D.E. Publicado em 29/06/2016 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar a matéria preliminar e negar provimento à APELAÇÃO da UNIÃO FEDERAL e dar provimento à REMESSA OFICIAL dada como interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042 |
Nº de Série do Certificado: | 172FB228704EFD |
Data e Hora: | 17/06/2016 17:12:48 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO interposta pela UNIÃO FEDERAL contra a sentença de parcial procedência da AÇÃO CIVIL PÚBLICA ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL com fulcro nos artigos 129, III, da Constituição Federal; 6º, VII, "b", da Lei Complementar nº 75/93; 1º, V, e 4º da Lei nº 7.347/85 e 798 do antigo Código de Processo Civil.
Narra a inicial, em apertada síntese, que no dia 27/7/2010, durante o programa "Brasil Urgente" produzido e exibido pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA, o apresentador JOSÉ LUIZ DATENA e o repórter MÁRCIO CAMPOS proferiram declarações ofensivas e preconceituosas ao ateísmo por cinquenta minutos, aproximadamente. Em razão desse fato o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL interpôs a presente ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, objetivando a condenação (1) da RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA a exibir durante o programa "Brasil Urgente" um quadro com a retratação das declarações ofensivas às pessoas ateias e esclarecimentos à população acerca da diversidade religiosa e da liberdade de consciência, com duração mínima do dobro do tempo utilizado no episódio ocorrido em 27/7/2010; (2) e da UNIÃO FEDERAL a fiscalizar adequadamente o referido programa televisivo. Deu-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (fls. 2/10).
Em 1/12/2010, o feito foi distribuído a 5ª Vara Federal de São Paulo/SP (fls. 61).
Em 21/1/2011, o pedido de antecipação da tutela foi indeferido (fls. 71/72).
Em 24/1/2013, foi proferida a sentença de parcial procedência, nos seguintes termos:
(http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/)
Os EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA foram desprovidos (fls. 207/210, 212/213).
A RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA nas razões de APELAÇÃO, requereu a improcedência da ação (fls. 217/224).
A UNIÃO FEDERAL, nas razões de APELAÇÃO, suscitou a preliminar de ilegitimidade passiva, alegando que a responsabilidade pela fiscalização de conteúdo dos serviços de radiodifusão pertence à Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL); e requereu seu deslocamento para o polo ativo da ação (fls. 230/236).
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nas contrarrazões, afirmou que a UNIÃO FEDERAL possui legitimidade passiva, todavia, não se opõe a sua migração para o polo ativo da demanda. No mais, pugnou pela improcedência do recurso da RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA (fls. 239/250, 253/264).
Os EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA, contra a decisão que recebeu as APELAÇÕES no efeito devolutivo, foram rejeitados (fls. 268/273, 274/275).
Neguei seguimento ao AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 2013.03.00.022494-0 interposto pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA, com base no artigo 557, caput, do Código de Processo Civil (fls. 279/282).
Em 8/11/2013, o feito foi distribuído nessa Corte, a minha relatoria (fls. 286).
A PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA, no parecer, opinou pela manutenção da sentença (fls. 287/293).
Em 14/5/2015, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA informaram que se compuseram, requerendo a homologação do acordo e a extinção do feito, com fulcro no artigo 269, III, do Código de Processo Civil, aduzindo que renunciam ao prazo recursal decorrente (fls. 306/310).
No acordo, a RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA comprometeu-se (1) a veicular campanha sobre a diversidade de crenças no Brasil e de não crença (ateísmo), em 72 inserções de 40 segundos nos intervalos dos programas "Brasil Urgente" e "Jornal da BAND", entre 21/5 e 1/11/2015; e (2) a desistir do apelo. Feitas as inserções, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (3) consideraria integralmente cumprida a obrigação fixada na sentença, e (4) desistiria da execução provisória (fls. 306/310).
Em 7/8/2015, após manifestação da PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA e da UNIÃO FEDERAL, essa no sentido de que persistia o interesse no julgamento do seu apelo, determinei (1) o desentranhamento e remessa da petição de fls. 306/310 a 5ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, para acompanhamento do acordo firmado nos autos da execução provisória; (2) a manutenção da cópia da petição de fls. 306/310 nesses autos; (3) a informação pelo Juízo da 5ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP do cumprimento do referido acordo em até 20 dias úteis, contados da data prevista para o término das obrigações assumidas, 1/11/2015; (4) a suspensão do processamento das APELAÇÕES da UNIÃO FEDERAL e da RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA (fls. 314, 319/32, 325/326).
Em 18/11/2015, a 5ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP informou que o acordo celebrado entre o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA foi devidamente cumprido (fls. 334/339).
Em 22/1/2016, após manifestação favorável da PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA, extingui o processo em relação à RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA, com fulcro no artigo 269, III, do Código de Processo Civil (fls. 343, 345).
É o relatório.
À revisão (tempus regit actum).
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042 |
Nº de Série do Certificado: | 172FB228704EFD |
Data e Hora: | 17/06/2016 17:12:44 |
|
|
|
|
|
VOTO
Tendo a UNIÃO sucumbido, dou por interposta a remessa oficial.
A UNIÃO FEDERAL integra o polo passivo dessa ação civil pública por se omitir em relação ao episódio ocorrido em 27/7/2010, durante o programa de televisão "Brasil Urgente", produzido e exibido pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA.
Segundo o Parquet, compete à apelante, por meio do Ministério das Comunicações/Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica, fiscalizar o conteúdo da programação televisiva (fls. 288/verso).
De fato, no sítio do Ministério das Comunicações na internet consta que é sua a competência para a fiscalização das emissoras de radiodifusão quanto ao conteúdo da programação veiculada e para a aplicação das sanções administrativas cabíveis (http://www.mc.gov.br/fiscalizacao).
Todavia, no ano de 2011, o Ministério das Comunicações firmou convênio com a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), habilitando-a a também fiscalizar e instruir processos de apuração de infrações relativas ao conteúdo da programação veiculada, mas mantendo para si a competência para aplicação das sanções administrativas resultantes desses processos (http://www.mc.gov.br/fiscalizacao).
Verifica-se assim que a UNIÃO FEDERAL, por meio do Ministério das Comunicações/Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica e a ANATEL possuem competência concorrente para a fiscalização do conteúdo da programação veiculada na televisão.
Afasto, portanto, a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela UNIÃO FEDERAL.
No mais, a pretensão da apelante de aderir ao polo ativo da ação, com fulcro no artigo 6º, §3º, da Lei nº 4.717/65 - por analogia, resta preclusa.
A UNIÃO FEDERAL, ao manifestar-se nos autos nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.437/92, esclareceu que aguardaria a citação para aquilatar eventual conveniência/interesse em integrar a lide como litisconsorte ativo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 66/68).
Devidamente citada, a UNIÃO FEDERAL deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação da contestação (fls. 167).
Apenas quando as partes foram intimadas a especificar as provas que pretendiam produzir, a UNIÃO FEDERAL voltou a falar nos autos, requerendo a sua exclusão do feito, por ilegitimidade passiva; o indeferimento da tutela antecipada e a improcedência da ação (fls. 168, 176/182).
Esse fato, inclusive, foi destacado na sentença - verbis:
(fls. 184/201).
No mais, em sede de reexame necessário deve-se perscrutar se foi correta a imposição à UNIÃO de fiscalizar o programa "Brasil Urgente", levado ao ar pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES S/A, e apresentado "ao vivo" por José Luiz Datena e sua equipe.
Insta observar desde logo que a fiscalização exercida pela UNIÃO e órgãos estatais conexos sobre as emissões televisivas não podem sequer se aproximar da censura (§ 2º do art. 220 da CF), sendo ainda um absurdo maior pretender-se censurar previamente um programa de teor jornalístico como o "Brasil Urgente", mesmo que não se concorde com algumas posturas ali assumidas, por vezes, pelo apresentador ou sua equipe; no Brasil não há mais censura prévia de programação televisiva ou radiofônica, como foi a tônica durante o Regime Militar; e tratando-se de programa levado ao ar "ao vivo", não se pode cogitar de classificação quanto ao horário de veiculação.
Não tem qualquer propósito condenar a UNIÃO a fiscalizar um programa jornalístico - o que, ao contrário do que prevê a Constituição, pode resultar em certa dose de censura - que é emitido "ao vivo" pela televisão; eventuais excessos que possam ser passíveis de persecução pela via civil ou criminal só poderão ser aferidos a posteriori, não tendo nenhum cabimento a pretensão do Ministério Público Federal em impor à UNIÃO um especial ônus de fiscalizar de modo mais aprofundado um determinado programa de informação.
Ademais, na espécie dos autos, nenhum sentido tem a pretensão ministerial na parte em que foi formulada contra a UNIÃO. Explica-se: o programa televisivo foi acusado de veicular declarações ofensivas e preconceituosas contra o ateísmo; o apresentador Datena relacionou crimes bárbaros que foram efetivamente cometidos, com pessoas que não acreditam em Deus. Sucede não tem o menor propósito impor ao Poder Público atuar de modo a coarctar supostas ofensas ao ateísmo, no cenário de um Estado laico (art. 5º, incs. VI e VIII, da Constituição); não cabe à UNIÃO exercer vigilância sobre um determinado programa de televisão apenas porque o mesmo ataca o ateísmo; a insurgência de quem se sinta ofendido pela postura do apresentador e sua equipe, e do próprio Parquet (como ocorreu na espécie), exercendo legítima persecução, é o suficiente. O programa de radiodifusão não pode ser submetido doravante a um regime especial de vigilância apenas porque defendeu - ainda que "carregando nas tintas" e com um viés lombrosiano fora de moda - que a criminalidade tem conexão com o ateísmo. Em sede de crença ou ausência dela, a Administração Pública não tem lugar a não ser para assegurar a liberdade.
Portanto, a condenação imposta à UNIÃO pela r. sentença fica cancelada.
Assim, pelo exposto, afasto a matéria preliminar, nego provimento à APELAÇÃO da UNIÃO FEDERAL e dou provimento a remessa oficial.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042 |
Nº de Série do Certificado: | 172FB228704EFD |
Data e Hora: | 17/06/2016 17:12:51 |