Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 14/06/2017
AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0036520-22.2014.4.03.9999/SP
2014.03.99.036520-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE : SIRLEI MARTINS ALVES BORGES
ADVOGADO : SP268908 EDMUNDO MARCIO DE PAIVA
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
PROCURADOR : SP258355 LUCAS GASPAR MUNHOZ
ADVOGADO : SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
AGRAVADA : DECISÃO DE FOLHAS
No. ORIG. : 11.00.00017-2 2 Vr OLIMPIA/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL (ART. 557, §1º, DO CPC/73). QUALIDADE DE SEGURADO DE TRABALHADOR RURAL. CÔNJUGE TRABALHADOR RURAL. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. AUXÍLI-DOENÇA. FIXAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA. AGRAVO LEGAL DO INSS PARCIALMENTE PROVIDO.
1 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
2 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência. Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
3 - Cumpre salientar que a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o deferimento dos benefícios se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia.
4 - O laudo pericial de fls. 98/99, com complemento às fls. 116 e 118, informou ser a autora "portadora de lombalgia e cervicalgia" e concluiu pela "incapacidade temporária (durante a sua crise de dor)". Em relação à data de início da incapacidade, afirmou o perito não conseguir determinar; contudo, mencionou que o primeiro exame da autora data de março de 2007.
5 - Para comprovar a qualidade de segurada, como trabalhadora rural, em regime de economia familiar, a autora apresentou os seguintes documentos: 1) certidão de casamento, lavrada em 06/04/2002, em que seu marido, Elson Medis Borges, é qualificado como "lavrador" (fl. 15); 2) cópia da CTPS de Elson, em que há registros como "trabalhador rural", em estabelecimento agrícola, entre 04/05/1992 e 03/11/2011, e no cargo de "serviços gerais" em estabelecimento agrícola, entre 01/08/2002 e 16/05/2007 (fl. 20); e 3) contrato particular de compromisso de compra e venda, datado de 04/06/2007, em que seu marido também é qualificado como "lavrador" (fl. 27).
6 - As testemunhas, Aparecida dos Santos e Claudiene Pereira dos Santos, em audiência realizada em 10/01/2012 (fl. 96), afirmaram que a autora trabalhou muito tempo na roça e que há cerca de 3 ou 4 anos havia se mudado para cidade, pois, em razão de problemas na coluna, não aguentava mais o labor rural. Também informaram que Sirlei nunca trabalhou como faxineira ou doméstica.
7 - Confirmada a condição de rurícola da autora e tendo em vista sua incapacidade, faz ela jus ao auxílio-doença, a partir da data do requerimento administrativo (30/06/2009), conforme determinado na r. decisão.
8 - No tocante à correção monetária dos valores em atraso, razão assiste ao agravante, devendo ser fixada a partir do vencimento de cada uma das prestações devidas e calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009. Os juros de mora, entretanto, foram corretamente fixados, eis que determinada a aplicação dos critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
9 - Agravo do INSS parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo legal do INSS, tão somente para determinar que a correção monetária dos valores em atraso seja fixada a partir do vencimento de cada uma das prestações devidas e calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 05 de junho de 2017.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 06/06/2017 20:19:18



AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL Nº 0036520-22.2014.4.03.9999/SP
2014.03.99.036520-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE : SIRLEI MARTINS ALVES BORGES
ADVOGADO : SP268908 EDMUNDO MARCIO DE PAIVA
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
PROCURADOR : SP258355 LUCAS GASPAR MUNHOZ
ADVOGADO : SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
AGRAVADA : DECISÃO DE FOLHAS
No. ORIG. : 11.00.00017-2 2 Vr OLIMPIA/SP

RELATÓRIO

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Trata-se de agravo legal (art. 557, §1º, do CPC/73) interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL contra a decisão monocrática proferida pelo Juiz Federal Convocado Carlos Francisco, que deu parcial provimento à apelação da parte autora, para conceder o benefício previdenciário de auxílio-doença, por tempo indeterminado, a partir da data do requerimento administrativo (30/06/2009).


Razões recursais às fls. 179/186, oportunidade em que o INSS requer a reforma da decisão sob o argumento de que a parte autora não apresenta incapacidade laborativa habitual, notadamente por ser "do lar"; bem como pelo fato de, no seu entender, não possuir qualidade de segurada, eis que não tem vínculo urbano, assim como não demonstrou a existência de vínculo rural, pois defende inexistir razoável início de prova que comprovasse o exercício dessa atividade. Impugna, finalmente, no tocante aos juros e à correção monetária, a utilização do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal. Alega que a modulação dos efeitos do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não foi observada pelo Relator.


É o relatório.


VOTO

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


A decisão ora recorrida encontra-se fundamentada nos seguintes termos:


"Trata-se de ação que busca a concessão de aposentadoria por invalidez em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Com processamento regular, foi proferida sentença de mérito pela improcedência do pedido (fls. 137/141).
Inconformada, a parte autora apelou requerendo a reforma do julgado (fls. 145/163).
Com contrarrazões (fls. 171/172), subiram os autos a este Tribunal.
Decido.
Verifico que o presente caso contém os elementos que permitem a aplicação do disposto no art. 557 do Código de Processo Civil, extensível à eventual remessa oficial, conforme a Súmula 253 do C. STJ.
Inicialmente, não há se falar em cerceamento de defesa por não ter sido o laudo elaborado por médico ortopedista. A perícia foi realizada por profissional da confiança do juízo, trazendo elementos suficientes para verificação da existência ou não do tipo de patologia alegada pela periciada e a consequente invalidez.
Em vista da legislação vigente na data em que são reunidos os requisitos materiais e formais para a concessão de benefícios previdenciários, e para o que interessa a este feito, a aposentadoria por invalidez está prevista nos arts. 42 a 47, ao passo em que o auxílio-doença está contido nos arts. 59 a 63, todos da Lei 8.213/1991.
Por força desses preceitos normativos, a concessão da aposentadoria por invalidez depende, cumulativamente, da comprovação: a) da incapacidade total e permanente para o trabalho; b) de doença ou lesão posterior ao ingresso do requerente como segurado ou, se anterior, se a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão; c) da carência de 12 contribuições (observadas as exceções legais), estando ou não a pessoa no gozo do auxílio-doença; d) da condição de segurado (obrigatório ou facultativo) da Previdência Pública do trabalhador no momento do surgimento da incapacidade.
Tanto quanto a aposentadoria por invalidez, o auxílio-doença é benefício previdenciário substitutivo do trabalho, motivo pelo qual ambos têm requisitos semelhantes. A diferença é que concessão de auxílio-doença se dá em casos nos quais o trabalhador pode ser recuperado ou readaptado (reabilitado) para o trabalho, e, por isso, a incapacidade laboral pode ser parcial e permanente ou total e temporária, perdurando enquanto houver doença incapacitante. Por isso, é necessário flexibilizar a análise do pedido em ações judiciais a propósito desses temas, de modo que é possível conceder aposentadoria por invalidez se o pedido foi de auxílio-doença (com fundamento especialmente na celeridade e otimização da prestação jurisdicional que decorrem da duração razoável do processo) bem como é possível conceder auxílio-doença se requerida aposentadoria por invalidez (não só porque pelo argumento a maiori, ad minus, mas também pela economicidade e pela eficiência que orientam a atuação estatal), mesmo porque restam preservados a ampla defesa e o contraditório nessa flexibilização.
É verdade que haverá incapacidade total e permanente se o trabalhador for insuscetível de reabilitação para atividade que lhe garanta a subsistência segundo suas qualificações profissionais, idade e demais elementos que se inserem em seu contexto. Por tudo isso é essencial a realização de parecer ou perícia médica que viabilize a aferição, no caso concreto, de deficiência do trabalhador para atividades que possam prover seu sustento.
Diante do sistema solidário que deriva da construção jurídica da seguridade social brasileira, o cumprimento da carência e a condição de segurado são também requisitos relevantes, porque exibem o comprometimento do trabalhador com a manutenção financeira dos benefícios pecuniários pagos pelo INSS. Por isso, a incapacidade laborativa não pode existir antes do ingresso no sistema de seguridade, sob pena de ofensa tanto à solidariedade quanto à própria igualdade (na medida em que não só a necessidade pessoal deve mover o trabalhador a contribuir para as reservas que financiam o seguro social).
Embora exigindo em regra apenas 12 contribuições (art. 24 e art. 25, I, da Lei 8.213/1991), a carência por certo é dispensável nas hipóteses do art. 26, II, da mesma Lei 8.213/1991, que prevê inexigência em casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social (e suas atualizações), de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado. Até que seja elaborada a lista de doenças referidas, o art. 151 da Lei 8.213/1991 dispensa de carência a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa; hanseníase; alienação mental; neoplasia maligna; cegueira; paralisia irreversível e incapacitante; cardiopatia grave; doença de Parkinson; espondiloartrose anquilosante; nefropatia grave; estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); síndrome da deficiência imunológica adquirida-Aids; e contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada. O art. 11, VII, o art. 26, III, e o art. 39, I, todos da Lei 8.213/1991 também dispensam de carência aqueles que se caracterizam como segurados especiais nas formas de "pequenos produtores" ou "pescadores artesanais" ou que inserem no denominado "regime de economia familiar".
Enquanto se verificar o trabalho e as contribuições, haverá condição de segurado do Regime Geral, exigência que estimula a permanência do trabalhador no sistema solidário da seguridade. Contudo, em regra, cessado o trabalho e as contribuições, há a perda da condição de segurado no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos previstos no art. 15 da Lei 8.213/1991. Antes disso se dá o chamado "período de graça" porque até então ficam mantidos a filiação e conseqüentes direitos perante a Previdência Social (note-se, por prazo indeterminado para quem está no gozo de benefícios conforme art. 15, I da Lei 8.213/1991), tudo extensível ao trabalhador doméstico por força do art. 63 da Lei Complementar 150/2015. É claro que será mantida a condição de segurado (mesmo além dos prazos do art. 15 da Lei 8.213/1991) se houver demonstração clara de que a incapacidade laboral o impediu a continuidade ou o retorno tempestivo ao trabalho.
Nos termos do art. 24, parágrafo único, da Lei 8.213/1991, havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
A propósito das provas da carência e da condição de segurado, por certo servem para tanto a carteira de trabalho, carnês ou guias de recolhimento de contribuições previdenciárias e demais meios de prova, especialmente as indicações do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) mantido pelo próprio INSS (e, por isso, dotado de presunção relativa de veracidade e de validade). Contudo, o trabalhador (rural ou urbano) também poderá demonstrar esses elementos por prova testemunhal fortalecida por início de prova documental, com amparo na Súmula 149 do E.STJ.
Presentes os requisitos, em regra, o termo inicial do benefício é o momento no qual o mesmo é reclamado junto ao INSS pelas vias próprias, quais sejam, a data do requerimento administrativo (se houver) ou a data da citação (dos dois, a anterior), conforme decidido pelo E.STJ no RESP 1369165, Primeira Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 26/02/2014, submetido à sistemática dos recursos repetitivos. Somente em casos de atraso na citação imputado ao Poder Judiciário é que aplica a Súmula 106 do E.STJ, quando a data da distribuição da ação judicial é o termo inicial. Dentre outros momentos que, por exceção, podem ser definidos como termo inicial estão a data da incapacidade (quando superveniente ao requerimento administrativo ou à citação/ajuizamento), caso no qual caberá ao laudo pericial a exata definição do momento a partir de sua análise concreta. É também pertinente também fixar a data da indevida cessação em caso de restabelecimento de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez. Importante observar que o termo inicial do benefício (momento no qual é concedido, independentemente da data do primeiro pagamento) é também referência para a definição dos critérios legais aplicáveis ao cálculo do benefício.
Após a concessão, há outra diferença relevante entre esses benefícios por incapacidade, uma vez que a aposentadoria por invalidez é paga por tempo indeterminado (por conta da permanente incapacidade, embora novos procedimentos científicos possam ensejar a recuperação da capacidade laboral) e o auxílio-doença pode ser pago por tempo indeterminado ou determinado (dependendo da incapacidade e possibilidade de recuperação ou readaptação do segurado). Por isso, esses benefícios permitem análises periódicas por parte das autoridades administrativas, bem como a delimitação temporal em certas circunstâncias do auxílio-doença.
No caso dos autos, a sentença julgou improcedente o pedido, ao considerar ausente o requisito incapacidade total para o trabalho.
Apela a parte autora alegando, preliminarmente, cerceamento de defesa por não ter sido o laudo realizado por médico ortopedista (aspecto já analisado). No mérito, requer a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, com fixação dos honorários em 15% do valor da condenação.
Realizada perícia em 05/06/2012, constatou-se que a parte autora é portadora de "lombalgia e cervicalgia", considerando ser a incapacidade temporária e relativa (fls. 98/99). Ao prestar esclarecimentos sobre o laudo, atestou o expert do juízo que "a paciente apresenta invalidez temporária (durante a sua crise de dor) e que tem capacidade para exercer suas atividades do lar sim, já que segundo a mesma declarou cuida de sua filha acamada e faz serviços de casa" (fls. 116).
Ao ser inquirido acerca da data de início da incapacidade, respondeu o perito: "não consegui determinar a data de início, mas seu primeiro exame data de março de 2007" (o benefício foi pleiteado perante o INSS em 30/06/2009, fls. 24), consignou ainda que a doença não é irreversível, sendo plenamente possível a reabilitação.
Observando o histórico da parte autora, nota-se que tem 47 anos de idade (porque nasceu em 21/06/1968, fls. 16), estudou até o primeiro ano do ensino básico e trabalhou preponderantemente em atividades rurais que exigem esforço físico como rurícola. Por isso, a rigor, sua incapacidade revela-se total e temporária, uma vez que é crível que possa ser recuperada ou reabilitada para outras atividades laborais dentro de seu quadro de saúde contextualizado com seu histórico de vida.
Com relação à carência e à condição de segurado, não há indicação de trabalho no CNIS da parte autora, mas os autos trazem início de prova documental (certidão de casamento e contrato particular de compromisso de compra e venda, nos quais consta a profissão do cônjuge da parte autora como "lavrador" - fls. 15 e 27), reforçada por testemunhos (fls. 96), indicando trabalho na área rural até o ano de 2008/2009.
Assim, reunidos os requisitos legais, deve ser concedido auxílio-doença em favor da parte autora, devido por tempo indeterminado a partir da data do requerimento administrativo - 30/06/2009 (fls. 24) e calculada conforme critérios vigentes também nesse momento, não sendo devido o acréscimo de 25% de que trata o art. 45 da Lei 8.213/1991.
No tocante aos juros e à correção monetária, observada a prescrição quinquenal, devem ser aplicados os critérios do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
É obrigatória a dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado, ao mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei (art. 124 da Lei 8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei 8.742/1993, em suas novas redações).
Do exposto, nos termos do art. 557 do CPC, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação para conceder auxílio-doença em favor da parte autora, devida por tempo indeterminado a partir da data do requerimento administrativo - 30/06/2009 (fls. 24) e calculada conforme critérios vigentes também nesse momento, não sendo devido o acréscimo de 25% de que trata o art. 45 da Lei 8.213/1991.
Observado o prazo prescricional, os valores em atraso deverão ser acrescidos nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, devendo ser deduzidos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assinalado (ao mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei).
Fixo honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, observada a Súmula 111 do STJ, devidos pelo INSS porque a parte-autora sucumbiu em parcela ínfima.
O INSS é isento de custas nos feitos que tramitam pela Justiça Federal (art. 4º, I e parágrafo único, da Lei 9.289/1996), bem como nos feitos que foram processados perante nos foros do Estado de São Paulo (art. 1º, § 1º, da Lei Federal 9.289/1996, combinado com o art. 6º da Lei Estadual 11.608/2003), mas são devidas custas em processos oriundos do Estado do Mato Grosso do Sul (art. 1º, § 1º, da Lei Federal 9.289/1996, combinado com o art. 24, §§ 1º e 2º da Lei Estadual 3.779/2009 (não sendo o caso de feitos que tramitaram com gratuidade). A autarquia também arcará com as demais despesas do processo.
Ante a natureza alimentar da prestação, oficie-se ao INSS com cópia dos documentos necessários, para que sejam adotadas medidas para a imediata implantação do benefício, independentemente de trânsito em julgado.
Respeitadas as cautelas legais, tornem os autos à origem.
Dê-se ciência."

A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.


Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.


Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).


Cumpre salientar que a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o deferimento dos benefícios se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia.


In casu, o laudo pericial de fls. 98/99, com complemento às fls. 116 e 118, informou ser a autora "portadora de lombalgia e cervicalgia" e concluiu pela "incapacidade temporária (durante a sua crise de dor)". Em relação à data de início da incapacidade, afirmou o perito não conseguir determinar; contudo, mencionou que o primeiro exame da autora data de março de 2007.


Para comprovar a qualidade de segurada, como trabalhadora rural, em regime de economia familiar, a autora apresentou os seguintes documentos: 1) certidão de casamento, lavrada em 06/04/2002, em que seu marido, Elson Medis Borges, é qualificado como "lavrador" (fl. 15); 2) cópia da CTPS de Elson, em que há registros como "trabalhador rural", em estabelecimento agrícola, entre 04/05/1992 e 03/11/2011, e no cargo de "serviços gerais" em estabelecimento agrícola, entre 01/08/2002 e 16/05/2007 (fl. 20); e 3) contrato particular de compromisso de compra e venda, datado de 04/06/2007, em que seu marido também é qualificado como "lavrador" (fl. 27).


As testemunhas, Aparecida dos Santos e Claudiene Pereira dos Santos, em audiência realizada em 10/01/2012 (fl. 96), afirmaram que a autora trabalhou muito tempo na roça e que há cerca de 3 ou 4 anos havia se mudado para cidade, pois, em razão de problemas na coluna, não aguentava mais o labor rural. Também informaram que Sirlei nunca trabalhou como faxineira ou doméstica.


Em se tratando de trabalhador rural, não é necessário o cumprimento de carência. Entretanto, é necessário comprovar o exercício de atividade rural no período que antecede o evento que causou a incapacidade, seja ela parcial ou definitiva. Neste sentido:


"PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - TRABALHADOR RURAL - COMPROVAÇÃO - CARÊNCIA - DESNECESSIDADE. A comprovação da qualidade de trabalhador rural, através de robusta prova documental, enseja a concessão do benefício previdenciário, não sendo necessário o cumprimento do período mínimo de carência, a teor dos arts. 26, III e 39, I, da Lei 8.213/91. Recurso não conhecido." (REsp 194.716 SP, Min. Jorge Scartezzini).

"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SEGURADO PORTADOR DE MIOCARDIOPATIA CHAGÁSICA COM ARRITMIA VENTRICULAR. INCAPACIDADE EVIDENCIADA QUANDO DA CESSAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO NA DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. IRRELEVÂNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO NO MOMENTO DO SURGIMENTO DA INCAPACIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. A posterior perda da qualidade de segurado especial, no presente caso, não deve interferir no reconhecimento do direito ao benefício auxílio-doença, pois incontroverso nos autos que o segurado possuía a qualidade de segurado à época do surgimento da incapacidade para o trabalho.
2. Recurso especial conhecido e provido, para reconhecer ao recorrente o direito ao auxílio-doença, a partir do requerimento administrativo, o qual poderá ser convertido em aposentadoria por invalidez, quando das avaliações periódicas de acompanhamento da incapacidade por parte da Autarquia previdenciária. Condeno, ainda, o INSS no pagamento do ônus sucumbencial, fixando os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação." (REsp 1405173/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/05/2014, DJe 26/05/2014).

"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO. COMPROVAÇÃO POR INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. DESPROVIMENTO. 1. Restou comprovada a qualidade de segurado rural do autor, uma vez que foi apresentado início de prova material suficiente, corroborado por testemunhas, que confirmaram que, desde que o conhecem, o autor trabalha na roça. 2. Tendo em vista as patologias apresentadas pela parte autora, aliadas à sua idade, ao seu grau de instrução e sua atividade habitual, é de se concluir que faz jus à aposentadoria por invalidez. 3. Recurso desprovido." (TRF 3ª Região, Décima Turma, AC/Reex nº 0042286-95.2010.4.03.9999/SP, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, e-DJF3 Judicial 1: 29/09/2013).

Cumpre ressaltar que o art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça:


"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".

No entanto, não há necessidade de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se pretende reconhecer. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:


"AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS. 1. (...). 3. Não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em que foi constituído o documento.(...)"
(APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO nº 0008835-06.2015.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Paulo Domingues, j. 30/11/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/12/2015 - grifos nossos).
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DE TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ALTERAÇÃO DO JULGADO. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (...) 2) não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de carência estabelecido pelo artigo 143 da Lei 8.213/1991, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória. (...)"
(AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014 - grifos nossos).

Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.


Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.


Dessa forma, confirmada a condição de rurícola da autora e tendo em vista sua incapacidade, faz ela jus ao auxílio-doença, a partir da data do requerimento administrativo (30/06/2009), conforme determinado na r. decisão impugnada.


No tocante à correção monetária dos valores em atraso, razão assiste ao agravante, devendo ser fixada a partir do vencimento de cada uma das prestações devidas e calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009.


Os juros de mora, entretanto, foram corretamente fixados, eis que determinada a aplicação dos critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.


Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo legal do INSS, tão somente para determinar que a correção monetária dos valores em atraso seja fixada a partir do vencimento de cada uma das prestações devidas e calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009.


É como voto.


CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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