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EMENTA
2 - A materialidade é comprovada pela divulgação de imagens e textos de conteúdo racista e nazista, contendo às escâncaras a cruz suástica, disponibilizados no perfil criado pelo réu da extinta rede social Orkut (conforme declarou) e no site de compartilhamento de vídeos "You Tube", cuja essência é a divulgação indiscriminada, de alcance de milhões de internautas, de todas as suas publicações.
3 - A autoria e o dolo são induvidosos. Em todos os momentos em que foi ouvido, o réu confirmou que divulgava sua idelologia pela anti-miscigenação, superioridade da raça branca e apreço pelo nazismo ou partido nacionalista, atribuindo sua conduta à livre manifestação de pensamento.
4 - As justificativas do réu, nem de longe, são capazes de configurar erro de proibição ou ausência de dolo como pretende a defesa. Ao contrário, o réu estava absolutamente consciente de que a divulgação de tais idéias era ilícita.
5 - Vale ainda observar que o réu declarou ser estudante de História e pela desenvoltura de sua autodefesa, percebe-se, claramente, que se trata de pessoa de cultura relativamente satisfatória, plenamente capaz de entender o conteúdo e a gravidade do que estava publicando.
6 - Quanto à dosimetria, verifrica-se que o caput do mencionado artigo diz que é crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, tendo sua pena majorada quando for praticado por intermédio dos meios de comunicação social (§2º), como foi o caso. Já o §1º diz que é crime fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
7 - Com efeito, o nazismo, resumidamente e no que nos interessa, era, ou é, um movimento que propagava a ideia da superioridade e pureza da raça ariana (povos europeus de etnia branca-caucasiana descendentes do antigo povo ariano), e dessa forma traz consigo, implicitamente, a bandeira do preconceito contra a raça, cor, etnia ou procedência.
8 - De outro lado, não há dúvidas de que o réu publicava por meio do "You Tube" ou "Orkut" com acesso ilimitado a quem quer que fosse, símbolos nazistas, os quais, conjugados aos textos que postava, demonstra clara intenção de difundir o nazismo.
9 - Dessa forma, embora numa análise simplista o nazismo induza ou incite a discriminação ou preconceito de raça, não há como ignorar que de fato o réu também veiculou a cruz suástica para fins de divulgação dessa ideologia.
10 - Não é o caso, assim, de se aplicar o concurso material de crimes, mas sim a regra do concurso formal, previsto no artigo 70, primeira parte, do Código Penal.
11 - Com efeito, o réu, mediante uma única ação (divulgação de textos e imagens) e nas mesmas condições de tempo e lugar (rede mundial de computadores), praticou dois crimes distintos - crime contra a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional, bem como a distribuição ou veiculação de símbolos nazistas.
12 - Ressalta-se que os crimes em questão, embora distintos, ocorreram simultaneamente. Aliás, não se sabe se pelo preconceito contra os negros e homossexuais é que se chegou à admiração pelo nazismo e consequentemente à veiculação da suástica e outros símbolos, ou ao contrário, visto que a discriminação se confunde com as premissas do regime nazista, que levaram o réu a publicar seus símbolos como forma de divulgá-lo.
13 - Assim, no caso dos autos, a sentença deve ser parcialmente reforma, devendo o réu ser condenado pela prática do artigo 20, caput, c/c §1º, e §2º, todos da Lei 7.716/89, c/c artigo 70, primeira parte, do Código Penal.
14 - Mantidas as penas base no mínimo legal. Apesar de se reconhecer a atenuante da confissão, as penas não podem ser reduzidas , nos termos da Súmula 231 do STJ. Ausentes agravantes. Na terceira fase, diante da causa de aumento prevista no artigo 70, primeira parte, do Código Penal, sendo as penas idênticas, aumenta-se a pena de uma delas na fração de 1/6, restando definitivamente fixada em 02 anos e 04 meses de reclusão e 11 dias multa no valor unitário mínimo.
15 - O regime inicial de cumprimento da pena foi estipulado no aberto e assim deve ser mantido.
16 - As penas substitutivas também devem ser mantidas, porque adequadas às condutas ilícitas e aplicadas nos termos da Lei, devendo, porém, serem adequadas ao tempo da pena privativa de liberdade doravante cominada.
17 - Por fim, o requerimento da defesa para que a pena do réu seja fixada "aquém" do mínimo legal não tem respaldo jurídico. Ademais, a conduta do réu está longe de ser pouco reprovável, conforme alegou.
18 - Apelação improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, e, de ofício, redimensionar a pena de VITOR KALAF pela prática dos crimes previstos nos artigos 20, caput, c/c §§1º e 2º , da Lei 7.716/89, pelo reconhecimento do concurso formal de crimes, resultando numa pena final de 02 anos e 04 meses de reclusão em regime aberto e 11 dias multa no valor unitário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
A EXMA DRA DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO: Trata-se de apelação criminal interposta por VITOR KALAF, em face da r.sentença de fls. 312/323 (publicada em 08/09/2014), que o condenou, em concurso material, pela prática dos crimes previstos no artigo 20, caput, c/c §2º, da Lei nº 7.716/1989 e artigo 20, §1º, da Lei nº 7.716/1989, às penas de 04 anos de reclusão, em regime aberto, e 20 dias-multa, no valor unitário mínimo. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade, a ser executado na Casa da Criança Paralítica de Campinas e prestação pecuniária equivalente a 03 (três) salários mínimos, que deverá ser paga em prestações iguais e sucessivas ao Instituto Campineiro dos Cegos Trabalhadores.
Narra a denúncia (recebida em 15/04/2013 - fls. 276) que, no dia 18/01/2011, na Rua Alfredo Grotta Junior, 926, Parque Fazendinha, na cidade de Campinas/SP, policiais federais, em cumprimento ao mandado de busca e apreensão nº 81/2010, apreenderam, no quarto de VITOR KALAF, diversos materiais, tais como HDs, medalhas, cartões postais e quadros, os quais espelhavam a prática, indução ou incitação à discriminação de raça, cor e etnia, através da veiculação deste material por intermédio de meios de comunicação.
Dos sítios da rede mundial de computadores "You Tube" e "Orkut" foram colacionadas inúmeras postagens de vídeos, as quais versavam basicamente sobre uma pretensa pureza racial branca, mensagens de texto segracionista, argumentos de defesa em prol do Partido Nacional Socialista Alemão e mensagens de conteúdo fortemente anti-semita.
Consta, ainda, que VITOR KALAF foi o criador do endereço de e-mail "nssp_magazine@hotmail.com" e, valendo-se dele, criou o perfil "Zoroastra 1488", com o qual divulgou textos e mensagens de cunho racista referentes aos negros, mulatos e judeus, no site "http://www.stormfront.org" (autos n 0016766-15.2008.403.6181). O denunciado utilizou referido sítio para divulgar informativos por ele criados e denominados "Nacional Socialista SP", de conteúdo anti-semita e contendo apologia à superioridade da raça ariana.
Nas razões de apelação, a defesa requer a absolvição do réu, por ausência de dolo, uma vez que acreditava estar agindo sob a égide da livre manifestação do pensamento. Com base nisso, protesta pela atipicidade da conduta ou o reconhecimento do erro de proibição. Subsidiariamente, requer seja reconhecida a conduta social irreprovável do réu, fixando-lhe a pena aquém do mínimo legal (fls. 326/328).
Contrarrazões apresentadas regularmente (fls. 331/335).
Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 338/340).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL DRA CECILIA MELLO: Segundo consta, por meio de denúncias anônimas (Digi Denúncia) provenientes da cidade de Campinas/SP à Procuradoria da República do Estado de São Paulo, o usuário dos meios de comunicação virtual identificado como VITOR KALAF foi acusado de condenar abertarmente o sionismo e a miscigenação, exaltando a figura de Adolph Hitler, através da rede de relacionamento "Orkut" e do site "You Tube" (fls. 05/07).
Após discussão acerca da competência para a apuração dos fatos (fls. 12/88), foi autorizada judicialmente a quebra do sigilo de dados telemáticos (fls. 15/16 e 93), tendo a empresa Google Brasil Internet Ltda informado que o usuário "manowar1488", que havia postado os vídeos http://br.youtube.com/watch?v=MBOHjSwi878 e http://br.youtube.com/watch?v=DGOjaREb-yo enviados para análise, havia sido criado em 25/03/2007, às 05h44min, sendo o e-mail do registro "vikinglory@uol.com.br" (fls.95/98).
A empresa UOL-Universo Online, por sua vez, informou que referido login pertencia a VITOR KALAF, endereço Rua Alfredo Grotta Junior, 926, Campinas/SP, cujo cadastro se deu em 26/04/2003, estando com sua situação "ativa" (fls. 147).
Prosseguindo nas investigações, expedido mandado de busca e apreensão domiciliar no endereço constante do cadastro de VITOR KALAF (fls. 12/13, 23/27, foram apreendidos diversos equipamentos eletrônicos (fls. 124/130), sendo os mesmos submetidos à perícia.
Constatou-se, também, a existência de um fórum especificamente direcionado à divulgação de uma publicação brasileira de caráter nazista hospedado no site virtual "http://www.stormfront.org". Trata-se de um informativo ou "zine" destinado à propagação dos "verdadeiros ideais nacionais socialistas", contendo as publicações textos de Hitler, e outros, com manifestação racista em relação aos negros, mulatos e judeus.
Referido informativo era divulgado por um usuário cadastrado no mencionado site virtual como "Zoroastra 1488", sendo o material publicado assinado constantemente pelo pseudônimo "NS" (fls. 15/53/Apenso/Vol 1).
Ao final de cada informativo, divulgava-se o e-mail utilizado para contato com os editores, a saber, "nssp_magazine@hotmail.com".
Decretada judicialmente a quebra do sigilo dos dados telemáticos do email "nssp_magazine@hotmail.com" (fls. 58/102 - apenso I), constatou-se que o telefone utilizado para conexão era pertencente a William Kalaf (pai do réu - fls. 248), e possuía o endereço situado na Rua Alfredo Grotta Junior, 926, Campinas/SP.
O laudo de fls. 171/181, ao analisar duas mídias ópticas apreendidas do tipo CD-R, concluiu:
Insta salientar, que um dos nomes dos arquivos analisados era um vídeo DGOjaREb-yo(0184_09)\v=DGOjaREb-yo.flv, o mesmo que a empresa Google informou ter sido postado por "manowar1488", cujo e-mail do registro era "vikinglory@uol.com.br" (fls.95/98).
O laudo de fls. 221/225, ao analisar um dos discos rígidos apreendido, encontrou diversos arquivos com referência ao preconceito de raça, cor, etc,., bem como a veiculação da cruz suástica, entre eles, uma imagem com a bandeira nazista, uma imagem com um gorila carregando em seus ombros uma mulher branca com o título "DESPERTE HOMEM BRANCO...OU ACEITA ISTO:", e uma foto jornalística de pano de fundo noticiando que negros invadiram área rural de brancos no Zimbabue e estavam impedindo uma mulher de deixar sua casa, estando sobrepostos sobre tal foto os dizeres: "Hoje é uma família branca no Zimbabue: Amanhã pode ser a SUA FAMÍLIA. ESTUPRO ASSASSINATO TORTURA ROUBO. DOMÍNIO JUDAICO + animais negros=genocídio branco. APRENDA ISSO RÁPIDO, homem branco. Negróides são o sintoma: judeus são a doença."
Referido laudo concluiu ao final que na mídia foi encontrado o software uTorrent que permite o compartilhamento de arquivos, mas não foram encontrados vestígios de que o mesmo havia sido utilizado para o compartilhamento dos arquivos selecionados, havendo, ainda um único usuário, de nome "Vitor K", cadastrado no computador examinado.
O laudo de fls. 227/231, também encontrou imagens de cunho nazista e a cruz suástica armazenadas em outro disco rígido apreendido.
No quarto do réu, foram também encontrados 03 medalhas com a forma de suástica, 06 cartões postais com a fotografia de Adolf Hitler, 02 quadros - um deles com a foto de Adolf Hitler e o outro com vários selos (fls. 23/27 - Apenso/Vol 1).
Em sede policial, o réu declarou que era estudante de história e colecionava materiais diversos relacionaos com hitlerismo e questão judaica, mantendo tais arquivos em seu computador. Criou o usuário "manowar1488", para postar vídeos no "you tube", acreditando que também os tenha vinculado em página do "Orkut". Os vídeos que divulgou falavam de orgulho da raça branca. Afirmou, também, que criou o usuário vikinglory@uol.com.br, tendo por meio deste postado, via aplivativo uTorrent, os vídeos "orgulho branco ganhandoforçaspelomundo!.avi", "valorizacaodascriancasmulheresarianas.avi". Criou, ainda, o endereço nssp_magazine@hotmail.com, pelo qual recebia arquivos relacionados com o tema "histórico do hitlerismo", acessando tal email periodicamente para verificar os arquivos quel lhe eram enviados. Esclareceu que não foi o criador do tópico "Zoroastra1488" do site http://stormfront.org, mas que forneceu o e-mail "nssp_magazine@hotmail.com" para a pessoa que o criou. Disse que os arquivos referentes ao "hitlerismo" encontrados no computador que foi apreendido em sua casa eram, parte, recebidos pelo e-mail nssp_magazine@hotmail.com, e parte obtidos por dowloads que fazia de sites abertos na internet. Por fim, declarou que nos Estados Unidos, onde se situam alguns provedores de sites que acessou, se permite a divulgação de vídeos, textos e imagens com apologia ao hitlerismo (fls. 244/245).
Em juízo, declarou (transcrição do depoimento obtida da sentença - fls. 319) - fls. 298:
Expostas as provas, a materialidade, autoria e dolo estão sobejamente comprovados.
A materialidade é comprovada pela divulgação de imagens e textos de conteúdo racista e nazista, contendo às escâncaras a cruz suástica, disponibilizados no perfil criado pelo réu da extinta rede social Orkut (conforme declarou) e no site de compartilhamento de vídeos "You Tube", cuja essência é a divulgação indiscriminada, de alcance de milhões de internautas, de todas as suas publicações.
A autoria e o dolo são induvidosos.
Em todos os momentos em que foi ouvido, VITOR confirmou que divulgava sua idelologia pela anti-miscigenação, superioridade da raça branca e apreço pelo nazismo ou partido nacionalista, atribuindo sua conduta à livre manifestação de pensamento.
Ora, não é possível impedir o pensamento de uma pessoa, mas é possível proibir que tais pensamentos sejam divulgados.
Assim, o réu até pode acreditar na ideologia nazista, na superioridade branca e inferioridade negra - embora crenças absolutamente desprezíveis do ponto de vista político, social e humano - , mas isso não lhe confere, em hipótese alguma, o direito de propagar tais pensamentos.
Noutro giro, as justificativas do réu, nem de longe, são capazes de configurar erro de proibição ou ausência de dolo como pretende a defesa.
Ao contrário, o réu estava absolutamente consciente de que a divulgação de tais idéias era ilícita, tanto que basta uma simples leitura no manual do Partido Nacional Socialista Brasileiro constante às fls. 20/46 /Apenso IV, para se notar que o réu seguia as condutas de seus adeptos nele recomendadas. Uma delas é o fato dos logins de acesso "manowar1488" e "zoroatra1488" conterem o número "88", conforme sugere o manual (símbolo da Resistência Nacional-Socialista de caráter internacional, que faz remição à oitava letra do alfabeto (H) e referência a Adolf Hitler - "Heil Hitler" (fls. 25/apenso IV).
Ressalto que em tal código de conduta, entre outras perguntas e respostas, consta o seguinte:
Ademais, o fato de ter criado um email cujo nome faz clara alusão a um suposto Partido Nacional Socialista (nssp_magazine@hotmail.com), criado o perfil "Zoroastra 1488" e ter divulgado textos e mensagens de cunho racista referentes aos negros, mulatos e judeus, no site "http://www.stormfront.org" (conforme consta das sugestões do Manual do Partido Nacioanal-Socialista, no item Leis do Lobo Solitário - fls. 41/Apenso IV), percebe-se que o réu tinha consciência de que alguns arquivos e textos que possuía não poderiam ser enviados indistintamente por questão de segurança.
Ressalto que na mencionada "Leis do Lobo Solitário", cujo princípio básico é o anonimato por questões de segurança pessoal e de todos os "camaradas", há diversas instruções de procedimentos no caso de uma abordagem policial (ou não), ou como não deixar vestígios das atividades desempenhadas, notadamente, a forma de armazenamento de arquivos e divulgação de suas idéias (fls. 37/42/Apenso IV).
Sobre o perfil "Zoroastro 1488", as justificativas de que não o criou, sendo responsável pela criação apenas do email, não se sustentam. Primeiro porque isso nada o isenta da culpa, pois, no mínimo, configuraria dolo eventual, segundo porque as conexões de acesso ao site http://stormfront.org, no qual houve divulgação por meio do email nssp_magazine@hotmail.com de informativos contendo traduções de textos de Hitler, partiram do telefone situado no endereço do réu (fls. 86/102)
Vale ainda observar que o réu declarou ser estudante de História e pela desenvoltura de sua autodefesa, percebe-se, claramente, que se trata de pessoa de cultura relativamente satisfatória, plenamente capaz de entender o conteúdo e a gravidade do que estava publicando.
Comprovadas a materialidade, autoria e o dolo, resta saber se as condutas apuradas podem ser reconhecidas em concurso material.
Penso que não.
O artigo 20 da Lei n.º 7.716 , de 5 de janeiro de 1989, assim dispõe:
"Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:
I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; (Lei 12.735/2012)
III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores.
§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido."
O caput do mencionado artigo diz que é crime praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, tendo sua pena majorada quando for praticado por intermédio dos meios de comunicação social (§2º), como foi o caso.
Já o §1º diz que é crime fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
Com efeito, o nazismo, resumidamente e no que nos interessa, era, ou é, um movimento que propagava a ideia da superioridade e pureza da raça ariana (povos europeus de etnia branca-caucasiana descendentes do antigo povo ariano), e dessa forma traz consigo, implicitamente, a bandeira do preconceito contra a raça, cor, etnia ou procedência.
De outro lado, não há dúvidas de que o réu publicava por meio do "You Tube" ou "Orkut" com acesso ilimitado a quem quer que fosse, símbolos nazistas, os quais, conjugados aos textos que postava, demonstra clara intenção de difundir o nazismo.
Dessa forma, embora numa análise simplista o nazismo induza ou incite a discriminação ou preconceito de raça, não há como ignorar que de fato o réu também veiculou a cruz suástica para fins de divulgação dessa ideologia.
Entendo, porém, que não é o caso de se aplicar o concurso material de crimes, mas sim a regra do concurso formal, previsto no artigo 70, primeira parte, do Código Penal.
Com efeito, o réu, mediante uma única ação (divulgação de textos e imagens) e nas mesmas condições de tempo e lugar (rede mundial de computadores), praticou dois crimes distintos - crime contra a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência nacional, bem como a distribuição ou veiculação de símbolos nazistas.
Ressalto que os crimes em questão, embora distintos, ocorreram simultaneamente. Aliás, não se sabe se pelo preconceito contra os negros e homossexuais é que se chegou à admiração pelo nazismo e consequentemente à veiculação da suástica e outros símbolos, ou ao contrário, visto que a discriminação se confunde com as premissas do regime nazista, que levaram o réu a publicar seus símbolos como forma de divulgá-lo.
Assim, no caso dos autos, a meu ver, a sentença deve ser parcialmente reforma, devendo o réu ser condenado pela prática do artigo 20, caput, c/c §1º, e §2º, todos da Lei 7.716/89, c/c artigo 70, primeira parte, do Código Penal.
Nesse sentido já decidiu essa E. Turma:
Passo, então, à análise da pena.
Na r.sentença, tanto para o crime do artigo 20, caput, §2º da Lei 7.716/89, quanto para o artigo 20, §1º, da mesma Lei, o réu foi condenado no mínimo legal, ou seja, em 02 anos de reclusão e 10 dias multa para cada crime, não havendo o que reformar.
Não foram consideradas agravantes, e apesar de reconhecer, de ofício, a atenuante da confissão, as penas não podem ser reduzidas abaixo do mínimo legal, nos termos da Súmula 231 do STJ.
Na terceira fase, diante da causa de aumento prevista no artigo 70, primeira parte, do Código Penal, sendo as penas idênticas, aumento a pena de uma delas na fração de 1/6, restando definitivamente fixada em 02 anos e 04 meses de reclusão e 11 dias multa no valor unitário mínimo.
O regime inicial de cumprimento da pena foi estipulado no aberto e assim deve ser mantido.
As penas substitutivas também devem ser mantidas, porque adequadas às condutas ilícitas e aplicadas nos termos da Lei, devendo, porém, serem adequadas ao tempo da pena privativa de liberdade doravante cominada.
Por fim, o requerimento da defesa para que a pena do réu seja fixada "aquém" do mínimo legal não tem respaldo jurídico. Ademais, a conduta do réu está longe de ser pouco reprovável, conforme alegou.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso, e, de ofício, redimensiono a pena de VITOR KALAF pela prática dos crimes previstos nos artigos 20, caput, c/c §§1º e 2º , da Lei 7.716/89, pelo reconhecimento formal de crimes, resultando numa pena final de 02 anos e 04 meses de reclusão em regime aberto e 11 dias multa no valor unitário mínimo.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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