformo a sentença de origem, fixando a pena em patamar superior ao mínimo legal, em 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 575 (quinhentos e setenta e cinco) dias-multa, para cada um dos corréus sentenciados.

Na segunda fase da dosimetria, reputo que EVANDRO e REGINÉIA fazem jus à incidência da atenuante da confissão, nos moldes da r. sentença de piso, eis que, desde o flagrante, confessaram espontaneamente a autoria dos fatos a si imputados, confirmando terem conhecimento de que transportavam drogas.

Inegável, portanto, que cumpriram os requisitos legais para ter aplicada a atenuante em referência, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão, em conformidade com a qual: a) não se afasta a confissão espontânea nos casos em que o agente busca se valer de alguma dirimente; e b) é de se reconhecer a incidência dessa minorante se ela foi utilizada para embasar a condenação proferida contra a parte ré, como se observa no caso dos autos.

Nesse sentido, confira-se o entendimento da Corte Superior:

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA PARCIAL. UTILIZAÇÃO PARA EMBASAR A SENTENÇA. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. OBRIGATORIEDADE. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N.º 11.343/06. NÃO INCIDÊNCIA. DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. ENVOLVIMENTO COM O CRIME ORGANIZADO. AFERIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO- PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. REGIME INICIAL DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE EM TESE. CASO CONCRETO. QUANTIDADE DE DROGAS. INVIABILIDADE. NÃO CONHECIMENTO. CONCESSÃO, DE OFÍCIO.

(...)

2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, se a confissão do réu, ainda que parcial ou retratada, for utilizada pelo magistrado para fundamentar a condenação, deve incidir a respectiva atenuante.

(...)

6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para, reconhecida a incidência da atenuante da confissão espontânea, reduzir a pena do paciente para 6 anos e 4 meses de reclusão e 630 dias-multa, mantidas as demais cominações da condenação." - Grifei.

(STJ - HC 282343/SP - 6ª Turma - rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. 05/08/2014, v.u., DJe 18/08/2014)


Desta feita, mantenho a atenuante da confissão espontânea reconhecida na sentença de primeiro grau, em 1/6 (um sexto), perfazendo a pena intermediária em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. Tudo em atenção à Súmula nº 231 do E. Superior Tribunal de Justiça, que é expressa no sentido de que: "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal."

Na terceira fase, pretende a acusação seja desconsiderada a minorante do artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06.

Os requisitos do benefício previsto nesse dispositivo legal são os seguintes: "Art. 33. (...) § 4º. Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa."

Percebe-se que se trata de requisitos cumulativos. No caso em tela, os réus são primários e não ostentam maus antecedentes. Tampouco há aparência de que integrem organização criminosa, tendo servido apenas ao transporte eventual de entorpecente, de sorte que é cabível a aplicação da minorante.

Nesse sentido, oportuno citar os seguintes precedentes da Primeira Seção deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

"PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ARTIGO 33, § 4º DA LEI 11.343/06 NO PERCENTUAL MÍNIMO LEGAL. NOS TERMOS DO VOTO VENCIDO. EMBARGOS A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

I - O artigo 33, § 4º da Lei n.º 11.343/06 prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.

II - Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que a conduta do embargante se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, pessoa que funciona como agente ocasional no transporte de drogas , pois não se subordina de modo permanente às organizações criminosas nem integra seus quadros. Trata-se, em regra, de mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoas que são cooptadas para empreitada criminosa sem ter qualquer poder decisório sobre o modo e o próprio roteiro do transporte, cabendo apenas obediência às ordens recebidas. Pouco ou nada sabem a respeito da organização criminosa.

(...)

V - Embargos Infringentes providos."

(Embargos Infringentes e de Nulidade 0008194-28.2009.4.03.619/SP, Primeira Seção - Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 21//02/2013).


"PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS . AUTORIA. MATERIALIDADE. CONFISSÃO. TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06. REGIME PRISIONAL. SANÇÃO PECUNIÁRIA.

(...).

5. A conduta dos acusados não vai além da atividade típica de mula, e consta dos autos que os acusados são primários, sem antecedentes (fls. 127/131, 143/145, 152/154, 193/195 e 246/248), revelando as suas declarações que a empreitada criminosa constituiu um fato isolado em suas vidas, o que é corroborado pelo movimento migratório juntados aos autos (fls. 63/67), não sendo produzidas provas de que participem de organização criminosa voltada ao tráfico de drogas . É de se conceder, portanto, a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.

(...)."

(ACR 0007946-91.2001.4.03.6119/SP, Quinta Turma, Rel. p/Acórdão: Des. Fed. Luís Stefanini, j. 04/02/2013).


Apenas a título de argumentação, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (Habeas Corpus n.º 101.265/SP), entendo que a mera traficância transnacional não basta para configurar integração efetiva em organização criminosa. É necessária a presença de indícios que indiquem muito mais do que uma simples cooperação ou cooptação de agentes, como, por exemplo, combinação do preço do serviço; a data ou o roteiro da viagem; a quantidade de droga a ser transportada etc., ou, ainda, que o criminoso venha se colocando à disposição do bando sempre que necessário, empreendendo, rotineiramente, viagens internacionais em situações análogas.

Quanto ao percentual em que a minorante será aplicada, no entanto, deve ser considerado que as circunstâncias subjacentes à prática delitiva, quais sejam, o transporte de droga acondicionada nos corpos dos corréus, bem como todos os requisitos necessários à preparação do delito de tráfico internacional (compra de passagens internacionais de ida e volta, hospedagem do pequeno traficante, etc.), denotam uma reprovabilidade maior da conduta dos acusados, pois houve certo contato com integrantes da organização criminosa durante o preparo para o tráfico de drogas.

De outra parte, não há provas seguras de que os réus façam parte de organização criminosa, havendo de se concluir que serviram apenas como transportadores esporádicos, eventuais, diferenciando-se do traficante profissional, sendo, pois, merecedores do benefício legal de redução de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, o qual, entretanto, aplico no patamar mínimo de 1/6 (um sexto), em razão das circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto.

Destarte, aplico a redução do artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06 no patamar mínimo de 1/6 (um sexto), resultando as penas, cada qual, em 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão, mais 416 (quatrocentos e dezesseis) dias-multa.

Finalmente, tem-se que a majorante prevista no artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06, aplica-se ao tráfico com o exterior, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de ser exportado. Portanto, é evidente, in casu, a tipificação do tráfico internacional de entorpecentes, pois os acusados foram presos em flagrante, a caminho do Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando intentavam viajar ao exterior transportando droga.

Para corroborar tal assertiva, utilizo-me dos ensinamentos do insigne professor Vicente Greco Filho, in verbis: "A causa de aumento, referida no inciso I, aplica-se aos casos de tráfico com o exterior, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de exportação." (in "Tóxicos - Prevenção - Repressão", 7ª ed., Editora Saraiva, 1991, pág. 125)

Dos elementos referidos infere-se a transnacionalidade do delito, a autorizar a aplicação da majorante prevista no art. 40, I, da Lei n.º 11.343/06.

Verifico, portanto, que o Juízo a quo aplicou a causa de aumento de pena, conforme prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, à razão de 1/6 (um sexto). Mantenho a majorante nesse mesmo percentual, do que resulta a pena de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, além de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa.

Destarte, fixo a pena definitivamente em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, além de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa.

Fixo o regime inicial semiaberto, nos termos do artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal, pois as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal não são desfavoráveis aos acusados.

Verifico que a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos não se mostra suficiente no caso concreto, nos termos do artigo 44, inciso III, do Código Penal, sendo certo, ademais, que, tendo em vista o quantum da condenação, não estão preenchidos os requisitos objetivos do inciso I do mesmo artigo 44 do Código Penal.




Dispositivo.

Ante o exposto, preliminarmente determino a prisão preventiva de EVANDRO MOURA BARBOSA e, no mérito, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DEFENSIVA E DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, para aumentar a pena base de ambos os corréus e aplicar a causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no patamar de 1/6 (um sexto), resultando a pena definitiva em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, regime inicial semiaberto, além de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do delito dos artigos 33, caput, e § 4º, c/c artigo 40, I, ambos da Lei n.º 11.343/06, mantendo-se, no mais, a r. sentença de primeiro grau.

Expeça-se mandado de prisão.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


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