Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 29/06/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0023966-54.2010.4.03.6100/SP
2010.61.00.023966-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : RADIO E TELEVISAO BANDEIRANTES LTDA
ADVOGADO : SP193035 MARCO AURÉLIO DE SOUZA e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : JEFFERSON APARECIDO DIAS e outro(a)
No. ORIG. : 00239665420104036100 5 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTERPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EM RAZÃO DA VEICULAÇÃO DE DECLARAÇÕES OFENSIVAS E PRECONCEITUOSAS AO ATEÍSMO EM PROGRAMA DE TELEVISÃO ("BRASIL URGENTE"), JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. EXTINÇÃO DO FEITO EM RELAÇÃO À EMISSORA DE RÁDIO E TELEVISÃO APÓS CUMPRIMENTO DE ACORDO CELEBRADO COM O PARQUET FEDERAL. ANÁLISE APENAS DO APELO DA UNIÃO FEDERAL E DA REMESSA OFICIAL DADA COMO OCORRIDA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. PRETENSÃO FEITA PELA UNIÃO EM ADERIR AO POLO ATIVO DA AÇÃO ATINGIDA PELA PRECLUSÃO. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. REMESSA OFICIAL PROVIDA PARA CANCELAR A CONDENAÇÃO DA UNIÃO EM "FISCALIZAR" DIRETA E APROFUNDADAMENTO O PROGRAMA JORNALÍSTICO COMANDADO, "AO VIVO", POR JOSÉ LUIZ DATENA (POSSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DE CENSURA). A LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO IMPEDE QUE A UNIÃO TOME PARTIDO CONTRA CRÍTICAS AO ATEÍSMO FEITAS PELO APRESENTADOR DE TELEVISÃO.
1. Ação civil pública interposta pelo Ministério Público Federal objetivando, em síntese, a condenação (I) da Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda a retratar-se pelas declarações ofensivas e preconceituosas ao ateísmo, durante o programa "Brasil Urgente", no dia 27/7/2010; e (II) da União Federal a fiscalizar adequadamente o referido programa televisivo. Em primeiro grau de jurisdição, o feito foi julgado parcialmente procedente. Tanto a Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda como a União Federal interpuseram apelação.
2. Nessa sede recursal, adveio a notícia de que o MPF e a Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda se compuseram. Após informação do juízo a quo de que o acordo celebrado foi devidamente cumprido, o processo foi extinto em relação à Rádio e Televisão Bandeirantes Ltda, com fulcro no artigo 269, III, do antigo Código de Processo Civil.
3. Análise do apelo da União Federal, acusada de omissão pelo Ministério Público Federal em relação aos fatos tratados nesses autos.
4. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. A União Federal, por meio do Ministério das Comunicações/Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), possuem competência concorrente para a fiscalização do conteúdo da programação veiculada na televisão.
5. Pretensão da União Federal de aderir ao polo ativo da ação, com fulcro no artigo 6º, §3º, da Lei nº 4.717/65 (por analogia), atingida pela preclusão.
6. A União Federal, ao manifestar-se nos autos, nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.437/92, esclareceu que aguardaria a citação para aquilatar eventual conveniência/interesse em integrar a lide como litisconsorte ativo do MPF. Devidamente citada, a apelante deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação da contestação. Apenas quando as partes foram intimadas a especificar as provas que pretendiam produzir, a União Federal voltou a falar nos autos, requerendo a sua exclusão do feito, por ilegitimidade passiva; o indeferimento da tutela antecipada e a improcedência da ação.
7. Nenhum sentido tem a pretensão ministerial na parte em que foi formulada contra a UNIÃO. Explica-se: o programa televisivo foi acusado de veicular declarações ofensivas e preconceituosas contra o ateísmo; o apresentador José Luiz Datena relacionou crimes bárbaros que foram efetivamente cometidos, com pessoas que não acreditam em Deus. Sucede não tem o menor propósito impor ao Poder Público atuar de modo a coarctar supostas ofensas ao ateísmo, no cenário de um Estado laico (art. 5º, incs. VI e VIII, da Constituição); não cabe à UNIÃO exercer vigilância sobre um determinado programa de televisão apenas porque o mesmo ataca o ateísmo; a insurgência de quem se sinta ofendido pela postura do apresentador e sua equipe, e do próprio Parquet (como ocorreu na espécie), exercendo legítima persecução, é o suficiente. O programa de radiodifusão não pode ser submetido doravante a um regime especial de vigilância apenas porque defendeu - ainda que "carregando nas tintas" e com um viés lombrosiano fora de moda - que a criminalidade tem conexão com o ateísmo. Em sede de crença ou ausência dela, a Administração Pública não tem lugar a não ser para assegurar a liberdade.
8. Sentença reformada para cancelar a condenação imposta à União Federal, em sede de remessa oficial dada como ocorrida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar a matéria preliminar e negar provimento à APELAÇÃO da UNIÃO FEDERAL e dar provimento à REMESSA OFICIAL dada como interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 16 de junho de 2016.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0023966-54.2010.4.03.6100/SP
2010.61.00.023966-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : RADIO E TELEVISAO BANDEIRANTES LTDA
ADVOGADO : SP193035 MARCO AURÉLIO DE SOUZA e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : JEFFERSON APARECIDO DIAS e outro(a)
No. ORIG. : 00239665420104036100 5 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, RELATOR:

Trata-se de APELAÇÃO interposta pela UNIÃO FEDERAL contra a sentença de parcial procedência da AÇÃO CIVIL PÚBLICA ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL com fulcro nos artigos 129, III, da Constituição Federal; 6º, VII, "b", da Lei Complementar nº 75/93; 1º, V, e 4º da Lei nº 7.347/85 e 798 do antigo Código de Processo Civil.


Narra a inicial, em apertada síntese, que no dia 27/7/2010, durante o programa "Brasil Urgente" produzido e exibido pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA, o apresentador JOSÉ LUIZ DATENA e o repórter MÁRCIO CAMPOS proferiram declarações ofensivas e preconceituosas ao ateísmo por cinquenta minutos, aproximadamente. Em razão desse fato o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL interpôs a presente ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, objetivando a condenação (1) da RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA a exibir durante o programa "Brasil Urgente" um quadro com a retratação das declarações ofensivas às pessoas ateias e esclarecimentos à população acerca da diversidade religiosa e da liberdade de consciência, com duração mínima do dobro do tempo utilizado no episódio ocorrido em 27/7/2010; (2) e da UNIÃO FEDERAL a fiscalizar adequadamente o referido programa televisivo. Deu-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (fls. 2/10).


Em 1/12/2010, o feito foi distribuído a 5ª Vara Federal de São Paulo/SP (fls. 61).


Em 21/1/2011, o pedido de antecipação da tutela foi indeferido (fls. 71/72).


Em 24/1/2013, foi proferida a sentença de parcial procedência, nos seguintes termos:


...Ante o exposto, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos e:
1) CONDENO a TV Bandeirantes à obrigação de fazer consistente na exibição, durante o programa Brasil Urgente, de quadros com conteúdo a ser fornecido pela parte autora veiculando esclarecimentos à população acerca da diversidade religiosa e da liberdade de consciência e de crença no Brasil, com duração idêntica ao do tempo utilizado para exibição das informações equivocadas ora reconhecidas no dia 27 de julho último, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais);
2) CONDENO à UNIÃO, por meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, que proceda à fiscalização adequada do referido programa e, inclusive, da mencionada exibição.
Impõe-se o afastamento do limite territorial introduzido pela ineficaz Lei nº 9.494/97 aos efeitos da coisa julgada nesta ação civil pública, com o consequente deferimento do direito de resposta aqui pleiteado a ser também exibido em rede nacional, tal como já decidiu o Eg. Superior Tribunal de Justiça (REsp 1243887/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/10/2011, DJe 12/12/2011).
Não há o que se falar em condenação em custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei 7.347/85 e do art. 87, do Código de Defesa do Consumidor, aplicados por isonomia (EREsp 895530/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2009, DJe 18/12/2009)...

(http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/)


Os EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA foram desprovidos (fls. 207/210, 212/213).


A RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA nas razões de APELAÇÃO, requereu a improcedência da ação (fls. 217/224).


A UNIÃO FEDERAL, nas razões de APELAÇÃO, suscitou a preliminar de ilegitimidade passiva, alegando que a responsabilidade pela fiscalização de conteúdo dos serviços de radiodifusão pertence à Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL); e requereu seu deslocamento para o polo ativo da ação (fls. 230/236).


O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nas contrarrazões, afirmou que a UNIÃO FEDERAL possui legitimidade passiva, todavia, não se opõe a sua migração para o polo ativo da demanda. No mais, pugnou pela improcedência do recurso da RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA (fls. 239/250, 253/264).


Os EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA, contra a decisão que recebeu as APELAÇÕES no efeito devolutivo, foram rejeitados (fls. 268/273, 274/275).


Neguei seguimento ao AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 2013.03.00.022494-0 interposto pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA, com base no artigo 557, caput, do Código de Processo Civil (fls. 279/282).


Em 8/11/2013, o feito foi distribuído nessa Corte, a minha relatoria (fls. 286).


A PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA, no parecer, opinou pela manutenção da sentença (fls. 287/293).


Em 14/5/2015, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA informaram que se compuseram, requerendo a homologação do acordo e a extinção do feito, com fulcro no artigo 269, III, do Código de Processo Civil, aduzindo que renunciam ao prazo recursal decorrente (fls. 306/310).


No acordo, a RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA comprometeu-se (1) a veicular campanha sobre a diversidade de crenças no Brasil e de não crença (ateísmo), em 72 inserções de 40 segundos nos intervalos dos programas "Brasil Urgente" e "Jornal da BAND", entre 21/5 e 1/11/2015; e (2) a desistir do apelo. Feitas as inserções, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (3) consideraria integralmente cumprida a obrigação fixada na sentença, e (4) desistiria da execução provisória (fls. 306/310).


Em 7/8/2015, após manifestação da PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA e da UNIÃO FEDERAL, essa no sentido de que persistia o interesse no julgamento do seu apelo, determinei (1) o desentranhamento e remessa da petição de fls. 306/310 a 5ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP, para acompanhamento do acordo firmado nos autos da execução provisória; (2) a manutenção da cópia da petição de fls. 306/310 nesses autos; (3) a informação pelo Juízo da 5ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP do cumprimento do referido acordo em até 20 dias úteis, contados da data prevista para o término das obrigações assumidas, 1/11/2015; (4) a suspensão do processamento das APELAÇÕES da UNIÃO FEDERAL e da RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA (fls. 314, 319/32, 325/326).


Em 18/11/2015, a 5ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP informou que o acordo celebrado entre o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA foi devidamente cumprido (fls. 334/339).


Em 22/1/2016, após manifestação favorável da PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA, extingui o processo em relação à RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA, com fulcro no artigo 269, III, do Código de Processo Civil (fls. 343, 345).


É o relatório.


À revisão (tempus regit actum).



Johonsom di Salvo
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 17/06/2016 17:12:44



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0023966-54.2010.4.03.6100/SP
2010.61.00.023966-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : RADIO E TELEVISAO BANDEIRANTES LTDA
ADVOGADO : SP193035 MARCO AURÉLIO DE SOUZA e outro(a)
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : JEFFERSON APARECIDO DIAS e outro(a)
No. ORIG. : 00239665420104036100 5 Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, RELATOR:

Tendo a UNIÃO sucumbido, dou por interposta a remessa oficial.

A UNIÃO FEDERAL integra o polo passivo dessa ação civil pública por se omitir em relação ao episódio ocorrido em 27/7/2010, durante o programa de televisão "Brasil Urgente", produzido e exibido pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES LTDA.

Segundo o Parquet, compete à apelante, por meio do Ministério das Comunicações/Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica, fiscalizar o conteúdo da programação televisiva (fls. 288/verso).

De fato, no sítio do Ministério das Comunicações na internet consta que é sua a competência para a fiscalização das emissoras de radiodifusão quanto ao conteúdo da programação veiculada e para a aplicação das sanções administrativas cabíveis (http://www.mc.gov.br/fiscalizacao).

Todavia, no ano de 2011, o Ministério das Comunicações firmou convênio com a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), habilitando-a a também fiscalizar e instruir processos de apuração de infrações relativas ao conteúdo da programação veiculada, mas mantendo para si a competência para aplicação das sanções administrativas resultantes desses processos (http://www.mc.gov.br/fiscalizacao).

Verifica-se assim que a UNIÃO FEDERAL, por meio do Ministério das Comunicações/Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica e a ANATEL possuem competência concorrente para a fiscalização do conteúdo da programação veiculada na televisão.

Afasto, portanto, a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela UNIÃO FEDERAL.

No mais, a pretensão da apelante de aderir ao polo ativo da ação, com fulcro no artigo 6º, §3º, da Lei nº 4.717/65 - por analogia, resta preclusa.

A UNIÃO FEDERAL, ao manifestar-se nos autos nos termos do artigo 2º da Lei nº 8.437/92, esclareceu que aguardaria a citação para aquilatar eventual conveniência/interesse em integrar a lide como litisconsorte ativo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 66/68).

Devidamente citada, a UNIÃO FEDERAL deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação da contestação (fls. 167).

Apenas quando as partes foram intimadas a especificar as provas que pretendiam produzir, a UNIÃO FEDERAL voltou a falar nos autos, requerendo a sua exclusão do feito, por ilegitimidade passiva; o indeferimento da tutela antecipada e a improcedência da ação (fls. 168, 176/182).

Esse fato, inclusive, foi destacado na sentença - verbis:

...Ressalte-se, todavia, que à União caberia à prerrogativa de se manifestar no sentido de sua participação no polo ativo da demanda, o que se daria com base na aplicação analógica do art. 6º, 3º, da Lei de Ação Popular (Lei no 4.714/65). Tal interpretação justifica-se ante ao interesse público presente na fiscalização das atividades desempenhadas pela Ré, sob a ótica da concessão pública de sua respectiva radiofrequência de sons e imagens.
Poder-se-ia falar, assim, na possibilidade da União "abster-se de contestar o pedido" ou "atuar ao lado do autor", na medida em que isto se afigurasse útil à consecução de seu poder fiscalizatório nos termos do art. 220 e seguintes da CF/88. Entrementes, até o momento aquele ente Federal não optou em exercer esta prerrogativa, o que, de outro turno, não permite afastar a possibilidade de que responda à lide nos termos do pedido formulado na petição inicial...

(fls. 184/201).

No mais, em sede de reexame necessário deve-se perscrutar se foi correta a imposição à UNIÃO de fiscalizar o programa "Brasil Urgente", levado ao ar pela RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES S/A, e apresentado "ao vivo" por José Luiz Datena e sua equipe.

Insta observar desde logo que a fiscalização exercida pela UNIÃO e órgãos estatais conexos sobre as emissões televisivas não podem sequer se aproximar da censura (§ 2º do art. 220 da CF), sendo ainda um absurdo maior pretender-se censurar previamente um programa de teor jornalístico como o "Brasil Urgente", mesmo que não se concorde com algumas posturas ali assumidas, por vezes, pelo apresentador ou sua equipe; no Brasil não há mais censura prévia de programação televisiva ou radiofônica, como foi a tônica durante o Regime Militar; e tratando-se de programa levado ao ar "ao vivo", não se pode cogitar de classificação quanto ao horário de veiculação.

Não tem qualquer propósito condenar a UNIÃO a fiscalizar um programa jornalístico - o que, ao contrário do que prevê a Constituição, pode resultar em certa dose de censura - que é emitido "ao vivo" pela televisão; eventuais excessos que possam ser passíveis de persecução pela via civil ou criminal só poderão ser aferidos a posteriori, não tendo nenhum cabimento a pretensão do Ministério Público Federal em impor à UNIÃO um especial ônus de fiscalizar de modo mais aprofundado um determinado programa de informação.

Ademais, na espécie dos autos, nenhum sentido tem a pretensão ministerial na parte em que foi formulada contra a UNIÃO. Explica-se: o programa televisivo foi acusado de veicular declarações ofensivas e preconceituosas contra o ateísmo; o apresentador Datena relacionou crimes bárbaros que foram efetivamente cometidos, com pessoas que não acreditam em Deus. Sucede não tem o menor propósito impor ao Poder Público atuar de modo a coarctar supostas ofensas ao ateísmo, no cenário de um Estado laico (art. 5º, incs. VI e VIII, da Constituição); não cabe à UNIÃO exercer vigilância sobre um determinado programa de televisão apenas porque o mesmo ataca o ateísmo; a insurgência de quem se sinta ofendido pela postura do apresentador e sua equipe, e do próprio Parquet (como ocorreu na espécie), exercendo legítima persecução, é o suficiente. O programa de radiodifusão não pode ser submetido doravante a um regime especial de vigilância apenas porque defendeu - ainda que "carregando nas tintas" e com um viés lombrosiano fora de moda - que a criminalidade tem conexão com o ateísmo. Em sede de crença ou ausência dela, a Administração Pública não tem lugar a não ser para assegurar a liberdade.

Portanto, a condenação imposta à UNIÃO pela r. sentença fica cancelada.

Assim, pelo exposto, afasto a matéria preliminar, nego provimento à APELAÇÃO da UNIÃO FEDERAL e dou provimento a remessa oficial.

É o voto.

Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO:10042
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Data e Hora: 17/06/2016 17:12:51