Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 21/05/2010
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0001852-23.2007.4.03.6102/SP
2007.61.02.001852-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e outro
APELADO : ISIDORO VILELA COIMBRA
ADVOGADO : FABIO NOGUEIRA LEMES e outro
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE RIBEIRAO PRETO SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DECADÊNCIA Do DECRETO EXPROPRIATÓRIO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA ATACADA PELA UNIÃO. PARECER MINISTERIAL EM 2ª INSTÂNCIA ARGÜINDO NULIDADES (AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM 1ª INSTÂNCIA; NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO ENTRE O INCRA E A UNIÃO). SENTENÇA ANULADA DIANTE DE OFENSA AO ARTIGO 47, § ÚNICO, DO CÓD. DE PROCESSO CIVIL. ANÁLISE DA APELAÇÃO E DA REMESSA OFICIAL PREJUDICADAS.
1. Ausência de nulidade decorrente da ausência de manifestação do Ministério Público Federal em 1ª instância uma vez que tal lacuna pode ser suprida com a manifestação do Órgão Ministerial no grau de apelação, considerando-se, as circunstâncias inerentes a cada caso (precedentes: REsp 554623/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/06/2004, DJ 11/10/2004 p. 315; REsp 308662/SC, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2003, DJ 01/12/2003 p. 358).
2. O decreto expropriatório datado de 18 de novembro de 1999 em seu artigo 3º é claro ao designar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA para promover a desapropriação do imóvel para fins de reforma agrária, o que nem poderia ser diferente já que nos termos do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei Complementar nº 76/93 o INCRA é o agente de implantação da reforma, portanto com evidente interesse jurídico na manutenção do decreto expropriatório questionado. Como o provimento jurisdicional a ser oferecido em ação anulatória do decreto expropriatório repercute diretamente na esfera jurídico-material de atuação do INCRA, que provém da lei, há clara afronta ao parágrafo do artigo 47 do Código de Processo Civil comprometendo tudo que foi realizado no processo (artigo 248 do Código de Processo Civil ). Como conseqüência da mácula - que pode ser reconhecida até "ex officio", mas foi alegada pela Procuradoria Regional da República - é imperiosa a declaração da nulidade do processo a partir da resposta da União, devendo ser promovida a citação do INCRA, na qualidade de litisconsorte passivo necessário.
3. Processo anulado a partir da resposta da União, restando prejudicada a apreciação do recurso interposto pela União e da remessa oficial.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar de arguição de nulidade por ausência de manifestação do Ministério Público Federal em 1º Grau de Jurisdição e declarar a nulidade do processo a partir da resposta da União, e determinar a remessa dos autos ao Juízo de origem, a fim de que, depois de promovida a citação do INCRA, seja dado regular prosseguimento ao feito, restando prejudicada a análise da apelação interposta pela União e da remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 04 de maio de 2010.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:42
Nº de Série do Certificado: 4435CD57
Data e Hora: 13/05/2010 16:55:18



APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0001852-23.2007.4.03.6102/SP
2007.61.02.001852-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e outro
APELADO : ISIDORO VILELA COIMBRA
ADVOGADO : FABIO NOGUEIRA LEMES e outro
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 1 VARA DE RIBEIRAO PRETO SP

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, Relator:

Trata-se de ação declaratória ajuizada por Isidoro Vilela Coimbra em face da União Federal, com o escopo de ver declarada a decadência do Decreto Expropriatório editado pelo Vice-Presidente da República (no exercício do cargo de Presidente da República) em 18 de novembro de 1999, que declarou de interesse social para fins de reforma agrária o imóvel rural denominado "Fazenda Colômbia/Fazenda Água Fria", localizado no Município de Colômbia, Estado de São Paulo.


Aduz o autor que o decreto expropriatório fora atingido pela decadência, tendo em vista que transcorreram mais de dois anos desde a sua publicação sem que o poder público houvesse ajuizado a ação de desapropriação. Assevera, ainda, que a ação declaratória de produtividade (Processo nº 1999.61.02.014978-2), que tramitou perante a 6ª Vara da Justiça Federal de Ribeirão Preto, e atualmente se encontra em fase de recurso, não constituía empecilho à propositura da ação de desapropriação pela União Federal. Alega, ainda, que o decreto expropriatório fora assinado pelo então Vice-Presidente da República Marco Maciel, e não pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, o que, em seu entendimento seria um indicativo da relutância desse último em editar o decreto ora impugnado. Ressalta que também o Presidente Lula não deu continuidade ao processo de desapropriação, o que demonstraria o desinteresse da União em desapropriar o imóvel em tela. Por fim, relata que vem sofrendo inúmeros prejuízos de ordem material, em virtude de constantes invasões promovidas por integrantes do MST e da recusa do INCRA em expedir o Certificado de Cadastro do Imóvel Rural, sem o qual não pode vender, desmembrar ou hipotecar o seu imóvel, razão pela qual pugnou pela antecipação dos efeitos da tutela.


A análise do pedido de antecipação de tutela foi postergada para após a vinda da contestação (fl. 138).


Intimada, a União apresentou sua contestação às fls. 142/172, acompanhada dos documentos de fls. 173/357. Arguiu, preliminarmente, a falta de interesse de agir do autor, ao argumento de que a questão da caducidade do decreto já foi arguida como preliminar de apelação nos autos da ação declaratória de produtividade nº 1999.61.02.014978-2 e, ainda, que tal questão poderia ser deduzida em eventual ação de desapropriação, sendo desnecessário o presente processo apenas para esse fim. Alega, também, inépcia da petição inicial, pois embora o autor sustente a caducidade do decreto, ao final pede a declaração de nulidade do ato presidencial. Quanto ao mérito, sustentou que a ação de desapropriação tem natureza declaratória e, por conta disso é perpétua, sendo inconstitucional o artigo 3º da Lei Complementar nº 76/93 que fixa o prazo de dois anos para a propositura da ação. Aduziu que mesmo que a ação não fosse declaratória, havendo questionamento judicial acerca da produtividade do imóvel, o prazo decadencial para a propositura da ação só poderia ser contado após o trânsito em julgado da sentença que resolve a questão da produtividade e não da edição do decreto expropriatório.


Réplica do autor às fls. 363/402.


O MM. Juiz "a quo", rejeitou a matéria preliminar arguida na contestação da União e julgou procedente o pedido, manifestando-se nos seguintes termos:


"(...)
5 - CASO CONCRETO
No caso dos autos, o decreto expropriatório foi editado em 18.11.99 e publicado no diário oficial em 19.11.99. A partir desta data, a União dispunha de dois anos para ajuizar ação de desapropriação do imóvel declarado de interesse social para fins de reforma agrária. É o que estabelece o art. 3° da lei complementar nO 76/93, que dispõe sobre o procedimento de desapropriação de imóvel rural por interesse social para fins de reforma agrária, in verbis:
"Art. 3°. A ação de desapropriação deverá ser proposta dentro do prazo de dois anos, contado da publicação do decreto declaratório".
O mesmo prazo prescreve a lei nº 4.132, de 10.09.62, que define os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação. Vejamos:
"Art. 3°. O expropriante tem o prazo de dois anos, a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a aludida desapropriação e iniciar as providências de aproveitamento do bem expropriado".
Não obstante tivesse dois anos, a contar da publicação do decreto expropriatório (19.11.99), para efetivar a desapropriação, a União Federal deixou transcorrer o prazo de forma inerte. Até o ajuizamento da presente demanda (15.02.2007), não havia ajuizado a correspondente ação de desapropriação.
Trata-se de prazo decadencial (ver item 4), de forma que o direito da União desapropriar o imóvel do autor com base no decreto publicado em 19.11.99 caducou. Consoante exposto no item 2, anotamos que o prazo de decadência de dois anos começou a fluir com o nascimento do direito da União de desapropriar, ou seja, com a edição do decreto expropriatório; o direito da União expropriar nasceu com a edição do decreto, porém não se tornou efetivo em razão de seu não exercício; o direito e a ação tiveram a mesma origem - o decreto expropriatório; o transcurso do prazo extinguiu o direito da União em razão da inércia e, em conseqüência, a ação que o garantia (desapropriação).
Como se trata de prazo decadencial, não há que se falar em suspensão ou interrupção desse prazo, pois serem ininterruptos é da natureza do prazo de decadência. Não há que se falar nem mesmo em não ter se iniciado a fluência desse prazo. Com efeito, ao se aceitar a tese defendida pela União de que o ajuizamento da ação declaratória de produtividade impediu o início da fluência do prazo decadencial, estar-se-ia permitindo que as partes (no caso, o autor) de alguma forma pudessem interferir na fluência do prazo decadencial, o que não ocorre. O prazo de decadência começa a fluir com o nascimento do direito (item 2 supra). No caso dos autos, o direito da União desapropriar nasceu com a publicação do decreto expropriatório, em 19.11.99. A partir daí, o prazo não pode ser interrompido ou suspenso, nem, tão pouco, há que se cogitar da possibilidade de que uma das partes possa impedir o início da fluência desse prazo. É da essência do instituto que apenas o exercício do direito possa impedir a consumação da decadência.
Além disso, na decadência o direito e a ação nascem juntos, de forma que, se com o decreto expropriatório surgiu o direito da União desapropriar, por conseqüência, nasceu o prazo decadencial para que ela ajuizasse a competente ação de desapropriação. O fato de a declaração de improdutividade poder invalidar o decreto expropriatório não impediria que a União ajuizasse a ação de desapropriação. Se assim não fosse, a eficácia do instituto da desapropriação estaria seriamente comprometida, pois todos os particulares que tivessem um bem objeto de decreto expropriatório poderiam retardar anos a fio a desapropriação através do ajuizamento de ação declaratória de produtividade. Conquanto se trate de direito do particular questionar a declaração de improdutividade, este questionamento não terá efeito suspensivo do direito da União desapropriar, quando formulado após a edição do decreto expropriatório.
Assim, a União deveria ter ajuizado a ação de desapropriação, que teria seu curso regular, pelo menos durante a fase postulatória e de saneamento do processo. Apenas em relação a eventuais perícias, por medida de economia processual, poderia se cogitar de suspender o curso do processo. Com isso a União Federal salvaguardaria seu direito.
É de se anotar que o processo de desapropriação tem um rito sumário especial visando à celeridade do procedimento,por essa razão muitas questões levantadas durante o processo são discutidas por meio de ação autônoma. Nesse ensejo, admitir que, após o decreto expropriatório, por quase dez anos, como no caso dos autos, apenas se esteja discutindo a produtividade do imóvel, sem que a União pudesse ajuizar a ação de desapropriação seria um contra-senso, incompatível com o instituto da desapropriação.
Com o reconhecimento da caducidade do decreto expropriatório publicado em 19.11.99, a União Federal não estará impedida, de qualquer forma, de editar novo decreto expropriatório, nos termos do artigo 10 do decreto-lei n° 3.365/41, aplicado subsidiariamente à desapropriação por interesse social (lei nº 4.132/62, art. 5°). Ademais, salvo melhor juízo, entendemos não estar prejudicada a ação declaratória de produtividade (autos nº 1999.61.02.014978-2), já que esta poderá simplificar futuro decreto expropriatório a ser editado pela União, se esta entender ser o caso.
6 - CONCLUSÃO
Do quanto se expôs, verifica-se que ocorreu a decadência do direito da União Federal desapropriar o imóvel do autor, em razão do não ajuizamento da ação de desapropriação dentro do prazo de dois anos da publicação do decreto expropriatório (19.11.99). O direito de propriedade, conquanto não seja absoluto, de sorte a exigir que à propriedade seja dada uma função social e admitir institutos como a desapropriação, é um direito individual e deve ser respeitado. Por isso, para que o particular seja privado de sua propriedade pelo Estado, como na desapropriação, a obediência aos princípios da legalidade e devido processo legal deve ser ampla e irrestrita, não comportando qualquer espécie de interpretação restritiva.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, com resolução de mérito (CPC, art. 269, inc. I), para reconhecer a decadência do decreto expropriatório publicado no diário oficial em 19.11.99, que reconheceu de interesse social para fins de reforma agrária a "Fazenda Colômbia/Fazenda Água Fria" de propriedade do autor.
Condeno a União Federal em custas em reposição e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais).
Sentença sujeita a reexame necessário."

Inconformada apelou a União, repisando os argumentos expendidos na sua contestação no sentido de que a ação de desapropriação tem natureza declaratória e, por conta disso é perpétua, sendo inconstitucional o artigo 3º da Lei Complementar nº 76/93 que fixa o prazo de dois anos para a propositura da ação. Aduziu que mesmo que a ação não fosse declaratória, havendo questionamento judicial acerca da produtividade do imóvel, o prazo decadencial para a propositura da ação só poderia ser contado após o trânsito em julgado da sentença que resolve a questão da produtividade e não da edição do decreto expropriatório, pelo que requer a reforma d r. sentença (fls. 422/451)


Contrarrazões apresentadas às fls. 454/493.


Às fls. 500/502 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, peticionou requerendo a sua inclusão no feito, na qualidade de litisconsorte passivo necessário.


O MM. Juiz, exarou despacho no qual consignou que, de acordo com as regras processuais vigentes, qualquer requerimento deve ser dirigido ao Relator, no Tribunal, e não mais perante o juiz sentenciante, tendo em vista que este já finalizou sua função jurisdicional, esgotando-a com a prolação da sentença em primeiro grau, nos termos do art. 463 do Código de Processo Civil (fl. 503).


Remetidos os autos a esta Corte Regional, foram eles distribuídos à relatoria do eminente Desembargador Federal Peixoto Junior em 27/02/2009.


O INCRA apresentou nova petição, na qual alegou que o processo deveria ser redistribuído à Primeira Turma deste Tribunal, à minha relatoria, em virtude da conexão deste feito com a ação declaratória de produtividade nº 199.61.02.014978-2. Requereu, ainda, o reconhecimento da nulidade do presente processo, pois não houve a necessária manifestação do Ministério Público Federal nos autos e nem a formação do litisconsórcio necessário entre a União Federal e o INCRA.


O Exmo. Desembargador Federal Peixoto Junior formulou consulta sobre eventual conexão deste feito com a apelação cível nº 1999.61.02.014978-2 (fl. 549).

Reconhecida a prevenção (fl. 551), o feito foi redistribuído à minha relatoria em 11 de setembro de 2009 (fl. 554 vº).


O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do eminente Procurador Regional da República, Dr. André de Carvalho Ramos, opinou pelo acolhimento das preliminares suscitadas pelo INCRA e pela nulidade da sentença. No caso de desacolhidas as preliminares, no mérito, manifestou-se pelo desprovimento da apelação e da remessa oficial (fls. 559/567).




VOTO

Inicialmente, verifica-se a necessidade de analisar as questões afetas à nulidade da r. sentença em face da ausência de manifestação do Ministério Público Federal em primeiro grau de jurisdição e da ausência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA no pólo passivo da demanda, na qualidade de litisconsorte passivo necessário; em face da manifestação ministerial de fls. 559/567, reiterada em sustentação oral pela Dra. Procuradora Regional da República nesta Seção.


I - DA AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO:


Requer o Ministério Público Federal, a anulação da r. sentença, ao argumento de que o artigo 18, §2º da Lei Complementar nº 76/93 exige a intervenção do Ministério Público Federal nas ações concernentes à desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária. Na singularidade do caso está-se em face de ação onde o autor afirma a caducidade do decreto que declarou o imóvel de interesse social, para fins de reforma agrária.


Não se vislumbra a ocorrência de nulidade absoluta em decorrência da ausência de manifestação do Ministério Público Federal que enseje a anulação da r. sentença, uma vez que tal lacuna pode ser suprida com a manifestação do Órgão Ministerial no grau de apelação.


Nesse sentido a jurisprudência oriunda do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:


EMBARGOS DE DEVEDOR. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM 2º GRAU. INTERESSE DE MENOR. PRECEDENTES DA CORTE.
1. Precedentes da Corte reconhecem que a ausência de intervenção do Ministério Público em 1º grau de jurisdição pode ser suprida com a manifestação no grau de apelação, considerando as circunstâncias concretas de cada caso, descartando a tese do especial sobre a existência de nulidade absoluta, que não pode ser suprida.
2. No caso, não houve nenhuma necessidade de dilação probatória, sequer alegada pelo recorrente, não sendo realizada audiência, ficando a matéria nos temas de direito. Outrossim, o Ministério Público, seja na instância ordinária seja na especial, interveio e não encontrou violação de dispositivo de lei federal no que concerne ao mérito da demanda, o que torna vazia a alegação de nulidade, não apontando objetivamente nenhum prejuízo aos menores.
3. Recurso especial não conhecido.
(REsp 554623/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/06/2004, DJ 11/10/2004 p. 315)
PROCESSUAL CIVIL. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. IRREGULARIDADE. SUPRIMENTO. PARECER. SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. CARTA PRECATÓRIA. DESPESAS. ABERTURA DE PRAZO. TRANSCURSO IN ALBIS. PRECLUSÃO. OCORRÊNCIA. CIVIL. DANOS MATERIAIS. MORTE. MENOR IMPÚBERE. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. PENSÃO MENSAL.
PAGAMENTO. POSSIBILIDADE.
1 - A efetividade do princípio da instrumentalidade das formas afasta a argüição de nulidade por falta (ou irregularidade) de pronunciamento do Ministério Público, no juízo monocrático, quando há, como na espécie, manifestação do Parquet sobre o mérito da controvérsia, em segundo grau de jurisdição, sem suscitar qualquer prejuízo ou nulidade, apta a suprir qualquer mácula.
2 - Intimado o réu para depositar as despesas de expedição de carta precatória para oitiva de suas testemunhas e transcorrido in albis o prazo, a incidência da preclusão temporal é de rigor, apta a fulminar o direito de praticar o ato processual se, como na espécie, não denotado nenhum fato real a justificar a omissão.
3 - É devido pensionamento mensal (danos materiais) pela morte de filhas menores (impúberes) se constatado, como na hipótese, pertencerem elas a uma família de baixa renda.
4 - Recurso especial não conhecido.
(REsp 308662/SC, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 18/11/2003, DJ 01/12/2003 p. 358)

Fica afastada, portanto, essa argumentação.


II) DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE A UNIÃO E O INCRA:


A matéria deve ser tratada em virtude da arguição ministerial e também porque se trata de matéria de ordem pública, que não preclui, eis que se refere a uma das condições da ação.


Verifica-se que o Decreto Presidencial Expropriatório datado de 18 de novembro de 1999, em seu artigo 3º, é claro ao designar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA para promover a desapropriação do imóvel, in verbis:


Art. 3º. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA fica autorizado a promover a desapropriação do imóvel rural de que trata este Decreto, na forma prevista na Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, e a manter a área de Reserva Legal prevista na Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, preferencialmente em gleba única, de forma a conciliar o assentamento com a preservação do meio ambiente.

Destarte, da simples leitura do art. 3º do referido Decreto Presidencial verifica-se o interesse processual do INCRA, ficando evidente a necessidade de sua participação na demanda na qualidade de litisconsorte passivo necessário, formalidade que não foi observada acarretando a ocorrência de nulidade absoluta à vista de afronta ao artigo 47 do Código de Processo Civil. Confira-se:


PROCESSO CIVIL. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. O litisconsórcio, quando necessário, é condição de validade do processo e, nessa linha, pode ser formado a qualquer tempo, enquanto não concluída a fase de conhecimento; proferida, no entanto, a sentença, e transitada em julgado, não há como, na respectiva execução, ativar questão não suscitada na época própria. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag 420256/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/08/2002, DJ 18/11/2002 p. 214)

Ressaltou o eminente Procurador Regional da República, Dr. André de Carvalho Ramos, em seu parecer (fls. 559/567), que: "(...) Conforme relatado acima, o INCRA também sustenta que a sentença de primeiro grau seria nula, porquanto não houve a formação de litisconsórcio passivo necessário entre a autarquia e a União Federal. Assiste razão ao INCRA. É que o objetivo do autor, nestes autos, é de ver reconhecida a caducidade do decreto expropriatório justamente pela conduta do INCRA, que teria se omitido e não interposto a ação desapropriatória de estilo. Porém, o Autor ingressou com a ação em face da União, tão-somente. Ora, no caso de procedência da presente ação o INCRA não estaria vinculado ao reconhecimento da caducidade do decreto, o que geraria decisões contraditórias e insegurança jurídica. Assim, há evidente litisconsórcio passivo necessário entre a União (que editou o decreto) e o INCRA (cuja inércia teria gerado a caducidade)."


A propósito, convém aduzir que nos termos do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei Complementar nº 76/93 o INCRA é o agente de implantação da reforma, com evidente interesse jurídico na manutenção do decreto expropriatório questionado; essa autarquia já figura no processo nº 1999.61.02.014978-2 como ré em ação declaratória de produtividade da "Fazenda Colômbia", objeto do decreto expropriatório.


Diante disso é de clareza solar a necessidade de integração do pólo passivo pelo INCRA, em litisconsórcio necessário.


Nesse sentido vem se manifestando o E. Superior Tribunal de Justiça:


PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO DE TERCEIRO PREJUDICADO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO. ARREMATANTE. LITISCONSORTE NECESSÁRIO. ART. 47, DO CPC. NULIDADE DO PROCESSO.
1. O terceiro prejudicado, legitimado a recorrer, cuja relação jurídica é atingida de forma reflexiva, por força do nexo de interdependência judicial (art. 499, § 1º, do CPC), é aquele que sofre um prejuízo na sua relação jurídica em razão da sentença.
2. O litisconsórcio é compulsório, vale dizer, necessário, quando a eficácia da decisão depender da citação de todos os sujeitos que sofrerão nas suas esferas jurídicas, sob pena de a sentença ser considerada inutiliter data, por isso que se o terceiro não for convocado para o processo, legitima-se à impugnação recursal, à luz do disposto no art. 499, § 1º, do CPC.
3. O arrematante é litisconsórcio necessário na ação de nulidade da arrematação, porquanto o seu direito sofrerá influência do decidido pela sentença, que nulifica o ato culminante da expropriação judicial.
4. A ação anulatória de arrematação, na jurisprudência desta Corte, reclama a participação de interessados na controvérsia (arrematante, exeqüente e executado), que ostentam manifesto interesse jurídico no resultado da demanda, cuja finalidade é desconstituir o ato judicial que favorece o ora recorrente, terceiro prejudicado. Precedentes: RMS 18184/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavaski, DJ 25/04/2005;
REsp 316441/RJ, Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 21/06/2004; REsp 116879/RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ 17/10/2005.
5. Recurso especial provido.
(REsp 927.334/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2009, DJe 06/11/2009)
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL PARA CITAÇÃO DO LITISCONSORTE. ANULAÇÃO. ART. 47, CPC.
I - Necessidade de que os candidatos nomeados no certame em decorrência da nova classificação sejam citados para integrar a lide, posto que a eventual concessão da segurança implicará necessariamente invasão da esfera jurídica destes. Litisconsórcio necessário. (Precedentes).
II - Tal aspecto decorre de imposição legal (art. 47, CPC), cuja inobservância conduz à nulidade absoluta.
Recurso ordinário parcialmente provido para, anulando-se o processo a partir das informações, determinar a intimação do impetrante a fim de que promova a citação dos litisconsortes passivos necessários.
(RMS 20780/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 09/08/2007, DJ 17/09/2007 p. 307)

Nessa direção o escólio de Theotônio Negrão, in Código de Processo Civil e legislação processual em vigor / Theotônio Negrão e José Roberto F. Gouvêa; com a colaboração de Luis Guilherme Aidar Bondioli - 40ª Ed. - São Paulo: Saraiva, 2008, págs.193/194, "in verbis":


"Art. 47:11. É nulo "ab initio" o processo em que não foi citado litisconsorte necessário (RTJ 80/611, 95/742, RSTJ 30/230, RJTJESP 113/222, RTFR312/147). E o comparecimento do litisconsorte, na fase recursal, não o convalida (RTJ 112/355, RJTJESP 127/49, RP 1/206, em. 103). Mas a falta de pedido de citação do litisconsorte passivo necessário não anula o processo, podendo ser sanada até a sentença (RJTJESP 95/201).
Se não for possível anulá-lo, por haver diversas ações cumuladas, será caso de extinção do processo, quanto à pretensão em que não interveio o litisconsorte necessário (RJTJESP 89/132).
Caracterizado o litisconsórcio necessário, impõe-se ao Tribunal anular o processo "ab initio" e ordenar a citação dos litisconsortes, mesmo de ofício, não podendo indeferi-lo" (RSTJ (89/132).
Art. 47: 14a. (...)
"Verificando o Tribunal do segundo grau de jurisdição a falta de citação dos litisconsortes passivos necessários, deve anular o feito e determinar que o juiz singular cumpra o disposto no art. 47, parágrafo único, do CPC" (Superior Tribunal de Justiça-4ª T. REsp 28.559-1-SP, Rel. Ministro Torreão Braz, j. 13.12.94, deram provimento, v.u., DJU 20.3.95, p.120)."

Resta patente e inafastável a condição de litisconsorte passiva necessária da Autarquia Federal encarregada, "ex lege", de promover a reforma agrária com o emprego de imóveis como o que foi objeto do decreto ora questionado. É que o provimento jurisdicional em análise repercute diretamente em sua esfera jurídico-material de atuação, que provém da lei.


Elucidativa, nesse aspecto, é a lição do eminente doutrinador Cândido Rangel Dinamarco sobre as implicações da não implementação do litisconsórcio necessário:


"Não implementado o litisconsórcio necessário, será nula a sentença assim proferida sem a presença das partes indispensáveis. Ainda que formalmente perfeita e estruturada de modo adequado (art. 458), ela é inválida por contaminação porque a omissão do juiz terá sido causa de nulidade de todo o processo. Ele terá descumprido o que preceitua o parágrafo do art. 47 do Código de Processo Civil e, a partir da omissão, estará comprometido tudo que houver sido feito no processo (CPC, art. 248, infra, n. 715). Essa é uma nulidade absoluta, porque não diz respeito exclusivamente ao interesse das partes no processo, mas da própria Justiça e dos terceiros omitidos (infra, n. 712); por ser absoluta, ela será conhecida pelo tribunal ao qual a causa for endereçada em eventual recurso, mesmo que nenhuma das partes a invoque ou peça a anulação da sentença"
(Instituições de Direito Processual Civil, vol. II. São Paulo:Malheiros Editores, 2003, p. 355/356). (grifo nosso)

Diante de tudo isso, deve-se ter em conta que o INCRA, que originariamente deveria ter sido posto na lide como litisconsorte passivo necessário, não pode ser tido somente como "terceiro interessado" no curso posterior do processo.


Nesse passo, imperiosa a declaração da nulidade do processo a partir da resposta da União, devendo ser promovida a citação do INCRA, na qualidade de litisconsorte passivo necessário.


Ante o exposto, rejeito a preliminar de arguição de nulidade por ausência de manifestação do Ministério Público Federal em 1º grau de jurisdição e declaro a nulidade do processo a partir da resposta da União, e determino a remessa dos autos ao juízo de origem, a fim de que, depois de promovida a citação do INCRA, seja dado regular prosseguimento ao feito, restando prejudicada a análise da apelação interposta pela União e da remessa oficial.


É o voto.



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:42
Nº de Série do Certificado: 4435CD57
Data e Hora: 13/05/2010 16:55:16